Questões de Políticas Públicas – APPGG – Recurso
Olá pessoal,
Estou trabalhando no comentário das questões de PP e GG dos concursos da Prefeitura de São Paulo. As provas vieram bem pesadas, acima do que foi cobrado no último concurso de Gestor Federal, e já visualizei uma questão passível de recurso. Abaixo trago algumas questões polêmicas da prova de Políticas Públicas que foi aplicada no último final de semana. Assim que tiver comentado todas as questões, irei postar no site e atualizar o artigo
(VUNESP – PREF. S.P. – APPGG – 2015) O papel da burocracia na formulação das políticas públicas, conforme modelos de análise contemporâneos, é
(A) restrito aos funcionários que ocupam as posições mais altas na hierarquia e participam das arenas de decisão política.
(B) inexistente, pois os burocratas preponderantemente implementam as políticas públicas.
(C) inexistente, pois a burocracia apenas implementa as políticas públicas.
(D) compartilhado entre funcionários de alto e baixo escalão que formulam e implementam políticas públicas.
(E) restrito aos funcionários de alto e baixo escalão que formulam e implementam políticas públicas.
A questão trata da participação da burocracia na formulação das políticas públicas. Os agentes burocráticos participam tanto da formulação, como da implementação das políticas públicas.
Aqui podemos fazer uma diferenciação: questão trata da burocracia de alto escalão, dos que ocupam posições de nível estratégico. Esses atuam, claro, na formulação das políticas públicas.
Entretanto, existe um outro tipo de burocracia, que chamamos de burocracia de nível de rua ou “street level bureaucracy”. Seriam os servidores que atuam diretamente na execução da política pública, prestando serviços diretamente à população.
Aqui é que a questão fica polêmica, pois existem autores que dizem que a burocracia de nível de rua atua sim na formulação das políticas públicas. De acordo com Ilza Jorge[1],
“Eles acreditam [os burocratas do nível da rua] estar fazendo o melhor que podem sob circunstâncias adversas e desenvolvem técnicas para recuperar valores do serviço e da formulação de políticas dentro dos limites impostos sobre eles pela estrutura do trabalho. Eles desenvolvem concepções de seu trabalho e de seus clientes que estreitam a lacuna existente entre suas limitações pessoais e profissionais e o ideal do serviço (Lipsky apud Ham e Hill, 1993:187) “
O gabarito da banca é a letra A, que restringe a participação na formulação aos burocratas de alto escalão, sem considerar a participação dos burocratas de nível de rua. Deste modo, eu pediria a anulação da questão, pois o entendimento não é consenso na literatura.
[1] (Jorge, 2012)
(VUNESP – PREF. S.P. – APPGG – 2015) top-down e bottom-up são modelos para
(A) analisar os resultados de políticas públicas.
(B) estudar a formulação das políticas públicas.
(C) estudar a implementação das políticas públicas.
(D) avaliar políticas públicas.
(E) implementar políticas públicas.
Essa questão foi de uma maldade da banca imensa. O problema é o seguinte: de acordo com Sabatier[1], existem dois modelos de implementação de políticas públicas: o modelo top-down (de cima para baixo) e o modelo bottom-up (de baixo para cima).
O primeiro modelo seria o modelo top-down, que se basearia na noção de que a decisão política definiria a política “por cima”. Já o modelo bottom-up seria um modelo em que a política seria formada pelo nível operacional, pela “base da pirâmide”, os funcionários em contato direto com os usuários diretos.
Esses modelos são, naturalmente, conceitos teóricos que nos auxiliam no entendimento de como as políticas públicas podem ser implementadas. Entretanto, a banca trouxe duas alternativas semelhantes. Na letra C, a banca diz “estudar a implementação das políticas públicas”, já na letra E diz “implementar políticas públicas”.
Ora, se esses conceitos são modelos, nós estamos tratando de conceitos teóricos, de estudos, não de um “plano de ação” para implementar as políticas públicas. A letra C está certa mesmo.
[1] (Sabatier, 1986) apud (Secchi, 2010)
(VUNESP – PREF. S.P. – APPGG – 2015) O modelo racional e o modelo incremental se diferenciam porque
(A) o primeiro avalia as alternativas de forma comparada, e o segundo avalia as alternativas de acordo com as metas a serem alcançadas.
(B) o primeiro considera todas as alternativas de políticas, e o segundo considera as melhores alternativas.
(C) o primeiro define as metas de acordo com critérios técnicos, e o segundo define as metas de acordo com critérios sociais.
(D) o primeiro define o problema de forma completa, e o segundo define e redefine o problema ao longo do processo.
(E) o primeiro se aplica à formulação, implementação e avaliação das políticas públicas, e o segundo se aplica apenas à implementação das políticas públicas.
O modelo incremental, como o próprio nome indica, busca a solução dos problemas de maneira gradual, ou seja, sem introduzir grandes mudanças ou rupturas no modo como as coisas já são executadas.
Já o modelo racional crê que existam “informações completas” ao dispor dos agentes públicos e de que seria possível uma decisão que tomasse em questão todas as alternativas possíveis com base em uma racionalidade.
