Informativo STJ 615 | As possibilidades de emenda da petição inicial no Processo Civil
No Informativo Estratégico STJ 615, comentamos o REsp 1.279.586-PR. Aqui você vai poder conhecer mais detalhes do acórdão de novembro de 2017 que abordou questões importantes que podem te ajudar nos seus estudos.
O caso, julgado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pôs em discussão um tema muito relevante para o Direito Processual Civil: a possibilidade de emenda da petição inicial após o oferecimento de contestação.
Confira abaixo a ementa do acórdão:
REsp 1.279.586-PR
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PETIÇÃO INICIAL INEPTA. PEDIDO GENÉRICO. EMENDA APÓS A CONSTATAÇÃO. AÇÕES INDIVIDUAIS. JURISPRUDÊNCIA VACILANTE. AÇÕES COLETIVAS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE. INSTRUMENTO DE ELIMINAÇÃO DA LITIGIOSIDADE DE MASSA.
1. Não há falar em ofensa ao art. 535 do CPC/1973, se a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.
2. No que se refere às ações individuais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça diverge sobre a possibilidade de, após a contestação, emendar-se a petição inicial, quando detectados defeitos e irregularidades relacionados ao pedido, num momento entendendo pela extinção do processo, sem julgamento do mérito (REsp 650.936/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/3/2006, DJ 10/5/2006) em outro, afirmando a possibilidade da determinação judicial de emenda à inicial, mesmo após a contestação do réu (REsp 1229296/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 18/11/2016).
3. A ação civil pública é instrumento processual de ordem constitucional, destinado à defesa de interesses transindividuais, difusos, coletivos ou individuais homogêneos e a relevância dos interesses tutelados, de natureza social, imprime ao direito processual civil, na tutela destes bens, a adoção de princípios distintos dos adotados pelo Código de Processo Civil, tais como o da efetividade.
4. O princípio da efetividade está intimamente ligado ao valor social e deve ser utilizado pelo juiz da causa para abrandar os rigores da intelecção vinculada exclusivamente ao Código de Processo Civil – desconsiderando as especificidades do microssistema regente das ações civis -, dado seu escopo de servir à solução de litígios de caráter individual.
5. Deveras, a ação civil constitui instrumento de eliminação da litigiosidade de massa, capaz de dissipar infindos processos individuais, evitando, ademais, a existência de diversidade de entendimentos sobre o mesmo caso, possuindo, ademais, expressivo papel no aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, diante de sua vocação inata de proteger um número elevado de pessoas mediante um único processo.
6. A orientação que recomenda o suprimento de eventual irregularidade na instrução da exordial por meio de diligência consistente em sua emenda, prestigia a função instrumental do processo, segundo a qual a forma deve servir ao processo e a consecução de seu fim. A técnica processual deve ser observada não como um fim em si mesmo, mas para possibilitar que os objetivos, em função dos quais ela se justifica, sejam alcançados.
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1279586/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 17/11/2017)
Como tem decidido o STJ
Em um primeiro momento retrata-se a divergência da Corte em relação à possibilidade de emenda da petição inicial, pelo não preenchimento dos requisitos exigidos, após a contestação.
Afinal, é caso de extinção do processo sem resolução do mérito ou seria admissível a emenda mesmo após apresentação da defesa pela parte contrária?
Não obstante a divergência, neste precedente a Corte se posicionou no sentido de prestigiar a finalidade instrumental do processo e, portanto, permitiu à parte retificar o defeito processual.
Diante disso, vamos explorar alguns conceitos importantes para concurso público dentro dos temas citados.
O art. 321 do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) prevê:
“Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado“.
Os arts. 319 e 320, ambos do NCPC, arrolam os requisitos da petição inicial, que devem ser observados pela parte demandante. Não preenchidos de forma adequada esses requisitos, o juiz deverá facultar à parte a possibilidade de sanar os defeitos e irregularidades que possam dificultar o julgamento da ação.
Diante disso, a ordem natural do procedimento é a apresentação da inicial, com eventuais emendas provocadas pelo juiz. Após, cita-se o réu para participar da audiência de conciliação e de mediação, como regra.
Em seguida, infrutífera a audiência, temos a intimação do réu para que apresente a contestação e, eventualmente, a reconvenção. Após a contestação, adoção das providências preliminares, temos o saneamento do processo.
E se eventualmente com a contestação o réu apontar algum defeito ou irregularidade no procedimento? Que atitude deverá tomar o magistrado?
A jurisprudência do STJ é divergente.
No REsp 650.936/RJ, a 2ª Turma pela impossibilidade de emenda à inicial. Confira a ementa do precedente:
“PROCESSO CIVIL – PETIÇÃO INICIAL DEFEITUOSA – EMENDA À INICIAL – POSSIBILIDADE.
1. A petição inicial foi formulada sem dela constar pedido certo e causa de pedir clara e precisa, defeito reconhecido pela própria recorrente 2. Controvérsia na interpretação do art. 284 do CPC no sentido de permitir-se a emenda à inicial a qualquer tempo, até em sede de recurso.
3. Corrente majoritária no sentido de só admitir a emenda até a contestação, exclusive.
4. Recurso especial conhecido e improvido.
(REsp 650.936/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2006, DJ 10/05/2006, p. 174)“.
Logo, admitir-se-ia a emenda até apresentação da contestação, após, necessário o julgamento sem resolução do mérito.
