Eu, Prof. Paulo Sousa (IG e YT), professor de Direito Civil do Estratégia Concursos (o mito, sim ou com certeza?), vou apresentar o gabarito e os recursos da prova de Direito Civil do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o TRF3, quanto ao cargo de Analista Judiciário – Área Judiciária, o AJAJ. Vou fazer alguns comentários sobre a prova e analisar como foi ela. Fiquei bem feliz de ter analisado TODAS as questões da prova, em detalhe, nas minhas aulas. Ou seja, ter estudado comigo era sinal de s-u-c-e-s-s-o!!!
O que você achou da prova? Eu, particularmente, não achei ela tão fácil não. A prova veio mais “cascuda” do que imaginei, mas, ainda assim, o examinador deixou algumas coisas mais simples aqui e acolá. E será que tem recurso?
33. Na celebração de contrato de compra e venda, vendedor e comprador procederam com dolo, que foi a causa do negócio. Nesse caso, de acordo com o Código Civil:
a) qualquer das partes poderá́ invocar o dolo da outra para anular o negócio, mas nenhuma delas poderá́ reclamar indenização.
b) qualquer das partes poderá́ invocar o dolo da outra para anular o negócio, ou reclamar indenização.
c) nenhuma das partes poderá́ invocar o dolo da outra para anular o negócio, ou reclamar indenização.
d) qualquer das partes poderá́ invocar o dolo da outra para reclamar indenização, mas não para anular o negócio.
e) somente a parte mais prejudicada poderá́ invocar o dolo da outra para anular o negócio, ou reclamar indenização.
Comentários:
A alternativa Aestá incorreta, porque não há lógica em permitir a anulação do negócio, mas impedir que produza efeitos patrimoniais de, justamente, reclamar indenização.
A alternativa Bestá incorreta. Como está adiante transcrito, o art. 150 do Código Civil traz regra exatamente oposta, ou seja, não é possível nem anular o negócio, nem reclamar indenização.
A alternativa Cestá correta e é o gabarito da questão. Trata-se de típico caso de dolo recíproco, no qual ambas as partes agem com a intenção de prejudicar a outra. Como diz o ditado, “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”. Em linguagem jurídica, o ditado popular corresponder ao art. 150 do Código Civil: “Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização”. Em resumo, ambas as partes pretendiam prejudicar a outra, a sanção a esse comportamento ilícito é precisamente as obrigar a manter o negócio, sem sequer poder exigir indenização.
A alternativa Destá incorreta e está logicamente inadequada, pelo raciocínio inverso que se fez na assertiva A.
A alternativa Eestá incorreta, já que, apesar de trazer certo exercício salomônico, é inadequada do ponto de vista da aplicação prática.
34. Ricardo, maior de 16 anos, não consegue, por causa permanente, exprimir sua vontade. Nesse caso, de acordo com o Código Civil, Ricardo:
a) é absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, não correndo contra ele a prescrição.
b) é absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, mas contra ele corre a prescrição.
c) é incapaz, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer, não correndo contra ele a prescrição.
d) é incapaz, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer, mas contra ele corre a prescrição.
e) não é incapaz, absoluta ou relativamente, mas contra ele não corre a prescrição.
Comentários:
A alternativa Aestá incorreta, como sempre digo: SOMENTE o menor de 16 anos é absolutamente incapaz. Essa regra se extrai da literalidade do art. 3º do Código Civil: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”. Qual é a exceção? NÃO há exceção; nenhuma!
A alternativa Bestá incorreta, pois somente contra os absolutamente incapazes é que a prescrição fica impedida. Essa é a regra do art. 198, inc. I, do Código Civil: “Também não corre a prescrição contra os incapazes de que trata o art. 3º”. Quem são os incapazes do art. 3º? Precisamente os absolutamente incapazes, pelo que, ao interpretar a norma ao inverso, chega-se à conclusão de que corre prescrição contra os relativamente incapazes.
A alternativa Cestá incorreta. De fato, Ricardo é relativamente incapaz, como prevê o art. 4º, inc. III, do Código Civil: “São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”. No entanto, pela previsão do art. 198, inc. I, do Código Civil, a prescrição contra ele corre.
A alternativa Destá correta e é o gabarito da questão. Para se chegar a tal conclusão, basta analisar os arts. 4º, inc. III, e 198, inc. I, ambos do Código Civil. Pela impossibilidade de expressar sua vontade, Ricardo é considerado relativamente incapaz, mas isso não impede que a prescrição corra.
A alternativa Eestá incorreta, já que Ricardo se amolda perfeitamente à situação de incapacitação relativa do ar. 4º, inc. III, do Código Civil.
