Trago neste artigo uma questão comentada do concurso da RFB. Leia-o por inteiro e veja o seguinte: a ESAF cobra dos candidatos conhecimentos multidisciplinares numa só questão. Temos aqui um exemplo disso. Para resolver os itens a seguir, o candidato deverá aplicar conhecimentos sobre: conduta dolosa, iter criminis, teoria do crime, comunicabilidade de condutas, concurso de agentes, causas penais relativamente independentes, individualização da caracterização do crime, tentativa, consumação, dentre outros elementos. O seu estudo teórico só terá plena eficácia se você confrontar tais conhecimentos com os casos concretos apresentados no estudo de questões.
a) Carlos deverá ser denunciado por
tentativa de homicídio.
b) Abelardo não pode ser denunciado pelo homicídio de João.
c) Abelardo não cometeu crime algum em relação a João.
d) Carlos deverá ser denunciado por homicídio.
e) Carlos e Abelardo deverão ser denunciados em concurso de agentes como
co-autores do homicídio de João.
Comentários:
Repare inicialmente que o problema deixa claro que a conduta de Carlos é
fundada na sua inequívoca intenção de atingir o resultado, pois o comando falou
claramente em dolo. Carlos atira em João com a intenção de matá-lo. Abelardo
põe fogo no hospital, com o claro intuito de matar a todos os pacidentes.
Quanto à Alelardo, como a análise da DOLO é feita, precipuamente, na mente do
sujeito ativo da conduta penal, já dá para descartarmos o item c, pois, uma
vez esgotado o iter criminis (o caminho do crime, todas as etapas da conduta,
com vistas a atingir o resultado), não dá para falar que não houve crime.
Aliás, o grande problema das questões em Direito Penal é se saber se houve crime
ou não, relativamente a uma dada hipótese consubstanciada na conduta comissiva
(do que age) ou omissiva (do que deixa de agir) do agente ativo do crime.
Bem… continuemos… já deu para perceber que se foram esgotadas todas as
etapas previstas para a busca da realização do resultado, não sendo explicitado
outro dado, já podemos dizer que houve crime.
Isso é muito importante. Veja sempre nas questões se houve crime ou não.
Faremos a mesma análise em cada questão que estudarmos.
Carlos tem o dolo de matar (também chamado de animus necandi). Abelardo também tem o dolo de matar.
Há crime. Há conduta afirmativa para o resultado, inclusive, há claramente, o
resultado. Quanto a isso, tudo bem!…
Já descartamos o item c.
Ocorre que temos que descartar também o item e, porque não há elementos
suficientes para concluirmos que entre a conduta de Carlos e a de Abelardo há
comunicabilidade.
O Código Penal Brasileiro adotou, quanto ao concurso de pessoas, a chamada
Teoria Unitária: todos os que colaboram para o resultado criminoso incorrem no
mesmo crime. Segundo a doutrina, para que se configure o concurso de pessoas,
temos que enxergar na dinâmica dos fatos apresentados os seguintes requisitos
(todos eles): 1) pluralidade de condutas, 2) relevância causal das condutas, 3)
liame subjetivo, 4) identidade de crime para todos os envolvidos.
O que faltou no comando desta questão a descaracterizar a co-autoria? FALTOU O
LIAME SUBJETIVO. Nada é dito no problema a respeito da identidade de desígnios entre
a conduta de Carlos e a conduta de Abelardo. Eles agiram isoladamente. Não há
no problema elementos que nos permitam concluir que haja, entre a conduta de
Carlos e a conduta de Abelardo, uma combinação, ainda que não falada, isto é,
ainda que implícita, no sentido de que ambos tenham a intenção de contribuir
para o resultado. Assim, não há concurso de pessoas. Por isso, não podemos
concluir pela ocorrência de um único crime.
Estamos diante de uma hipótese de causas relativamente independentes, pois,
agregadas, conduziram à produção do resultado. Se Carlos não tivesse atirado em
João, a vítima não estaria no hospital e não morreria queimada.
Aplica-se, ao caso, o §1º, do art. 13, do CP: A superveniência de causa
relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o
resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou..
Então, pergunto: antes da ação de Abelardo, havia homicídio consumado? Não!
NAS QUESTÕES DE PROVA, INTERPRETE O TEXTO DE CADA PROBLEMA E DE CADA ITEM DE
FORMA O MÁXIMO RESTRITIVO POSSÍVEL.
DISSO, logicamente, se deduz que o fato apresentado corresponde à ocorrência de
dois crimes.
Segundo o princípio da individualização da pena, cada qual responderá pela
prática de seus próprios atos.
Assim sendo, Carlos responde pela prática de seus próprios atos. Abelardo
responde pela prática de seus próprios atos.
Pense restritivamente assim:
EM RELAÇÃO A CARLOS, o que ocorreu?
EM RELAÇÃO A ABELARDO, o que ocorreu?
Somente em relação a Carlos podemos afirmar que o resultado foi atingido? Não!…
Carlos teve o dolo de matar, no entanto, por sua conduta o resultado não foi
atingido. Ocorreu o que chamamos de realização imperfeita do tipo penal.
Encaixa-se, aqui, perfeitamente, a hipótese do art. 14, II, do CP: Diz-se do
crime: (…) tentado, quando iniciada a execução, não se consuma por
circunstâncias alheias à vontade do agente.
Então, como são dois crimes (uma vez que não podemos concluir pelo concurso de
crimes), temos que isolar a conduta de cada um (individualização da
responsabilidade penal).
Carlos responderá por tentativa de homicídio.
Abelardo responderá por homicídio consumado.
Gabarito: letra A.
Queridos alunos,
Estou esperando por todos que vão fazer esse concurso no meu curso de Direito Penal em exercícios para a RFB (
clique aqui), cargo de Auditor. Bons estudos, abraço grande, prof. Tatiana Santos.