No REsp 1.229.296/SP, a 4ª Turma entendeu que a emenda à inicial após a contestação é admissível:
“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO MONITÓRIA – PROCEDÊNCIA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA – EXTINÇÃO POR INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL PELO TRIBUNAL A QUO – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO AUTOR PARA SUPRIR A FALTA DOCUMENTAL – OFENSA À NORMA PROCESSUAL VERIFICADA – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
Hipótese: Cinge-se a controvérsia a decidir se o acórdão que reforma a sentença – que julgou procedente a ação monitória – para extinguir o processo por inépcia da inicial, sem intimar o autor para suprir a falta de documentos, ofende a legislação processual.
1. Para o acolhimento do apelo extremo, no sentido de afirmar se são suficientes os documentos que instruíram a ação monitória, seria imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, enseja em rediscussão da matéria fática-probatória, atraindo o óbice da Súmula 7 do STJ.
Inconformismo, nesta parte, não acolhido.
2. Ofende o art. 284 do CPC/1973 (art. 321, CPC/2015), o acórdão que reforma sentença de procedência da ação e declara extinto o processo, por inépcia da petição inicial, sem intimar o autor e lhe conferir a oportunidade para suprir a falha.
3. O fato de a emenda à inicial ter se dado após a contestação do feito, por si só, não inviabiliza a adoção da diligência corretiva prevista no art. 284 do CPC/1973. (AgRg no AREsp 196.345/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 04/02/2014).
4. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1229296/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 18/11/2016)“.
O segundo entendimento, prevaleceu neste precedente. Esse é o entendimento a prevalecer, uma vez que, prestigia a função instrumental do processo, dado que o processo não é um fim em si mesmo, mas técnica para resolução de conflitos de direito material.
Entendendo o caso
O acórdão em discussão se originou de uma ação civil pública ajuizada pelo Instituto de Proteção e Defesa dos Consumidores e Cidadãos do Brasil (IPDC) em face do Banco Indusval S/A.
A parte autora pleiteava a não incidência de juros capitalizados em contratos bancários, além da devolução em dobro dos valores cobrados dos consumidores nos últimos 20 anos.
O processo foi extinto sem resolução de mérito no Primeiro Grau, mediante pedido formulado pela ré na contestação.
Segundo o Banco, o pedido formulado padecia de excesso de generalidade, e que poderia beneficiar pessoas indeterminadas em situações imprecisas, tornando a autora carente de interesse de agir.
O Tribunal de Justiça do Paraná, ao julgar a apelação, determinou o retorno dos autos à origem, de modo a possibilitar a emenda da inicial para sanar o vício de origem.
O Banco Indusval opôs embargos de declaração, também rejeitados pelo TJ paranaense.
O Banco então interpôs Recurso Especial (REsp) junto ao STJ. Fundamentalmente, a parte recorrente alegou que a emenda à inicial só poderia ocorrer até o oferecimento de contestação pela parta contrária.
De acordo com o recorrente, se o objetivo da emenda à inicial é o privilégio à economia processual, não faria sentido nova intimação dos réus, nova fluência de prazo para apresentação da resposta e a nova realização de atos processuais posteriores.
O relator do caso foi o ministro Luís Felipe Salomão, que reconheceu a existência de divergência sobre o tema no STJ.
Em seu voto, o relator privilegiou a corrente que entende que é possível a correção da inicial, mesmo após apresentação de defesa, mediante a aplicação dos princípios da instrumentalidade, celeridade, economia e efetividade processuais.
Além disso, o ministro relator frisou as especificidades da Ação Civil Pública, que se destina à defesa de interesses transindividuais, difusos, coletivos, ou individuais homogêneos.
O ministro Luís Felipe Salomão fez, em seu voto, uma análise detida das normas que regem a ACP. Sua conclusão é que:
“Com efeito, partindo de uma leitura sistemática e teleológica das Leis de Ação Popular e Ação Civil Pública, a meu ver, parece claro que a inadequação do pedido expresso da inicial da ação civil aos comados dos dispositivos de lei, que orientam deva conter suas especificações, jamais poderia conduzir à pura e simples extinção do
processo sem resolução de mérito”.
Os ministros Raul Araújo e Isabel Galotti divergiram do relator no caso, o que mostra que mesmo no interior da turma o entendimento ainda não se encontra uniformizado. Segundo o ministro Raul Araújo:
“A lide, estando estabilizada, já não cabe a correção da petição inicial em defeito grave, como o que temos na hipótese, relacionado ao próprio pedido deduzido na demanda, o que inviabiliza a correção do grave defeito constante da petição, pois equivaleria, na prática, a se ter a propositura de uma outra ação dentro do mesmo feito, tal é o nível de correção que se demandaria da parte faltosa no caso, quando da apresentação da nova petição inicial“.
A ministra Isabel Galotti acompanhou a divergência por seu colega. Segundo ela, o pedido formulado era tão genérico que não permitiria a mera correção de alguma impropriedade, sendo necessária sua total reformulação. Para Isabel Galotti, é inviável a emenda de petição inicial após o oferecimento de contestação.
O projeto Informativo Estratégico
A equipe de professores do Estratégia Carreira Jurídica seleciona os julgados mais relevantes dos Informativos de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, publicados periodicamente.
A cada rodada, um grupo de professores comenta os temas mais relevantes do Informativo e propõe questões de concursos públicos que discutem os conteúdos jurídicos encontrados nos julgados.
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