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Informativo STJ 723 Comentado


Informativo nº 723 do STJ COMENTADO pintando na telinha (do seu computador, notebook, tablet, celular…) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!

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DIREITO CIVIL

1.      Prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador – e vice-versa – baseada em suposto inadimplemento de deveres

RECURSO ESPECIAL

É ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador – e vice-versa – baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, “b”, do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916).

REsp 1.303.374-ES, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por maioria, julgado em 30/11/2021, DJe 16/12/2021. (Tema IAC 2) (Info 723)

1.1.  Situação FÁTICA.

Mirosmar ajuizou em 06/02/2004 ação em face de Pagonada insurgindo-se contra o cancelamento unilateral de contrato primitivo de seguro de vida coletivo e a nova pactuação em condições menos favoráveis. Na inicial, o autor afirma que teria aderido ao contrato de seguro há mais de vinte anos, tendo pago regularmente as mensalidades.

Ocorre que em 21/02/2002, Mirosmar recebeu correspondências da seguradora informando que a apólice não seria renovada no seu vencimento (31.3.2002) e propondo a migração automática, em 1º.4.2002, para o Seguro Ouro Vida Grupo, mudança que teria acarretado em prejuízo ao autor, uma vez que o novo seguro estipulou mensalidades que foram majoradas acima do índice da inflação.

A seguradora então suscitou o decurso do prazo prescricional ânuo entre a data do recebimento da notificação de não renovação do seguro (21.1.2002) e a data da propositura da demanda.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil de 2002:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Art. 206. Prescreve:

II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

§ 3 Em três anos:

V – a pretensão de reparação civil;

CDC:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

1.2.2.     Qual o prazo prescricional a ser observado?

R: O anual!!!

Nos termos da jurisprudência da Segunda Seção e da Corte Especial, o prazo trienal do artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil de 2002 adstringe-se às pretensões de indenização decorrente de responsabilidade civil extracontratual – inobservância do dever geral de não lesar -, não alcançando as pretensões reparatórias derivadas do inadimplemento de obrigações contratuais.

Em relação ao que se deve entender por “inadimplemento contratual”, cumpre salientar, inicialmente, que a visão dinâmica da relação obrigacional – adotada pelo direito moderno – contempla não só os seus elementos constitutivos, como também as finalidades visadas pelo vínculo jurídico, compreendendo-se a obrigação como um processo, ou seja, uma série de atos encadeados conducentes a um adimplemento plenamente satisfatório do interesse do credor, o que não deve implicar a tiranização do devedor, mas sim a imposição de uma conduta leal e cooperativa das partes.

Nessa perspectiva, o conteúdo da obrigação contratual (direitos e obrigações das partes) TRANSCENDE as “prestações nucleares” expressamente pactuadas (os chamados deveres principais ou primários), abrangendo, outrossim, deveres secundários (ou acessórios) e fiduciários (ou anexos).

Sob essa ótica, a violação dos deveres anexos (ou fiduciários) encartados na avença securitária implica a obrigação de reparar os danos (materiais ou morais) causados, o que traduz responsabilidade civil contratual, e não extracontratual, exegese, que, por sinal, é consagrada pelo STJ nos julgados em que se diferenciam “o dano moral advindo de relação jurídica contratual” e “o dano moral decorrente de responsabilidade extracontratual” para fins de definição do termo inicial de juros de mora (citação ou evento danoso).

Diante de tais premissas, é óbvio que as pretensões deduzidas na demanda – restabelecimento da apólice que teria sido indevidamente extinta, dano moral pela negativa de renovação e ressarcimento de prêmios supostamente pagos a maior – encontram-se intrinsecamente vinculadas ao conteúdo da relação obrigacional COMPLEXA instaurada com o contrato de seguro.

Nesse quadro, não sendo hipótese de incidência do prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205 do Código Civil de 2002, por existir regra específica atinente ao exercício das pretensões do segurado em face do segurador (e vice-versa) emanadas da relação jurídica contratual securitária, afigura-se impositiva a observância da prescrição ânua (artigo 206, § 1º, II, “b”, do referido Codex) tanto no que diz respeito à pretensão de restabelecimento das condições gerais da apólice extinta quanto em relação ao ressarcimento de prêmios e à indenização por dano moral em virtude de conduta da seguradora amparada em cláusula supostamente abusiva.

Além disso, não se aplica o prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 27 do CDC, que se circunscreve às pretensões de ressarcimento de dano causado por fato do produto ou do serviço (o chamado “acidente de consumo”), que decorre da violação de um “dever de qualidade-segurança” imputado ao fornecedor como reflexo do princípio da proteção da confiança do consumidor (artigo 12).

Registre-se, por fim, que o prazo prescricional ânuo não alcança, por óbvio, os seguros-saúde e os planos de saúde – dada a natureza sui generis desses contratos, em relação aos quais esta Corte assentou a observância dos prazos prescricionais decenal ou trienal, a depender da natureza da pretensão – nem o seguro de responsabilidade civil obrigatório (o seguro DPVAT), cujo prazo trienal decorre de dicção legal específica (artigo 206, § 3º, inciso IX, do Código Civil), já tendo sido reconhecida pela Segunda Seção a inexistência de relação jurídica contratual entre o proprietário do veículo e as seguradoras que compõem o correlato consórcio (REsp 1.091.756/MG, relator Ministro Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 13/12/2017, DJe 5/2/2018).

1.2.3.     Resultado final.

É ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador – e vice-versa – baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, “b”, do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916).

2.      Termo inicial do prazo prescricional para a seguradora cobrar do segurado prêmios inadimplidos nos seguros de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga

RECURSO ESPECIAL

O prazo prescricional ânuo para a seguradora cobrar do segurado prêmios inadimplidos nos seguros de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga (RCTR-C e RCF-DC) conta-se a partir do vencimento de cada título, ficha de compensação ou boleto, sendo, para os prêmios calculados com base no valor dos bens ou mercadorias averbados (apólice aberta), o vencimento de cada fatura ou conta mensal.

REsp 1.947.702-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021. (Info 723)

2.1.  Situação FÁTICA.

Rodo Transportes apresentou embargos à execução, incidentes à ação executiva ajuizada pela seguradora Cobrotudo, alegando a ocorrência da prescrição da pretensão de cobrança de prêmios de contratos de seguro: Seguro de Responsabilidade Civil Obrigatório do Transportador Rodoviário – Carga (RCTR-C) e Seguro de Responsabilidade Civil Facultativa do Transportador Rodoviário – Desaparecimento de Carga (RCF-DC).

No entanto, o magistrado de primeiro grau, entendendo que a prescrição ânua, conforme estabelece o artigo 206, § 1º, inciso II do Código Civil, conta-se a partir da data do vencimento de cada título e que os vencimentos dos títulos se encontravam dentro do prazo prescricional de um ano, julgou improcedentes os embargos do devedor, determinando o prosseguimento da execução.

Inconformada, a seguradora interpôs sucessivos recursos nos quais sustenta que a pretensão de receber os valores pactuados pela cobertura contratada surge com o inadimplemento do pagamento do prêmio, cujo termo seria a data de pagamento constante da nota de seguro/boleto bancário (documento que efetivamente possibilitaria a quitação da obrigação).

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil:

Art. 206. Prescreve:

§ 1 Em um ano:

II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

2.2.2.     Qual o termo inicial a ser observado?

R:  A data a partir do VENCIMENTO de cada título, ficha de compensação ou boleto, sendo, para os prêmios calculados com base no valor dos bens ou mercadorias averbados (apólice aberta), o vencimento de cada fatura ou conta mensal.

Inicialmente cumpre salientar que, no tocante à prescrição, o art. 206, § 1º, II, “b”, do CC estabelece que prescreve em 1 (um) ano a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo, no caso, da ciência do fato gerador da pretensão.

Além disso, depreende-se que existem 3 tipos de prêmios: o prêmio inicial, decorrente da emissão da apólice; o prêmio de averbação ou de embarques e o prêmio residual de aditivos, renovações e endossos.

Conforme os arts. 29 da Resolução-CNSP n. 219/2010 e 15.2 da Circular-SUSEP n. 422/2011, a data-limite para pagamento do prêmio não poderá ultrapassar o 30º (trigésimo) dia da emissão da apólice, da fatura ou da conta mensal, do aditivo de renovação, dos aditivos ou endossos dos quais resultem aumento do prêmio.

Logo, conclui-se que a pretensão da seguradora de exigir do segurado os prêmios inadimplidos nasce com o vencimento de cada título de cobrança, ocasião em que terá fluência o prazo prescricional, que pode ser, a depender da natureza do prêmio, o esgotamento da data-limite para o pagamento originado da emissão da apólice (prêmio inicial), da emissão da fatura ou conta mensal (prêmio de averbação) ou da emissão do aditivo ou endosso (prêmio residual).

Para o seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga (RCTR-C e RCF-DC), de apólices abertas, em virtude de os transportadores terrestres não saberem quando serão chamados a recolher as mercadorias, tampouco o valor e o local de destino, a entrega da averbação com os detalhes necessários à caracterização do risco é feita no dia seguinte à emissão dos conhecimentos ou manifestos de carga. Com base nos pedidos de averbação recebidos, geralmente em cada mês de vigência do seguro, a seguradora extrai a conta mensal de prêmio, encaminhando-a ao segurado para o respectivo pagamento (Resolução-CNSP nº 219/2010 e Circular-SUSEP nº 422/2011).

Assim, o prazo prescricional ânuo para a seguradora cobrar do segurado prêmios inadimplidos nos seguros de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga (RCTR-C e RCF-DC) conta-se a partir do vencimento de cada título, ficha de compensação ou boleto, sendo, para os prêmios calculados com base no valor dos bens ou mercadorias averbados (apólice aberta), o vencimento de cada fatura ou conta mensal.

