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Informativo STJ 698 Comentado


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DIREITO CIVIL

1.      Tomada de empréstimo para depósito do preço do bem e direito de preferência

RECURSO ESPECIAL

A tomada de empréstimo para cumprimento do requisito do depósito do preço do bem, previsto no art. 504 do CC/2002, não configura abuso de direito hábil a tolher o exercício do direito de preferência.

REsp 1.875.223-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/05/2021, DJe 31/05/2021. (Info 698)

1.1.  Situação FÁTICA.

Maria ajuizou ação de preferência em face de Zilda visando ao reconhecimento do seu direito de preferência na aquisição de imóvel cuja parcela de 1/3 (um terço) pertencia ao seu falecido ex-companheiro João.

Ocorre que, mesmo tendo sido reconhecida judicialmente a união estável, os herdeiros de João alienaram o imóvel em condomínio à uma empresa, sem a observância do direito de preferência. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, para declarar o direito de preferência da autora na compra do imóvel, direito este exercido com os depósitos efetuados nos autos.

No entanto, em acórdão, o Tribunal de Justiça local deu provimento à apelação interposta pela empresa adquirente do imóvel por reconhecer ter havido suposta simulação no exercício do direito de preferência por Maria, uma vez que esta havia emprestado os valores de uma empresa de incorporação imobiliária para realizar os depósitos necessários ao exercício do direito de preferência.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.     Questão JURÍDICA.

CC/2002:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço

1.2.2.     Houve abuso de direito por parte de Maria?

R: Noooops!!!

O art. 504 do CC/2002 enumera TAXATIVAMENTE os requisitos a serem observados para o exercício do direito de preferência: i) a indivisibilidade da coisa; ii) a ausência de prévia ciência, pelo condômino preterido acerca da venda realizada a estranho; iii) o depósito do preço, que deve ser IDÊNTICO àquele que fora pago pelo estranho na aquisição; e iv) a observância do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias.

A origem do dinheiro utilizado para o depósito do preço do bem não tem qualquer relevância para o exercício do direito de preferência.

              No caso, verifica-se que a Corte local concluiu, com base unicamente nos fatos de que a parte não possuía patrimônio para fazer frente à aquisição do bem e de que o empréstimo realizado ocorreu sem a prestação de qualquer garantia ou comprovação de renda, que teria havido suposto abuso de direito no exercício do direito de preferência.

Tais fundamentos, contudo, não são suficientes para, por si sós, tolher o exercício do direito de preferência da parte que prestou observância aos requisitos exigidos pelo art. 504 do CC/2002. Ademais, a comprovação de renda e/ou prestação de garantia pelo mutuário integram a esfera de FACULDADE do mutuante ao contratar.

1.2.3.     Resultado final.

A tomada de empréstimo para cumprimento do requisito do depósito do preço do bem, previsto no art. 504 do CC/2002, não configura abuso de direito hábil a tolher o exercício do direito de preferência.

2.      Valor recebido a título de horas extras e base de cálculo da pensão alimentícia

RECURSO ESPECIAL

O valor recebido a título de horas extras integra a base de cálculo da pensão alimentícia fixada em percentual sobre os rendimentos líquidos do alimentante.

REsp 1.741.716-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por maioria, julgado em 25/05/2021. (Info 698)

2.1.  Situação FÁTICA.

Joana propôs ação em desfavor de Anderson, objetivando a regulamentação da guarda, das visitas e dos alimentos em relação ao menor André. O juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos formulados para condenar o demandado ao pagamento de pensão alimentícia em favor do menor, no entanto, SEM a incidência sobre as horas extraordinárias recebidas em pecúnia pelo alimentante, no caso de este estar trabalhando com vínculo empregatício.

Inconformada, Joana interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal de Justiça local negado provimento ao apelo sob o argumento de que a pensão alimentícia não deveria incidir sobre as horas extraordinárias do alimentante, tendo em vista que referidas verbas tem cunho indenizatório ou de prêmio ao esforço empreendido pelo trabalho.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.     Trabalha mais, recebe mais e paga mais?

R: É por aí…

Consoante a doutrina e a jurisprudência nacional, os alimentos devem ser fixados de acordo com o binômio necessidade/possibilidade, atendendo às peculiaridades do caso concreto.

No que tange à possibilidade de pagamento do devedor de alimentos, especificamente, quanto à incidência das horas extras, verifica-se que há entendimento no âmbito da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os valores pagos a título de horas extras devem ser incluídos na verba alimentar.

No julgamento do Recurso Especial 1.098.585/SP, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma, por maioria, entendeu que as horas extras têm caráter remuneratório e o acréscimo patrimonial delas advindo consubstancia aumento superveniente nas possibilidades do alimentante, o que autoriza a incidência dos alimentos.

Soma-se a isso, que por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.358.281/SP, processado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, de relatoria do Min. Herman Benjamim, a Primeira Seção do STJ reafirmou o entendimento no sentido de que o adicional de horas extras possui caráter remuneratório.

Assim, o valor recebido pelo alimentante a título de horas extras possui natureza remuneratória, integrando a base de cálculo dos alimentos fixados em percentual sobre os rendimentos líquidos do devedor.

2.2.2.     Resultado final.

O valor recebido a título de horas extras integra a base de cálculo da pensão alimentícia fixada em percentual sobre os rendimentos líquidos do alimentante.

3.      Pretensão de cobrança de royalties decorrentes de contrato de licenciamento de uso de cultivares e prescricional

RECURSO ESPECIAL

A pretensão de cobrança de royalties decorrentes de contrato de licenciamento de uso de cultivares possui prazo prescricional quinquenal.

REsp 1.837.219-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/05/2021. (Info 698)

3.1.  Situação FÁTICA.

Coopsugar ajuizou ação de cobrança de royalties contra Sabarálcool S.A. com base em CONTRATO de licença de multiplicação de material vegetativo de cultivares de cana-de-açúcar. No entanto, o Juízo de primeiro grau declarou prescritos os valores cobrados cinco anos antes do ajuizamento da ação por entender aplicável a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular, com a aplicação de prazo quinquenal previsto no artigo 206, parágrafo 5º, I, do Código Civil.

Inconformada, Coopsugar interpôs sucessivos recursos nos quais sustentou que a Lei nº 9.456/1997 (Lei de Proteção de Cultivares) não trata de nenhum prazo prescricional, de modo que, para regular a cobrança de royalties pelo uso de cultivares deve ser considerado o prazo geral de 10 anos previsto no art. 205 do Código Civil. Ressaltou ainda que, com base no princípio da especialidade, a norma especial deveria prevalecer sobre a norma geral e que, uma vez ausente a norma específica, deveria incidir a regra geral.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil:

Art. 206. Prescreve:

§ 5 o Em cinco anos:

I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

3.2.2.     Aplicável a prescrição quinquenal?

R: Yeaph!!!