Ou seja, o modelo postula que o Estado teria condições de prever todos os desdobramentos futuros de suas decisões e analisar todas as variáveis importantes. Assim, a letra D é mesmo a alternativa correta, pois o modelo racional busca mesmo definir o problema da forma “completa”, enquanto o modelo incremental redefine o problema ao longo do processo.
E como isso ocorre dentro do modelo incremental? Ora, sempre que uma mudança incremental ocorre, a situação muda um pouco, pois as mudanças são graduais. Se a mudança for positiva, o gestor público aprofunda as mudanças na mesma direção. Se a mudança for negativa, o gestor irá propor alguma medida corretiva, mas sempre de modo progressivo, incremental. O gabarito é mesmo a letra D.
(VUNESP – PREF. S.P. – APPGG – 2015) No conceito de racionalidade limitada, as limitações à racionalidade devem-se aos fatores:
(A) individuais (como as preferências) e organizacionais (como a hierarquia).
(B) individuais (como a memória) e econômicos (como a eficiência).
(C) organizacionais (como a disponibilidade de informações e de tempo) e individuais (como a cognição).
(D) organizacionais (como o ambiente organizacional) e individuais (como as emoções).
(E) econômicos (como a efetividade) e individuais (como os valores).
Para Simon, a racionalidade limitada espelha melhor as condições de tomada de decisão: as pessoas são racionais apenas até certo ponto, principalmente nos aspectos em que elas conseguem perceber ou interpretar[1]. Para ele, existem dois tipos de limitação: do contexto do problema (que a banca considerou como “organizacionais”) e do indivíduo.
A letra A está incorreta, pois a hierarquia não é vista como uma limitação para a tomada de decisão. O mesmo pode ser dito da letra B: a eficiência não é uma limitação para a tomada de decisão. Tampouco existe um tipo de limitação “econômica”.
Já a letra C está correta. A falta de informações e o tempo escasso são mesmo limitações do contexto do problema e a cognição (capacidade de aprender, de adquirir um conhecimento, de processar as informações) é mesmo uma limitação individual.
A letra D está errada, pois o ambiente organizacional não é uma limitação. Finalmente, a letra E também está errada. A efetividade não é uma limitação da tomada de decisão e não existe um tipo de limitação “econômico”. O gabarito é mesmo a letra C.
[1] (Chiavenato, Introdução à teoria geral da administração, 2011)
(VUNESP – PREF. S.P. – APPGG – 2015) Segundo a teoria dos múltiplos fluxos, a mudança na agenda ocorre quando há convergência entre
(A) difusão de ideias, debate de alternativas e decisão política.
(B) oportunidades, decisão de lideranças e apoio político.
(C) tomada de decisão, construção de apoio político e apoio popular.
(D) reconhecimento de um problema, identificação de alternativas e construção de apoio político.
(E) identificação de um problema, tomada de decisão e implementação eficiente.
De acordo com Kingdon, o modelo dos fluxos múltiplos tenta explicar porque alguns temas entram e outros não entram na agenda governamental. O modelo postula que os governos são permeados por três fluxos:
- Fluxo dos problemas;
- Fluxo das soluções ou alternativas;
- Fluxo da política.
Assim, devemos reconhecer que o problema existe (1), identificar alternativas viáveis de resolução do problema (2) e construir uma base de apoio político para viabilizar a solução escolhida (3).
Alguns alunos me perguntaram sobre a letra A, mas a difusão de ideias não trata exclusivamente dos problemas. Assim, está mesmo errada. Já a letra D está perfeita. O gabarito é mesmo a letra D.
(VUNESP – PREF. S.P. – APPGG – 2015) De acordo com a teoria do equilíbrio pontuado, as políticas públicas
(A) sofrem mudanças incrementais e mudanças de grande escala, dependendo da emergência de mudanças nas imagens e nas instituições.
(B) mudam quando o equilíbrio é alterado por mudanças incrementais nas imagens e nas instituições.
(C) mudam abruptamente, por meio de alterações no monopólio das imagens e nas instituições.
(D) mudam quando o equilíbrio é quebrado por alterações abruptas no monopólio das imagens e nas instituições.
(E) mudam incrementalmente, por meio de alterações nas imagens e nas instituições.
A questão trata da Teoria do Equilíbrio Pontuado. De acordo com essa teoria, existe uma situação recorrente nas políticas públicas: apesar das políticas serem, geralmente, marcadas por uma estabilidade, ocasionalmente ocorrem grandes “rupturas”. Assim, as políticas públicas teriam um caráter de estabilidade, mas grandes mudanças poderiam ocorrer (em crises, por exemplo).
Esta teoria foi desenvolvida primeiramente, por Frank Baumgartner e Bryan Jones ao longo dos anos 80 e 90, tendo como base a política norte-americana. A letra A, que é o gabarito da banca, está mesmo certa. De acordo com a teoria, as políticas públicas podem sofrer mudanças incrementais (pequenas e progressivas), quando existe uma certa estabilidade, e sofrer rupturas quando o cenário é de crise.