2.2.3.     Resultado final.

O prazo prescricional ânuo para a seguradora cobrar do segurado prêmios inadimplidos nos seguros de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga (RCTR-C e RCF-DC) conta-se a partir do vencimento de cada título, ficha de compensação ou boleto, sendo, para os prêmios calculados com base no valor dos bens ou mercadorias averbados (apólice aberta), o vencimento de cada fatura ou conta mensal.

3.      (Im)Possibilidade de exclusão de matéria jornalística e direito ao esquecimento

RECURSO ESPECIAL

O direito ao esquecimento não justifica a exclusão de matéria jornalística.

REsp 1.961.581-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021. (Info 723)

3.1.  Situação FÁTICA.

Venceslau ajuizou ação de obrigação de fazer em desfavor de Glóbulo Brasil, em razão da publicação de notícia acerca da prática de crime pelo qual ele foi posteriormente absolvido. Conforme o autor, as notícias interferiram e continuam repercutindo negativamente na sua vida profissional. Sustentou ainda não existir interesse social na manutenção das matérias.

A sentença julgou parcialmente procedente os pedidos do autor e condenou a empresa a retirar do ar as URLs indicadas por Venceslau, bem como proibiu a ré de repercutir novamente as matérias ali tratadas. Inconformada, Glóbulo interpôs sucessivos recursos nos quais sustenta que ao divulgar a notícia, apenas exerceu seu direito à informação e à liberdade de expressão, os quais devem prevalecer sobre o direito à privacidade e à honra.

Sustentou ainda que o direito ao esquecimento não se coaduna à ordem jurídica brasileira e representaria um retrocesso. Defendeu por fim que, inexistiria irregularidade na matéria, já que apenas informou a prisão do recorrido e não a existência de condenação, não sendo cabível a sua exclusão.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     O direito ao esquecimento justifica a exclusão de matéria jornalística?

R: Nooops!!!!

O direito à liberdade de imprensa não é absoluto, devendo sempre ser alicerçado na ética e na boa-fé, sob pena de caracterizar-se abusivo. A esse respeito, a jurisprudência do STJ é consolidada no sentido de que a atividade da imprensa deve pautar-se em três pilares, a saber: (I) dever de VERACIDADE, (II) dever de PERTINÊNCIA e (III) dever geral de CUIDADO. Ou seja, o exercício do direito à liberdade de imprensa será considerado legítimo se o conteúdo transmitido for verdadeiro, de interesse público e não violar os direitos da personalidade do indivíduo noticiado.

Se esses deveres não forem observados e disso resultar ofensa a direito da personalidade da pessoa objeto da comunicação, surgirá para o ofendido o direito de ser reparado.

No caso, consoante destacado pelo Tribunal de origem, não há dúvidas acerca da veracidade da informação divulgada. Ademais, tratando-se de fato relativo à esfera penal, revela-se presente o interesse público na notícia. Por sua vez, em que pese o recorrido tenha alegado que a notícia interferiu e interfere negativamente na sua vida profissional, não alegou que a sua divulgação pela imprensa teve o propósito de ofender a sua honra.

Desse modo, não houve abuso no exercício da liberdade de imprensa.

É preciso definir, então, se o tempo transcorrido desde a ocorrência do fato é capaz, por si só, de justificar a imposição do dever de proceder à exclusão da matéria jornalística.

Em algumas oportunidades, a Quarta e a Sexta Turmas do STJ se pronunciaram favoravelmente acerca da existência do direito ao esquecimento. Considerando os efeitos jurídicos da passagem do tempo, ponderou-se que o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por meio de diversos institutos (prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada).

Ocorre que, em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal definiu que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal (Tema 786). Assim, o direito ao esquecimento, porque incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, não é capaz de justificar a atribuição da obrigação de excluir a publicação relativa a fatos verídicos.

3.2.2.     Resultado final.

O direito ao esquecimento não justifica a exclusão de matéria jornalística.

4.      Cabimento da alteração de nome de menor para exclusão de agnome e inclusão de sobrenome materno

RECURSO ESPECIAL

Não é cabível, sem motivação idônea, a alteração do nome de menor para exclusão do agnome “filho” e inclusão do sobrenome materno.

REsp 1.731.091-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021. (Info 723)

4.1.  Situação FÁTICA.

Nerso Filho., representado pela sua mãe Suzete, ajuizou ação de ação de retificação de registro civil aduzindo ser filho biológico de Nerso e Suzete e que, por ocasião de seu nascimento, recebeu o mesmo nome do pai, acrescido de FILHO para diferenciação.

Conforme a inicial, enquanto seus pais estavam casados, isso não lhe causou nenhum aborrecimento, mas que, com a separação de seus pais e posterior divórcio, a circunstância de não ter acrescido ao seu nome o sobrenome da mãe ocasiona constrangimento, pois possui irmã que possui sobrenome do pai e da mãe.

O Juízo da Vara de Registros Públicos julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial. Por sua vez, o Tribunal local reformou a decisão para permitir o acréscimo do sobrenome materno, mas não para autorizar a exclusão do agnome “filho”.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei dos Registros Públicos:

Art. 54. O assento do nascimento deverá conter:   

7º) Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal. 

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.   

Art. 57.  A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. 

Art. 110.  O oficial retificará o registro, a averbação ou a anotação, de ofício ou a requerimento do interessado, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de prévia autorização judicial ou manifestação do Ministério Público, nos casos de:   

I – erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção;    

II – erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimentos, bem como outros títulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação ficará arquivado no registro no cartório;     

III – inexatidão da ordem cronológica e sucessiva referente à numeração do livro, da folha, da página, do termo, bem como da data do registro;     

IV – ausência de indicação do Município relativo ao nascimento ou naturalidade do registrado, nas hipóteses em que existir descrição precisa do endereço do local do nascimento;

V – elevação de Distrito a Município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei. 

Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 21. O pátrio poder poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Código Civil:

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

4.2.2.     Possível a exclusão do agnome e acréscimo do sobrenome materno?

R: Sem motivação idônea, NÃO!!!

A questão controvertida consiste em saber se é possível, em exercício do poder familiar exclusivamente pelo genitor que detém a guarda do menor, ser estabelecida a alteração de nome para exclusão de agnome “filho” e inclusão de sobrenome da mãe-guardiã, ao fundamento de atender ao melhor interesse da criança, por propiciar sua melhor identificação e “estreitamento de laços para com a família materna”.

O sobrenome tem a função de revelar a estirpe familiar no meio social, como também de reduzir riscos de homonímia. Com efeito, aquele que recebe o nome de seu genitor acrescido do agnome “filho” ou “filha” não tem nenhuma mitigação do vínculo com as famílias de seus genitores, tampouco sofre constrangimento por não ter os mesmos sobrenomes de eventual irmão, pois não é função do nome de família estreitar ligação afetiva.

Ademais, o registro de nascimento já contém os nomes dos pais e dos avós paternos e maternos, conforme disposto no art. 54 da Lei dos Registros Públicos. A inclusão do sobrenome materno em quem detém o agnome “filho” não é adequada, sendo certo que o nome dos pais, com seus respectivos sobrenomes, está necessariamente gravado em todas certidões e documentos civis, eleitorais e trabalhistas e que a ausência do apelido de família materno no nome do infante não impede que o autor da ação, no futuro, venha a fazer constar sobrenome de ascendentes, inclusive de avós, no nome de eventual prole.

O art. 57 da Lei dos Registros Públicos elucida que alteração posterior de nome somente é possível por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei, qual seja: I – erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção; II – erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimentos, bem como outros títulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação ficará arquivado no registro no cartório; III – inexatidão da ordem cronológica e sucessiva referente à numeração do livro, da folha, da página, do termo, bem como da data do registro; IV – ausência de indicação do Município relativo ao nascimento ou naturalidade do registrado, nas hipóteses em que existir descrição precisa do endereço do local do nascimento; V – elevação de Distrito a Município ou alteração de suas nomenclaturas por força de lei.

Por um lado, muito embora o princípio da imutabilidade do nome seja adstrito apenas ao sobrenome (art. 56 da Lei dos Registros Públicos), e não ao prenome ou agnome, ainda assim a exceção que enseja a mudança, em regra, são as hipóteses de inadequação social, sexo psicológico, ridicularia – o que, no caso, não se constata nem é alegado.

Além disso, o art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que o poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil; e o art. 1.632 do Código Civil dispõe que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito que aos primeiros cabe de terem em sua companhia os segundos.

Assim, eventual alteração do nome só seria possível cogitar à luz do art. 56 da Lei dos Registros Públicos, isto é, no primeiro ano após o atingimento da maioridade civil do autor, pois não se pode, sem motivação idônea, simplesmente esvaziar o poder familiar do genitor, em questão a envolver o próprio direito da personalidade do menor.

4.2.3.     Resultado final.

Não é cabível, sem motivação idônea, a alteração do nome de menor para exclusão do agnome “filho” e inclusão do sobrenome materno.

5.      Bem de família e imóvel tenha sido adquirido no curso de uma demanda executiva

RECURSO ESPECIAL

Para o bem de família instituído nos moldes da Lei n. 8.009/1990, a proteção conferida pelo instituto alcançará todas as obrigações do devedor, indistintamente, ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso de uma demanda executiva.

REsp 1.792.265-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021. (Info 723)

5.1.  Situação FÁTICA.

Em uma execução, o Tribunal local proibiu a penhora do único imóvel dos devedores com comprovada residência no local, mesmo tendo sido adquirido no curso da execução, por considerá-lo bem de família legal.