A Lei n. 9.456/1997 instituiu o sistema de proteção de cultivares, consolidando a proteção intelectual no setor de melhoramento vegetal e garantindo aos melhoristas de plantas sua exploração comercial exclusiva pelo prazo legal.

Nesse contexto, o produtor precisará obter autorização do titular do direito para multiplicar o material vegetativo, o que se dá por concessão de autorização ou licença de uso mediante o pagamento de royalties.

Cumpre esclarecer que para que surja a obrigação de pagar royalties é necessário que o proprietário tenha autorizado o uso de sua cultivar. O uso de cultivar sem licença enseja a indenização por utilização indevida e não o pagamento de royalties.

O contrato de licença deve descrever o objeto e os limites de autorização de uso, a forma de cálculo e o modo de pagamento da contraprestação.

Existe mais de uma maneira de calcular o valor da contraprestação pela utilização de cultivar: levando-se em conta um período de tempo para o uso, a área plantada, ou o volume, que pode corresponder a unidades, quilos e litros. Nas últimas hipóteses, a liquidação da obrigação vai depender das informações prestadas pelo licenciado quanto às quantidades utilizadas para a composição do valor devido, na forma do contrato.

 A Lei n. 9.456/1997 não cuida do contrato de licença de uso, nem tampouco do prazo prescricional para a ação de cobrança de royalties. Além disso, não prevê a aplicação subsidiária de outro regramento de modo que para regular a prescrição deve ser aplicada a norma geral, isto é, o Código Civil. Entretanto, somente no caso de não haver disciplina específica é que irá incidir o prazo geral decenal.

No caso, contudo, a apuração do valor devido depende de meros cálculos aritméticos. Assim, a pretensão é de recebimento de dívida líquida constante de instrumento particular. Nesse contexto, deve ser aplicado o prazo quinquenal de que trata o artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.

3.2.3.     Resultado final.

A pretensão de cobrança de royalties decorrentes de contrato de licenciamento de uso de cultivares possui prazo prescricional quinquenal.

4.      Genitores com domicílios em cidades distintas e guarda compartilhada

RECURSO ESPECIAL

O fato de os genitores possuírem domicílio em cidades distintas não representa óbice à fixação da guarda compartilhada.

REsp 1.878.041-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/05/2021, DJe 31/05/2021. (Info 698)

4.1.  Situação FÁTICA.

Elenice ajuizou ação de guarda compartilhada de filhos cumulada com fixação de visitas em face de Valdir. O juiz deferiu, liminarmente, a guarda compartilhada dos filhos comuns, fixando, como residência principal, a da genitora e o regime de convivência de acordo com o indicado na inicial.

Ocorre que Valdir reside em Estado da Federação distinto do que residem os menores envolvidos, razão pela qual o Tribunal de Justiça local entendeu pela inviabilidade da guarda compartilhada. Inconformada, Elenice interpôs recurso especial no qual sustenta que o fato de os genitores manterem residências em cidades distintas não impede a fixação da guarda compartilhada.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Questão JURÍDICA.

CC/2002:

Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 3º  Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos

4.2.2.     O fato de residirem em cidades distintas representa óbice à concessão da guarda compartilhada?

R: Em absoluto!!!

Inicialmente, importa consignar que a guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada, tampouco com o regime de visitas ou de convivência.

Com efeito, a guarda compartilhada impõe o compartilhamento de responsabilidades, não se confundindo com a custódia física conjunta da prole ou com a divisão igualitária de tempo de convivência dos filhos com os pais.

De fato, nesta modalidade de guarda, é plenamente POSSÍVEL – e, até mesmo, RECOMEDÁVEL – que se defina uma residência principal para os filhos, garantindo-lhes uma referência de lar para suas relações da vida.

Na guarda alternada, por outro lado, há a fixação de dupla residência, residindo a prole, de forma fracionada, com cada um dos genitores por determinado período, ocasião em que cada um deles, individual e exclusivamente, exercerá a guarda dos filhos.

Assim, é imperioso concluir que a guarda compartilhada não demanda custódia física conjunta, tampouco tempo de convívio igualitário, sendo certo, ademais, que, dada sua flexibilidade, esta modalidade de guarda comporta as fórmulas mais diversas para sua implementação concreta, notadamente para o regime de convivência ou de visitas, a serem fixadas pelo juiz ou por acordo entre as partes em atenção às circunstâncias fáticas de cada família individualmente considerada.

Portanto, não existe qualquer óbice à fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados, ou, até mesmo, países diferentes, máxime tendo em vista que, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos.

A possibilidade de os genitores possuírem domicílios em cidades distintas infere-se da própria previsão contida no § 3º do art. 1.583 do CC/2002, segundo o qual “na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos”.

4.2.3.     Resultado final.

O fato de os genitores possuírem domicílio em cidades distintas não representa óbice à fixação da guarda compartilhada.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

5.      (In)Admissibilidade da cumulação de pedidos estranhos à natureza constitutivo-negativa dos embargos de terceiro

RECURSO ESPECIAL

É inadmissível a cumulação de pedidos estranhos à natureza constitutivo-negativa dos embargos de terceiro.

REsp 1.703.707-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/05/2021. (Info 698)

5.1.  Situação FÁTICA.

Alice ajuizou embargos de terceiro à execução de título extrajudicial que Alliance One moveu em face de Igor, Eno e Noeli. Alice se viu obrigada a ajuizar tal ação, uma vez que foi impedida de vender seu veículo em razão das restrições impostas sobre estes nas ações de execução movidas pela Alliance One contra seu esposo e sogros.

Inconformada, Alice sustentou nos embargos que as restrições em seu veículo seriam indevidas, uma vez que não era devedora, avalista ou fiadora dos executados, motivo pelo qual seus bens não deveriam servir para garantia ou penhora para satisfação de débito de terceiros. Por fim, requereu a indenização por danos morais em razão das restrições indevidas em seu veículo.

O juiz de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido formulado nos embargos de terceiro e, em consequência, determinou o levantamento das restrições cadastradas no veículo, mas indeferiu o pedido de dano moral por entender este inadmissível em embargos de terceiros.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPC/2015:

 Art. 681. Acolhido o pedido inicial, o ato de constrição judicial indevida será cancelado, com o reconhecimento do domínio, da manutenção da posse ou da reintegração definitiva do bem ou do direito ao embargante.

Art. 327. É lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.

§ 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum

5.2.2.     Cabível o pedido de danos morais em embargos de terceiros?

R: Nooops!!!

Em regra, somente as pessoas que compõem a relação jurídico-processual é que poderão sofrer os efeitos das decisões judiciais proferidas no respectivo processo, notadamente algum tipo de constrição judicial em seus bens, por meio de penhora e sucessiva expropriação.

