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Simples Nacional – Evolução e Jurisprudência

Conceitos Iniciais

Este artigo se destina a explicar o Simples Nacional, bem como seu processo de criação, evolução e jurisprudência.

Com o passar das décadas e das constituições brasileiras, houve também um avanço do sistema tributário brasileiro, sendo que o volume da legislação tributária aumentou consideravelmente – o que, se de um lado aumentou o número de tributos e sua respectiva carga, por outro aumentou bastante o número de obrigações acessórias – trazendo muitas atribulações para as empresas em geral, aumentando os custos de conformidade das empresas.

Os custos de conformidade são despesas em que as empresas incorrem para se adequarem a novas obrigações exigidas na legislação tributária, como declarações a serem preenchidas, informações a serem enviadas para a administração tributária, etc. Ainda que não sejam despesas com o mesmo peso dos tributos em geral, também oneram os custos de operação das empresas.

Todos estes custos tributários somados, fica evidente a crescente complexidade tributária no Brasil, que torna cada vez mais extenso o trabalho dos departamentos fiscais para acompanhar as exigências das autoridades fiscais, relativas aos tributos compreendidos em suas competências. Considerando somente estes fatores, as empresas precisam investir cada vez mais em sistemas e especialistas contábeis e tributários para que seja possível manter suas atividades no país.

Entretanto, nem todas as empresas possuem capacidade financeira para bancar todos os investimentos necessários para operar de maneira mais eficiente com as regras normais. Na verdade, uma parcela significativa das empresas do Brasil é de pequeno e médio porte. De acordo com dados do Sebrae-SP, cerca de 99% do número de empresas existentes é de pequeno ou médio porte. E como 1 em cada 4 dessas empresas geralmente fecha antes de completar um ano de existência, faz-se necessário encontrar formas de possibilitar que as pequenas e médias empresas de fato sobrevivam.

Por estes motivos, no capítulo da Ordem Econômica da Constituição Federal de 1988 (CF/88) é previsto em seu art. 179: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”.

O Simples Federal – a primeira experiência

Com vistas a concretizar o tratamento preconizado na CF/88, os legisladores trabalharam sobre a Medida Provisória n. 1526/96 (MP 1526/96), que resultou na lei n. 9317/1996. Na época, tanto a MP como a lei de sua conversão previam um sistema simplificado de cobrança dos tributos – só que restrito a tributos federais (por isso o nome “Simples Federal).

Como o sistema unificado previa os tributos federais, as espécies tributárias previstas eram o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público  (PIS/PASEP), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), a contribuição para a Seguridade Social (INSS) a cargo do empregador sobre a folha de salários (contribuição patronal) e as contribuições destinadas ao SESC, SESI, SENAI, SENAC, SEBRAE, Salário-Educação e contribuição sindical patronal.

Assim, a empresa recolhia a título de Previdência Social em sua GPS apenas o valor descontado de seus empregados, estando, portanto, excluídos da obrigação de recolhimento a contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamento, 20% sobre a remuneração paga ou creditada aos empresários e autônomos, seguro acidente de trabalho e terceiros (SENAI, SESC, SEBRAE etc.).

Inicialmente, nesta primeira versão, na lei n. 9317/1996, o Simples Federal não contemplava os outros entes federativos (Estados e Municípios), mas havia a possibilidade de incluir na sistemática o ICMS e o ISSQN – desde que os entes celebrassem convênio com a União.

Esta primeira versão do Simples Federal subsistiu de 1996 a 2006, suportando pressões dos contribuintes e até dos outros entes federativos por um sistema mais abrangente, que pudesse de fato integrar tributos federais, estaduais e até municipais – tudo isso no intuito de simplificar e facilitar a arrecadação e recolhimento de todos os tributos, de forma que tudo fosse recolhido de uma vez só.

A ideia de simplificar e favorecer os pequenos e médios negócios começou com o Simples Federal

O Simples Nacional – a integração de todos os tributos

Com o objetivo de ampliar a gama de tributos cobrados no sistema unificado, de tratar desigualmente, na medida das desigualdades das empresas pequenas e médias foi necessário aprimorar o então Simples Federal.

Até então, o Simples Federal tinha sido implantado por intermédio de uma lei ordinária federal. Entretanto, para promover uma mudança no sentido de incorporar mais tributos no sistema, seria necessário tratar do assunto como uma norma geral de direito tributário.