Em recurso especial, o credor Jurandir sustentou a impossibilidade de reconhecimento da impenhorabilidade do imóvel, porque o bem teria sido adquirido depois de proferida decisão judicial que declarou o executado devedor. Apontou ainda que o bem de família foi instituído por ato de vontade do executado e que, nesse caso, a impenhorabilidade sobre o imóvel é limitada, valendo, tão somente, em relação a dívidas futuras, posteriores à instituição convencional.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.     Questão JURÍDICA.

CC/2002:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

Lei n. 8.009/1990:

Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

§ 1º Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.

§ 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.

5.2.2.     Possível a penhora do bem?

R: Nooops!!!!

A controvérsia consiste em definir se o imóvel adquirido no curso da demanda executiva pode ser considerado bem de família, para os fins de impenhorabilidade.

O bem de família legal (Lei n. 8.009/1990) e o convencional (Código Civil) coexistem no ordenamento jurídico, harmoniosamente. A disciplina legal tem como instituidor o próprio Estado e volta-se para o sujeito de direito – entidade familiar -, pretendendo resguardar-lhe a dignidade, por meio da proteção do imóvel que lhe sirva de residência. O bem de família convencional, decorrente da vontade do instituidor, objetiva, primordialmente, a proteção do patrimônio contra eventual execução forçada de dívidas do proprietário do bem.

O bem de família legal dispensa a realização de ato jurídico, bastando para sua formalização que o imóvel se destine à residência familiar. Por sua vez, para o voluntário, o Código Civil condiciona a validade da escolha do imóvel à formalização por escritura pública e à circunstância de que seu valor não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente no momento da afetação.

Nos termos da Lei n. 8.009/1990, para que a impenhorabilidade tenha validade, além de ser utilizado como residência pela entidade familiar, o imóvel será sempre o de menor valor, caso o beneficiário possua outros. Já na hipótese convencional esse requisito é dispensável e o valor do imóvel é considerado apenas em relação ao patrimônio total em que inserido o bem.

Nas situações em que o sujeito possua mais de um bem imóvel em que resida, a impenhorabilidade poderá incidir sobre imóvel de maior valor, caso tenha sido instituído, formalmente, como bem de família, no Registro de Imóveis (art. 1711, CC/2002) ou, caso não haja instituição voluntária formal, automaticamente, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor (art. 5°, parágrafo único, da Lei n. 8.009/1990).

Com efeito, diz-se que o destaque da instituição voluntária será percebida na realidade de múltiplas propriedades, pela simples razão de que, sendo o executado proprietário de apenas um imóvel, utilizado para residência, a condição de bem de família já recaía sobre ele, antes mesmo de registrada a opção. Ou seja, mesmo que exista apenas um bem sob o domínio do instituidor, este poderá, sim, oficializar sua vontade de que, verdadeiramente, recaia sobre ele a característica de bem família, situação em que serão coincidentes as vontades Estatal e privada.

No que se refere às dívidas sobre as quais o escudo protetivo incidirá, para o bem de família instituído nos moldes da Lei n. 8.009/1990, a proteção conferida pelo instituto alcançará todas as obrigações do devedor, indistintamente, ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso de uma demanda executiva. Por sua vez, a impenhorabilidade convencional é relativa, uma vez que o imóvel apenas estará protegido da execução por dívidas subsequentes à sua constituição, não servindo às obrigações existentes no momento de seu gravame.

Ressalte-se que a indistinta proteção, no que respeita ao momento em que a obrigação fora contraída, legitima-se tão somente num cenário em que se evidenciado o uso regular do direito. É que, independentemente do regime legal a que está submetido o instituto, não se admitirá a proteção irrestrita se isso significar o alijamento da garantia, contrariando a ética e a boa-fé, indispensáveis em todas as relações negociais. Exatamente esse o comando do art. 4° da Lei n. 8.009/1990.

Nessa linha, mister reconhecer que só o fato de ser o imóvel residencial bem único do executado, sobre ele, necessariamente, incidirão as normas da Lei n. 8.009/1990, mormente a impenhorabilidade questionada.

De fato, ainda que se tratasse de imóvel voluntariamente instituído como bem de família (regime do Código Civil), conforme demonstrado alhures, tendo em vista tratar-se de único bem imóvel do executado, a proteção conferida pela Lei n. 8.009/1990 subsistiria, de maneira coincidente e simultânea, e, nessa extensão, seria capaz de preservar o bem da penhora de dívidas constituídas anteriormente à instituição voluntária. É que a proteção viria do regime legal e não do regime convencional.

5.2.3.     Resultado final.

Para o bem de família instituído nos moldes da Lei n. 8.009/1990, a proteção conferida pelo instituto alcançará todas as obrigações do devedor, indistintamente, ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso de uma demanda executiva.

RECURSO ESPECIAL

No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.

REsp 1.922.347-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, Dje 01/02/2022. (Info 723)

6.1.  Situação FÁTICA.

Virso e sua companheira Crementina celebraram escritura pública de união estável quando o primeiro contava com 77 anos de idade – com observância, portanto, do regime da separação obrigatória de bens -, oportunidade em que as partes, de livre e espontânea vontade, realizaram pacto antenupcial estipulando termos ainda mais protetivo ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.

Após o óbito de Virso, Crementina ajuizou pedido de inventário judicial do falecido, na qualidade de companheira sobrevivente, tendo o magistrado acolhido a impugnação dos herdeiros para excluí-la da partilha dos bens deixados por Virso, inclusive a removendo da inventariança.

Conforme o magistrado, as partes firmaram pacto antenupcial claramente optando pelo regime da separação de bens. Logo, seria indevida a pretensão dela referente à meação de bens em nome do falecido, tampouco a manutenção da falecida na condição do encargo de inventariante, por lhe falecer interesse na meação, ou mesmo na partilha.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; 

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1 A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2 As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

R: Yeaph!!!

O pacto antenupcial e o contrato de convivência definem as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar, formando o estatuto patrimonial – regime de bens – do casamento ou da união estável, cuja regência se iniciará, sucessivamente, na data da celebração do matrimônio ou no momento da demonstração empírica do preenchimento dos requisitos da união estável (CC, art. 1.723).

O Código Civil, em exceção à autonomia privada, também restringe a liberdade de escolha do regime patrimonial aos nubentes em certas circunstâncias, reputadas pelo legislador como essenciais à proteção de determinadas pessoas ou situações e que foram dispostas no art. 1.641 do Código Civil, como sói ser o regime da separação obrigatória da pessoa maior de setenta anos (inciso II).

“A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace” (REsp 1689152/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 22/11/2017).

Sobre o tema, firmou o STJ o entendimento de que, “por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta” (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 24/08/2010).

A Segunda Seção do STJ, em releitura da antiga Súmula n. 377/STF, decidiu que, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição” EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª região), Segunda Seção, DJe 30/05/2018), ratificando anterior entendimento da Seção com relação à união estável (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, DJe 21/09/2015).

No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.

A mens legis do art. 1.641, II, do Código Civil é justamente conferir proteção ao patrimônio do idoso que está casando-se e aos interesses de sua prole, impedindo a comunicação dos aquestos. Por uma interpretação teleológica da norma, é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda mais protetiva aos bens do nubente septuagenário, preservando o espírito do Código Civil de impedir a comunhão dos bens do ancião. O que não se mostra possível é a vulneração dos ditames do regime restritivo e protetivo, seja afastando a incidência do regime da separação obrigatória, seja adotando pacto que o torne regime mais ampliativo e comunitário em relação aos bens.

Na hipótese, o de cujus e a sua companheira celebraram escritura pública de união estável quando o primeiro contava com 77 anos de idade – com observância, portanto, do regime da separação obrigatória de bens -, oportunidade em que as partes, de livre e espontânea vontade, realizaram pacto antenupcial estipulando termos ainda mais protetivos ao enlace, demonstrando o claro intento de não terem os seus bens comunicados, com o afastamento da incidência da Súmula n. 377 do STF. Portanto, não há falar em meação de bens nem em sucessão da companheira (CC, art. 1.829, I)

6.2.3.     Resultado final.

No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.

7.      Cooperativa médica e limitação de ingresso em seus quadros

RECURSO ESPECIAL

A Cooperativa de Trabalho Médico pode limitar, justificada e objetivamente, o ingresso de médicos em seus quadros.

REsp 1.396.255-SE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, DJe 14/12/2021. (Info 723)

7.1.  Situação FÁTICA.

Dr. Creisson, médico, ajuizou ação judicial em face de CooperMed, Cooperativa de Trabalho Médico que negou seu ingresso no quadro de cooperados. A negativa foi fundamentada no fato de que a citada cooperativa estaria funcionando no limite e ressaltou como o ingresso poderia atingir o equilíbrio econômico-financeiro.

Inconformado, Doctor Creisson interpôs sucessivos recursos nos quais sustentou que o princípio das portas abertas, comum às cooperativas, lhe garantiria o ingresso no quadro de cooperados médicos.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 5.764/1971:

Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:

I – adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;

Art. 29. O ingresso nas cooperativas é livre a todos que desejarem utilizar os serviços prestados pela sociedade, desde que adiram aos propósitos sociais e preencham as condições estabelecidas no estatuto, ressalvado o disposto no artigo 4º, item I, desta Lei.

§ 1° A admissão dos associados poderá ser restrita, a critério do órgão normativo respectivo, às pessoas que exerçam determinada atividade ou profissão, ou estejam vinculadas a determinada entidade.

§ 2° Poderão ingressar nas cooperativas de pesca e nas constituídas por produtores rurais ou extrativistas, as pessoas jurídicas que pratiquem as mesmas atividades econômicas das pessoas físicas associadas.

§ 3° Nas cooperativas de eletrificação, irrigação e telecomunicações, poderão ingressar as pessoas jurídicas que se localizem na respectiva área de operações.