Quando, porém, o patrimônio de terceiro, sem nenhuma relação com o processo, for atingido, de maneira injusta, pela prestação jurisdicional correlata, a lei confere um instrumento próprio para a defesa de seu interesse, a fim de liberar o gravame judicial realizado em seus bens, qual seja, os embargos de terceiro.

A peculiaridade dos embargos de terceiro é que, a despeito de se tratar de ação de conhecimento, a sua única finalidade é a de livrar da constrição judicial injusta os bens pertencentes a quem não é parte do processo, tanto que o art. 681 do CPC/2015 afirma que, “acolhido o pedido inicial, o ato de constrição judicial indevida será cancelado, com o reconhecimento do domínio, da manutenção da posse ou da reintegração definitiva do bem ou do direito ao embargante”.

Em outras palavras, os embargos de terceiro possuem cognição RESTRITA, pois a sua análise limita-se tão somente ao exame da legalidade do ato judicial que culminou na constrição ou ameaça de constrição sobre bens de terceiro, não possuindo, assim, natureza condenatória.

Não se ignora que o art. 327, § 2º, do CPC/2015, ao permitir a cumulação de pedidos em um único processo, estabelece que, “quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum”.

Ocorre que a referida norma processual, que permite a conversão de procedimento especial para o rito comum, não se aplica em todo e qualquer caso.

Com efeito, conforme já decidido pela Terceira Turma, “a partir de uma análise sistemática do CPC, conclui-se que a regra do art. 292, § 2º [correspondente ao art. 327, § 2º, do CPC/2015], não se aplica indiscriminadamente, como procura fazer crer a recorrente, alcançando apenas os pedidos sujeitos a procedimentos que admitam conversão para o rito ordinário” (REsp 993.535/PR, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 22/4/2010).

Assim, considerando a cognição limitada dos embargos de terceiro, cuja finalidade é tão somente de evitar ou afastar a constrição judicial sobre bens de titularidade daquele que não faz parte do processo correlato, revela-se inadmissível a cumulação de pedidos estranhos à sua natureza constitutivo-negativa, como, por exemplo, o pleito de condenação do réu a indenização por danos morais, sob pena, inclusive, de tumultuar a marcha processual célere dos embargos de terceiro, em nítida contradição com o próprio escopo do art. 327 do CPC/2015.

5.2.3.     Resultado final.

É inadmissível a cumulação de pedidos estranhos à natureza constitutivo-negativa dos embargos de terceiro.

6.      (In)Admissibilidade do o indeferimento automático do pedido de gratuidade da justiça em razão da parte constar em polo passivo de execução

RECURSO ESPECIAL

É inadmissível o indeferimento automático do pedido de gratuidade da justiça apenas por figurar a parte no polo passivo em processo de execução.

REsp 1.837.398-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/05/2021, DJe 31/05/2021. (Info 698)

6.1.  Situação FÁTICA.

EME Materiais Elétricos ajuizou ação de execução de duplicadas em face de BM Engenharia. No curso do processo, foi deferido pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, incluindo-se no polo passivo da demanda os sócios.

Um dos sócios executados requereu a concessão do benefício de justiça gratuita, o que foi indeferido pelo juiz de primeiro grau e mantido pelo Tribunal de Justiça local que fundamentaram as decisões na incompatibilidade da concessão de gratuidade da justiça ao executado com o processo de execução, uma vez que neste vigora o princípio da responsabilidade patrimonial, a sujeitar todos os bens penhoráveis do devedor à satisfação integral da dívida.

 Inconformado, o sócio então interpôs recurso especial no qual sustenta que inexiste previsão legal que exclua a possibilidade de concessão da gratuidade de justiça em sede de execução.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.     Questão JURÍDICA.

CF/1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

CPC/2015:

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

§ 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

6.2.2.     Possível a concessão de justiça gratuita ao executado?

R: Desde que preenchidos os requisitos legais, SIM!!!

Desde a vigência da Lei n. 1.060/1950, o deferimento da gratuidade é condicionado apenas à demonstração da incapacidade do jurisdicionado de pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem sacrifício do sustento próprio ou de sua família.

Nesse passo, o benefício da gratuidade de justiça tem como principal escopo assegurar a plena fruição da garantia constitucional de acesso à Justiça, prevista no art. 5º, XXXV, da CF/1988, mediante a superação de um dos principais obstáculos ao ajuizamento de uma ação ou ao exercício da defesa, consistente no custo financeiro do processo.

Por isso, sequer o legislador poderia instituir regra que, invariavelmente, excluísse determinada atividade jurisdicional do campo de incidência da gratuidade, independentemente da situação econômica do indivíduo, sob pena de inconstitucional restrição do acesso ao Poder Judiciário às pessoas mais pobres.

Ainda, há na Lei expresso mecanismo que permite ao Juiz, de acordo com as circunstâncias concretas, conciliar o direito de acesso à Justiça e a responsabilidade pelo ônus financeiro do processo, qual seja: o deferimento parcial da gratuidade, apenas em relação a alguns dos atos processuais, ou mediante a redução percentual de despesas que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento (art. 98, § 5º, do CPC).

Dessa maneira, é inquestionável que não está o Tribunal obrigado a conceder a plena gratuidade de justiça à parte devido à declaração de insuficiência de recursos deduzida; porém, o que não se pode admitir é o indeferimento automático do pedido, pela simples circunstância de ele figurar no polo passivo do processo de execução.

6.2.3.     Resultado final.

É inadmissível o indeferimento automático do pedido de gratuidade da justiça apenas por figurar a parte no polo passivo em processo de execução.

7.      (Im)Prescindibilidade da intimação direta do devedor acerca da data da alienação judicial do bem e Defensoria Pública

RECURSO ESPECIAL

É prescindível a intimação direta do devedor acerca da data da alienação judicial do bem, quando representado pela Defensoria Pública.

REsp 1.840.376-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/05/2021. (Info 698)

7.1.  Situação FÁTICA.

Em um cumprimento de sentença, foi determinada a realização da hasta pública para venda de bem de propriedade do devedor, este assistido pela Defensoria Pública.

Ocorre que somente o Defensor Público foi intimado da realização da hasta pública, razão pela qual o devedor interpôs sucessivos recursos nos quais alega que também deveria ter sido intimado pessoalmente para, se fosse o caso, promover o pagamento da dívida e evitar a alienação judicial do bem, ato que não caberia ao defensor público.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPC/2015:

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.

§ 2º A requerimento da Defensoria Pública, o juiz determinará a intimação pessoal da parte patrocinada quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada.

Art. 889. Serão cientificados da alienação judicial, com pelo menos 5 (cinco) dias de antecedência:

II – o coproprietário de bem indivisível do qual tenha sido penhorada fração ideal;

7.2.2.     Necessária a intimação pessoal do devedor assistido pela Defensoria Pública?

R: Nooops!!!