35. De acordo com o Código Civil, o penhor
a) constitui-se pelo contrato, independentemente da efetiva transferência da posse da coisa dada em garantia.
b) não pode ser parcialmente remido pelos sucessores do devedor na proporção dos seus quinhões, mas qualquer deles pode fazê-lo no todo.
c) dispensa qualquer tipo de registro.
d) não se extingue pelo perecimento da coisa empenhada por culpa do devedor.
e) agrícola que recai sobre colheita pendente não abrange a imediatamente seguinte, mesmo no caso de frustrar-se ou ser insuficiente a que se deu em garantia.
Comentários:
A alternativa Aestá incorreta, pois o penhor é classificado como contrato real, ou seja, contrato que exige a efetiva entrega da coisa. Antes da entrega, visualizada pela efetiva entrega da coisa empenhada, não se constitui ainda o penhor. Essa é a literalidade do art. 1.431 do Código Civil: “Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação”.
A alternativa Bestá correta e é o gabarito da questão. Falecido o devedor pignoratício, pode um sucessor remir (resgatar, ou seja, pagar a dívida, liberando a garantia) o penhor, proporcionalmente? Não, porque isso violaria a própria noção de indivisibilidade da garantia real estampada no art. 1.421 do Código Civil: “O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação”.
Agora, se um dos sucessores remir integralmente (resgatar a dívida na integralidade), não há qualquer restrição das normas gerais sobre as garantias reais. Esse é o sentido do art. 1.429: “Os sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor ou a hipoteca na proporção dos seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo”.
A alternativa Cestá incorreta, porque todas as garantias reais exigem registro público para se constituírem; ou seja, sem o registro, simplesmente não há garantia. E como se faz o registro do penhor, se ele não é direito real de garantia sobre bem imóvel? O art. 1.432 traz a resposta: “O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos”.
A alternativa Destá incorreta, até porque não há como subsistir uma garantia real sobre um bem que não existe mais. Imagine que você me dê em garantia o seu carro e seu carro seja roubado. Minha garantia será sobre o quê, exatamente? Não há mais carro. Por isso, o art. 1.436, inc. II, é claro: “Extingue-se o penhor perecendo a coisa”. A culpa, aqui, é irrelevante. Será relevante quanto à indenização, mas aí não há qualquer ligação com a resposta.
A alternativa Eestá incorreta. É o que prevê o art. 1.443: “O penhor agrícola que recai sobre colheita pendente, ou em via de formação, abrange a imediatamente seguinte, no caso de frustrar-se ou ser insuficiente a que se deu em garantia”. Como assim? Se eu empresto dinheiro a você, caso a plantação deste ano não dê o suficiente para me pagar, a plantação do ano seguinte está automaticamente empenhada para mim. Ou seja, o credor pignoratício tem uma espécie de renovação automática da garantia.
36. Luciano, empregado de XPTO Carretos e Mudanças Ltda., dirigia o caminhão da empresa, a fim de realizar a mudança de determinado cliente, quando, por imperícia e imprudência, atropelou Renata, que sofreu, por conta do acidente, lesões corporais graves. Nesse caso, de acordo com o Código Civil, a empresa XTPO responde
a) subsidiariamente a Luciano pelos danos causados a Renata, somente se tiver procedido com culpa in eligendo.
b) subsidiariamente a Luciano pelos danos causados a Renata, independentemente de culpa.
c) solidariamente com Luciano pelos danos causados a Renata, somente se tiver procedido com culpa in eligendo.
d) solidariamente com Luciano pelos danos causados a Renata, independentemente de culpa.
e) solidariamente com Luciano pelos danos materiais causados a Renata, mas subsidiariamente a ele pelos danos morais, independentemente de culpa em qualquer dos casos.
Comentários:
A alternativa Aestá incorreta, porque a responsabilidade do empregador é solidária quando do dano causado pelo empregado. A razão é simples: a capacidade econômica do empregador certamente será maior do que a do empregado, de modo que a responsabilidade subsidiária daquele seria gravosa demais à vítima. Diz o art. 933 do Código Civil: “As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.
A alternativa Bestá incorreta. A primeira parte, como visto, está incorreta. No entanto, a segunda parte está correta. A responsabilidade do empregador é objetiva, ou seja, independe de culpa, como demonstra o art. 932, inc. III, do Código Civil: “São também responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Veja que em momento algum há menção à palavra culpa, pelo que a responsabilidade é, assim, objetiva.
A alternativa Cestá incorreta. A primeira parte está correta, pois a responsabilidade é objetiva. No entanto, a segunda parte está incorreta, porque a culpa in elegendo (culpa na eleição ou escolha) pressupõe, logicamente, culpa, o que não é o caso.
A alternativa Destá correta e é o gabarito da questão. A responsabilidade é solidária (art. 933 do Código Civil) e objetiva, independente de culpa (art. 932, inc. III, do Código Civil).