§ 4° Não poderão ingressar no quadro das cooperativas os agentes de comércio e empresários que operem no mesmo campo econômico da sociedade.

7.2.2.     Possível a limitação de ingresso pela Coop de Trabalho Médico?

R: Yeaph!!!!

Discute-se a legalidade de a Cooperativa de Trabalho Médico limitar, justificada e objetivamente, nos termos de seu estatuto, o ingresso de médicos em seus quadros sob o argumento de necessidade de preservação de equilíbrio econômico-financeiro, nos termos dos artigos 4°, I, e 29 da Lei n. 5.764/1971, ou se a exceção legal ao princípio da adesão livre é referente tão somente à qualificação técnica do aspirante.

Conforme disposição contida no artigo 4°, caput, da Lei n. 5.764/1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, essas são conceituadas como “sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados”, os quais, recíproca e pessoalmente, obrigam-se a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

Nesse contexto, diante da marcante função social de proporcionar acesso a todos ao mercado de trabalho, as sociedades cooperativas são regidas pelo princípio da livre adesão voluntária, que possui como consectário o princípio da “porta aberta”, previsto nos artigos 4°, I, e 29, caput e § 1°, da Lei em comento, por meio da qual se estabelece que o ingresso é franqueado a todos que preencherem os requisitos estatutários, ilimitadamente, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços.

Assim sendo, conjugando-se ambos os artigos, as restrições ao ingresso na cooperativa são de duas ordens: a primeira, contida no artigo 4°, I, referente à própria logística de prestação de serviços previstos pela sociedade, que pode encontrar limites operacionais de ordem técnica; e a segunda, relacionada aos propósitos sociais da cooperativa e ao preenchimento, pelo aspirante, das condições estabelecidos no estatuto, as quais podem versar, inclusive, sobre restrições a categorias de atividade ou profissão.

Noutros termos, conforme se verifica da previsão contida no caput do artigo 4° da Lei n. 5.764/1971, que elenca as características distintivas da cooperativa, a “impossibilidade técnica de prestação de serviços” é alusiva à própria organização da sociedade, enquanto o regramento disposto no artigo 29 é pertinente à qualificação do associado.

Nos termos do artigo 4°, I, da Lei n. 5.764/1971, “atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados” (REsp 1.901.911/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/8/2021, DJe 31/8/2021)”.

Diante do HÍBRIDO regime jurídico ao qual as Cooperativas de Trabalho Médico estão sujeitas (Lei n. 5.764/1971 e Lei n. 9.656/1998), é legal a limitação, de forma impessoal e objetiva, do número de médicos cooperados, tendo em vista o mercado para a especialidade e o necessário equilíbrio financeiro da cooperativa. A interpretação harmônica das duas leis de regência consolida o interesse público que permeia a atuação das cooperativas médicas e viabiliza a continuidade das suas atividades, mormente ao se considerar a responsabilidade solidária existente entre médicos cooperados e cooperativa e o possível desamparo dos beneficiários que necessitam do plano de saúde.

Assim, “atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados. (…) O princípio da porta aberta (livre adesão) não é absoluto, devendo a cooperativa de trabalho médico, que também é uma operadora de plano de saúde, velar por sua qualidade de atendimento e situação financeira estrutural, até porque pode ser condenada solidariamente por atos danosos de cooperados a usuários do sistema (a exemplo de erros médicos), o que impossibilitaria a sua viabilidade de prestação de serviços. (REsp 1.901.911/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/8/2021, DJe 31/8/2021)”.

7.2.3.     Resultado final.

A Cooperativa de Trabalho Médico pode limitar, justificada e objetivamente, o ingresso de médicos em seus quadros.

8.      (Ir)Responsabilidade do provedor de aplicação de internet que, após formalmente comunicado de publicação ofensiva a imagem de menor, se omite na sua exclusão, independentemente de ordem judicial

RECURSO ESPECIAL

Responde civilmente por danos morais o provedor de aplicação de internet que, após formalmente comunicado de publicação ofensiva a imagem de menor, se omite na sua exclusão, independentemente de ordem judicial.

REsp 1.783.269-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/12/2021. (Info 723)

8.1.  Situação FÁTICA.

O Facebook interpôs recurso especial no qual questionava a prévia condenação por ter se recusado a excluir mensagem que trazia a foto de um menor com seu pai — este último acusado de envolvimento com pedofilia e estupro.

Conforme a rede social, o art. 19 do Marco Civil da Internet prevê que o provedor só poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se deixar de cumprir ordem judicial específica para torná-lo indisponível, o que não teria ocorrido no caso.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Questão JURÍDICA.

Estatuto da Criança e do Adolescente:

 Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;   

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Lei n. 12.965/2014:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.

§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.

§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

8.2.2.     Deu ruim pro Zuckerberg?

R: Yeaph!!!

O Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 18) e a Constituição Federal (art. 227) impõem, como dever de toda a sociedade, zelar pela dignidade da criança e do adolescente, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, com a finalidade, inclusive, de EVITAR qualquer tipo de tratamento vexatório ou constrangedor.

As leis protetivas do direito da infância e da adolescência possuem natureza ESPECIALÍSSIMA, pertencendo à categoria de diploma legal que se propaga por todas as demais normas, com a função de proteger sujeitos específicos, ainda que também estejam sob a tutela de outras leis especiais.

Para atender ao princípio da proteção integral consagrado no direito infantojuvenil, é dever do provedor de aplicação na rede mundial de computadores (Internet) proceder à retirada de conteúdo envolvendo menor de idade – relacionado à acusação de que seu genitor havia praticado crimes de natureza sexual – logo após ser formalmente comunicado da publicação ofensiva, independentemente de ordem judicial.

O provedor de aplicação que, após notificado, nega-se a excluir publicação ofensiva envolvendo menor de idade, deve ser responsabilizado civilmente, cabendo impor-lhe o pagamento de indenização pelos danos morais causados à vítima da ofensa.

A responsabilidade civil, em tal circunstância, deve ser analisada sob o enfoque da relevante omissão de sua conduta, pois deixou de adotar providências que, indubitavelmente sob seu alcance, minimizariam os efeitos do ato danoso praticado por terceiro, o que era seu dever.

Assim, apesar do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) dispor que o provedor somente será responsável civilmente, em razão de publicação gerada por terceiro, se descumprir ordem judicial determinando as providências necessárias para cessar a exibição do conteúdo ofensivo, afigura-se insuficiente a sua aplicação isolada.

Referida norma, interpretada à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, não impede a responsabilização do provedor de serviços por outras formas de atos ilícitos, que não se limitam ao descumprimento da ordem judicial a que se refere o dispositivo da lei especial.

Registra-se, por fim, que a constitucionalidade do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 será ainda decidida pelo Supremo Tribunal Federal (Tema n. 987/STF), que reconheceu repercussão geral da questão constitucional suscitada, sem determinar a suspensão dos processos em curso.

8.2.3.     Resultado final.

Responde civilmente por danos morais o provedor de aplicação de internet que, após formalmente comunicado de publicação ofensiva a imagem de menor, se omite na sua exclusão, independentemente de ordem judicial.

9.      Valores depositados em planos abertos de previdência privada durante a vida conjugal e partilha

RECURSO ESPECIAL

Os valores depositados em planos abertos de previdência privada durante a vida em comum do casal, integram o patrimônio comum e devem ser partilhados.

REsp 1.545.217-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 07/12/2021. (Info 723)

9.1.  Situação FÁTICA.

Creosvalda ajuizou ação de sobrepartilha em face de seu ex-marido Nirso. Narrou que esteve casada com o réu, sob o regime de comunhão universal de bens, no período de 1977 a 2005. Afirmou que em 2010, ajuizou também ação de alimentos em face do requerido e que, em junho do mesmo ano, teve conhecimento de que seu ex-cônjuge fez um saque, no do saldo existente em fundo de previdência privada patrocinado pela ex-empregadora de Nirso.

Inconformada, Creosvalda sustenta que tal valor deveria ser partilhado, por caracterizar bem sonegado, uma vez que o vínculo laboral mantido com a patrocinadora do plano de benefícios foi extinto ainda durante o casamento. Porém, o tribunal local indeferiu o pedido de Creosvalda por entender que a quantia depositada com o escopo de garantia da aposentadoria (previdência privada), quando não sacada durante a união, não se reverteria em proveito do casal, porque manteria a sua natureza personalíssima.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei Complementar n. 109/2001:

Art. 27. Observados os conceitos, a forma, as condições e os critérios fixados pelo órgão regulador, é assegurado aos participantes o direito à portabilidade, inclusive para plano de benefício de entidade fechada, e ao resgate de recursos das reservas técnicas, provisões e fundos, total ou parcialmente.

§ 1o A portabilidade não caracteriza resgate.

§ 2o É vedado, no caso de portabilidade:

I – que os recursos financeiros transitem pelos participantes, sob qualquer forma; e

II – a transferência de recursos entre participantes.

CC/2002:

Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ 1 Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.

§ 2 O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.

Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.

9.2.2.     Os valores da previdência privada aberta devem ser partilhados?

R: Se foram depositados durante a vida em comum, SIM!!!

Inicialmente cumpre salientar que, entre as alterações no regime de previdência privada procedidas pela LC n. 109/2001, destaca-se o intuito de lucro das entidades abertas, as quais devem ser constituídas exclusivamente na forma de sociedades anônimas.

Essa modificação revela que a finalidade de obtenção de lucro expressa o claro critério adotado pelo legislador para distinguir o segmento aberto de previdência complementar. Nessa linha, a propósito, ressaltou o Ministro Luis Felipe Salomão no voto que proferiu perante a Segunda Seção no RESP 1.536.786/MG, leading case da Súmula 563/STJ (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas”).

Nesse contexto, os valores depositados em planos de previdência complementar aberta equiparam-se a investimentos financeiros.