A letra B está errada, pois as mudanças não só são incrementais, mas também drásticas quando ocorrem crises. E o equilíbrio não é alterado pelas mudanças incrementais.
A letra C também está errada. As mudanças não são necessariamente abruptas, como já vimos. E existem diversos fatores que podem gerar as crises, que possibilitam as mudanças drásticas. Pelos mesmos motivos, as letras D e E estão igualmente erradas. O gabarito é mesmo a letra A.
(VUNESP – PREF. S.P. – APPGG – 2015) O transporte público na cidade de São Paulo representa uma política pública
(A) regulatória.
(B) distributiva.
(C) redistributiva.
(D) empreendedora.
(E) majoritária.
A questão trata dos tipos de políticas públicas e pede o conhecimento da tipologia desenvolvida por Theodore Lowi. De acordo com este autor, os tipos de políticas públicas são[1]: regulatórias (servem para regular algum mercado ou setor), constitutivas (definem as regras da disputa política e da elaboração das políticas públicas), distributivas (benefícios são concentrados em um número restrito de grupos ou pessoas, enquanto os custos são difusos para toda a sociedade) e redistributivas (custeadas por um grupo restrito de pessoas para o benefício também de um grupo restrito de pessoas).
A resposta da questão demandaria algum entendimento de como funcionam as políticas de transporte público. O Estado subsidia, através de impostos, as companhias que prestam os serviços de transporte. Elas cobram taxas (tarifa) dos seus usuários, mas recebem recursos públicos diretamente dos governos estaduais e municipais.
Podemos ver isso em uma notícia recente sobre o governo Haddad[2]:
“A Prefeitura de São Paulo publicou um decreto nesta terça-feira (20) aumentando os subsídios pagos às empresas de ônibus em R$ 144 milhões. Os valores são compensações tarifárias previstas em contrato e que servem para “indenizar” as empresas pelo transporte de pessoas que não pagam a tarifa de R$ 3,50. É o caso dos estudantes, que desde o início do ano podem fazer viagens totalmente gratuitas. ”
Assim sendo, essa é uma política distributiva, pois é custeada de modo difuso pela sociedade (através de impostos), mas beneficia um grupo restrito (os usuários do serviço). O gabarito da banca é mesmo a letra B.
[1] (Lowi, 1964) apud (Secchi, 2010)
[2] Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/10/haddad-amplia-subsidios-empresas-de-onibus-em-r-144-milhoes.html
(VUNESP – PREF. S.P. – APPGG – 2015) Entre as políticas municipais da cidade de São Paulo apresentadas a seguir, o modelo de triângulos de ferro é a abordagem mais adequada para explicar a(s)
(A) política de segurança urbana.
(B) política habitacional.
(C) política educacional.
(D) políticas afirmativas.
(E) política de uso e ocupação do solo.
Questão muito difícil. Na minha opinião, pede mais conhecimento prático do que teórico. O modelo do “triângulo de ferro” estuda o relacionamento entre três tipos de atores: políticos (congresso), burocratas e lobistas ou grupos de interesses. De acordo com a teoria, esses três “atores” atuariam em conjunto na definição das políticas públicas de maneira que todos saíssem beneficiados.
O político no parlamento teria o poder de aprovar legislações benéficas aos lobistas ou grupos de interesse, mas necessita de recursos destes.
Os burocratas podem definir detalhes da implementação das políticas públicas, beneficiando as áreas de interesse dos políticos (seu estado ou cidade, por exemplo), mas necessitam de verbas para seus órgãos e, claro, manter seus cargos – o que o político pode garantir.
Deste modo, todos sairiam ganhando, menos o interesse público, naturalmente. Uma premissa importante do modelo é a existência de grupos pequenos e estáveis de participantes autônomos, que participariam em conjunto para controlar certas políticas e programas públicos.
Essa teoria foi desenvolvida nos Estados Unidos no começo do século passado e esteve muito em voga nos anos 60 e 70. O problema da questão, porém, não é a teoria.
A banca pede que o candidato conheça profundamente cada uma destas políticas públicas no município de São Paulo e o seu funcionamento interno, bem como o relacionamento entre os políticos (vereadores) e grupos de interesse locais.
A política de uso e ocupação do solo foi escolhida pela banca como a correta. Esse tipo de política, que define quais são os tipos de utilização possível em cada região e bairro (comercial, residencial, industrial, misto, com alta ou baixa densidade etc.) costuma ter sim esse tipo de relacionamento entre esses atores, configurando um “triângulo de ferro”.
Entretanto, existem casos em outras localidades em que a política habitacional também pode funcionar com base neste modelo. Os próprios estudos nos Estados Unidos sobre o “triângulo de ferro” tratam do funcionamento deste modelo na política de segurança nacional de lá.
As demais políticas citadas pela banca (educação e ações afirmativas) não costumam mesmo ter esse tipo de relacionamento. De qualquer forma, o candidato teria mesmo de conhecer a fundo o funcionamento da política em âmbito municipal para acertar essa questão. O gabarito da banca é mesmo a letra E.
Abraços,
Rodrigo Rennó