A controvérsia reside na definição da amplitude e da aplicação do § 2º do art. 186 do CPC/2015 segundo o qual, “a requerimento da Defensoria Pública, o juiz determinará a intimação pessoal da parte patrocinada quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada”.

Por um lado, observa-se que o referido dispositivo objetiva facilitar a defesa judicial da parte representada pela Defensoria Pública, que, muitas vezes, nem consegue o contato direto com os seus assistidos, motivado pela ausência de telefone, pela falta dos dados necessários para realizar a própria comunicação ou pela condição socioeconômica do assistido. Por outro, algumas informações ou atos, por sua natureza, devem ser praticados pela própria parte, o que inviabiliza que sejam levados a efeito diretamente pelo defensor.

Em tais situações, caberá ao Poder Judiciário, inclusive em respeito aos princípios da cooperação e da efetividade da tutela jurisdicional (arts. 6º e 8º do CPC/2015), após o requerimento da Defensoria Pública, determinar igualmente a notificação pessoal dos assistidos, utilizando-se do auxílio dos oficiais de justiça.

Para tanto, a utilização do art. 186 do CPC/2015 exige que os atos a serem praticados não detenham natureza exclusivamente técnica (ou processual), pois, se assim for, tanto a intimação quanto a manifestação caberia ao procurador constituído nos autos.

Sob a égide da Lei n. 8.953/1994, que alterou o art. 687 do Código de Processo Civil de 1973, o devedor era cientificado da alienação judicial por seu advogado. Por isso, a jurisprudência do STJ assentou que “Se o executado, por intermédio da atuação de seu procurador nos autos, demonstra ter inequívoco conhecimento da ata da hasta pública, torna-se prescindível a sua intimação pessoal” (AgInt no REsp 1.635.092/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 17/5/2018, DJe 22/5/2018).

Além disso, estabeleceu que, na fase de cumprimento de sentença, o executado é intimado na pessoa de seu advogado, mesmo se este for defensor público. A única diferença é que o primeiro deve ser comunicado por meio da imprensa oficial, enquanto para o segundo exige-se que a comunicação seja pessoal.

Com semelhante raciocínio, em ação de despejo por falta de pagamento, a intimação referente à purgação da mora é dirigida ao defensor público.

O ponto comum está no fato de que a decisão que determina o pagamento ou a purga da mora não exige, por si só, a necessidade de intimação pessoal do devedor, bastando a ciência do advogado ou do defensor público. E, como afirmado pela Terceira Turma, “exigir a intimação pessoal do devedor na hipótese do art. 475-J, do CPC, mesmo que apenas nas hipóteses em que ele estiver representado por defensor público, é propiciar um retrocesso, impedindo que sejam atingidos os escopos de celeridade e efetividade” (REsp 1.032.436/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 4/8/2011, DJe 15/8/2011).

Contudo, em caso de hasta pública, o art. 889, II, do CPC/2015, estabeleceu que “Serão cientificados da alienação judicial, com pelo menos 5 (cinco) dias de antecedência: I – o executado, por meio de seu advogado ou, se não tiver procurador constituído nos autos, por carta registrada, mandado, edital ou outro meio idôneo”.

Assim, basta a intimação do advogado do devedor para cumprir a exigência processual referente ao prévio conhecimento da praça pública do imóvel. Apenas se não houver procurador constituído nos autos, a norma impõe a notificação direta do executado. Nesse contexto, a mesma regra vale para a parte representada pela Defensoria Pública.

Ressalta-se que, antes de haver a alienação judicial, o devedor já teve várias oportunidades de evitar que o seu bem respondesse pela dívida cobrada, inclusive quando teve início a fase de cumprimento de sentença. Agora, em etapa avançada do processo, exigir a comunicação pessoal do executado a respeito do leilão, quando a norma específica prescreve apenas a intimação na pessoa do advogado – ou do defensor público -, viola, em tese, os princípios da celeridade e da razoável duração do processo.

Por fim, a atual codificação processual civil estipula expressamente as situações nas quais existe a necessidade de intimação do próprio devedor, mesmo que representado pela Defensoria Pública. É o caso do cumprimento de sentença que reconhece o dever de pagar quantia e do procedimento de adjudicação do bem penhorado.

7.2.3.     Resultado final.

É prescindível a intimação direta do devedor acerca da data da alienação judicial do bem, quando representado pela Defensoria Pública.

DIREITO PROCESSUAL

8.      Juízo cível ou trabalhista que pratica ato expropriatório de bem sequestrado na esfera penal e usurpação de competência

CONFLITO DE COMPETÊNCIAS

Incorre em usurpação de competência o Juízo cível ou trabalhista que pratica ato expropriatório de bem sequestrado na esfera penal.

CC 175.033-GO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 26/05/2021, DJe 31/05/2021. (Info 698)

8.1.  Situação FÁTICA.

Trata-se de conflito de competência no qual o Juízo Trabalhista determinou a penhora e o leilão de certo automóvel. Arrematado o bem, o Juízo trabalhista solicitou ao Juízo da Vara Federal o levantamento da restrição cadastrada por este, providência recusada pelo Juízo Federal, que suscitou o SEQUESTRO prévio do mesmo veículo.

O juiz federal aduziu que não se trata de preferência da penhora mais antiga, mas da impossibilidade de fazê-la, tendo em vista a absoluta incompetência da Justiça Trabalhista. Sustentou que a Justiça Trabalhista não possui competência constitucional para decidir sobre questões penais, especificamente sobre bem bloqueado por decisão de juízo criminal.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPP:

Art. 125.  Caberá o seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro.

Art. 133. Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado ou do Ministério Público, determinará a avaliação e a venda dos bens em leilão público cujo perdimento tenha sido decretado.

§ 1º Do dinheiro apurado, será recolhido aos cofres públicos o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé.

Art. 133-A. O juiz poderá autorizar, constatado o interesse público, a utilização de bem sequestrado, apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória pelos órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal, do sistema prisional, do sistema socioeducativo, da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícia, para o desempenho de suas atividades.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 4º Transitada em julgado a sentença penal condenatória com a decretação de perdimento dos bens, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé, o juiz poderá determinar a transferência definitiva da propriedade ao órgão público beneficiário ao qual foi custodiado o bem.  

Art. 134.  A hipoteca legal sobre os imóveis do indiciado poderá ser requerida pelo ofendido em qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infração e indícios suficientes da autoria.

Art. 136.  O arresto do imóvel poderá ser decretado de início, revogando-se, porém, se no prazo de 15 (quinze) dias não for promovido o processo de inscrição da hipoteca legal.      

Art. 143.  Passando em julgado a sentença condenatória, serão os autos de hipoteca ou arresto remetidos ao juiz do cível (art. 63). 