No caso de planos mantidos em entidades abertas, o titular escolhe a quantia a ser destinada ao fundo de previdência privada, a periodicidade de sua contribuição, e tem assegurado, pelo art. 27 da Lei Complementar n. 109/2001 (inserido em Seção intitulada “Dos Planos de Benefícios de Entidades Abertas”), o direito a resgate total ou parcial dos recursos.

Portanto, as reservas financeiras aportadas durante a sociedade conjugal, em entidades abertas de previdência privada, constituem patrimônio que pode ser resgatado, vencida a carência contratual, e, portanto, deve ser partilhado de acordo com as regras do regime de bens, assim como o seriam tais valores se depositadas em outro tipo de aplicação financeira, como contas bancárias e cadernetas de poupança.

O intuito com que feita a aplicação – criação de uma reserva de valor em prol da segurança e amparo futuro da família – está presente na previdência privada aberta, assim como também existe quando o investimento é feito em imóveis, ações ou aplicações financeiras, independentemente do nome do cônjuge em que formalizado.

Durante o casamento, que, no caso presente, adotou a regra da comunhão universal de bens, os rendimentos do trabalho de cada cônjuge a ele pertencem individualmente e não se desvinculam da destinação própria dos salários de suprir as despesas com moradia, alimentação, vestuário, entre outras de seu beneficiário, observados, naturalmente, os deveres de ambos os cônjuges de mútua assistência, sustento e educação dos filhos e responsabilidade pelos encargos da família (arts. 1566, III, 1568 e 1565, caput, do CC/2002).

Atendidas as necessidades individuais do cônjuge que auferiu os rendimentos do trabalho e cumpridas as obrigações de sustento e manutenção do lar conjugal, os recursos financeiros eventualmente excedentes e os bens com eles adquiridos passam a integrar o patrimônio comum do casal, sejam eles móveis, imóveis, direitos ou quaisquer espécies de reservas monetárias de que ambos os cônjuges disponham, tais como depósitos bancários, aplicações financeiras, moeda nacional ou estrangeira acumuladas em residência, entre outros.

Assim, a importância em dinheiro, depositada em instituição bancária, ou investida nas diversas espécies de aplicações financeiras disponíveis no mercado, oriunda dos proventos do trabalho – única fonte de renda na maioria dos casais brasileiros – sobejante do custeio das despesas cotidianas da família, integra o patrimônio do casal, do mesmo modo como ocorre quando esse numerário é convertido em bens móveis, imóveis ou direitos.

O mesmo entendimento haverá de ser aplicado aos valores depositados em planos abertos de previdência privada durante a vida em comum do casal.

Deste modo, rompida a sociedade conjugal, tais valores devem ser partilhados conforme o regime de bens. O intuito previdenciário poderá subsistir com o aporte dos recursos, metade em nome de cada ex-convivente, caso assim o desejem. Entendimento contrário, data maxima vênia, tornaria possível que, durante a sociedade conjugal, a margem do regime de bens aplicável, fosse permitida uma reserva de capital aberta e alimentada, em prol de apenas um dos consortes.

9.2.3.     Resultado final.

Os valores depositados em planos abertos de previdência privada durante a vida em comum do casal, integram o patrimônio comum e devem ser partilhados.

10.  Discrepância entre assinatura artística e nome registral e alteração de grafia do apelido de família

RECURSO ESPECIAL

A discrepância entre a assinatura artística e o nome registral não consubstancia situação excepcional e motivo justificado à alteração da grafia do apelido de família.

REsp 1.729.402-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/12/2021, DJe 01/02/2022. (Info 723)

10.1.                   Situação FÁTICA.

Romero Brito ajuizou ação de retificação de registro civil na qual alegou autor ser artista plástico, conhecido mundialmente pela sua arte pop, utilizando como nome artístico “Romero Britto”, com a repetição, portanto, da consoante “t”, em todas as suas obras e gravuras, em que pese o seu sobrenome, ora em foco, não seja dotado da duplicidade da letra em evidência.

Após manifestação desfavorável do representante do Ministério Público, o magistrado singular proferiu sentença em que julgou improcedente o pedido, sob o argumento de que o mero fato de ser reconhecido pelo nome artístico não é situação suficiente, em si, para autorizar a mudança de um sobrenome.

10.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

CRFB/1988:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana

Lei de Registros Públicos:

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.

Art. 57.  A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei.           

§ 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional.

§ 2º A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas.

§ 3º O juiz competente somente processará o pedido, se tiver expressa concordância do companheiro, e se da vida em comum houverem decorrido, no mínimo, 5 (cinco) anos ou existirem filhos da união.         

§ 4º O pedido de averbação só terá curso, quando desquitado o companheiro, se a ex-esposa houver sido condenada ou tiver renunciado ao uso dos apelidos do marido, ainda que dele receba pensão alimentícia.       

§ 5º O aditamento regulado nesta Lei será cancelado a requerimento de uma das partes, ouvida a outra.

§ 6º Tanto o aditamento quanto o cancelamento da averbação previstos neste artigo serão processados em segredo de justiça.     

§ 7o Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração.     

§ 8o  O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família

10.2.2. Possível a alteração do nome civil por este motivo?

R: Nooops!!!!

Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de alteração de patronímico de família, com a duplicação de uma consoante, a fim de adequar o nome registral àquele utilizado como assinatura artística.

Atualmente, ante o feixe de proteção que irradia do texto constitucional, inferido a partir da tutela à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CRFB/1988), o direito ao nome traduz-se como uma de suas hipóteses de materialização/exteriorização e abrange a garantia ao livre desenvolvimento da personalidade, devendo refletir o modo como o indivíduo se apresenta e é visto no âmbito social. Todavia, embora calcado essencialmente na tutela do indivíduo, há uma inegável dimensão pública a indicar que, associado ao direito ao nome, encontra-se o interesse social na determinação da referida identidade e procedência familiar, especificamente sob a perspectiva daqueles que possam vir a ter relações jurídicas com o seu titular.

O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro, de modo que o nome civil, conforme as regras insertas nos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado: a) no primeiro ano após o alcance da maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família; ou b) ultrapassado esse prazo, excepcionalmente, por justo motivo, mediante oitiva do representante do Ministério Público e apreciação judicial.

O sobrenome, apelido de família ou patronímico, enquanto elemento do nome, transcende o indivíduo, dirigindo-se, precipuamente, ao grupo familiar, de modo que a admissão de alterações/modificações deve estar pautada pelas hipóteses legais, via de regra, decorrente da alteração de estado (adoção, casamento, divórcio), ou, excepcionalmente, em havendo justo motivo, preceituado no artigo 57 da Lei n. 6.015/1973. Tratando-se, portanto, de característica exterior de qualificação familiar, afasta-se a possibilidade de livre disposição, por um de seus integrantes, a fim de satisfazer interesse exclusivamente estético e pessoal de modificação do patronímico.

Nada obstante os contornos subjetivos do nome como atributo da personalidade e elemento fundamental de identificação do sujeito – seja no âmbito de sua autopercepção ou no meio social em que se encontra inserido -, o apelido de família, ao desempenhar a precípua função de identificação de estirpe, não é passível de alteração pela vontade individual de um dos integrantes do grupo familiar.

No caso, a modificação pretendida altera a própria grafia do apelido de família e, assim, consubstancia violação à regra registral concernente à preservação do sobrenome, calcada em sua função indicativa da estirpe familiar, questão que alcança os lindes do interesse público. Ademais, tão-somente a discrepância entre a assinatura artística e o nome registral não consubstancia situação excepcional e motivo justificado à alteração pretendida.

O nome do autor de obra de arte, lançado por ele nos trabalhos que executa, pode ser neles grafado nos moldes que bem desejar, sem que tal prática importe em consequência alguma ao autor ou a terceiros, pois se trata de uma opção de cunho absolutamente subjetivo, sem impedimento de qualquer ordem. Todavia, a utilização de nome de família, de modo geral, que extrapole o objeto criado pelo artista, com acréscimo de letras que não constam do registro original, não para sanar equívoco, mas para atender a desejo pessoal, não está elencado pela lei a render ensejo à modificação do assento de nascimento.

10.2.3. Resultado final.

A discrepância entre a assinatura artística e o nome registral não consubstancia situação excepcional e motivo justificado à alteração da grafia do apelido de família.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

11.  Efeitos da ausência de assinatura na petição de ratificação do recurso de apelação interposto prematuramente

RECURSO ESPECIAL

A ausência de assinatura na petição de ratificação do recurso de apelação interposto prematuramente não o torna inexistente, mas revela irregularidade formal que pode ser sanada pela parte peticionante, nos termos do art. 13 do CPC/1973.

REsp 1.712.851-PA, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021. (Info 723)

11.1.                   Situação FÁTICA.

Após o julgamento de embargos declaratórios, sem efeito modificativo, a Fazenda Pública apresentou petição de ratificação da apelação interposta prematuramente no primeiro grau de jurisdição, pois aquele documento estaria desprovido de assinatura. A questão então chegou ao STJ para decisão acerca dos efeitos da ratificação no recurso de apelação interposto prematuramente.

11.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

CPC/1973:

Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.

Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber:

I – ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;

II – ao réu, reputar-se-á revel;

III – ao terceiro, será excluído do processo.

11.2.2. Inexistência ou mera irregularidade?

R: Mera IRREGULARIDADE!!!

O STJ possui consolidado entendimento no sentido de que os recursos dirigidos à instância especial sem assinatura do signatário da petição são considerados inexistentes, não sendo possível, nesta instância, a abertura de prazo para a regularização.

No caso, após o julgamento dos aclaratórios, sem efeito modificativo, a Fazenda Pública apresentou petição de ratificação da apelação interposta prematuramente no primeiro grau de jurisdição, não havendo assinatura do referido documento.

