Neste texto, busca-se compreender como o conceito das taxas foi gradualmente adaptado pela jurisprudência.
Uma das espécies mais básicas de tributo é a taxa, cuja definição consta da Lei nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN): “Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.”
Da mesma forma, na Constituição Federal de 1988 (CF/88), no artigo 145. “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (…)
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;” Da disposição dos dois dispositivos legais é possível notar que a taxa possui duas possíveis finalidades, que não se confundem: o exercício do poder de polícia, ou a prestação de serviços públicos.
Desta maneira, conforme já afirmou Luciano Amaro, “o fato gerador da taxa não é fato do contribuinte, mas um fato do Estado. O Estado exerce determinada atividade e, por isso, cobra a taxa da pessoa a quem aproveita aquela atividade.” Desta maneira, a taxa demonstra uma vinculação com as atividades estatais, em contraponto à espécie impostos, cuja definição é justamente a ausência desta vinculação.
Alguns exemplos mais concretos de taxas como exercício do poder de polícia são as taxas municipais cobradas pelas prefeituras na abertura de estabelecimentos, ou mesmo pelo funcionamento destes estabelecimentos, ou pela publicidade exibida no interesse destes estabelecimentos em áreas externas. O exercício do poder de polícia se dá em função de uma atividade administrativa do poder público, de regular atividades particulares, de maneira que seja possível a convivência entre os vários estabelecimentos dentro do espaço sob a jurisdição do ente federativo, neste caso o município.
Já as taxas sobre serviços possuem outras peculiaridades, conforme segue: i) o serviço prestado pelo poder público deve ser específico e divisível; ii) o destinatário do serviço deve utilizar efetiva ou potencialmente o serviço; e iii) o serviço deve ser prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Simplificando, o serviço deve ser específico, porque deve ser definido e delimitado esse fazer do Estado (pois, se for genérico, sobre ele deverá ser custeado por impostos e não por taxas). Deve ser divisível, pois tem que ser fruível individualmente por cada usuário. A grosso modo, a especificidade do serviço é identificada pela origem, pelo ente que presta o serviço – enquanto a fruibilidade é uma propriedade a ser percebida pelo usuário, no destino. O serviço será fruído (desfrutado) pelo seu destinatário.
Como espécie tributária, a taxa deve respeitar os seguintes princípios tributários: legalidade (só pode ser instituída por lei), anterioridade genérica (suas alterações causam efeitos tributários no primeiro dia útil do exercício seguinte) irretroatividade (não pode atingir fatos anteriores), a isonomia (não pode tratar os contribuintes de forma diferente), a vedação ao confisco e o princípio da uniformidade geográfica.
Como expressão do poder de Estado, seja para a atuação de polícia administrativa, fiscalizando as atividades de particulares, ou prestando serviços públicos, em ambas as circunstâncias o custo da atividade estatal não está relacionado a quaisquer características dos contribuintes, mas a um “fazer do Estado” – o valor da taxa deve estar relacionado aos custos do exercício desta atividade. Como é possível depreender deste tópico, a vinculação da espécie taxa com o fazer estatal implica nesta relação do valor da taxa com o serviço prestado, de forma a não gerar o enriquecimento indevido do Estado às custas de sacrifícios desproporcionais dos contribuintes. Desta forma, o valor da taxa pago pela prestação de serviços deve guardar relação com o custo de se colocar tais serviços à disposição do contribuinte. Da mesma maneira, o valor da taxa cobrada pelo exercício do poder de polícia estatal deve guardar relação com o custo de manter a estrutura estatal (utilizada para a estrutura da fiscalização tributária).Apesar de todas estas definições, a espécie taxa sofreu algumas interpretações que em alguns casos extrapolaram suas definições originais, ou trouxeram dúvidas sobre o alcance de novos elementos apresentados na composição das mesmas. Com os embates doutrinários, ou mesmo legais, houve casos nos quais os conceitos das taxas foram analisados pelo Poder Judiciário, através da jurisprudência, chegando até os tribunais superiores, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma característica ao poder de tributar estatal através de taxas é uma premissa básica, a competência, que o ente federativo deve possuir. Por se tratar de um tributo comum à União, Estados e Municípios, deve haver competência do ente para a tributação por meio da taxa – isso quer dizer que deve haver um pressuposto de que o fato gerador da taxa esteja conectado com as atribuições do ente de exercer este poder de polícia.