Código Penal:

Art. 91 – São efeitos da condenação

II – a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

CPC:

Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.

8.2.2.     Houve usurpação de competência pelo juízo trabalhista?

R: Yeaph!!!

Inexistindo disposição legal em sentido contrário, afigura-se possível a coexistência de múltiplas constrições patrimoniais sobre um mesmo bem, decretadas por Juízes diversos, sem implicar na usurpação de competência por quaisquer deles.

No entanto, é possível cogitar o conflito positivo da discussão acerca da existência ou não de primazia da medida assecuratória de índole penal (sequestro) sobre a decretada em sede de reclamação trabalhista (penhora), de modo a elucidar se a conduta do Juízo trabalhista, no sentido de antecipar a prática de ato expropriatório referente a bem sob o qual ainda recaia constrição decretada pelo Juízo criminal, consubstanciou usurpação de competência do último.

Inicialmente, cumpre rememorar que o sequestro é medida assecuratória voltada à retenção de bens móveis e imóveis do indiciado ou acusado, ainda que em poder de terceiros, quando adquiridos com os proventos da infração (art. 125 do CPP) para que deles não se desfaça, durante o curso da ação penal, de modo a assegurar a indenização da vítima ou impossibilitar ao agente que tenha lucro com a atividade criminosa. Transitada a ação penal e inexistindo ofendido a requerer a indenização, são os proventos do delito confiscados em prol da Fazenda Pública (arts. 133, § 1º, do CPP e 91, II, b, do Código Penal) e submetidos a alienação judicial ou transferidos diretamente ao ente público (art. 133-A, § 4º, do CPP).

De outra parte, a hipoteca legal (art. 134 do CPP) e o arresto (art. 136 do CPP) são direcionados à constrição do patrimônio lícito do acusado, a fim de que dele não se desfaça e dando garantia ao ofendido ou à Fazenda Pública de que o acusado não estará insolvente ao final do processo criminal, de modo a assegurar a reparação do dano por ele causado.

Tais medidas assecuratórias penais ostentam natureza distinta, pois enquanto o sequestro ostenta um interesse público – retenção e confisco dos bens adquiridos com os proventos da infração -, o arresto e a hipoteca legal ostentam interesse nitidamente privado – constrição do patrimônio lícito para fins de reparação de dano -, convicção essa robustecida na diversidade do procedimento para expropriação desses bens, pois enquanto os bens sequestrados são expropriados no Juízo penal (art. 133 do CPP), os bens arrestados ou hipotecados, em sede penal, são expropriados no Juízo cível (art. 143 do CPP).

Assim, considerando a natureza peculiar da medida assecuratória penal de sequestro (art. 125 do CPP) – verificada a partir do interesse público (aquisição com proventos da infração penal) e do fato de que a expropriação ocorre na seara penal -, deve ser reconhecida a PRIMAZIA da referida constrição, frente àquela decretada por Juízo cível ou trabalhista (penhora), sendo INDIFERENTE qual constrição foi decretada primeiro.

Logo, incorre em usurpação de competência o Juízo trabalhista que pratica ato expropriatório de bem sequestrado na seara penal, ainda que objeto de constrição decretada em sede trabalhista (penhora).

Contudo, no caso, conquanto verificada a usurpação de competência, não deve ser declarada a nulidade do ato expropriatório praticado pelo Juízo Trabalhista, pois os bens submetidos à alienação judicial gozam de presunção (juris tantum), estabelecida pelo próprio Poder Judiciário e pela lei (art. 903 do CPC), de que são desembaraçados, ou seja, livres de ônus, sendo que a declaração de nulidade implicaria em descrédito de um instituto que depende de sua credibilidade para adesão dos arrematantes.

Desse modo, mantida a alienação, deve ser observado, no entanto, que a quantia obtida com a alienação judicial, promovida perante o Juízo incompetente deve ser revertida em prol da constrição decretada pelo Juízo penal, a fim de mitigar o prejuízo causado com a inobservância do direcionamento estabelecido na lei penal e processual penal (arts. 133, § 1º, do CPP, e 91, II, b, do Código Penal).

8.2.3.     Resultado final.

Incorre em usurpação de competência o Juízo cível ou trabalhista que pratica ato expropriatório de bem sequestrado na esfera penal.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

9.      Valores devidos a título de contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público (PSS) e base de cálculo dos juros de mora na hipótese de pagamento em cumprimento de decisão judicial

RECURSO ESPECIAL

Os valores devidos a título de contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público (PSS) devem integrar a base de cálculo dos juros de mora, na hipótese de pagamento em cumprimento de decisão judicial, de modo a evitar indevida antecipação do fato gerador, bem como indevida redução da obrigação de pagar.

REsp 1.805.918-PE, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 25/05/2021. (Info 698)

9.1.  Situação FÁTICA.

O SINSPREVE-PE ajuizou ação ordinária contra a União e o pedido foi julgado procedente para assegurar a percepção das parcelas vencidas e não pagas, uma vez que posteriormente a parcela do ‘Adiantamento do PCCS’ foi incorporada aos vencimentos dos substituídos.

Apresentada a planilha de cálculos, a União se insurgiu por meio de agravo de instrumento contra a decisão proferida que homologou a planilha de cálculos apresentada pelos servidores (exequentes), defendendo, em síntese, que não deveria incidir juros de mora sobre o valor devido a título de PSS (Plano de Seguridade do Servidor), já que tal verba é destinada a ela própria.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 10.887/2004:

Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público (PSS), decorrente de valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ainda que derivada de homologação de acordo, será retida na fonte, no momento do pagamento ao beneficiário ou seu representante legal, pela instituição financeira responsável pelo pagamento, por intermédio da quitação da guia de recolhimento remetida pelo setor de precatórios do Tribunal respectivo, no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora, no caso de implantação de rubrica específica em folha, mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago. 

9.2.2.     Tais valores a título de PSS integram a base de cálculo dos juros de mora?

R: Yeaph!!!

Conforme dispõe o art. 16-A da Lei n. 10.887/2004, a contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público (PSS) somente é devida nas demandas judiciais a partir do pagamento dos valores requisitados ao ente público.

Desse modo, o fato gerador da exação, no caso de valores adimplidos por meio de precatório ou RPV, somente ocorre no momento do pagamento ao beneficiário ou ao seu representante legal, ocasião na qual a instituição financeira tem o encargo de proceder à retenção na fonte.

Nesse sentido, antes da ocasião do pagamento, seja na via administrativa, seja na via judicial, não há ainda tributo devido pelo credor da Fazenda Pública.

Em verdade, não se trata de fazer incluir no débito verbas que pertenceriam à UNIÃO, já que, por lei, a dívida judicialmente reconhecida somente sofre a incidência da contribuição para o PSS no momento do pagamento do precatório/RPV.

