A história de um concurseiro sem destino
Hoje acordei cedo. Há anos não acordava tão cedo, espontaneamente, de manhãzinha, sem o irritante barulho das máquinas. O que me fez, então, acordar cedo? A imensa vontade de compartilhar com você a minha história, cujo caminho trilhado serve de inspiração a todos aqueles que desejam conquistar um cargo na Administração Pública, mas não sabem muito bem o destino que devem seguir.
Será que é preciso traçar um caminho bem definido ou o destino se encarrega de colocar tudo no lugar?
A despedida
Formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), desempregado e cursando Letras na mesma instituição de ensino, decidi mudar de vida. À época, pensei em atuar no jornalismo político, nacional e internacional. Pensei, então, em buscar qualificação. Certamente, um curso de inglês abriria outras portas e viabilizaria o meu projeto profissional: trabalhar em um grande jornal.
Em 2006, após um mês da formatura, eu me preparava para receber o diploma de conclusão do curso de Bacharelado em Comunicação Social e fazia planos, na ponta do lápis, sobre o meu futuro, recém-formado.
O desemprego, de acordo com os índices oficiais de 2006, chegou a 10% ao ano. Mas, as décadas anteriores foram ainda mais severas com o brasileiro. Em 2005, a taxa tinha ficado em 9,8%. O resultado anual, no entanto, foi menor que os registrados em 2004 (11,5%) e em 2003 (12,3%).
O desespero
Eu estava diante de um enorme desafio. O desemprego atingia fortes índices no País, especialmente em regiões metropolitanas mais pobres. Jovens contentavam-se com estágios, subempregos, promessas de empregos ou contrações por preços abaixo do mercado. Algo comum nos dias atuais. Mesmo diante de toda a negatividade, eu não descansava e trabalhava na área de comunicação, gratuitamente, para melhorar o meu currículo. Em determinada etapa desse processo, eu já possuía um currículo suficientemente bom para o mercado de trabalho, mas não conseguia boas oportunidades. Diante de seguidos nãos em minha vida, decidi, naquele momento, mudar a minha realidade, cotando, para tanto, com a ajuda da minha família, cuja situação também era difícil.
Após uma vasta pesquisa, apresentei meus planos a minha mãe. Entre notas, cálculos, ideias, discussões acaloradas, enfim, consegui demonstrar o tanto que seria enriquecedor passar seis meses fora do País e aprender inglês ao invés de investir em cursos cuja formação dura, em média, três anos e cujos valores, às vezes, ultrapassam os custos envolvendo uma viagem de estudo no exterior. Voltar para o Brasil e enfrentar o mercado de trabalho com um novo currículo, dava-me mais esperanças para continuar lutando. Mas, ainda faltava uma coisa: dinheiro.
Para viabilizar esse sonho, empréstimos, sacrifícios e promessas foram feitos. Foi difícil, principalmente para a minha mãe, que convivia constantemente com a notícia de que o seu salário de professora da rede de ensino do Estado do Piauí estava atrasado.
O reencontro
Parti em busca de um sonho. Aprender inglês, retornar ao meus país e conquistar um bom emprego. Reencontrar-me. Naquele momento, eu estava sozinho, a mais de 7 mil km do meu país, sem falar qualquer língua estrangeira, sem dinheiro suficiente para a minha estadia de seis meses e muito menos amigos ou familiares, com os quais você compartilha os seus medos, as suas aflições.
Ironicamente, até o momento do desembarque, sentia-me confortável, ouvindo piadas e gargalhadas de brasileiros no avião. Conseguia sentir o calor humano do nosso povo, entre idas e vindas dos comissários de bordo e das brincadeiras das crianças no início do corredor do avião. Esse contexto, todavia, mudou. Após o desembarque, horas depois, sem qualquer meta organizacional na vida, apenas com o objetivo de aprender inglês, encontrava-me no Dublin Airport, na Irlanda, agora do lado de fora, enfrentando o inverno mais rigoroso dos últimos 50 anos, com uma grande mala ao meu lado, o vento frio cortante entre meus dedos, e pronto para reencontrar o meu eu, retomar o comando da minha vida e enfrentar a realidade. A ideia de passar apenas seis meses e regressar ao Brasil logo tomou outro rumo na minha vida.
A história do sem destino rendeu longos anos no exterior, residência em três países europeus, um casamento de quase 10 anos com uma italiana, pelo menos 15 mudanças de apartamento, mais de 100 cidades visitadas pelo mundo e os mais extraordinários encontros e desencontros que a vida pode nos oferecer. Esse capítulo da história, que envolve muito estudo e determinação, ficará para uma próxima etapa, pois ainda nem comecei a falar de concursos públicos.
Depois da Irlanda, morei na capital da arte renascentista, Florença, na Itália. Dois anos depois, seguindo uma linha de raciocínio sonhadora, que envolvia mais emoção e aventura e menos planejamento, eu estava morando na terra da paella.
