EBSERH 2018 – Legislação Aplicada ao SUS – Prova comentada e gabarito extraoficial
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Diferentemente do que pairava no imaginário coletivo não considerei, no geral, a prova realizada pela banca CESPE/CEBRASPE com um grau de dificuldade maior do que das bancas que realizaram provas anteriores da EBSERH, sobretudo se compararmos particularmente com o Instituto AOCP. A exceção a esta consideração foi no tema – Determinantes Sociais de Saúde – em que eles exigiram mais do que vinha sendo feito.
Todavia o que na verdade mais me surpreendeu foram as ausências, sobretudo uma que me parece ser inédita, ou no mínimo incomum. Não houve questões diretamente atribuídas à Lei Orgânica da Saúde (LOS) 8.080/1990. Até pode-se dizer que alguns aspectos das questões sobre a Constituição Federal perpassam a Lei 8.080, mas isso é um tanto óbvio e não a traz para o lugar de destaque que sempre ocupou. Tampouco vimos questões sobre a Evolução Histórica das Políticas de Saúde e o importante Decreto 7.508/2011, que não por acaso é a normativa que regulamenta a Lei 8.080 e trata da relação dos pontos de atenção numa Rede de Atenção à Saúde.
Assim não apareceu também planejamento, tema forte do decreto, e nem os sistemas de informação em saúde, que são subsidiários do planejamento. Alguns destes itens apareceram no conteúdo específico de algumas carreiras, principalmente na de enfermeiro, mas de maneira muito sutil, dado o número de questões reservadas para temas do SUS.
Estas ausências abriram espaço para um número bem considerável de questões sobre controle social, que a meu ver não é o mais impactante para um profissional que atuará em um hospital universitário. Essa é uma priorização que se costuma observar mais em concursos de Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde.
Os comentários a seguir podem subsidiá-l@ para lançar mão de recurso contra alguma questão cujo gabarito venha a divergir de sua escolha e de meu posicionamento.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Julgue os itens a seguir à luz do que dispõe a Constituição Federal de 1988 sobre o Sistema Único de Saúde
26) CESPE – EBSERH – 2018
As atividades em saúde no Brasil, sejam elas desenvolvidas pelo poder público ou pelas instituições privadas de saúde, são regulamentadas pela mesma lei.
Comentário
Esta afirmação está CERTA, é responsabilidade do estado regular as atividades de saúde em qualquer âmbito, tendo em vista que as questões de saúde são de interesse de toda a sociedade.
A Constituição Federal diz o seguinte a esse respeito:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
E a Lei 8.080 complementa da seguinte maneira:
Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado.
Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão observados os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às condições para seu funcionamento.
27) CESPE – EBSERH – 2018
No texto constitucional, a saúde foi tratada separadamente da seguridade social, a qual compreende a previdência e a assistência social.
Comentário
Segundo o artigo 194 da Constituição Federal de 1988 por definição a seguridade social é composta pelas políticas de previdência, assistência social e saúde. Portanto a saúde não foi tratada separadamente e assim a afirmativa está ERRADA.
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
28) CESPE – EBSERH – 2018
Constituem o SUS os órgãos e as instituições públicas das três esferas de governo, da administração direta e indireta, e as instituições de saúde da iniciativa privada.
Comentário
A afirmação desta questão é um tanto generalizada, e com isso abre margem para diferentes interpretações, pois as instituições de saúde da iniciativa privada que prestam serviços complementares podem ser consideradas parte do SUS. No entanto as instituições que atuam ofertando ações diretamente ao mercado (suplementar) a rigor não deveriam interpretadas como parte do SUS, em que pese terem de se submeter aos regramentos estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), uma autarquia vinculada ao Ministério da Saúde.
O artigo 199 da CF/88 esclarece que as instituições privadas podem participar de forma complementar do SUS, o que denota o caráter eventual dessa relação, ou seja, não são todas as instituições privadas que se enquadram nessa participação, e mesmo as que participam não o fazem em caráter permanente.