Em julgados anteriores do STF, uma tese estabelecia que deveria haver uma estrutura estatal, ou mesmo um órgão, com vistas a se inferir o efetivo exercício do poder de polícia, para que houvesse essa competência, deste ponto também se presumindo a fiscalização do ente. Essa tese foi posteriormente superada por outra, que admite não haver a necessidade de todo um aparato estatal para a fiscalização – diante da notoriedade de determinados entes se utilizarem de sua competência constitucional ao regularem determinadas atividades (um Município que cobra uma taxa de funcionamento de estabelecimentos comerciais, em clara referência a atividades locais, nos limites constitucionais). Ou seja, houve uma atualização e com isso uma mudança neste conceito sobre a taxa trazida pela jurisprudência.
É também clássica a decisão do STF que declarou que o serviço de iluminação pública – por não ser específico e nem divisível – não pode ser remunerado mediante taxa (Súmula Vinculante STF 41). No que se refere a taxas pelo exercício do poder de polícia, os tribunais reconheceram a constitucionalidade da Taxa de Fiscalização de Mercados de Títulos e Valores mobiliários pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), assim compreendendo que a CVM é competente para fiscalizar este segmento de mercado (Súmula STF 667).
Ainda dentro da questão do nexo entre o fato gerador e o poder de polícia, há o exemplo da taxa de lixo, no qual o Supremo entendeu ser constitucional a taxa de lixo (Súmula Vinculante STF 19) visto que este é um serviço uti singuli (divisível, neste caso). Ao passo que é inconstitucional a cobrança de taxas em razão de serviços de conservação e limpeza de logradouros públicos, pois aqui se trata de serviço uti universi (prestado de forma genérica aos usuários, sem distinguir individualmente).
Seguindo neste ponto, o Supremo também declarou a inconstitucionalidade de uma taxa municipal de combate a sinistros. O entendimento foi de que a prevenção e o combate a incêndios são atividades realizadas pelo Corpo de Bombeiros, sendo constitucionalmente consideradas atividades de segurança pública. Desta forma, essa é uma atividade essencial do Estado, sendo sustentada pelos impostos.
Ainda dentro da discussão acerca dos limites de competência, o STF já julgou que a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206 da CF/88 (princípio da gratuidade – Súmula Vinculante STF 12), mas dentro de alguns limites, sendo um deles de que esse princípio da gratuidade do ensino público se estende até o curso de graduação – de maneira que não inclui a matrícula em cursos de especialização ou extensão. O outro é de que não se aplica também à taxa de inscrição no vestibular.
Além disso, o próprio art. 242 da mesma constituição ressalva esta gratuidade, explicitando que ela não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta CF/88. Assim, a jurisprudência supre as lacunas legais estabelecendo limites nos conceitos essenciais das taxas.
Algumas discussões sobre taxas no judiciário possuem questões acerca de sua base de cálculo. É bem conhecido o caso do questionamento das taxas pelo recolhimento de lixo, que possuem, entre seus elementos de base de cálculo, a metragem dos imóveis. O Supremo já se pronunciou sobre a constitucionalidade desta taxa, inclusive ressalvando que, em que pese haver na composição desta taxa elementos que estariam presentes na base de cálculo do IPTU, é possível haver alguns elementos na taxa – desde que não haja integral identidade entre uma e outra (Súmula Vinculante STF 21). Desta maneira, mais uma vez é possível notar como conceitos sobre a taxa acabam sendo atualizados pela jurisprudência.
Pela mesma tese, o STF declarou inconstitucional uma taxa cobrada por um município pela manutenção de estradas que possuía base de cálculo do Imposto Territorial Rural (ITR) – além disso, como conectar um fazer estatal que constitui um serviço de manutenção de estrada a proprietários rurais, que não necessariamente irão utilizar tais estradas?
Dentro do mesmo raciocínio, o tribunal constitucional encontrou obstáculo em reconhecer uma taxa cuja base de cálculo era o monte-mor (total dos bens a partilhar do falido) – já que esta base de cálculo é idêntica ao Imposto de Transmissão sobre Causa Mortis e Doações (ITCMD).
Da mesma forma, o egrégio tribunal declarou a inconstitucionalidade de uma taxa de funcionamento de estabelecimentos cuja base de cálculo era o número de empregados do estabelecimento, por falta de correlação entre estes dois elementos – uma coisa é a extensão territorial de um estabelecimento; outra, completamente diferente, é buscar relacionar o número de empregados com a atividade de fiscalização estatal.
Sobre bases de cálculo e taxas judiciárias, o STF possui duas decisões interessantes. Ocorre que algumas taxas judiciárias possuem correlação com valores pleiteados em causas judiciais. Dado este fato, houve leis que estabeleceram, anteriormente, correlações entre estes valores, de forma proporcional. O Supremo compreende ser razoável esta relação, mas com limites, pois não se deve limitar o acesso à justiça (a depender do valor da ação, a taxa pode ter um valor muito alto). Por este motivo, o tribunal constitucional declarou inconstitucional a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa (na súmula STF 667).
