A Questão do direito ao Sigilo e o direito do Fisco– Legislação e Jurisprudência
O Alcance dos Poderes da Fiscalização
O direito tributário é uma área específica do direito que possibilita muitas discussões, de forma que, mesmo quando determinados temas parecem estar sedimentados pela doutrina, eles podem ainda ser questionados, sob novas óticas. Um bom exemplo disso é a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o direito ao sigilo, confrontado ao direito do Fisco de solicitar informações junto a instituições financeiras – consolidado no Informativo STF nº 815, no ano de 2016.
Quando qualquer estudioso começa a estudar direito tributário, uma das fontes principais para buscar conhecimento é a Lei nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN). O direito tributário rege-se pelas normas jurídicas em geral, ressalvado o já determinado pelo CTN a esse respeito. Na parte de Administração Tributária (arts. 194 a 200) é possível notar o caráter coercitivo do poder estatal em suas atividades de fiscalização, quando o CTN determina que a fiscalização se aplica “às pessoas naturais e jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade tributária ou de isenção de caráter pessoal” (art. 194, parág. único).
Seguindo nesta digressão, o CTN prevê que “Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:
(…)
II – os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;
(…)
VII – quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.
Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.”
Desta feita, mediante intimação por escrito, tais entidades elencadas neste dispositivo legal são obrigadas a prestar informações para as autoridades tributárias. Aparentemente, não há a menor dúvida do que a lei prevê, e das prerrogativas de que as autoridades tributárias dispõem – neste ponto o texto é claro, sem margem a dúvidas. Entretanto, no direito, a retórica possui uma participação imprescindível, permitindo que, dada uma determinada tese, mesmo um dispositivo claro como esse possa ser questionado judicialmente. E, diante das leis existentes, discute-se os limites de fiscalização frente ao direito individual ao sigilo.
As mudanças no ambiente criminal e tributário nos últimos anos
No mundo real, os crimes financeiros e tributários ficaram mais sofisticados, exigindo dos poderes públicos mais investigações e interligações entre os fluxos financeiros (que, de predominantemente nacionais, passaram a ser internacionais), de forma a buscar mais meios de ação. Tal análise leva em conta o contexto em que estavam sendo cometidos estes crimes, que envolviam desde desvio de fundos, transações ilegais, financiamento do crime organizado e atividades terroristas. Concomitantemente, os crimes e infrações tributárias também ficaram mais sofisticados, exigindo também mais poder e meios de fiscalização.
Assim, foi promulgada a Lei Complementar nº 105/2001 (LC 105/2001), com vistas a aumentar os meios de ação das autoridades judiciais, policiais e tributárias. Neste contexto, com a crescente complexidade do sistema financeiro, dispositivos como esta lei passaram a ser vitais.
É necessário ressaltar que, diferentemente das autoridades tributárias que já possuem tais prerrogativas previstas no CTN, no processo criminal, no âmbito de seus poderes de investigação, o acesso a dados financeiros sobre qualquer pessoa somente se concede mediante autorização judicial. Ainda assim, tal distinção ensejou uma reação de contribuintes que, de um lado, estariam sujeitos a uma devassa em suas contas se houvesse uma autorização judicial – mas não haveria a mesma necessidade de que, em um processo administrativo tributário, de aguardar uma autorização de um juiz, de forma que estes contribuintes passaram a se sentir mais vulneráveis perante o fisco. E assim se verifica a possível dicotomia: o direito ao sigilo em contraposição ao direito do Fisco.
O entendimento dos direitos e garantias do cidadão sob a Constituição Federal de 1988 e o conflito com os poderes da fiscalização
Com o advento da Constituição Federal de 1988 (CF/88) , houve uma ampliação do conceito dos direitos e garantias individuais do cidadão. Embora o CTN tenha sido recepcionado por esta então nova constituição, um novo debate surgiu em decorrência deste novo cenário: as garantias e direitos de contribuinte que sentiam que havia uma “quebra” de seu direito de sigilo, nos termos do artigo 5º, X, e XII, da constituição, e, do outro lado, as prerrogativas e garantias dos poderes da fiscalização tributária.
Entre o CTN e a LC 105/2001, houve a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Embora sejam eventos independentes entre si, a entrada destes dispositivos legais permitiu avanços em muitos conceitos sobre direitos e garantias individuais.