Foi dado um passo nesse sentido quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 42/2003, que inseriu a alínea “d” no art. 146: “Cabe à lei complementar:

(…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

(…)

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

Neste texto que inseriu a alínea “d” houve uma modificação no sentido de, além de prever os tributos federais, pela primeira vez, a previsão do recolhimento do ICMS e ISSQN. A Lei Complementar n. 123/2006 instituiu o Estatuto das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (ME e EPP), que dispõe sobre um tratamento diferenciado, simplificado e favorecido a essas empresas, reformulando e instituindo o sistema Simples Nacional – que apresentou uma evolução, unificando e simplificando a declaração e recolhimento dos tributos federais, estaduais, distritais e municipais através de uma declaração mensal e seu respectivo recolhimento até o dia 20 do mês subsequente.

Os tributos federais incluídos na sistemática permanecem quase os mesmos – IRPJ, IPI, CSLL, PIS/COFINS, CPP, exceto a contribuição ao Sistema “S” (que neste novo formato foi retirada), com a inclusão do estadual ICMS e do municipal ISSQN – totalizando 4 impostos e 4 contribuições no novo formato. Esta foi a primeira evolução do Simples Nacional.

Inicialmente (e até hoje) o ingresso no sistema, por parte das empresas, permanece opcional, sendo irretratável para todo o ano-calendário. Isso significa que quando o contribuinte optar pelo Simples Nacional, não dá pra desistir depois.

Para continuar enquadrado no sistema, o contribuinte deverá operar com uma receita operacional bruta dentro de determinados limites para ser enquadrado e tratado como microempresa, ou empresa de pequeno porte. Há uma sistemática de progressividade de acordo com a receita bruta do contribuinte, de forma que, quanto mais ele aumentar a receita operacional bruta, maiores serão as alíquotas gerais e de cada tributo.

O Simples Nacional e o Microempreendedor Individual

O Simples, desde a sua concepção como Simples Federal, passando por sua conversão em Simples Nacional foi bastante aprimorado. Cada contribuinte que se enquadrasse nos limites de receita operacional bruta conseguiria optar e, desde que permanecesse nas condições previstas na legislação, continuaria sendo optante.

A ideia da progressividade da tributação do Simples Nacional está intimamente ligada à capacidade contributiva do contribuinte. À medida que o faturamento do contribuinte aumenta, aumentam os tributos para o contribuinte pagar, tanto no conjunto geral como por tributo dentro do Simples. Desta forma, o contribuinte vai gradualmente saindo do Simples, à medida que seu poder econômico aumenta – o que parece lógico, já que ele está em crescimento.

Todavia, em que pese haver empresas com razoável poder econômico e que podem crescer com tempo, há também empresas cuja influência no ambiente de negócios é tão diminuta que sequer possuem capacidade contributiva para formalizar a opção do Simples Nacional.

Pensando nesse contribuinte que muitas vezes está no limite entre a formalidade e a informalidade, é que, através da Lei Complementar n. 147/2014, foi implementada uma evolução: a categoria do microempreendedor individual (MEI), contribuinte que poderia fazer a opção do Simples Nacional, recolhendo tributos em valores mensais fixos.

Para permitir a entrada no Simples Nacional de empresas que muitas vezes não possuem sequer estrutura de empreendimento, foi permitida a utilização do endereço do MEI de sua própria residência, desde que não gere grande circulação de pessoas, para a atividade profissional. Em atividades como manicure, pedicure, fazer bolos e doces para festas, ou mesmo chaveiro, atividades que nem sempre podem arcar com os aluguéis de um estabelecimento fixo – isso pode ser um tremendo facilitador para o exercício profissional.

O MEI, no Simples Nacional, também é dispensado da emissão de notas fiscais de circulação de mercadorias ou de serviços, sendo também isento do pagamento de taxas municipais para a inscrição de suas atividades, bem como poderá encerrar sua empresa independentemente da sua regularidade fiscal – em mais uma evolução no tratamento a esta nova espécie de contribuinte.

Os valores mensais fixos que são cobrados do contribuinte são, respectivamente: a contribuição social para a seguridade social, ICMS e ISSQN – em valores mensais fixos (uma evolução para quem tem pouca expressão econômica), com a dispensa da emissão de declarações ou notas fiscais por esse optante do Simples Nacional. Porém, o sujeito passivo mantém a condição enquanto não ultrapassar um valor anual, ou médio mensal. Caso isso ocorra, ele deverá ser reenquadrado como optante do Simples na modalidade de ME ou EPP, ou mesmo ser excluído do Simples Nacional.

