Artigo

CESPE/UnB: Questão Comentada – Aspectos linguísticos e gramaticais

Olá, alunos do Estratégia Concursos!
O artigo de hoje será breve!
Escrevo neste espaço para que vocês analisem uma questão do CESPE/UnB, banca que vem organizando diversos concursos públicos nos últimos meses. Ao final do item, haverá os comentários.
Mãos à obra! ;-)

Agente da Polícia Federal (2012)

 

 

 

 

         Dizem que Karl Marx descobriu o inconsciente três décadas antes de Freud. Se a afirmação não é rigorosamente exata, não deixa de fazer sentido, uma vez que Marx, em O Capital, no capítulo sobre o fetiche da mercadoria, estabelece dois parâmetros conceituais imprescindíveis para explicar a transformação que o capitalismo produziu na subjetividade. São eles os conceitos de fetichismo e de alienação, ambos tributários da descoberta da mais-valia – ou do inconsciente, como queiram.

         A rigor, não há grande diferença entre o emprego dessas duas palavras na psicanálise e no materialismo histórico. Em Freud, o fetiche organiza a gestão perversa do desejo sexual e, de forma menos evidente, de todo desejo humano; já a alienação não passa de efeito da divisão do sujeito, ou seja, da existência do inconsciente. Em Marx, o fetiche da mercadoria, fruto da expropriação alienada do trabalho, tem um papel decisivo na produção inconsciente da mais-valia. O sujeito das duas  teorias é um só: aquele que sofre e se indaga sobre a origem inconsciente de seus sintomas é o mesmo que desconhece, por efeito dessa mesma inconsciência, que o poder encantatório das mercadorias é condição não de sua riqueza, mas de sua miséria material e espiritual. Se a sociedade em que vivemos se diz de mercado, é porque a mercadoria é o grande organizador do laço social.


 Maria Rita Kehl. 18 crônicas e mais algumasSão Paulo: Boitempo, 2011, p. 142 (com adaptações)

 

 

Com relação às ideias desenvolvidas no texto acima e a seus aspectos gramaticais, julgue os itens subsequentes.

 

 

1. Com correção gramatical, o período A rigor (…) histórico poderia, sem se contrariar a ideia original do texto, ser assim reescrito: Caso se proceda com rigor, a análise desses conceitos, verifica-se que não existe diferenças entre eles.

 

ComentárioEmbora as expressões a rigor e em rigor sejam de uso frequente no português contemporâneo, não são termos sinônimos, sendo importante fazer uma breve distinção entre elas.

         A primeira é uma expressão idiomática que significa de acordo com as exigências da ocasião, conforme as circunstâncias. Segundo as lições de Luiz Antonio Sacconi, a expressão a rigor é copiada do francês à la rigueur:

 

A expressão  a rigor é copiada do francês à la rigueur. Só devemos usar palavras, expressões, construções estrangeiras, quando absolutamente necessárias. Parece-nos que em rigor substitui a contento a rigor . (Luiz Antonio Sacconi, in Não erre mais!)

        

         Por sua vez, a locução adverbial em rigor geralmente precede explicações e/ou exposições de ideias exatas. Pode ser substituída pelo advérbio rigorosamente e apresenta o significado proceder com rigor, exatidão, estritamente. O Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete registra somente a forma em rigor:

 

 Em rigor (loc. adv.), rigorosamente, conforme as exigências do assunto; no sentido estrito.

 

Ex.: Quem ignorando ofendeu, em rigor (rigorosamente) não é delinquente. (Pe. Antônio Vieira)

 

 

Voltando à questão da prova…

 

         No enunciado da questão 1, o trecho Caso se proceda com rigor faz menção ao segmento em rigor, alterando a ideia original do texto.

 

         Além disso, na reescrita proposta pelo examinador da banca, houve os seguintes desvios gramaticais:

 

(i) a vírgula após a expressão a rigor está separando incorretamente o verbo proceder do complemento a análise desses conceitos. Trata-se de um dos pré-requisitos básicos para o emprego da vírgula.

Para corrigir o trecho, ou se emprega uma vírgula antes da mencionada expressão, ou se retira o referido sinal de pontuação do contexto:

 

Caso se proceda, com rigor, à análise (…)

 

Caso se proceda com rigor à análise (…)

 

         Vale mencionar, ainda, que, no primeiro exemplo, o emprego das vírgulas deve-se a questões estilísticas. Nesse caso, o autor visa a enfatizar a expressão com rigor.

 

(ii) o verbo existir deveria ter sido flexionado no plural para concordar com o sujeitodiferenças. Sabemos que o verbo existir é pessoal, ou seja, relaciona-se a um sujeito.

 

Dica: Lembrem-se de diferenciar os verbos existir haver. Este último, ao ser empregado na acepção (significado) de existir, acontecer ou ocorrer, assume caráter impessoal, devendo permanecer na terceira pessoa do singular.

 

(…) verifica-se que não existem diferenças entre eles.

                                                    sujeito

 

(…) verifica-se que não  diferenças entre eles.

                                      objeto direto

 

(iii) por fim, o trecho também apresenta erro de regência. O verbo proceder foi empregado na acepção de levar a efeito, efetuar, realizar, fazer, devendo assumir transitividade indireta. Segundo o Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Pedro Luft, editora Ática, edição 2010, p. 418, na linguagem culta formal, aconselha-se a regência primária (transitiva indireta): Proceder ao inventário; proceder à chamada.

Essa incorreção no contexto da questão também implicou omissão inadequada do acento grave indicativo de crase, uma vez que o termo regente proceder exige o emprego da preposição a e, por seu turno, o termo regido análise admite a anteposição do artigo definido aCaso se proceda, com rigor, à análise desses conceitos (…).

 

         Logo, o item está totalmente errado!


Esta e outras questões integram o Curso de Provas Comentadas do CESPE/UnB. Confiram!


Por hoje é só, meus amigos!

Abraços e ótimos estudos!

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja os comentários
  • Nenhum comentário enviado.