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Com base nos argumentos apresentados acima eu diria que a afirmativa está ERRADA, mas reconheço que a banca pode vir a considerar certa se partir do ponto de vista de que a possibilidade de participação complementar seria suficiente para afirmar genericamente que a iniciativa privada faz parte do SUS.
DETERMINANTES SOCIAIS EM SAÚDE (DSS)
Acerca dos fatores sociais que determinam a saúde do indivíduo e das populações, julgue os itens que se seguem.
29) CESPE – EBSERH – 2018
Pode-se explicar saúde de determinada população com base nos resultados apresentados por indivíduos, uma vez que fatores individuais são reflexos da saúde da coletividade.
Comentário
As questões sobre determinantes sociais em saúde desta prova foram mais conceituais, requerendo um pouco mais do que apenas saber quais são os determinantes definidos na Lei 8.080. Segundo o consagrado modelo teórico de Dhalgren & Whitehead (1991), utilizado como referência pela Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais em Saúde, existem fatores determinantes na saúde que são próprios do indivíduo e outros que são determinados socialmente. O núcleo de fatores individuais configura características particulares relacionadas a composição orgânica e a herança genética. Há também um grupo maior de determinantes relacionados ao comportamento dos indivíduos e as condições de vida dos mesmos.
É o conjunto de todos estes fatores combinados que representam os níveis de saúde das pessoas e das sociedades. Portanto não se pode afirmar que fatores individuais são reflexo da saúde da coletividade, pois isso estabeleceria uma lógica linear de interpretação dos determinantes e desconsideraria esse fator combinante entre eles. Portanto a afirmativa está ERRADA.
30) CESPE – EBSERH – 2018
Sociedades mais desenvolvidas economicamente demonstram necessariamente melhor índice de saúde que sociedades menos desenvolvidas.
Comentário
Essa é uma correlação enganosa. O que talvez se aproximasse dessa ideia seria uma análise parcial sobre o aumento ou diminuição de ocorrências de doenças infecto contagiosas com os índices de desenvolvimento econômico, uma vez que este tipo de adoecimento está bastante relacionado a infraestrutura, saneamento básico e acesso à serviços de saúde. No entanto para analisarmos a ocorrência de doenças crônicas, que são cada vez mais prevalentes no mundo inteiro, essa correlação já não poderia ser explicada dessa forma.
Os Estados Unidos (EUA), por exemplo, é o país com a maior concentração de riqueza do mundo e nem por isso ostenta os melhores indicadores de saúde, na verdade está bem longe de se quer ranquear entre os melhores. Enquanto isso outros países de economia mais modesta que possuem um sistema de saúde mais organizado e menores índices de desigualdade social certamente tendem a desenvolver melhores indicadores em saúde.
Portanto essa afirmação também está ERRADA.
31) CESPE – EBSERH – 2018
As iniquidades em saúde são as desigualdades de saúde entre grupos populacionais, que são injustas e desnecessárias.
Comentário
Essa questão além de conceitual aparenta ter certo tom ideológico, o que é relativamente comum nesse área. Esta afirmação foi provavelmente extraída do Relatório da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais em Saúde (CNDSS) publicado em 2008 que cita uma publicação de Margareth Whitehead (1992) sobre equidade em saúde. Essa é portanto uma definição adequada de iniquidade em saúde, uma vez que de fato se caracteriza por condições desiguais entre determinados grupos e além disso produzir injustiça pode-se dizer que seria evitável por meio de políticas públicas que equilibrassem não só as condições diretamente relacionadas a saúde mas todo o conjunto de condições sociais que afetam a saúde de alguma maneira. Portanto esta está CERTA.
CONTROLE SOCIAL
No que concerne ao controle social no SUS, julgue os itens subsequentes.
32) CESPE – EBSERH – 2018
A cada eleição dos conselhos de saúde, recomenda-se que os segmentos de representação sejam renovados, no mínimo, em 30% das entidades representativas.