A alternativa Eestá incorreta, porque não há, em lugar algum, distinção entre o dano material e moral, relativamente à indenização, quando da reponsabilidade do empregador.
37. Considere as seguintes proposições acerca dos contratos:
I. Nos contratos de adesão, serão válidas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, desde que redigidas de forma clara e com destaque.
II. É vedado, em qualquer hipótese, celebrar contrato que tenha por objeto a herança de pessoa viva.
III. Considera-se celebrado o contrato no lugar em que foi aceito, se diverso daquele onde foi proposto.
IV. Se o contrato for aleatório, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, o alienante terá́ direito a todo o preço mesmo que a coisa já́ não existisse no dia do contrato.
V. O contrato preliminar deve conter, inclusive quanto à forma, todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.
De acordo com o Código Civil, está correto o que consta APENAS de
(A) I e II.
(B) I e III.
(C) II e IV.
(D) III e V.
(E) IV e V.
Comentários:
O item Iestá incorreto. A regra mais conhecida vem do CDC, mas o próprio Código Civil traz regra semelhante no art. 424: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. Assim, possível se pensar em renúncia válida, desde que posterior, pelo contratante, mas nunca prévia, num contrato de adesão.
O item IIestá correto. Tecnicamente, a herança de pessoa viva teria objeto impossível, porque somente com a morte é que se falará em herança propriamente dita. O art. 426 (“Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”), de todo modo, estabelece a nulidade virtual da cláusula contratual, e portanto, do pacto todo, que tenha por objeto a herança de pessoa viva.
O item IIIestá incorreto, dada a clara regra do Código Civil que reputa celebrado o contrato onde foi proposto. Ou seja, muito importante saber onde foi o contrato proposto para aplicar as regras contratuais. Nesse sentido, o art. 435 do Código Civil: “Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto”.
O item IVestá correto. Havia neste item uma questão muito mais de língua portuguesa do que de Direito Civil. Isso porque posto que é locução concessiva, equivalente a embora, ainda que, e não causal nem explicativa. Muitos e muitos erram ao empregar posto que com sentido de porque, visto que.
Assim , o art. 460 do Código Civil (“Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato”) significa que “Se o contrato for aleatório, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, o alienante terá́ direito a todo o preço mesmo que a coisa já́ não existisse no dia do contrato”. A alternativa estabeleceu a quase literalidade do art. 460, portanto.
O item Vestá incorreto, porque a diferença central entre o contrato em si (ou definitivo) e o contrato preliminar reside na ausência de necessidade de forma específica neste. Nesse sentido o art. 462: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”. Assim, mesmo que o contrato (definitivo) de compra e venda exija forma escritura e pública, a promessa (preliminar) de compra e venda pode ser feito de forma particular.
A alternativa Cestá correta e é o gabarito da questão.
38. Fernanda e Joaquim celebraram transação a respeito de litígio que já́ havia sido decidido por sentença passada em julgado. Nesse caso, a transação é:
a) nula, se algum dos transatores não tinha ciência dessa sentença.
b) nula, desde que ambos os transatores não tivessem ciência dessa sentença.
c) anulável, no prazo decadencial de quatro anos, por iniciativa de qualquer dos transatores que não tivesse ciência dessa sentença.
d) válida, ainda que os transatores não tivessem ciência dessa sentença.
e) nula, mesmo que ambos os transatores tivessem ciência dessa sentença.
Comentários:
A alternativa Aestá correta e é o gabarito da questão. Imagine que você, sem saber que a outra parte tinha proposto uma ação contra você – e perdido, porque o juiz reconhece a prescrição, por exemplo – faz uma transação, abrindo mão de direitos. Injusto, não? Porque você nada sabia a respeito e, ainda assim, acaba, em alguma medida, perdendo direitos.
Por isso, o art. 850 do Código Civil prevê que “É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação”.
A alternativa Bestá incorreta. Se ambos desconhecessem o julgado, a transação também seria nula, mas bastaria que um não soubesse para se declarar a nulidade dela.
A alternativa Cestá incorreta. Aqui o examinador possivelmente tenha pretendido induzir você em erro ao pensar que seria um caso de dolo. O dolo, por força do art. 171, inc. II, do Código Civil, geraria a possibilidade de anulação, no prazo decadencial de 4 anos, como menciona a alternativa. No entanto, a questão, em momento algum, fala em dolo, que não se pode presumir.
A alternativa Destá incorreta e beira ao absurdo. Supondo que ambos desconhecem a sentença e celebram transação. Como vão saber que transacionaram sobre um objeto com sentença transitada em julgado? Sem cabimento.
A alternativa Eestá incorreta, claro, já que se ambos soubessem do trânsito em julgado e resolvessem transacionar, seria ela válida.
Espero que você tenha ido bem na prova! O que achou dela? Eu não vejo possibilidade de recurso…
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