O retorno
O ano é 2009. Era uma noite agradável em Valência, na Espanha. Eu adorava o meu pequeno apartamento alugado, o qual me permitia relaxar, sentir, ainda que de longe, a brisa do mar, na pequena varanda escondida entre outras construções próximas ao centro moderno da cidade, conhecida como Cidade das Artes e das Ciências. Fazia pouco tempo que os melhores mecânicos do mundo deixavam os cafés e bares da Avenida Puerto, com destino ao Grande Prêmio da Bélgica de Fórmula 1.
O circuito urbano de corridas de Valência ficava vazio novamente, revelando o lindo porto marítimo do local aos moradores, mas sem esconder a triste realidade econômica do país. A crise financeira mundial que teve início nos Estados Unidos e atingiu o auge em setembro de 2008 agravou os problemas financeiros de alguns países da Europa, especialmente a Espanha. O índice de desemprego, na época, não era nada animador e estava na casa dos 20%, entre jovens. Já os estrangeiros somavam uma taxa de mais de 38% de desempregados.
Um simples bar de Valência era o ponto de encontro da minha turma de conhecidos. Semanalmente, conversávamos sobre a situação política e econômica do país, enquanto, sem saber, desfrutávamos das mais simples tradições valencianas. Com cerca de 15 amigos de idades distintas, o grupo retratava a fiel imagem estampada nos jornais da crise econômica mundial. Pouco a pouco, vi meus amigos e os seus familiares perderem os respectivos empregos. E não estou falando somente de jovens, mas de pessoas que carregavam anos de experiências entre rugas e cabelos brancos. Com a escalada de demissões, o nosso grupo foi ficando cada vez maior. Nos encontros já não cabiam tantas histórias tristes.
A situação, mais uma vez, não estava fácil. Com três mudanças de país, via-me novamente diante de um enorme desafio: decidir enfrentar a realidade de uma das maiores crises do mundo, a qual afetava diretamente o meu emprego na Espanha, e mudar de país novamente. Com algumas poucas economias e uma vida que cabia apenas em duas malas, decidi retornar ao Brasil, antes de ser abraçado pelo desemprego. Jovem, fluente em quatro línguas e com um MBA no currículo, o futuro que me aguardava não poderia ser pior do que a situação já enfrentada por mim, antes de sair do meu país. A realidade, no entanto, foi bem diferente. Nova adaptação, nova cidade e novas realidades.
O concurso
A decisão de morar em Brasília se deu muito mais pelo apoio familiar do que pela busca por concursos públicos, já que a Espanha não me ofereceu a sonhada segurança profissional. Sem dinheiro para investir em um aluguel, aceitamos o convite para passar uma temporada no apartamento alugado do meu irmão. O local, com três quartos, era dividido com outros dois amigos. Bem, foi fácil perceber que não havia um quarto extra para hóspedes. Minha esposa e eu moramos por 7 meses em um quartinho de dois metros quadrados, conhecido como dependência de empregada. Para que ela pudesse ir trabalhar, eu tinha que me levantar da cama, às 6h, pois não havia espaço suficiente para a rotação completa da porta. Eu era sedentário, não tinha dinheiro para investir em alimentação saudável, academia, bons livros ou na minha vida social. Comigo, as minhas duas malas, o amor da minha vida e muita vontade de vencer. Eu até arrumei um emprego em um hotel chique da capital federal. O salário? 878,20 reais líquidos.
Gostava de ler. Curioso, organizado, pragmático e inexperiente, iniciei meus estudos para concursos públicos em 2010, adotando muitas técnicas de estudo e seguindo as primeiras dicas de “Como estudar para concursos públicos” e como ser aprovado! Logrei êxito em dois concursos já no primeiro semestre do ano, além de diversas classificações. Com três meses de estudo, consegui ficar nas vagas do concurso da Secretaria de Justiça do Distrito Federal, sendo nomeado alguns meses depois, após quatro fases classificatórias e eliminatórias do certame. Foi naquele ano que tive o meu primeiro contato direto com a Constituição democrática do meu país. Foi quando li, pela primeira vez, um edital. Peguei gosto, prática, experiência e acabei conquistando mais aprovações (Detran-DF, Ibram, DNPM…). Mais adiante, em 2013, logrei êxito no concurso de Analista Legislativo da Câmara dos Deputados.
Atualmente, acompanho a tramitação, votação e aprovação de proposições na Casa. Sou coordenador da assessoria técnica de comunicação de uma Liderança partidária e, com frequência, participo de reuniões para atender demandas específicas dos parlamentares da bancada. Antes, desempenhei minhas funções na área da Comunicação Social da Casa, disponibilizando conteúdo jornalístico oficial das produções legislativas e dos resultados políticos do dia-a-dia do Plenário Ulysses Guimarães.
Como consegui? Uma história de sucesso cujo final dividirei com você nos próximos capítulos.