Gabarito preliminar – 2ª Fase XIX Exame de Ordem OAB – Direito Constitucional
Olá pessoal, tudo bem?
Ontem tivemos a 2ª fase do XIX Exame de Ordem da OAB e a FGV publicou o gabarito preliminar da prova prático-profissional e das questões discursivas. Mais uma vez, tivemos uma cobrança forte no tema de Controle de Constitucionalidade, o que já não é novidade (rs). A peça processual foi, inclusive, nesse sentido. E de brinde, tivemos ainda uma questão sobre Ação Declaratória de Constitucionalidade.
Vamos ao gabarito?
Peça Profissional) Determinado partido político, que possui dois deputados federais e dois senadores em seus quadros, preocupado com a efetiva regulamentação das normas constitucionais, com a morosidade do Congresso Nacional e com a adequada proteção à saúde do trabalhador, pretende ajuizar, em nome do partido, a medida judicial objetiva apropriada, visando à regulamentação do Art. 7º, inciso XXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O partido informa, por fim, que não se pode compactuar com desrespeito à Constituição da República por mais de 28 anos. Considerando a narrativa acima descrita, elabore a peça processual judicial objetiva adequada.
A peça processual cobrada pela banca foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, instrumento de controle abstrato que visava a declaração da omissão do Poder Legislativo na regulamentação do Art. 7º, inciso XXIII, da CRFB/88, visando a defesa objetiva da Constituição.
Ah… Diego, mas não caberia Mandado de Injunção?
O Mandado de Injunção é concebido como instrumento de controle concreto (incidental) de constitucionalidade da omissão, voltado para a tutela de direitos subjetivos. Trata-se de ação Constitucional de garantia individual; e no plano infraconstitucional sua natureza jurídica é de remédio que cria um processo subjetivo, com partes interessadas, com lide existente e com pretensão resistida de interesse.
Era preciso um caso concreto, com interesses próprios e diretos de “Jorge, João, Maria, José…..” buscando tornar viável o exercício de direitos; como a satisfação do adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”, previstos no art. 7º, XXIII, CF/88.
Na ADO temos situação diferente. Trata-se de ação constitucional, que no plano processual constitui-se como processo objetivo sem parte, sem lide, sem pretensão resistida de interesses. É Instrumento criado para defender a Constituição. O objetivo na ADO é resolver a inefetividade da norma Constitucional.
E o caso prático traz exatamente isso. Não estamos diante de uma situação concreta, mas sim uma demanda objetiva, iniciada por partido político com representação no Congresso visando a efetiva regulamentação de norma constitucional, de proteção à saúde do trabalhador.
A competência para o processamento e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão é originária do Supremo Tribunal Federal, segundo o Art. 102, inciso I, a, da CRFB/88.
A legitimidade ativa é do Partido Político com representação no Congresso Nacional, enquadrando-se na regra constitucional dos legitimados à propositura da ação, nos termos do art. 103, incisos VIII, CF, combinado com o que dispõe o art. 2º, VIII, e art. 12-A, da Lei nº 9.868/99. A legitimidade passiva caberia ao Congresso Nacional.
Na parte da fundamentação, além das razões que definem o cabimento da ADI por omissão, era importante expor a natureza da norma Constitucional, qual seja a eficácia limitada do Art. 7º, inciso XXIII, da CRFB/1988 e a necessidade de sua regulamentação, diante da omissão do Congresso em legislar sobre a matéria.
Já nos pedidos, em razão das disposições da Lei nº 9.868/99, era importante requerer:
- A procedência do pedido, para que fosse declarada a mora legislativa do Congresso Nacional na elaboração da Lei específica do art. 7º, inciso XXIII, da CRFB/88, e nos termos do Código Processo Civil;
- Ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias;
- A oitiva do PGR para emissão de parecer, de acordo com art. 12-E, § 3º, da Lei nº 9.868/99; além do requerimento de produção de provas admitidas em direito, na forma do Art. 14, parágrafo único.
Questão 1) Durante a tramitação de determinado projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo, importantes juristas questionaram a constitucionalidade de diversos dispositivos nele inseridos. Apesar dessa controvérsia doutrinária, o projeto encaminhado ao Congresso Nacional foi aprovado, seguindo-se a sanção, a promulgação e a publicação. Sabendo que a lei seria alvo de ataques perante o Poder Judiciário em sede de controle difuso de constitucionalidade, o Presidente da República resolveu ajuizar, logo no primeiro dia de vigência, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade. Diante da narrativa acima, responda aos itens a seguir. A) É cabível a propositura da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nesse caso? B) Em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), é cabível a propositura de medida cautelar perante o Supremo Tribunal Federal? Quais seriam os efeitos da decisão do STF no âmbito dessa medida cautelar?