Hipótese, portanto, em que cabe a DISTINÇÃO dos precedentes deste Tribunal: em primeiro lugar, não se cuidava de petição dirigida à instância especial, porque dirigida ao juízo a quo; em segundo, a petição apócrifa não se tratava do recurso propriamente dito, que, pelo que consta do acórdão, teria atendido todos os requisitos formais; por fim, a petição sem assinatura foi a de ratificação da apelação interposta prematuramente, sendo certo, ainda, que nem sequer houve modificação da sentença após o julgamento dos aclaratórios opostos pela parte contrária.

Na espécie, a petição de ratificação teria tão somente a função de confirmar a recurso anteriormente interposto, o qual, este sim, havia atendido todos os requisitos formais, existindo, portanto, uma relação de complementariedade/integração entre as peças, sendo que a primeira já atendia a condição de existência, e a segunda seria somente confirmatória.

Deste modo, a ausência de subscrição da segunda petição não a tornaria inexistente, mas revelaria irregularidade formal que poderia ser sanada pela parte peticionante, nos termos do art. 13 do CPC/1973.

11.2.3. Resultado final.

A ausência de assinatura na petição de ratificação do recurso de apelação interposto prematuramente não o torna inexistente, mas revela irregularidade formal que pode ser sanada pela parte peticionante, nos termos do art. 13 do CPC/1973.

12.  Liquidações de sentença na Justiça Federal e expurgos inflacionários

RECURSO ESPECIAL

Nas liquidações de sentença, no âmbito da Justiça Federal, a correção monetária deve ser calculada segundo os índices indicados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal para os meses nos quais houve expurgos inflacionários, salvo decisão judicial em contrário.

REsp 1.904.401-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, DJe 14/12/2021. (Info 723)

12.1.                   Situação FÁTICA.

A CEF foi condenada a pagar prêmio lotérico com juros e correção monetária ao sortudo Celimar, porém, a sentença não fixou critérios de correção monetária. A Caixa Econômica Federal então interpôs agravo de instrumento à decisão do Juízo de Vara Federal que, nos autos do cumprimento de sentença manejado por Celimar, determinou a inclusão de expurgos inflacionários no cálculo do quantum debeatur, tendo a contadoria judicial apurado o valor de R$ 29.316.973,71.

Conforme a CEF, seria descabida a inclusão de expurgos inflacionários (parte controvertida) no cálculo, pois foram definitivamente afastados por decisão transitada em julgado. O Tribunal Federal local deu provimento ao agravo de instrumento para determinar que a execução retome o seu curso com base no cálculo da contadoria judicial que apurou o quantum de R$ 9.374.768,40 e sem a inclusão de quaisquer expurgos.

Chateado e vinte milhões mais pobre, Celimar interpôs recurso especial no qual sustenta que jamais pretendeu executar apenas o principal desprovido dos expurgos.

12.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Como ficam os períodos em que houve expurgos inflacionários?

R: Devem ser aplicados os índices indicados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, salvo decisão judicial em sentido contrário!!!

Consta dos autos que o título executivo judicial condenou a Caixa Econômica Federal a pagar prêmio lotérico com juros e correção monetária.

Iniciada a execução, o exequente incluiu no cálculo da correção monetárias os seguintes índices expurgados da inflação: janeiro/1989: 42,72%; fevereiro/1989: 10,14%; março/1990: 84,32%; abril/1990: 44,80%; junho/1990: 9,55%; julho/1990: 12,92%; janeiro/1991: 13,69%; e março/1991: 13,90%.

A Caixa Econômica Federal se manifestou no sentido de que fosse aplicada tão somente a correção monetária da Tabela da Justiça Federal, sem a inclusão de índices de correção não previstos ali.

Após interposição de agravo de instrumento contra decisão do juízo a quo que fixou o valor a executar levando em consideração expurgos inflacionários, decidiu o tribunal de origem que: “Sendo a decisão judicial omissa quanto aos critérios de correção monetária, cabe ao Juízo na fase de execução estipulá-los, devendo-se, como regra, a não ser que haja determinação jurígena expressa (STF, mutalis AO 157 DJ 16/3/07), ou o débito seja de caráter alimentar, quando será plena, adotar-se os índices indicados na Tabela da Justiça Federal”.

Isto posto, verifica-se que cinge-se a controvérsia, basicamente, em definir, a partir da conclusão alcançada pelo Tribunal de origem se é devida a inclusão de expurgos inflacionários previstos na tabela da Justiça Federal no cálculo do quantum debeatur.

Quanto ao tema, a jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que “é legítima a correção monetária dos débitos decorrentes de sentença judicial, nada impedindo que, no silêncio da sentença, os respectivos índices sejam fixados no processo de execução” (AgRg na MC 14.046/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 5/8/2008).

Dessa forma, sendo omisso o título executivo judicial acerca dos critérios a serem aplicados para a correção monetária, é possível ao Juízo da execução determinar a inclusão de expurgos inflacionários para fins de atualização do débito exequendo.

Na hipótese dos autos, tendo havido condenação expressa ao pagamento de correção monetária na sentença de conhecimento, mas sem a fixação de critério, o Juízo da execução deferiu o pedido do exequente de inclusão de todos os índices expurgados no período. A Corte de origem, contudo, limitou a correção monetária aos índices expressamente previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal.

O Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução n. 561/CJF, de 02/07/2007, traz em seu bojo os indexadores corretos para os meses nos quais houve expurgos inflacionários, a serem aplicados nas liquidações de sentença.

Assim, nas liquidações de sentença, no âmbito da Justiça Federal, a correção monetária deve ser calculada segundo os índices indicados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal para os meses nos quais houve expurgos inflacionários, salvo decisão judicial em contrário.

12.2.2. Resultado final.

Nas liquidações de sentença, no âmbito da Justiça Federal, a correção monetária deve ser calculada segundo os índices indicados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal para os meses nos quais houve expurgos inflacionários, salvo decisão judicial em contrário.

13.  Prazo em dobro e aplicabilidade na apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença previsto no art. 475-J, § 1º, do CPC/1973

RECURSO ESPECIAL

A regra do art. 191 do CPC/1973 – que prevê a contagem em dobro dos prazos processuais para litisconsortes com procuradores diferentes – aplica-se ao prazo de apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença previsto no art. 475-J, § 1º, do CPC/1973.

REsp 1.964.438-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, DJe 14/12/2021. (Info 723)

13.1.                   Situação FÁTICA.

Cyrus Brazil interpôs agravo de instrumento desafiando decisão interlocutória do Juízo de primeiro grau que declarou a intempestividade da impugnação e preclusas as matérias ventiladas na peça defensiva.

O Tribunal local negou provimento ao agravo concordando descaber a aplicação do prazo processual em dobro para litisconsortes com procuradores diferentes (191 do CPC/1973). Inconformada, Cyrus interpôs recurso especial no qual sustenta que a existência de litisconsortes passivos com procuradores distintos atrai a regra de contagem em dobro dos prazos processuais, não se aplicando o disposto no art. 738 do CPC/1973, que veda tal aplicação aos embargos à execução.

13.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Questão JURÍDICA.

CPC/1973:

Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos.

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. 

§ 1 Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.

Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.

Art. 738. Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação. 

§ 1 Quando houver mais de um executado, o prazo para cada um deles embargar conta-se a partir da juntada do respectivo mandado citatório, salvo tratando-se de cônjuges. 

§ 3 Aos embargos do executado não se aplica o disposto no art. 191 desta Lei.

CPC/2015:

Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento.

§ 1º Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles.

§ 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos.

Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

§ 3º Aplica-se à impugnação o disposto no art. 229.

13.2.2. Aplicável o prazo em dobro?

R: Yeaph!!!

O art. 475-J, § 1º, do CPC/1973 prevê que o prazo da impugnação ao cumprimento de sentença é de 15 (quinze) dias, contados da intimação do executado do auto de penhora e avaliação.

O art. 191 do CPC/1973, por sua vez, estabelece que, “quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos”.

Num primeiro momento, a partir de uma análise CONJUNTA desses dispositivos legais, poder-se-ia extrair a tese de que, afigurando-se presente a hipótese de incidência do referido art. 191, de rigor seria a contagem em dobro do prazo quinzenal para a impugnação ao cumprimento de sentença. O Tribunal de origem, no entanto, concluiu em sentido diverso, não se reconhecendo a aplicabilidade do art. 191 à impugnação. Isso porque, considerando o emprego subsidiário ao cumprimento de sentença das normas atinentes à execução de título extrajudicial (art. 475-R do CPC/1973), deveria incidir o regramento contido no art. 738, §§ 1º e 3º, do CPC/1973.

O diploma processual atualmente em vigor resolveu expressamente tal celeuma, admitindo a aplicação do prazo em dobro previsto no art. 229 do CPC/2015, em razão da existência de litisconsortes diferentes, à impugnação ao cumprimento de sentença, conforme se depreende do art. 525, § 3º, do CPC/2015.

O Código de Processo Civil de 1973, porém, era SILENTE quanto ao ponto. Todavia, não se observa razão para se entender distintamente do que preconiza a atual lei adjetiva.

Isso porque, como consabido, tanto a impugnação ao cumprimento de sentença quanto os embargos à execução são institutos de defesa do feito executivo, sendo estes referentes à execução de título extrajudicial e aquele à execução de título judicial.

A par dessas semelhanças, enfatize-se haver DISTINÇÕES entre tais mecanismos defensivos, notadamente a natureza jurídica. Conforme entendimento majoritário, a impugnação é considerada um incidente processual, podendo ser apresentada mediante simples petição nos autos do próprio cumprimento de sentença. Os embargos à execução, a seu turno, são considerados uma ação, dando origem a um novo processo, que visa a desconstituição do título executivo extrajudicial.

