Categorias: Concursos Públicos

STJ: Recurso da questão 64 de Analista Judiciário Área Administrativa

Situação hipotética
Um policial militar, durante período de folga, em sua residência, se desentendeu com seu vizinho, desferindo-lhe um tiro com arma pertencente à corporação.
Assertiva: Nessa situação, não haverá responsabilidade civil do Estado, pois o dano foi causado por policial fora de suas atribuições públicas.

A banca reputou a alternativa como correta.
Contudo, esse tema não poderia ser cobrado em uma prova objetiva, uma vez que se relaciona a questão ALTAMENTE CONTROVERTIDA no âmbito da jurisprudência do próprio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Assim, se nem mesmo a alta Corte do país chega a um consenso sobre o assunto, como se cobrar do examinando que traga uma resposta objetiva sobre o tema?
Ademais, verifica-se que o próprio CESPE já cobrou essa questão por diversas vezes em outras provas, conferindo às questões gabaritos divergentes.
Nesse sentido, vale apontar os julgados do STF CONTRÁRIOS à alternativa da questão acima proposta:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. Crime praticado por policial militar durante o período de folga, usando arma da corporação. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 418023 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/09/2008, DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008 EMENT VOL-02337-04 PP-00741 RTJ VOL-00207-03 PP-01206)

Informativo 421 – STF:
Responsabilidade Civil do Estado – Policial Militar – Arma Pertencente à Corporação (Transcrições)

RE 291035/SP*
RELATOR: MINISTRO CELSO DE MELLO

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO (CF, ART. 37, § 6º). POLICIAL MILITAR, QUE, EM SEU PERÍODO DE FOLGA E EM TRAJES CIVIS, EFETUA DISPARO COM ARMA DE FOGO PERTENCENTE À SUA CORPORAÇÃO, CAUSANDO A MORTE DE PESSOA INOCENTE. RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DE QUE O USO E O PORTE DE ARMA DE FOGO PERTENCENTE À POLÍCIA MILITAR ERAM VEDADOS AOS SEUS INTEGRANTES NOS PERÍODOS DE FOLGA. CONFIGURAÇÃO, MESMO ASSIM, DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO. PRECEDENTE (RTJ 170/631). PRETENSÃO DO ESTADO DE QUE SE ACHA AUSENTE, NA ESPÉCIE, O NEXO DE CAUSALIDADE MATERIAL, NÃO OBSTANTE RECONHECIDO PELO TRIBUNAL “A QUO”, COM APOIO NA APRECIAÇÃO SOBERANA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS E FATOS EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA. PRECEDENTES ESPECÍFICOS EM TEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE CONHECIDO E IMPROVIDO.

No seguinte RE, o STF deixa claro que o simples fato de o Estado deixar o agente público sair com a arma da corporação já atrai a sua responsabilidade civil:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AGENTE PÚBLICO FORA DE SERVIÇO. CRIME PRATICADO COM ARMA DA CORPORAÇÃO. ART. 37, § 6º, DA CF/88. 1. Ocorrência de relação causal entre a omissão, consubstanciada no dever de vigilância do patrimônio público ao se permitir a saída de policial em dia de folga, portando o revólver da corporação, e o ato ilícito praticado por este servidor. 2. Responsabilidade extracontratual do Estado caracterizada. 3. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. 4. Agravo regimental improvido.
(RE 213525 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 09/12/2008, DJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 06-02-2009 EMENT VOL-02347-05 PP-00947 RTJ VOL-00209-02 PP-00855)

No sentido do gabarito da questão, encontramos os seguintes julgados também do STF:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ASSALTO PRATICADO POR POLICIAL FARDADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO CARREADO AOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. 1. O Estado responde objetivamente pelos danos causados por seus agente, ainda que fora do horário de expediente. Nesse sentido: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. responsabilidade civil DO estado. C.F., art. 37, § 6º. I. – Agressão praticada por soldado, com a utilização de arma da corporação militar: incidência da responsabilidade objetiva do estado, mesmo porque, não obstante fora do serviço, foi na condição de policial-militar que o soldado foi corrigir as pessoas. O que deve ficar assentado é que o preceito inscrito no art. 37, § 6º, da C.F., não exige que o agente público tenha agido no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público. II. – R.E. não conhecido (RE 160401, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, Dj 04-06-1999). 2. A súmula 279/STF dispõe verbis: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. 3. É que o recurso extraordinário não se presta ao exame de questões que demandam revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, adstringindo-se à análise da violação direta da ordem constitucional. 4.Agravo regimental a que se nega provimento.
(ARE 644395 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 04/10/2011, DJe-202 DIVULG 19-10-2011 PUBLIC 20-10-2011 EMENT VOL-02611-02 PP-00212 RT v. 101, n. 916, 2012, p. 663-667)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR EM PERÍODO DE FOLGA. DISPARO DE ARMA DE FOGO PERTENCENTE À CORPORAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(RE 508114 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 16/09/2008, DJe-211 DIVULG 06-11-2008 PUBLIC 07-11-2008 EMENT VOL-02340-05 PP-00932)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LESÃO CORPORAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO PERTENCENTE À CORPORAÇÃO. POLICIAL MILITAR EM PERÍODO DE FOLGA. Caso em que o policial autor do disparo não se encontrava na qualidade de agente público. Nessa contextura, não há falar de responsabilidade civil do Estado. Recurso extraordinário conhecido e provido.
(RE 363423, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 16/11/2004, DJe-047 DIVULG 13-03-2008 PUBLIC 14-03-2008 EMENT VOL-02311-03 PP-00467)

Por outro lado, há divergência do próprio CESPE com relação às últimas provas que cobraram esse tema.

Ano: 2013
Banca: CESPE
Órgão: MS
Prova: Analista Técnico – Administrativo
A responsabilidade do Estado será objetiva caso um sargento da polícia militar estadual utilizando arma da corporação, em dia de folga, efetue disparos contra um desafeto, gerando lesões graves, utilizando uma arma da corporação.

Nessa prova, o gabarito foi dado como “Certo”, adotando entendimento diametralmente oposto ao adotado na prova do STJ – AJAA.

Já na seguinte prova, assim como na do STJ, o entendimento foi de que não há responsabilidade civil do Estado (gabarito C):

Ano: 2008
Banca: CESPE
Órgão: PGE-PB
Prova: Procurador do Estado
Um policial militar do estado da Paraíba, durante o período de folga, em sua residência, teve um desentendimento com sua companheira e lhe desferiu um tiro com uma arma pertencente à corporação. Considerando o ato hipotético praticado pelo referido policial, é correto afirmar que
a)
está configurada a responsabilidade civil do Estado, pois a arma pertencia à corporação.
b)
está configurada a responsabilidade civil do Estado, pois o disparo foi efetuado por um policial militar, e o fato de ele estar de folga não afasta a responsabilidade do Estado.
c)
não há responsabilidade civil do Estado, visto que o dano foi causado por policial fora de suas funções públicas.
d)
não há responsabilidade civil do Estado, pois o dano não foi causado nas dependências de uma repartição pública.
e)
não há responsabilidade civil do Estado, uma vez que a conduta praticada pelo policial não configurou dano.

Diante dessas constatações, a questão 64 da prova de Analista Judiciário – Área Administrativa (Cargo 1) do STJ deve ser anulada.

Nesses termos,

Pede deferimento.

Daniel Mesquita

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