Olá meus amigos, tudo bem? Eu sou Igor Maciel e hoje queria conversar com vocês sobre um tema quente para a PGM RJ: Como funciona a Representação Judicial das Autarquias?
Trata-se de tema bastante interessante e que possui uma série de julgados do Supremo Tribunal Federal nos anos de 2018 e 2019.
Vejamos uma análise do tema, passando pela representação judicial da fazenda pública, pela representação judicial das autarquias, conforme entendimento tradicional e pela análise dos últimos julgados do Supremo Tribunal Federal.
Antes de analisarmos a representação judicial das autarquias, vamos tecer breves comentários sobre a atuação judicial da Fazenda Pública.
Em juízo, a Fazenda Pública será representada por seus procuradores judiciais, titulares de cargos públicos e regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Tais procuradores não necessitam de procuração para atuarem, eis que mantém um vínculo legal com a Administração Pública.
Segundo Hélio do Valle Pereira (Manual da Fazenda Pública em Juízo, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. Pg. 82):
A procuração é materialização de negócio jurídico, circunstância incompatível com a natureza da relação que se estabelece entre o órgão público e seus procuradores. Seu poder de representação está in reipsa. Não por acaso, descabe substabelecimento dos poderes advindos de lei decorrentes da nomeação.
Assim, a aprovação do procurador em concurso público e sua nomeação em Diário Oficial lhe legitimam a atuar em nome da Fazenda Pública em juízo.
Tal legitimidade independe de qualquer outra providência específica, sendo desnecessário inclusive que o advogado público acoste aos autos seu termo de posse no respectivo cargo público.
Ressalte-se que é comum, no seio da atuação do ente público, que diversos procuradores diferentes atuem no mesmo processo, sendo desnecessário que cada um acoste o respectivo substabelecimento lhe outorgando poderes para atuar.
Segundo Leonardo Cunha, para Pontes de Miranda, o procurador não apenas representa, como presenta a Fazenda Pública em Juízo, eis que esta se faz presente em juízo através daquele (A Fazenda Pública em Juízo, 14a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2017, pg. 07):
Então, o advogado público quando atua perante os órgãos do Poder Judiciário é a Fazenda Pública presente em juízo. Em outras palavras, a Fazenda Pública se faz presente em juízo por seus procuradores. (…) Uma vez investido no cargo ou função, o procurador público adquire a representação (leia-se presentação) da Fazenda Pública, estando incluídos nessa presentação os poderes gerais para o foro.
A Constituição Federal dispõe sobre a Advocacia Pública em seus artigos 131 (Advocacia Geral da União) e 132 (Procuradorias Estaduais e do Distrito Federal):
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
§ 1º A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
§ 3º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
A Lei Complementar 73/1993 regula o funcionamento da Advocacia Geral da União, que é responsável pela representação judicial e extrajudicial da União. Da mesma forma, a Constituição dos Estados e as Leis Orgânicas de cada Procuradoria regulam a matéria em âmbito estadual.
Já a representação judicial das autarquias e fundações públicas é feita de acordo com a lei que as criar e com a lei que autorize sua criação, respectivamente, conforme previsão do artigo 75, IV, do CPC:
Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (…)
IV – a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar;
Assim, no âmbito estadual ou municipal, a lei criadora da autarquia ou fundação irá definir a atribuição de sua representação em juízo.
No caso de a lei não prever expressamente nem criar o cargo de procurador autárquico ou de procurador da fundação, entende-se que a representação judicial da autarquia foi atribuída ao dirigente máximo, a quem se deve dirigir a citação inicial para que constitua, por procuração, advogado para acompanhar a demanda.
Já se a lei criar o cargo de procurador autárquico, a este compete representar o ente em juízo.
Contudo, é comum que a lei não crie o cargo de procurador autárquico, mas atribua a representação judicial das autarquias aos próprios procuradores do Estado. Neste caso, além de representar o Estado, os procuradores estaduais detêm igualmente a representação judicial das autarquias e/ou fundações estaduais.
Do mesmo modo ocorre quanto aos Municípios e suas autarquias e fundações.
Esquematizando, temos:
No âmbito federal, a representação judicial das autarquias e fundações compete aos procuradores federais.
O art. 69 do ADCT estabelece:
Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.
Para o STF, este dispositivo representa uma exceção transitória à norma constante do artigo 132 prevista com o fim de garantir a continuidade dos serviços de representação e consultoria jurídicas que existiam na Administração Pública no período anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988.
O artigo 69 do ADCT pretendeu, portanto, evitar lacunas e uma desorganização da Administração Pública, bem como para assegurar maior segurança jurídica, enquanto algumas procuradorias estaduais ainda não haviam sido totalmente estruturadas.