Como se constata do art. 738, § 1º, do CPC/1973, o prazo de ajuizamento dos embargos é contado separadamente para os executados, a contar da juntada do respectivo mandado citatório, dando origem a tantas ações de embargos quantos forem os coexecutados representados por patronos diversos

A impugnação, ao revés, processa-se nos mesmos autos do cumprimento de sentença, independentemente de quantos sejam os litisconsortes executados com advogados diversos.

Dada essa distinção, a vedação contida no art. 738, § 3º, do CPC/1973 não se estende à impugnação, pois, segundo o teor do art. 475-R do CPC/1973, “aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial”.

Assenta-se, portanto, que o prazo de 15 (quinze) dias para a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença previsto no art. 475-J, § 1º, do CPC/1973 sujeita-se à regra da contagem em dobro prevista no art. 191 do CPC/1973, não se lhe revelando extensível subsidiariamente (segundo prevê o art. 475-R do CPC/1973) a vedação incidente sobre os embargos à execução (art. 738, § 3º, do CPC/2015), em virtude da distinção ontológica entre os referidos institutos de defesa.

13.2.3. Resultado final.

A regra do art. 191 do CPC/1973 – que prevê a contagem em dobro dos prazos processuais para litisconsortes com procuradores diferentes – aplica-se ao prazo de apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença previsto no art. 475-J, § 1º, do CPC/1973.

DIREITO TRIBUTÁRIO

14.  Incidência do ICMS-Comunicação sobre o serviço de prestação de capacidade de satélite.

RECURSO ESPECIAL

Não incide ICMS-Comunicação sobre o serviço de prestação de capacidade de satélite.

REsp 1.437.550-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021. (Info 723)

14.1.                   Situação FÁTICA.

Trata-se de recurso especial no qual a empresa de telecomunicações Dark questiona acerca da possibilidade de incidência do ICMS-Comunicação sobre os serviços de prestação de capacidade de satélite.

14.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

14.2.1. Incide ICMS- Comunicação?

R: Nooops!!!!

Nos termos da jurisprudência do STJ, “a incidência do ICMS, no que se refere à prestação dos serviços de comunicação, deve ser extraída da Constituição Federal e da LC 87/1996, incidindo o tributo sobre os serviços de comunicação prestados de forma onerosa, através de qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza (art. 2º, III, da LC 87/1996)” (REsp 1.176.753-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 28/11/2012, DJe 19/12/2012).

A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 816.512-PI, julgado na sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973, decidiu que o ICMS somente incide sobre o serviço de telecomunicação propriamente dito, e não sobre as atividades-meio e serviços suplementares.

De acordo com regulamento dos serviços de telecomunicações da ANATEL (Resolução n. 73/1998), o serviço de provimento de capacidade de satélite não constitui serviço de telecomunicações (art. 3º, I).

Do mesmo modo, expressando a categoria suplementar ou de serviço-meio do provimento de capacidade de satélite, a Resolução n. 220/2000 da ANATEL afirma, em seu art. 49, que “a exploradora de satélite somente poderá prover capacidade espacial à entidade que detenha concessão, permissão ou autorização para exploração de serviços de telecomunicações ou às Forças Armadas”. Vale dizer, portanto, que quem explora a capacidade de satélite serve, como meio, às entendidas que possuem concessão, permissão ou autorização para explorar serviços de telecomunicação.

Na mesma Resolução n. 220/2000 da ANATEL, art. 9º, XI, está o conceito de provimento de capacidade espacial: “o oferecimento de recursos de órbita e espectro radioelétrico à Prestadora de serviços de telecomunicações”. Vê-se que o provimento de capacidade de satélite não presta serviço de comunicação, mas se coloca como suplemento deste.

Os satélites disponibilizados não passam, portanto, de meios para que seja prestado o serviço de comunicação, sendo irrelevante para a subsunção tributária que se argumente no sentido que há retransmissão ou ampliação dos sinais enviados. Primeiro porque os satélites refletem as ondas radioelétricas que sobre eles incidem, espelhando-as tão somente; segundo, porque não tem participação no tratamento das informações, não contratando com o emissor ou receptor destas; em terceiro lugar, segundo a doutrina, “porque nada recebe pela reflexão em si mesma considerada, não se podendo falar, portanto, em serviço autônomo da cessão onerosa da capacidade espacial, muito menos em serviço de comunicação”.

14.2.2. Resultado final.

Não incide ICMS-Comunicação sobre o serviço de prestação de capacidade de satélite.

15.  Recolhimento do tributo a município diverso e afastamento da decadência

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

O recolhimento do tributo a município diverso daquele a quem seria efetivamente devido não afasta a aplicação da regra da decadência prevista no art. 173, I do CTN.

AREsp 1.904.780-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021. (Info 723)

15.1.                   Situação FÁTICA.

Jurema recolheu ISS de forma equivocada para um Município diverso daquele a quem seria efetivamente devido. O Município que não recebeu o valor dos impostos ajuizou execução fiscal.

Em determinado momento do processo, o Tribunal local compreendeu que o recolhimento do tributo a município diverso daquele a quem seria efetivamente devido seria suficiente para a aplicação do regime do art. 150, § 4°, do CTN, ou seja, as regras do lançamento por homologação, independentemente do momento do conhecimento, pelo outro município, acerca do fato gerador, bem como de qualquer recolhimento do tributo aos seus cofres.

15.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

15.2.1. Questão JURÍDICA.

Código Tributário Nacional:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

15.2.2. Afastada a aplicação da regra da decadência?

R: Nooops!!!

A obrigação tributária não declarada pelo contribuinte no tempo e modo determinados pela legislação de regência está sujeita ao procedimento de constituição do crédito pelo fisco, por meio do lançamento substitutivo. Este deve se dar no prazo decadencial previsto no art. 173, I, do Código Tributário Nacional, quando não houver pagamento antecipado, ou no art. 150, § 4º, do CTN, quando ocorrer o recolhimento de boa-fé, ainda que em valor menor do que aquele que a Administração entende devido. Nesse caso, a atividade exercida pelo contribuinte, de apurar, pagar e informar o crédito tributário, está sujeita à verificação pelo ente público, sem a qual ela é tacitamente homologada.

CTN, art. 173, ICNT, art. 150, §4º
SEM PAGAMENTOCOM PAGAMENTO A MENOR
Do primeiro dia útil do ano seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido realizado.Conta-se o prazo do fato gerador.

No caso, a Corte estadual compreendeu que o recolhimento do tributo a município diverso daquele a quem seria efetivamente devido seria suficiente para a aplicação do regime do art. 150, § 4°, do CTN, independentemente do momento do conhecimento, pelo outro ente federativo, acerca do fato gerador, bem como de qualquer recolhimento do tributo aos seus cofres.

Vê-se que, pela própria natureza do lançamento por homologação, faz-se necessário que a edilidade tenha CONHECIMENTO da ocorrência do fato gerador, seja através da declaração formal promovida pelo contribuinte ou do recolhimento do tributo aos seus cofres.

Na hipótese, é incontroverso que o contribuinte declarou e recolheu o ISS relativo aos serviços prestados por terceiros a outros municípios que não o município devido, o qual apenas teve conhecimento dos fatos geradores no momento da fiscalização tributária.

Não se está a afirmar a competência deste ou daquele município para a tributação, mas apenas que, para a aplicação da regra do art. 150, § 4°, do CTN ao município devido, no caso concreto, a declaração do contribuinte ou o recolhimento, ainda que parcial, do ISSQN dos fatos geradores tributados deveriam ter sido feitos.

In casu, as instâncias ordinárias aplicaram a regra do art. 150, § 4°, do CTN independentemente do momento do conhecimento do município acerca do fato gerador e de qualquer recolhimento do tributo aos seus cofres, sendo INSUSTENTÁVEIS as conclusões por elas adotadas.

15.2.3. Resultado final.

O recolhimento do tributo a município diverso daquele a quem seria efetivamente devido não afasta a aplicação da regra da decadência prevista no art. 173, I do CTN.

16.  REINTEGRA e extensão automática para toda e qualquer Área de Livre Comércio – ALC

RECURSO ESPECIAL

O REINTEGRA não pode ser estendido de forma automática para as vendas destinadas a toda e qualquer Área de Livre Comércio – ALC.

REsp 1.945.976-SC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021, DJe 02/02/2022. (Info 723)

16.1.                   Situação FÁTICA.

Plasticao Ltda interpôs recurso especial no qual sustenta que tem o direito líquido e certo de apurar os créditos do REINTEGRA sobre receitas decorrentes de vendas para todas as ALCs, na forma estabelecida pelas Leis n. 12.546/2011 e 13.043/2014, devendo-se reconhecer a equiparação das remessas à ALC às exportações, para todos os efeitos fiscais.

O Reintegra é um programa criado pelo governo para incentivar a exportação de produtos manufaturados. Esse benefício só é concedido para aquelas empresas que possuam resultados reais, isso significa que precisa ter vendas realmente efetivadas. O Reintegra pode ser utilizado por todos os tamanhos de empresas. Tal programa somente pode ser utilizado pelas empresas produtoras que efetuam exportação, as pessoas jurídicas de que tratam os artigos 11-A e 11-B da Lei nº 9.440/1997 e o artigo 1º da Lei nº 9.826/1999, bem como a Cooperativa ou a pessoa jurídica encomendante na operação de industrialização por encomenda.

16.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

16.2.1. Possível a extensão automática?

R: Nooops!!!

O STJ possui o entendimento de que o REINTEGRA não pode ser estendido de forma automática para as vendas destinadas a toda e qualquer Área de Livre Comércio – ALC, porque cada área possui legislação própria, devendo ser analisada tal possibilidade e compatibilidade caso a caso.