Acrescente-se, ainda, que os juros de mora, pela sua natureza indenizatória, não estão sujeitos à incidência da contribuição.

Portanto, a pretensão de proceder à exclusão da contribuição previdenciária da base de cálculo dos juros de mora acarreta indevida antecipação do fato gerador, bem como implica redução indevida da obrigação de pagar.

9.2.3.     Resultado final.

Os valores devidos a título de contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público (PSS) devem integrar a base de cálculo dos juros de mora, na hipótese de pagamento em cumprimento de decisão judicial, de modo a evitar indevida antecipação do fato gerador, bem como indevida redução da obrigação de pagar.

DIREITO TRIBUTÁRIO

10.  Lançamento suplementar do ICMS decorrente de dimensionamento incorreto e prazo decadencial

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

Na hipótese de lançamento suplementar de ICMS, em decorrência de dimensionamento incorreto do crédito tributário (creditamento a maior e diferencial de alíquotas), deve ser aplicado o art. 150, § 4º, e não o art. 173, I, ambos do CTN.

AREsp 1.471.958-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 18/05/2021, DJe 24/05/2021. (Info 698)

10.1.                   Situação FÁTICA.

Avan Cosméticos opôs Embargos à Execução Fiscal que lhe moveu o Estado do Rio Grande do Sul, objetivando o reconhecimento da decadência do crédito tributário, no período anterior a novembro de 2005, quanto aos fatos geradores de janeiro a outubro de 2005, considerando a notificação fiscal ocorrida em novembro de 2010.

O Juízo singular julgou improcedentes os pedidos e ressaltou, em relação à decadência, que, em se tratando de “imposto não pago” deveria ser aplicado o disposto no art. 173 do CTN, de modo que “o termo inicial da contagem dos cinco anos iniciou-se em 01.01.2006, sendo a notificação fiscal de 05/11/2010.

Porém, Avan interpôs sucessivos recursos nos quais ressaltou que a cobrança se refere às DIFERENÇAS do ICMS declarado e recolhido, logo, não haveria que se falar em prática de atos dolosos, fraudulentos, ou simulados que autorizem a aplicação do prazo decadencial pela regra disposta no artigo 173, inciso I, do CTN.

10.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

CTN:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

10.2.2. Qual a forma de contagem do prazo aplicável?

R: A do art. 150, § 4º do CTN.

O termo inicial do prazo decadencial de tributo sujeito a lançamento por homologação – como é o caso, em regra, do ICMS -, depende da circunstância de ter o contribuinte antecipado, ou não, o pagamento da exação. Com efeito, nos termos da Súmula 555 do STJ, “quando não houver declaração do débito, o prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do art. 173, I, do CTN, nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa” . Ou seja, não antecipado o pagamento, o prazo decadencial inicia-se no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que poderia ter sido efetuado o lançamento. Por outro lado, antecipado o pagamento do tributo, o prazo decadencial observa o art. 150, § 4º, do CTN, ou seja, desde a ocorrência do fato gerador inicia-se o prazo decadencial para o lançamento suplementar, sob pena de homologação tácita do lançamento. Nesse sentido: STJ, AgInt no REsp 1.817.191/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 24/04/2020.

No caso analisado, verificou-se não pagamento de tributo referente a diferença a menor entre o que foi pago pelo contribuinte e o que foi apurado, posteriormente, no lançamento complementar, pelo Fisco, em decorrência do creditamento INTEGRAL, realizado pelo contribuinte, e do diferencial de alíquotas. Pontua-se que, no caso analisado, não há qualquer imputação da prática, pelo contribuinte, de ato doloso, fraudulento ou simulado.

Em casos tais, o prazo decadencial rege-se pelo art. 150, § 4º, do CTN, tendo início na data da ocorrência do fato gerador. “Com efeito, a jurisprudência consolidada por esta Corte dirime a questão jurídica apresentada a partir da existência, ou não, de pagamento antecipado por parte do contribuinte. Para essa finalidade, salvo os casos de dolo, fraude ou simulação, despiciendo se mostra indagar a razão pela qual o contribuinte não realizou o pagamento integral do tributo. A dedução aqui considerada (creditamento indevido) nada mais é do que um crédito utilizado pelo contribuinte decorrente da escrituração do tributo apurado em determinado período (princípio da não cumulatividade), que veio a ser recusada (glosada) pela Administração. Se esse crédito abarcasse todo o débito tributário a ponto de dispensar qualquer pagamento, aí sim, estar-se-ia, como visto, diante de uma situação excludente da aplicação do art. 150, § 4º, do CTN” (STJ, AgRg nos EREsp 1.199.262/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe de 07/11/2011).

Com isso, conclui-se que na hipótese de lançamento suplementar de ICMS, em decorrência de dimensionamento incorreto do crédito tributário (creditamento a maior e diferencial de alíquotas), deve ser aplicado o art. 150, § 4º, e não o art. 173, I, do CTN.

10.2.3. Resultado final.

Na hipótese de lançamento suplementar de ICMS, em decorrência de dimensionamento incorreto do crédito tributário (creditamento a maior e diferencial de alíquotas), deve ser aplicado o art. 150, § 4º, e não o art. 173, I, ambos do CTN.

DIREITO EMPRESARIAL

11.  Habilitação do crédito ou execução individual pelo titular excluído do plano de recuperação judicial após o fim desta

RECURSO ESPECIAL

É facultado ao titular do crédito que for voluntariamente excluído do plano recuperacional habilitar o seu crédito ou promover a execução individual após finda a recuperação.

REsp 1.851.692-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 25/05/2021. (Info 698)

11.1.                   Situação FÁTICA.

Em uma determinada recuperação judicial, o Tribunal de Justiça local reconheceu a faculdade do credor retardatário de decidir sobre a submissão de seu crédito à recuperação, porém determinou que o crédito fosse OBRIGATORIAMENTE habilitado, por haver sido constituído antes da recuperação e ter natureza concursal, considerando que o plano de recuperação havia estabelecido que seus efeitos alcançariam tais casos.

Inconformado, o credor sustentou que o seu crédito não foi arrolado no quadro geral de credores, bem como não foi feita a reserva de valores pelo administrador judicial, motivo pelo qual tinha interesse em prosseguir com a execução individual após o encerramento da recuperação.

11.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

LREF:

Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.

§ 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º , ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.

Art. 11. Os credores cujos créditos forem impugnados serão intimados para contestar a impugnação, no prazo de 5 (cinco) dias, juntando os documentos que tiverem e indicando outras provas que reputem necessárias.

Art. 12. Transcorrido o prazo do art. 11 desta Lei, o devedor e o Comitê, se houver, serão intimados pelo juiz para se manifestar sobre ela no prazo comum de 5 (cinco) dias.

