Fim da escala 6 X 1: o que diz a proposta de emenda constitucional?
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o caso
Um tema invadiu as redes sociais e tomou conta do debate público nacional: o fim da escala de trabalho “6 x 1”.
A discussão veio à tona por meio de um texto de autoria da deputada Erika Hilton, do PSOL.
Hoje, a regra na escala de trabalho é a possibilidade de 6 dias de trabalho e 1 dia de descanso, por isso que se chama “Escala 6 x 1”.
O Ministério do Trabalho afirmou que tem “acompanhado de perto o debate” e que a redução da jornada é “plenamente possível e saudável“, mas a questão deveria ser tratada através dos instrumentos próprios do direito do trabalho: convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados.
Início da discussão
Tudo começou a partir de uma mobilização do “Movimento Vida Além do Trabalho (VAT)”, que ganhou força nas redes e somou 1,5 milhão de assinaturas em um abaixo-assinado que pede à Câmara dos Deputados a revisão da escala 6×1.
O VAT foi capitaneado pelo vereador eleito do Rio de Janeiro, Rick Azevedo, também do PSOL, que disparou:
“Ninguém pode viver tendo só apenas um dia de folga. A escala 6 por 1 é um modelo ainda de escravidão que continuou. Por isso que falo isso e reafirmo sem medo algum: não tem como a gente falar de vida além do trabalho só tendo apenas um dia de folga.”
Todavia, o texto ainda não é oficialmente uma PEC, haja vista que, para se tornar uma matéria em tramitação na Câmara, a proposta de Erika terá de reunir as assinaturas de, no mínimo, 171 dos 513 deputados, o que ainda não ocorreu.
Entenda a mudança
A proposta de Erika Hilton, que entraria em vigor depois de 360 dias da eventual promulgação da PEC, prevê estabelecer que a jornada de trabalho normal:
- Não poderá ser superior a 8 horas diárias;
- Não poderá ultrapassar 36 horas semanais; e
- Será de 4 dias por semana.
E hoje, o que dizem a Constituição Federal e a CLT? A jornada de trabalho normal:
- Não poderá ser superior a 8 horas diárias;
- Não poderá ultrapassar 44 horas semanais; e
- Poderá ser estendida por até 2 horas.
Interessante que tanto a Constituição quanto a CLT, hoje, não fazem menção específica a escalas de trabalho pré-fixadas. Ou seja, ao definir as escalas, os empregadores têm de seguir os limites de horas diárias e semanais previstos na legislação. Isso torna possível o modelo 6×1, criticado pela deputada e alvo da discussão.
Erika Hilton justifica a mudança pela necessidade de adaptação das condições de trabalho às “novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”.
“A alteração proposta à Constituição Federal reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”, conclui a deputada.
Em outras oportunidades, o Congresso já engavetou propostas semelhantes. A proposta de redução da jornada para 40 horas, por exemplo, chegou a ser aprovada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, mas nunca chegou a ser pautada no Plenário, sendo arquivada em 2023. E, em 2019, houve a proposta de redução da jornada para 36 horas, que está paralisada.
Caminho árduo
Mas por que o caminho dessa proposta é tão difícil? Porque, além de longo, o caminho é complexo. Vejamos.
1º Passo -> Conquista dos apoios necessários – 171 assinaturas – e apresentação da proposta;
2º Passo -> Discussão na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. A CCJ analisa a admissibilidade da proposta — sem avaliar e fazer mudanças no mérito da proposição. Se aprovada, é enviada para uma comissão especial;
3º Passo -> Cabe à comissão especial analisar o mérito e propor alterações à proposta. Regimentalmente, o colegiado tem até 40 sessões do plenário para concluir a votação do texto. Se isso não ocorrer, o presidente da Câmara poderá avocar a PEC diretamente para o plenário — isto é, colocar em votação direta pelo conjunto dos deputados; e
4º Passo -> O Plenário vota a PEC, que precisa de 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação.
5º Passo -> A PEC é enviada à outra Casa Legislativa – o Senado –, onde precisa passar pela CCJ da Casa;
6º Passo -> Aprovação por 3/5 dos senadores, em dois turnos de votação;
7º Passo -> Após as aprovações das 2 casas, pelo quórum qualificado de 3/5, em dois turnos de votação, promulga-se a Emenda Constitucional em sessão conjunta do Congresso Nacional.
Isso tudo sem falar do enorme lobby que os setores interessados na não aprovação da proposta fazem, em especial a classe dos empregadores (indústria, comércio, serviços, bancos, mercado, investidores, exportadores).
Polêmicas da proposta
Apesar da classe trabalhadora celebrar a proposta de redução da carga horária de trabalho, existem inúmeros obstáculos que dificultam sua aprovação:
- Aumento no custo do trabalho: como não haverá redução de salário, mas apenas da jornada, isso significa que o valor da hora de trabalho irá aumentar, pressionado os custos de produção;
- Insegurança jurídica: a mudança afetaria os contratos de trabalho em vigor, gerando discussões trabalhistas e, consequentemente, insegurança jurídica e contratual, o que afastará investimentos externos;
- Demissão em massa: os empresários alegam que a redução de jornada, ao invés de gerar mais empregos, vai gerar uma avalanche de demissões, ante a impossibilidade financeira de pagamento da mão-de-obra mais cara;
- Aumento da inflação: o consequente aumento do valor da hora de trabalho pressionará ainda mais os preços dos produtos e dos serviços, puxando a inflação para cima;
- Taxa de juros elevadas: a inflação pressionada vai demandar uma postura mais austera do Banco Central quanto aos juros, mantendo-os em índices mais elevados para o combate a inflação, tornando o crédito ainda mais caro e escasso.
Portanto, se de um lado a redução da jornada de trabalho traz para o trabalhador maior bem-estar, saúde mental, descanso, convívio com a família, por outro, poderá trazer dificuldades econômicas para os empregadores e para o mercado em geral. Isso poderá ser desastroso para a geração de empregos, aumento da renda, e para a competitividade com outros países.
O tema é polêmico. Cada lado tem suas razões, suas justificativas e seus receios. Então, vamos acompanhar o desenrolar da discussão, que pode, inclusive, haver cobranças em provas de direito constitucional, direito do trabalho e processo do trabalho.
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