Nesse contexto, a venda de mercadorias para empresas situadas nas ALCs de Boa Vista/RR e Bonfim/RR são equivalentes a uma exportação, sendo o caso de fruição do REINTEGRA em razão das mercadorias destinadas a esta área.

Por outro lado, conforme já decidido pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Resp 1.861.806/SC (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 21/09/2020), se a venda de mercadorias para empresas situadas nas ALCs de Tabatinga/AM, Guajará-Mirim/RO, Brasileia, Cruzeiro do Sul e Epitaciolândia/AC, Macapá e Santana/AP deixou de ser equivalente a uma exportação, não há que se falar em fruição do REINTEGRA em razão das mercadorias destinadas a esta área.

Nesse sentido: “V – Ainda que se ingressasse no fundo da matéria em discussão, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça fixou que a venda de mercadorias para empresas situadas na Zona Franca de Manaus – ZFM equivale, para efeitos fiscais, à exportação de produto brasileiro para o estrangeiro, segundo interpretação do Decreto-Lei n. 288/1967. VI – Neste particular, foi editado Enunciado Sumular n. 640/STJ, segundo o qual: “O benefício fiscal que trata do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA) alcança as operações de venda de mercadorias de origem nacional para a Zona Franca de Manaus, para consumo, industrialização ou reexportação para o estrangeiro”. VII – Lado outro, afastando a tese defendida pela contribuinte, o Superior Tribunal de Justiça entende que o REINTEGRA não pode ser estendido de forma automática para as vendas destinadas a toda e qualquer Área de Livre Comércio – ALC, porque cada área possui legislação própria, devendo ser analisada tal possibilidade e compatibilidade caso a caso. VIII – No caso, não há falar em fruição do REINTEGRA em razão das mercadorias destinadas às ALC de Tabatinga – AM, Guajará-Mirim – RO, Brasiléia – AC, Epitaciolândia – AC, Cruzeiro do Sul – AC, Macapá – AP, Santana – AP, conforme o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, de que não diverge o acórdão recorrido, segundo se pode verificar do seguinte acórdão: REsp 1.861.806/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21/9/2020. IX – Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.898.953/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 29/4/2021)”.

16.2.2. Resultado final.

O REINTEGRA não pode ser estendido de forma automática para as vendas destinadas a toda e qualquer Área de Livre Comércio – ALC.

DIREITO PENAL

17.  Crime de dispensa indevida de licitação e necessidade de dolo específico

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS

Para a configuração do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, agora disposto no art. 337-E do CP (Lei n. 14.133/2021), é indispensável a comprovação do dolo específico de causar danos ao erário e o efetivo prejuízo aos cofres públicos.

AgRg no HC 669.347-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em 13/12/2021. (Info 723)

17.1.                   Situação FÁTICA.

Creison foi denunciado pelo crime do no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, agora disposto no art. 337-E do CP (Lei n. 14.133/2021), ou seja, “Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”. A denúncia foi oferecida em razão de contratação direta de famoso escritório de advocacia para patrocínio de causa específica.

No entanto, sua defesa impetrou Habeas Corpus sustentando a ausência de dolo específico, uma vez que Creison teria apenas homologado o procedimento de dispensa, sendo que tal decisão foi embasada por parecer prévio da Secretaria de Assuntos Jurídicos do município que atestava a regularidade do procedimento e aconselhava a contratação.

17.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

17.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.666/1993:

Art. 13.  Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:      (Revogado pela Lei nº 14.133, de 2021)

Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Lei n. 14.133/2021:

Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:

III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:

a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;

b) pareceres, perícias e avaliações em geral;

c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;

d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;

e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;

g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;

h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso;

IV – objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento;

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Código Penal:

Art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória

Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

17.2.2. Necessária a comprovação de dolo específico e prejuízo?

R: Yeaph!!!!

Inicialmente cumpre salientar que a Lei n. 8.666/1993, no art. 13, V, caracterizava o “patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas” como serviço técnico especializado, que poderia ser contratado com inexigibilidade de licitação se demonstrada a notória especialização do profissional e a singularidade do objeto.

No entanto, com o advento da Lei n. 14.133/2021, nos termos do art. 74, III, o requisito da singularidade do serviço advocatício deixou de ser previsto em lei, passando a ser exigida a demonstração da notória especialização e a natureza intelectual do trabalho. Essa interpretação, aliás, é reforçada pela inclusão do art. 3º-A do Estatuto da Advocacia pela Lei n. 14.039/2020, segundo o qual “os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei”.

Desse modo, considerando que o serviço de advocacia é por natureza intelectual e singular, uma vez demonstrada a notória especialização e a necessidade do ente público, será possível a contratação direta.

Ademais, conforme julgado do Superior Tribunal de Justiça, a mera existência de corpo jurídico no âmbito da municipalidade, por si só, não inviabiliza a contratação de advogado externo para a prestação de serviço específico para o ente público (REsp n. 1.626.693/SP, Rel. Acd. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 03/05/2017). Em idêntico norte, o entendimento firmado pelo STF de que “o fato de a entidade pública contar com quadro próprio de procuradores não obsta legalmente a contratação de advogado particular para a prestação de serviço específico. É necessário, contudo, que fique configurada a impossibilidade ou relevante inconveniência de que a atribuição seja exercida pela advocacia pública, dada a especificidade e relevância da matéria ou a deficiência da estrutura estatal” (Inq n. 3.074/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 02/10/2014).

Nesse contexto, ainda que as ações ajuizadas pelo escritório de advocacia contratado tratassem de temas tributários, não seria razoável exigir dos advogados públicos ou procuradorias de municípios de pequeno porte que tenham competências específicas para atuar em demandas complexas.

Ressalte-se, que o crime em apreço refere-se a norma penal em branco, cuja completude depende da integração das normas que preveem as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitações, conforme o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição Federal e no art. 2º do CP. Assim, não há dúvida quanto à incidência das alterações promovidas pela Lei n. 14.133/2021 no tocante à supressão do pressuposto de singularidade do serviço de advocacia para contratação direta.

Deste modo, para a configuração do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, é indispensável a comprovação do dolo específico de causar danos ao erário.

17.2.3. Resultado final.

Para a configuração do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, agora disposto no art. 337-E do CP (Lei n. 14.133/2021), é indispensável a comprovação do dolo específico de causar danos ao erário e o efetivo prejuízo aos cofres públicos.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

18.  Requisitos das decisões que deferem a interceptação telefônica e respectiva prorrogação

HABEAS CORPUS

As decisões que deferem a interceptação telefônica e respectiva prorrogação devem prever, expressamente, os fundamentos da representação que deram suporte à decisão – o que constituiria meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação reportada como razão de decidir – sob pena de ausência de fundamento idôneo para deferir a medida cautelar.

HC 654.131-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/11/2021, DJe 19/11/2021. (Info 723)

18.1.                   Situação FÁTICA.

Tadeu é réu em ação penal que apura a prática de crimes contra o processo licitatório, de corrupção ativa, corrupção passiva e participação em organização criminosa, no âmbito da denominada Operação Drenagem, que apura ilícitos nos contratos entre o Serviço Municipal de Água e Esgotos e a empresas construtoras.

A defesa de Tadeu impetrou Habeas Corpus no qual ataca as decisões proferidas pelo Tribunal local que deferiram a interceptação telefônica e respectivas prorrogações no procedimento investigatório que deu origem a ação penal. Conforme a defesa, houve constrangimento ilegal consistente em deficiência de fundamentação da autorização e prorrogação de interceptação telefônica – por utilização da técnica per relationem com referência à decisão de quebra de sigilo bancário, e não de interceptação.

18.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

18.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.296/1996:

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I – da autoridade policial, na investigação criminal;

II – do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

§ 1° Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.

§ 2° O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

18.2.2. Necessário fazer constar os fundamentos da representação que deram suporte à decisão autorizativa?

R: Yeaph!!!

A interceptação de comunicações telefônicas depende de decisão judicial fundamentada, a qual não excederá quinze dias, renovável por igual período, apontando a indispensabilidade do meio de prova, indícios razoáveis de autoria e fato investigado constituir infração penal punida com pena de reclusão, que poderá ser determinada de ofício ou por representação da autoridade policial ou do Parquet, devendo, nestes casos, o pedido demonstrar a necessidade da medida, com indicação dos meios a serem empregados (arts. 1º a 5º da Lei n. 9.296/1996).

Sobre o tema, o entendimento jurisprudencial pacificado é no sentido de que a utilização da fundamentação per relationem, seja para fim de reafirmar a fundamentação de decisões anteriores, seja para incorporar à nova decisão os termos de manifestação ministerial anterior, não implica vício de fundamentação (AgRg no AREsp n. 1.7906.66/SP, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 06/05/2021). E mais, admite-se o uso da motivação per relationem para justificar a quebra do sigilo das comunicações telefônicas (AgRg no RHC n. 136.245/MG, Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, DJe 20/9/2021).

Entretanto, faz-se necessário que a decisão que defere a interceptação telefônica e respectiva prorrogação traga, expressamente, os fundamentos da representação que deram suporte à decisão – o que constituiria meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação reportada como razão de decidir – sob pena de ausência de fundamento idôneo para deferir a medida cautelar.

Com efeito, caberá ao Desembargador relator na origem verificar e invalidar as provas decorrentes das interceptações telefônicas anuladas, considerando a teoria do fruto da árvore envenenada.

18.2.3. Resultado final.

As decisões que deferem a interceptação telefônica e respectiva prorrogação devem prever, expressamente, os fundamentos da representação que deram suporte à decisão – o que constituiria meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação reportada como razão de decidir – sob pena de ausência de fundamento idôneo para deferir a medida cautelar.

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