Parágrafo único. Findo o prazo a que se refere o caput deste artigo, o administrador judicial será intimado pelo juiz para emitir parecer no prazo de 5 (cinco) dias, devendo juntar à sua manifestação o laudo elaborado pelo profissional ou empresa especializada, se for o caso, e todas as informações existentes nos livros fiscais e demais documentos do devedor acerca do crédito, constante ou não da relação de credores, objeto da impugnação.

Art. 13. A impugnação será dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os documentos que tiver o impugnante, o qual indicará as provas consideradas necessárias.

Parágrafo único. Cada impugnação será autuada em separado, com os documentos a ela relativos, mas terão uma só autuação as diversas impugnações versando sobre o mesmo crédito.

Art. 14. Caso não haja impugnações, o juiz homologará, como quadro-geral de credores, a relação dos credores de que trata o § 2º do art. 7º, ressalvado o disposto no art. 7º-A desta Lei. 

Art. 18. O administrador judicial será responsável pela consolidação do quadro-geral de credores, a ser homologado pelo juiz, com base na relação dos credores a que se refere o art. 7º , § 2º , desta Lei e nas decisões proferidas nas impugnações oferecidas.

Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores.

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

III – a relação nominal completa dos credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço físico e eletrônico de cada um, a natureza, conforme estabelecido nos arts. 83 e 84 desta Lei, e o valor atualizado do crédito, com a discriminação de sua origem, e o regime dos vencimentos;  

11.2.2. Pode o credor optar pela execução individual após o fim do plano recuperacional?

R: Yeaph!!!

Quanto ao ponto, iniciado o processamento da recuperação judicial, todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, estão sujeitos aos seus efeitos (LREF, art 49), estabelecendo a norma um procedimento específico para apuração dos créditos devidos, seja em relação ao valor seja em relação à sua classificação.

Em suma, a verificação passa por uma fase extrajudicial, sob a tutela do administrador judicial, em que os dados para a formação da lista de credores serão extraídos da relação apresentada pelo devedor – a petição inicial da recuperação judicial deve ser instruída pela recuperanda com a relação nominal completa dos credores, com a indicação do endereço, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente (art. 51, III) -, dos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nas declarações e divergências que lhe forem apresentados pelos credores (LREF, art. 7°); e outra judicial, que se inicia a partir de eventuais impugnações quanto ao rol, legitimidade, importância ou classificação de qualquer crédito (LREF, art. 11, 12 e 13) e será decidida por sentença pelo magistrado, já que se trata de processo contencioso, de natureza cognitiva.

Dessarte, caso não haja qualquer tipo de irresignação, o juiz homologará, como quadro-geral de credores, a relação dos credores constante do edital contendo a relação de credores apresentada pelo administrador judicial (LREF, art. 14) e, em havendo impugnações, a definição do quadro geral será definida a depender do julgamento dessas, com a consolidação pelo administrador judicial (art. 18).

Seguindo a linha de raciocínio da norma, o credor que não tenha promovido sua habilitação dentro do prazo do § 1° do art. 7°, continuará podendo habilitar seu crédito enquanto a recuperação judicial ou a falência não estiverem encerradas, não havendo falar em decadência ou preclusão. No entanto, tais habilitações deverão ser recebidas como RETARDATÁRIAS.

O titular do crédito que for voluntariamente excluído do plano recuperacional, detém a PRERROGATIVA de decidir entre habilitar o seu crédito ou promover a execução individual após finda a recuperação.

Nesse passo, caso a obrigação não seja abrangida pelo acordo recuperacional, restando suprimida do plano, não haverá falar em novação, ficando o crédito excluído da recuperação e, por conseguinte, podendo ser satisfeito pelas vias ordinárias (execução ou cumprimento de sentença).

Outrossim, caso o credor excluído tenha optado pela execução individual, ficará obrigado a aguardar o encerramento da recuperação judicial, para só então dar prosseguimento ao feito, em consonância com o procedimento estabelecido pelo CPC.

De fato, até o encerramento da recuperação judicial, o administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do Ministério Público poderá “pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores” (LREF, art. 19).

11.2.3. Resultado final.

É facultado ao titular do crédito que for voluntariamente excluído do plano recuperacional habilitar o seu crédito ou promover a execução individual após finda a recuperação.

DIREITO PENAL

12.  Absorção do delito de causar danos em unidade de conservação pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável

RECURSO ESPECIAL

O delito de causar dano em unidade de conservação (art. 40 da Lei n. 9.605/1998) pode ser absorvido pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável (art. 64 da Lei n. 9.605/1998).

REsp 1.925.717-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 25/05/2021, DJe 28/05/2021. (Info 698)

12.1.                   Situação FÁTICA.

O MPF ofereceu denúncia contra Juarez, imputando-lhe a conduta de construir, dentro da área da Estação Ecológica de Carijós, em Florianópolis/SC, uma edícula de alvenaria de sem autorização da Administração Pública. Por isso, pleiteou sua condenação com base nos arts. 40 e 48 da Lei 9.605/1998, em concurso material.

A sentença julgou procedente a pretensão acusatória, porém, em apelação da defesa, o Tribunal de Justiça local reformou a decisão por entender pela reclassificação dos fatos atribuídos ao réu apenas para o crime disposto no art. 64 da Lei 9.605/98.

Inconformado, o MPF interpôs recurso especial no qual sustentou que a conduta de Juarez configurou ofensa aos arts. 40 e 48 da Lei 9.605/1998. Aduziu ainda que as condutas tipificadas nestes dispositivos são autônomas em relação à do art. 64 da Lei 9.605/1998, pois tutelam bens jurídicos distintos (a flora, nos primeiros dispositivos, e a ordenação urbanística, neste último).

12.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.605/1998:

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização.

Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

12.2.2. O ato de construir em solo não edificável absorve o crime de dano às Unidades de Conservação?

R: Yeaph!!!

As unidades de conservação não são o único espaço a receber especial tutela da legislação penal, pois a Lei n. 9.605/1998 tipifica, também, os danos ambientais causados em outras espécies de áreas, como as florestas de preservação permanente (arts. 38, 39, 40, 44), as de domínio público (arts. 44 e 50-A), a Mata Atlântica (art. 38-A), a vegetação fixadora de dunas e mangues (art. 50) e as praias (art. 54, § 2º, IV). Na verdade, considerando a quantidade e diversidade de espaços protegidos pela Lei n. 9.605/1998, é mesmo difícil imaginar uma situação em que o delito do art. 64 (na ação típica de construir em área não edificável por seu valor ecológico) não produza, também, danos sobre algum dos outros espaços referidos naquele diploma legislativo.