Todavia, o egrégio tribunal também já decidiu de forma mais flexível, decidindo, em outra ocasião posterior, pela constitucionalidade de uma taxa judiciária sem limite sobre a causa – entendendo que, apesar de não haver na taxa discutida este limite, isso não constitui razão suficiente para violar princípio do livre acesso ao Poder Judiciário. Mais uma vez, a jurisprudência contribui para aclarar o conceito dos elementos essenciais das taxas, enquanto o arcabouço legal não se atualiza.
Como já visto no início deste texto, os conceitos gerais de taxas já foram definidos pelo CTN e CF/88. Mas existem algumas confusões entre situações entre a situação do serviço estatal via taxa (obrigatório) e o serviço prestado de forma privada, como o pedágio (contratual). Esta situação está mais na distinção de definição de cada serviço, que já foi definida pela Súmula STF 545.
Outro assunto discutido sobre as taxas é a possibilidade da vinculação de suas receitas. O Supremo já entendeu constitucional a vinculação de percentuais das receitas de taxas judiciárias para fundos públicos, já que a não vinculação de receitas é um princípio inerente a outra espécie tributária, a dos impostos – não existindo, na Constituição, preceito semelhante para as taxas. Mas aqui também cabe uma ressalva: o STF já julgou inconstitucional destinar parte de custos e emolumentos judiciários para a Caixa de Assistência de Advogados, por considerá-la uma entidade privada, pois isso significaria uma violação do princípio da igualdade. Novamente, nota-se o caráter efetivo da jurisprudência, na atualização de conceitos elementares das taxas.
O último ponto a ser discutido é a questão da legalidade das taxas. Taxas só podem ser instituídas por leis: por esse motivo, foi declarada inconstitucional uma taxa de desarquivamento de processos findos, instituída por portaria de um Tribunal de Justiça (TJ), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Porém, nos últimos anos, este princípio vem sendo relativizado. Em um caso mais recente, foi apresentado o caso de uma lei que não estabelecia um valor fixo para suas taxas cobradas por uma autarquia profissional, mas um intervalo, delegando a um ato infralegal a definição destes valores, dentro deste intervalo estabelecido legalmente. O egrégio tribunal já entendeu ser constitucional esta hipótese, aceitando sob a tese da deslegalização. Entretanto, com limites: não pode o valor da taxa ser atualizado pelo conselho profissional em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos, para evitar abusos. Como nos outros casos apresentados, ressalta-se como a jurisprudência age, buscando a melhor exegese (interpretação) do conceito de cada taxa e seus elementos essenciais.Outra questão na doutrina envolveu os selos do IPI, que as leis regulamentadoras do IPI exigem para alguns produtos, de forma unitária (cigarros e bebidas). Em jurisprudência recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a tese de que o custo de tais selos possui natureza de taxa – inclusive declarando inconstitucional o artigo 3.o do decreto-lei 1.437/75, por ferir o princípio da legalidade, pois se trata de ato infralegal (decreto, portaria, ou outro ato normativo).
Neste texto buscou-se trazer alguns esclarecimentos sobre um dos tributos mais comezinhos desde que o mundo é mundo – desde a antiguidade, pois tributar sempre foi uma necessidade estatal, vide a expressão “pecunia non olet”, atribuída a Vespasiano, em resposta a seu filho Tito, que entendia imoral uma taxa criada por seu pela utilização de banheiros públicos.
Sendo um tributo dos mais antigos, a taxa tem uma dupla definição, mas nas duas mantém o seu conceito de prestação estatal. Com o passar dos anos, a organização do estado moderno e sua respectiva subdivisão em unidades menores (estados e municípios) foram aumentando a complexidade das situações nas quais o estado pode tributar. De forma geral, dentro de um mesmo espaço físico, pode haver taxas federais, estaduais e municipais, acerca de fatos geradores não tão distintos à primeira vista. Isso pode gerar as mais diversas confusões.
Além deste fato, as próprias definições dos elementos das taxas podem ser bastantes estendidos, dependendo de situações que envolvam novas abordagens, que por sua vez possibilitam múltiplas inovações. Como já mencionado antes, o direito não se antecipa às mudanças sociais, mas se adapta a elas, na medida em que surgem. Assim, é fundamental acompanhar as leis, mas, ao mesmo tempo, analisar os conceitos discutidos dentro da doutrina e da jurisprudência. Desta forma, os conceitos sobre a taxa vão sendo continuamente atualizados por ambas, de forma a esclarecer seus elementos essenciais e característicos.
Ricardo Pereira de Oliveira
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