A) Meus amigos, não cabe Ação Declaratória de Constitucionalidade por mera controvérsia doutrinária. A banca acabou “jogando” essa pegadinha logo no início do enunciado. Comentamos bem isso no curso da 1ª fase. O cabimento da ADC vai ocorrer quando haja controvérsia judicial que esteja pondo em risco a presunção de constitucionalidade da norma impugnada.
E isso irá existir quando estivermos diante de pronunciamentos contraditórios de órgãos jurisdicionais, devendo ser demonstrada inclusive logo na petição inicial a existência de ações em andamento em juízos ou tribunais em que a constitucionalidade da lei esteja sendo impugnada.
A banca foi exatamente nesse sentido. Além de deixar claro nas primeiras linhas do enunciado que estávamos diante de uma mera controvérsia doutrinária, ela ainda trouxe o indicativo do lapso temporal de vigência da lei. Ora, se a lei está em seu primeiro dia de vigência, é difícil imaginar que há a formação consistente de uma controvérsia judicial sobre o tema. Não haveria decisões conflitantes no âmbito do Poder Judiciário para que pudesse subsidiar uma ADC. Este é o fundamento do art. 14, III da Lei 9.868/99, que em seu dispositivo estabelece que: Art. 14. A petição inicial indicará: III – a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória.
B) O segundo questionamento reside na possibilidade de propositura de medida cautelar perante o STF. Item tranquilo, já que de acordo com Art. 21, caput, da Lei nº 9868/99, cabe ao Supremo Tribunal decidir sobre os efeitos desta em sede de ADC, por decisão da maioria absoluta de seus membros.
A medida cautelar em ADC consistirá na determinação de que os juízes e tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até que esta seja julgada em definitivo pelo STF.
E, aqui, temos efeitos erga omnes e ex nunc, de natureza vinculante, de modo que caberão aos Juízes e Tribunais suspender o julgamento dos processos pendentes que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo, devendo-se verificar o prazo de 180 dias, em razão do disposto no art. 21, parágrafo único da Lei. 9.868/99.
Questão 2) A Associação Antíqua, formada por colecionadores de carros antigos, observando que Mário, um de seus membros, supostamente teria infringido regras do respectivo Estatuto, designou comissão especial para a apuração dos fatos, com estrita observância das regras estatutárias. A Comissão, composta por membros de reconhecida seriedade, ao concluir os trabalhos, resolveu propor a exclusão de Mário do quadro de sócios, o que foi referendado pela Direção da Associação Antíqua. Questionada por Mário sobre o fato de não ter tido a oportunidade de contraditar os fatos ou apresentar defesa, a Associação apresentou as seguintes alegações: em primeiro lugar, não seria possível a Mário contraditar os fatos ocorridos, já que as provas de sua ocorrência eram incontestáveis; em segundo lugar, os trâmites processuais previstos no Estatuto foram rigorosamente respeitados; em terceiro lugar, tratando-se de uma instituição privada, a Associação Antíqua tinha plena autonomia para a elaboração de suas regras estatutárias, que, no caso, permitiam a exclusão sem oitiva do acusado. Por fim, a Associação ainda alegou que Mário, ao nela ingressar, assinara um documento em que reconhecia a impossibilidade de solucionar possíveis litígios com a referida Associação pela via judicial. Inconformado, Mário o procurou para, como advogado(a), orientá-lo sobre as questões a seguir. A) O direito à ampla defesa e ao contraditório podem ser alegados quando regras convencionais não os preveem? B) É possível que o Estatuto da Associação Antíqua possa estabelecer regra que afaste a apreciação da causa pelo Poder Judiciário?
A) Questão interessante que trabalhou com o tema do direito à ampla defesa e ao contraditório, previsto no Art. 5º, LV, da CRFB. Os direitos fundamentais previstos no art. 5º podem sim ser objeto de tutela no âmbito das relações privadas. A garantia do contraditório e da ampla defesa é corolário do princípio do devido processo legal e constitui preceito de ordem pública, devendo ser atendido mesmos nas relações consensuais entre particulares, configurando verdadeiro direito subjetivo.