A empreitada hermenêutica de bem definir o alcance destes tipos incriminadores é, certamente, dificultada pelo emaranhado de regimes jurídicos de proteção de espaços com relevância ambiental, os quais não receberam do legislador um tratamento sistemático. Não obstante, para avaliar a possibilidade de absorção de um crime por outro, o mais importante é verificar se o delito menor se encontra na cadeia causal do delito continente, como uma etapa do iter criminis – seja na preparação, consumação ou exaurimento do crime maior.

Este raciocínio, ao contrário do que defende o órgão acusador, não é obstado pela diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador; tampouco impede a consunção o fato de que o crime absorvido tenha pena maior do que a do crime continente.

A Súmula 17/STJ bem exemplifica a linha aqui exposta: os crimes de falsidade (arts. 297 a 299 do CP) e estelionato (art. 171 do CP) localizam-se, topograficamente, em seções diferentes do CP e tutelam bens jurídicos diferentes: a fé pública, nos primeiros, e o patrimônio, no segundo. Também é possível vislumbrar situações em que o estelionato, apenado com 1 a 5 anos de reclusão, absorve a falsidade de documento público, cuja sanção é mais grave (2 a 6 anos de reclusão). Nem por isso fica inviabilizada a consunção, nos exatos termos da Súmula 17/STJ, que mesmo após três décadas de sua edição permanece norteando os julgamentos desta Corte Superior sobre o tema.

A bem da verdade, a distinção entre os bens jurídicos tutelados pelos arts. 40 e 64 da Lei n. 9.605/1998 não é tão intensa como aduz o MPF, pois este último dispositivo se refere, expressamente, à construção em espaços não edificáveis por sua especial relevância ecológica. Por conseguinte, o dispositivo não destina a proteger somente a higidez das posturas locais de ordenação urbanística e da ocupação do solo, como afirma o Parquet, mas abrange textualmente a guarida do meio ambiente.

Estabelecidas estas premissas teóricas, o dano causado pela construção à estação ecológica se encontra, efetivamente, ABSORVIDO pela edificação irregular. O dano pode, em tese, ser considerado concomitante à construção, enquanto ato integrante da fase de execução do iter do art. 64, caso em que se aplicaria o princípio da consunção em sua formulação genérica; ou, então, como consequência naturalística inafastável e necessária da construção, de maneira que seu tratamento jurídico seria o de pós-fato impunível. De todo modo, o dano à unidade de conservação se situa na escala causal da construção irregular (seja como ato executório ou como exaurimento), nela exaurindo toda sua potencialidade lesiva.

12.2.3. Resultado final.

     O delito de causar danos em unidade de conservação (art. 40 da Lei n. 9.605/1998) pode ser absorvido pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável (art. 64 da Lei n. 9.605/1998).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

13.  Competência para julgamento do crime de tráfico internacional quando a droga é importada via Correio

CONFLITO DE COMPETÊNCIAS

Compete ao Juízo Federal do endereço do destinatário da droga, importada via Correio, processar e julgar o crime de tráfico internacional.

CC 177.882-PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 26/05/2021. (Info 698)

13.1.                   Situação FÁTICA.

A Polícia Federal instaurou inquérito policial para apurar a suposta prática de crime de tráfico internacional de drogas, uma vez que, no Centro Internacional dos Correios em Pinhais/PR, foram apreendidos objetos postais que continham vários comprimidos de ecstasy. Apurou-se no procedimento investigatório tratar-se de importação de droga, visto que os objetos postais foram remetidos da Holanda e tinham como destinatários pessoas residentes no município de Sinop/MT, de acordo com o recibo dos Correios.

Verificou-se então conflito negativo de competências entre o Juízo Federal da Curitiba, suscitante, e do Juízo Federal da Vara Criminal de Sinop, que entendia pela aplicabilidade do entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça definindo a competência de processamento e julgamento do crime de tráfico internacional de drogas ao juiz federal do local da apreensão de droga.

13.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Questão JURÍDICA.

Súmula n. 528/STJ:

Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.

13.2.2. A quem compete julgar tal modalidade de tráfico?

R: Ao Juízo Federal do endereço do DESTINATÁRIO da droga!!!

O núcleo da controvérsia consiste em verificar a possibilidade de redimensionar o alcance da Súmula n. 528/STJ, a qual cuida de tráfico de drogas praticado via postal, nos mesmos moldes em que a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, no precedente do CC 172.392/SP, flexibilizou a incidência da Súmula n. 151/STJ, no caso de contrabando e descaminho, quando a mercadoria apreendida estiver em trânsito e conhece-se o endereço da empresa importadora destinatária da mercadoria.

Conforme Súmula n. 528/STJ, “Compete ao Juiz Federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional”. Feita a necessária digressão sobre os julgados inspiradores da Súmula n. 528/STJ, constata-se que o Ministro Rogerio Schietti Cruz, no julgamento do CC 134.421/TJ (DJe 4/12/2014), propôs a revisão do seu posicionamento para, exclusivamente no caso de importação de droga via correio (ou seja, quando conhecido o destinatário), reconhecer como competente o Juízo do local de destino da droga. Malgrado tenha vencido a tese pela competência do local da apreensão da droga, em nome da segurança jurídica, a dinâmica do tempo continua revelando as dificuldades investigativas no caso de importação via correios, quando a droga é apreendida em local distante do destino conhecido.

Com efeito, “Em situações excepcionais, a jurisprudência desta Corte tem admitido a fixação da competência para o julgamento do delito no local onde tiveram início os atos executórios, em nome da facilidade para a coleta de provas e para a instrução do processo, tendo em conta os princípios que atendem à finalidade maior do processo que é a busca da verdade real” (CC 151.836/GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 26/6/2017).

Ademais, uma vez abraçada a tese de que a consumação da importação da droga ocorre no momento da entabulação do negócio jurídico, o local de apreensão da mercadoria em trânsito não se confunde com o local da consumação do delito, o qual já se encontrava perfeito e acabado desde a negociação.

Ressalte-se que a prestação jurisdicional efetiva depende de investigação policial eficiente. Caso inicialmente o local da apreensão da droga possa apresentar-se como facilitador da colheita de provas no tocante à materialidade delitiva, em um segundo momento, a distância do local de destino da droga dificulta sobremaneira as investigações da autoria delitiva, sendo inegável que os autores do crime possuem alguma ligação com o endereço aposto na correspondência.

A fixação da competência no local de destino da droga, quando houver postagem do exterior para o Brasil com o conhecimento do endereço designado para a entrega, proporcionará eficiência da colheita de provas relativamente à autoria e, consequentemente, também viabilizará o exercício da defesa de forma mais ampla.

Desse modo, na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula n. 528/STJ deva ser FLEXIBILIZADA para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo.       

13.2.3. Resultado final.

Compete ao Juízo Federal do endereço do destinatário da droga, importada via Correio, processar e julgar o crime de tráfico internacional.

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