Comentário
Dado a falta de especificidade operacional da Lei 8.142 quanto ao funcionamento dos Conselhos de Saúde e realização das Conferências de Saúde, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) emitiu em 2012 a Resolução nº 453/2012 para suprir essa necessidade e reiterar sua autonomia no que tange ao assunto. Esta prerrogativa do CNS de incrementar normas para o funcionamento dos conselhos e conferências está previsto no artigo 1º da Lei 8.142:
§ 5° As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde terão sua organização e normas de funcionamento definidas em regimento próprio, aprovadas pelo respectivo conselho.
Pois bem, no item V da Resolução 453 cujo tópico se refere a Organização dos Conselhos de Saúde, observa-se esta recomendação de substituição mínima de representação dos segmentos nos conselhos com vistas a fortalecer o caráter democrático destas instituições e evitar a atuação “profissional” de conselheiros. Esta afirmação então está CERTA.
33) CESPE – EBSERH – 2018
As duas instâncias colegiadas que participam no controle social de saúde do SUS são os conselhos de saúde, que se reúnem anualmente e de forma ordinária, e as conferências de saúde, que possuem caráter permanente e estão presentes nas três esferas do governo.
Comentário
Esta é uma questão muito elementar. Os Conselhos de Saúde é que se constituem como fórum permanente e deliberativo para tratar das prioridades da política de saúde em cada esfera. Para tanto estes conselhos devem se reunir com uma frequência mensal, conforme recomendação do item IV do tópico – Estrutura e Funcionamento dos Conselhos de Saúde da resolução 453/2012. Admite-se ainda a possibilidade do plenário do conselho convocar reuniões extraordinárias quando julgar necessário.
IV – o Plenário do Conselho de Saúde se reunirá, no mínimo, a cada mês e, extraordinariamente, quando necessário, e terá como base o seu Regimento Interno. A pauta e o material de apoio às reuniões devem ser encaminhados aos conselheiros com antecedência mínima de 10 (dez) dias;
Lembro ainda que as Conferências de Saúde devem ser realizadas a cada 4 anos e são dividas em etapas municipais, estaduais e nacional.
34) CESPE – EBSERH – 2018
O conselho de saúde, em sua esfera administrativa, atua na formulação de estratégias e no controle econômico e financeiro da execução das políticas de saúde.
Comentário
Não sei exatamente o que a banca quis dizer com o termo “esfera administrativa”, de todo modo esse distrativo não deve alterar a lógica que rege esse assunto. Segundo o parágrafo 2º do artigo 1º da Lei 8.142, a participação na formulação de estratégias e controle financeiro da execução de políticas estão entre as atribuições primordiais do conselho de saúde. Portanto esta afirmativa está CERTA.
§ 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.
35) CESPE – EBSERH – 2018
As decisões tomadas pelos conselhos deverão ser homologadas pelo presidente do Conselho Nacional de Saúde, após deliberação.
Comentário
Conforme o mesmo parágrafo da Lei 8.142 citado na questão anterior cabe ao chefe do poder correspondente (prefeito, governador ou presidente) homologar as deliberações dos conselhos de saúde. A Resolução 453/2012 complementa estabelecendo de que maneira os conselhos devem se manifestar, o prazo para a providência de homologação e instruindo a possibilidade de recorrer a via judicial quando necessário.
XII – o Pleno do Conselho de Saúde deverá manifestar-se por meio de resoluções, recomendações, moções e outros atos deliberativos.
As resoluções serão obrigatoriamente homologadas pelo chefe do poder constituído em cada esfera de governo, em um prazo de 30 (trinta) dias, dando-se lhes publicidade oficial. Decorrido o prazo mencionado e não sendo homologada a resolução e nem enviada justificativa pelo gestor ao Conselho de Saúde com proposta de alteração ou rejeição a ser apreciada na reunião seguinte, as entidades que integram o Conselho de Saúde podem buscar a validação das resoluções, recorrendo à justiça e ao Ministério Público, quando necessário.
AbraSUS!!!
Prof. Adriano de Oliveira