Contribuintes começaram a suscitar quais seriam os limites desta relação. Nestas situações, há o conflito entre o direito ao sigilo confrontado ao direito do Fisco. Se o Fisco solicita informações particulares em instituições financeiras em geral, não seria essa uma violação da privacidade destes contribuintes? Da mesma maneira que em uma investigação criminal, não deveria haver autorização judicial também para a quebra do sigilo de um contribuinte?
Adicionalmente, contribuintes começaram a questionar os poderes fiscalizatórios do fisco, face ao direito à intimidade e privacidade individuais, havendo inclusive decisões liminares favoráveis a estes direitos individuais. Como decisões liminares não são definitivas, esta discussão prosseguiu, até ser levada via Ação Direta de Inconstitucionalidade ao STF.
Logo, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade ADI 2390/DF, ADI 2386/DF, ADI 2397/DF e ADI 2859/DF e o Recurso Extraordinário RE 601314/SP entraram para análise do STF, em 24/02/2016. Tais ações visavam confirmar a inconstitucionalidade do artigo 6.o da Lei Complementar n.o 105/2001.
O texto do artigo o qual as ações buscavam impugnar é este: “Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente“.
As questões apresentadas e a decisão do STF
A questão mais importante que chegou ao STF para analisar no julgamento era se o sigilo bancário seria protegido pela CF/88. Estaria o sigilo bancário entre os direitos e garantias fundamentais? De acordo com o STF, sim. E o STF elenca dois incisos do artigo 5º: “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(…)
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”;
Com base nestes dispositivos, O STF analisou o aparente problema entre o direito fundamental ao sigilo em contraponto ao direito do Fisco. Sobre a necessidade de medida judicial para a quebra do sigilo: em termos gerais, seria esta medida necessária? Se sim, tal medida seria aplicável ao procedimento do fisco? Conforme o entendimento do STF, em termos gerais, é necessária medida judicial para acessar dados de uma pessoa física ou jurídica; no entanto, como já está previsto no artigo 6º da LC 105/2001, a fazenda pública realiza este procedimento sem se submeter ao rito judicial, podendo realizar a intimação de forma própria. Então, o STF afirmou que o artigo 6º da LC 105 é, sim, constitucional.
Restaria mais um questionamento nesta ação. Da mesma forma que em uma medida judicial, a intimação para entrega de informações ao fisco não representaria uma quebra de sigilo? De acordo com o entendimento exarado pelo STF, na situação da solicitação de informações pela autoridade fiscal, não há quebra de sigilo.
O que se observa é a transferência do sigilo para a esfera fiscal – ou seja, o sigilo se mantém, respondendo os agentes públicos por qualquer divulgação indevida destes dados. A própria LC 105 prevê punições aos responsáveis pelo vazamento destas informações.
Quais conclusões podem ser apreendidas desta decisão – Direito ao Sigilo e Direito ao Fisco
Esta decisão é importante para compreender pontos fundamentais sobre fiscalização tributária (que também foram objeto de discussões na sessão plenária do STF). Por exemplo, o sigilo bancário foi considerado um direito fundamental, mas, como outros direitos na carta constitucional, não é absoluto. A LC 105/2001 é mais um dos instrumentos para fiscalizar o dever fundamental do contribuinte de pagar tributos – dever este que é alicerçado na ideia de solidariedade social, e na manutenção de um Estado que promova direitos fundamentais.
Nesse diapasão, é vital a adoção mecanismos efetivos de combate à sonegação fiscal. A LC 105/2001 não viola a CF/88.
O art. 6º é taxativo e razoável ao facultar o exame de informações das instituições financeiras somente se houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Adicionalmente, o parágrafo único exigiu que, quando essas informações chegassem ao Fisco, ali mantivessem o dever de sigilo. Desta forma, não há ofensa à intimidade ou qualquer outro direito fundamental, pois a LC 105/2001 não permite a “quebra de sigilo bancário”, mas sim a transferência desse sigilo dos bancos ao Fisco.
A prática prevista na LC 105/2001 é comum em vários países desenvolvidos e a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo questionado seria um retrocesso diante dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para combater ilícitos como a lavagem de dinheiro e evasão de divisas e para coibir práticas de organizações criminosas.
Uma última consideração é a de que o entendimento do STF sobre os poderes fiscalizatórios do fisco é aplicável em todas as fiscalizações dos entes federativos brasileiros (União, Estados e Municípios). Entretanto, cabe aqui uma última ressalva: todos os entes federativos devem regulamentar o procedimento fiscalizatório mediante um decreto, de forma análoga ao Decreto nº 3724/2001, da União.
Ricardo Pereira de Oliveira
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