Deve-se, entender, portanto, que a regra a ser utilizada é o princípio da unicidade de representação, previsto no artigo 132 da Constituição Federal de 1988:
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
Dessa forma, os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal serão os únicos responsáveis pela representação judicial e pela consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
Assim, há apenas um órgão que pode desempenhar as funções de representação judicial e de consultoria jurídica nos Estados e no Distrito Federal: a Procuradoria-Geral do Estado ou a Procuradoria-Geral do Distrito Federal.
(…) A Constituição Federal estabeleceu um modelo de exercício exclusivo, pelos procuradores do estado e do Distrito Federal, de toda a atividade jurídica das unidades federadas estaduais e distrital – o que inclui as autarquias e as fundações -, seja ela consultiva ou contenciosa. A previsão constitucional, também conhecida como princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos estados e do Distrito Federal, estabelece competência funcional exclusiva da procuradoria-geral do estado. A exceção prevista no art. 69 do ADCT deixou evidente que, após a Constituição de 1988, não é mais possível a criação de órgãos jurídicos distintos da procuradoria-geral do estado, sendo admitida apenas a manutenção daquelas consultorias jurídicas já existentes quando da promulgação da Carta. Trata-se de exceção direcionada a situações concretas e do passado, que, por essa razão, deve ser interpretada restritivamente, inclusive com atenção à diferenciação entre os termos “consultoria jurídica” e “procuradoria jurídica”, uma vez que essa última pode englobar as atividades de consultoria e representação judicial. (…)
(ADI 145, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-162 DIVULG 09-08-2018 PUBLIC 10-08-2018)
Ainda neste sentido:
(…) ADVOCACIA PÚBLICA ESTADUAL – UNICIDADE – PROCURADORIAS AUTÁRQUICAS E FUNDACIONAIS – INSTITUIÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE. Ante o princípio da unicidade orgânica das Procuradorias estaduais – artigo 132 da Constituição Federal –, surge inconstitucional restrição, considerada manifestação do poder constituinte derivado local, do âmbito de atuação dos Procuradores do Estado à defesa e assessoramento jurídico dos órgãos da Administração direta mediante a “constitucionalização” de carreiras de Procurador Autárquico e de Advogado de Fundação à margem da estrutura da Procuradoria-Geral do Estado, ressalvada regra excepcional contida no artigo 69 do Ato da Disposições Constitucionais Transitórias.
(STF. Plenário. ADI 4449/AL, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27 e 28/3/2019)
O entendimento segundo o qual as Autarquias seriam representadas por procuradores autárquicos apenas deve ser mantido se – e somente se – a Autarquia tiver sido criada, juntamente com seu quadro próprio de procuradores, antes da promulgação da Constituição Federal de 88.
Destacamos, ainda, no âmbito da jurisprudência do STF mais um importante entendimento relacionado – em alguma medida – com a unicidade de representação judicial.
Na ADI 5262, o STF considerou inconstitucionais normas estaduais que tratam da possiblidade de servidores ocuparem cargos de advogado nas autarquias e fundações no Estado de Roraima.
De acordo com a jurisprudência do Supremo, autarquias e fundações são tecnicamente entidades descentralizadas da administração direta, dotadas de personalidade jurídica pública, com dinheiro público e que realizam atividades diretas voltadas ao cidadão.
Assim, não se trata do Estado prestando serviço por meio de terceiro, mas atuando autarquicamente, com autonomia, apenas desvinculando do centro administrativo a atividade entregue a cada entidade.
Ademais, caso fosse possível que servidores formados em Direito ou mesmo advogados atuassem em defesa de autarquias e fundações, poderia se chegar a situações de o Estado ter linhas diferentes de atuação, interpretação e aplicação das mesmas leis. Neste sentido:
É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que preveja que “a representação judicial e extrajudicial dos órgãos da administração indireta é de competência dos profissionais do corpo jurídico que compõem seus respectivos quadros e integram advocacia pública cujas atividades são disciplinadas em leis especificas.” Essa previsão viola o princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal. O art. 132 da CF/88 atribuiu aos Procuradores dos Estados e do DF exclusividade no exercício da atividade jurídica contenciosa e consultiva não apenas dos órgãos, mas também das entidades que compõem a administração pública indireta.
(STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019)
No mesmo sentido, temos decisão do STF relacionada ao Estado de Goiás, nos autos da ADI 5.215:
É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que cria o cargo de procurador autárquico em estrutura paralela à Procuradoria do Estado. Também é inconstitucional dispositivo de constituição Estadual que transforma os cargos de gestores jurídicos, advogados e procuradores jurídicos em cargos de procuradores autárquicos.
(STF. Plenário. ADI 5215/GO, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27 e 28/3/2019)
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Grande abraço,
Igor Maciel
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