A teoria da dupla garantia tem aplicação no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado. Porém, antes de explicarmos o que significa a teoria da dupla garantia, devemos dar alguns passos atrás para relembrar alguns pontos.
Sabe-se que o art. 37, § 6º, da CRFB, prevê a responsabilidade objetiva do Estado. Observe:
“Art. 37. (…)
(…)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Nesse contexto, para que haja responsabilidade do Estado devem estar presentes três elementos: a conduta oficial, dano e o nexo causal. Note que não se faz necessário comprovar o dolo ou a culpa (elemento subjetivo), motivo pelo qual se trata de responsabilidade objetiva, como já afirmado.
Sobre o tema, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas no sentido de que tal norma de responsabilização é embasada na teoria do risco administrativo, admitindo-se, portanto, excludentes e atenuantes de responsabilidade.
Pois bem. Feita esta rápida revisão, voltemos nossa atenção à parte final do dispositivo constitucional citado acima, especificamente, no trecho que trata do direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O Supremo Tribunal Federal, ao interpretar este dispositivo, consagrou o entendimento de que o particular lesado somente poderá demandar o ente público ou a pessoa jurídica de direito privado objetivando a reparação do dano causado, não sendo possível ajuizar ação contra o agente causador do ano, tal faculdade cabe, apenas, a pessoa jurídica de direito público ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos.
Constitui-se, assim, uma dupla garantia. A primeira para o particular que terá assegurada a responsabilidade objetiva, não necessitando comprovar dolo ou culpa do autor do dano; a segunda para o servidor, que somente responderá perante o ente estatal. Nesse sentido:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 327904, CARLOS BRITTO, STF.)
Não obstante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal seja uniforme, a doutrina diverge sobre o tema. Alguns doutrinadores admitem que o particular deve ter a faculdade de demandar o Estado, o agente público ou ambos.
Os Tribunais Superiores ainda não tinham acatado tal tese, porém, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça acolheu em um julgado tal argumentação:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE DE AGENTE PÚBLICO PARA RESPONDER DIRETAMENTE POR ATOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO.
Na hipótese de dano causado a particular por agente público no exercício de sua função, há de se conceder ao lesado a possibilidade de ajuizar ação diretamente contra o agente, contra o Estado ou contra ambos. De fato, o art. 37, § 6º, da CF prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica, que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público. Nesse particular, a CF simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo. Contudo, não há previsão de que a demanda tenha curso forçado em face da administração pública, quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto; tampouco há imunidade do agente público de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de qualquer forma, em regresso, perante a Administração. Dessa forma, a avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o agente público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios, os quais, como é de cursivo conhecimento, não são rigorosamente adimplidos em algumas unidades da Federação. Posto isso, o servidor público possui legitimidade passiva para responder, diretamente, pelo dano gerado por atos praticados no exercício de sua função pública, sendo que, evidentemente, o dolo ou culpa, a ilicitude ou a própria existência de dano indenizável são questões meritórias. Precedente citado: REsp 731.746-SE, Quarta Turma, DJe 4/5/2009.
(REsp 1.325.862-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/9/2013.)
Para a sua prova, recomenda-se que adote o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que é dele a competência para dar a interpretação definitiva das normas constitucionais.
A menção ao entendimento doutrinário divergente ou ao julgado do Superior Tribunal de Justiça só deve ocorrer se for objeto do questionamento do examinador ou para enriquecer a questão.
Cuidado! Nem sempre a responsabilidade do Estado será regida pela teoria do risco administrativo, sendo aplicável, a depender da situação, a teoria da culpa do serviço ou a teoria do risco integral.
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Gabriel Ulbrik
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Parabéns, professor pelo comentário: simples, objetivo e não superficial!