É o que a doutrina chama de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, de modo que violações aos direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o particular e o Estado, mas igualmente nas relações estabelecidas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. E o caso prático vai exatamente nessa linha de raciocínio, cabendo à Mario a proteção desses valores previstos no art. 5º, LV, CF.
B) No caso da alternativa B, não seria possível a exclusão da apreciação da causa pelo Poder Judiciário, tendo em vista o que prescreve o inciso XXXV do Art. 5º da Constituição Federal que estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. No caso prático, não se poderia cogitar um estatuto de associação prevendo regra que viola direito fundamental previsto na Constituição.
Questão 3) No âmbito de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), foi determinada a busca e apreensão de documentos e de computadores nos escritórios das empresas do grupo investigado, tendo sido decretada, em decisão fundamentada, a indisponibilidade de bens e a quebra dos sigilos bancário e fiscal de um dos empresários envolvidos. Com base no fragmento acima, responda, justificadamente, aos itens a seguir. A) A medida adotada pela CPI, em relação aos bens do empresário, é amparada pela ordem constitucional? B) A CPI poderia determinar a quebra de sigilo narrada na questão, sem autorização judicial?
A) Apesar de a CRFB/88 ter mencionado que as CPI’s têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais nos termos do art. 58, 3º, CF, importante ter em mente que estes poderes são limitados, em razão inclusive do princípio da separação dos poderes e o respeito aos direitos fundamentais. Assim, há certas competências que estão sujeitas à reserva de jurisdição, sendo exclusivas do Poder Judiciário.
Nesse sentido, a CPI não tem competência para determinar a busca e apreensão domiciliar de documentos, ou mesmo determinar a aplicação de medidas cautelares, tais como indisponibilidade de bens, arrestos, sequestro, já que a inviolabilidade domiciliar está garantida pelo art. 5º, XI, CF/88, não podendo ser violada por mero ato de CPI. Há necessidade de ordem judicial para que se possa realizar a busca e apreensão domiciliar de documentos.
B) Pode sim. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal, as CPI’s têm competência para a quebra de sigilo bancário e fiscal, não estando abrangidas por cláusula de reserva de jurisdição, pois o que está em jogo é o acesso a informações já existentes. Lembrando que essa medida restritiva de direitos deve ser fundamentada, sob pena de nulidade da decisão, e que tal medida não coloca as informações em domínio público.
Questão 4) O deputado federal João da Silva, impulsionado por solicitação do seu partido, quer propor a alteração de alguns dispositivos normativos constantes da Lei nº 1.234, produzida pela via ordinária, em momento anterior à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Porém, a atual ordem constitucional dispôs que a matéria de que trata a referida Lei nº 1.234 deve ser regulamentada via Lei Complementar. Não sabendo como proceder, o referido deputado procura auxílio de sua assessoria jurídica a fim de sanar as dúvidas a seguir. A) É possível considerar que a Lei nº 1.234 tenha mantido a conformidade constitucional com o advento da nova Constituição? Justifique. B) Para a alteração dos dispositivos normativos constantes da Lei nº 1.234, que espécie legislativa deve ser utilizada pelo Deputado João da Silva? Justifique.
A) É possível considerar sim, desde que haja é claro compatibilidade material com a nova Constituição. O “status” da norma recepcionada é definido pela nova Constituição. A compatibilidade formal não é necessária. Mesmo que a Lei à época do fato tenha sido ordinária, havendo concordância no conteúdo com a nova Carta (que agora exige Lei Complementar), ela permanecerá válida e vigente. É o fenômeno da recepção das normas Constitucionais.
B) Nesse caso, seria Lei complementar. Como o enunciado deixa claro que a nova Constituição dispõe que a matéria tratada pela Lei. 1.234 deva ser regulamentada por Lei Complementar, temos aqui uma reserva constitucional expressa, de modo que qualquer alteração deve ser observada o rito dessa espécie legislativa.
Meus amigos, no geral tivemos uma boa prova, de bom nível; uma prova técnica e coerente e que só veio prestigiar quem estudou. Quem se preparou bem seguindo a linha de cobrança da FGV nos temas cruciais como Controle de Constitucionalidade, Poder Legislativo e Direitos Fundamentais acredito que tenha feito um excelente exame de ordem. No mais, agora é aguardar o resultado final. :)
Um abraço a todos e até a próxima.
Diego Cerqueira
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