Uma evolução do Simples Nacional foi incluir a figura do microempreendedor individual (MEI)

O Simples Nacional e o Investidor-Anjo

Como já demonstrado anteriormente, o maior número de empresas e os maiores empregadores do país ainda são as microempresas e as empresas de pequeno porte. Mesmo com o regime diferenciado e favorecido de declaração e arrecadação dos tributos instituído pelo Simples Nacional, a taxa de sobrevivência das micro e pequenas empresas é de 75%, no primeiro ano: de cada quatro empresas, ao final de um ano, uma delas fecha ou fale.

Em mercados de capitais mais desenvolvidos e com cultura de investimentos pessoais mais efetiva as empresas captam investimentos para bancarem seu respectivo funcionamento, remunerando tais investimentos com dividendos – por vezes maiores que muitos investimentos em carteiras de investimentos de renda fixa.

Para fomentar e desenvolver a cultura de investimento no Brasil, de forma a propiciar mais uma fonte de financiamento, o Simples Nacional instituiu mais uma evolução, através da Lei Complementar n. 155/2016, o investidor-anjo: investidor que aporta capital em uma empresa com intuito de realizar investimentos que possam dar maiores retornos e ao mesmo tempo provê as empresas acesso a capital a custos relativamente menores que um empréstimo convencional, feito em bancos ou outras instituições financeiras.

Para facilitar estes investimentos, porém, há algumas condicionantes legais: o valor investido não fará parte da receita bruta da empresa (para que ela não seja automaticamente retirada do sistema por exceder limites de receita); o investidor-anjo não poderá assumir poderes de gerência ou gestão, não podendo sequer ter direito a voto nas decisões da empresa; o investidor-anjo também não poderá ser alcançado em seu patrimônio por dívidas da empresa.

O acordo entre investidor-anjo e empresa poderá prever a possibilidade de conversão do aporte em participação societária, sendo que ele deverá aguardar o prazo mínimo de 2 anos do aporte para exercer o direito de resgate ou prazo superior estabelecido no contrato de participação. Caso a empresa seja vendida, o investidor-anjo terá preferência na aquisição, bem como direito de venda do aporte, nos mesmos termos e condições oferecidos aos sócios regulares – mais uma evolução no sentido de facilitar a vida do optante do Simples Nacional.

Outra importante evolução do Simples Nacional foi possibilitar a captação de capitais por meio do investidor-anjo

O Simples Nacional e a jurisprudência

O Simples Nacional, como evolução do anterior Simples Federal, trouxe uma sistemática que transformou a vida das empresas de pequeno e médio porte por todo o Brasil. Já se tornou parte do calendário tributário de todos os anos a maratona dos optantes para manter suas respectivas opções no sistema, bem como o retorno de optantes excluídos (que podem retornar nos exercícios seguintes) e novos optantes.

O grande problema enfrentado por todos os optantes é a exigência legal de não possuírem pendências junto a todos os entes federativos com os quais os contribuintes se relacionam. Então, uma empresa que possua operações tributáveis tanto por ICMS como por ISSQN terá que estar em dia com exigências cadastrais e tributárias com seus respectivos Estado e Município – para não perder sua opção do Simples. E muitas vezes isso dá discussões judiciais.

Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já teve que lidar com ações judiciais que discutiam o enquadramento da ausência de alvará de localização e funcionamento como irregularidade em cadastro fiscal. O STJ já decidiu que esse alvará, se a empresa não possuir débitos tributários, a simples inexistência do alvará não equivale à irregularidade de um cadastro fiscal (este que cuida da regularidade fiscal do contribuinte). No mesmo raciocínio, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu constitucional o artigo da lei do Simples Nacional que nega o ingresso no Simples de empresa que possua débito com o INSS ou com a Fazenda Pública. O STJ acompanha este entendimento, acrescentando que caso o contribuinte não concordar com o indeferimento da opção, é possível ele entrar com mandado de segurança contra a autoridade fiscal do ente federativo que acusar a pendência.

De acordo com o STJ, inexistência de alvará não é irregularidade fiscal para a opção do Simples Nacional

Conclusões

O desenvolvimento econômico de um país depende bastante do ambiente de negócios que trata a relação entre as empresas, entre seus sócios, administradores, empregados e mercado consumidor. Com a crescente sofisticação deste ecossistema novas relações vão sendo estruturadas entre todas estas partes.

A empresa maior procura focar em seus negócios principais, sua missão, seu core-business, desenvolvendo processos de terceirização de atividades que possibilitem a ela reduzir custos, fazendo outsourcing. Desta forma, empresas especializadas em alimentação assumem a refeição dos funcionários. Empresas de vigilância assumem a portaria, a limpeza e a recepção.

Esses fenômenos provocam ondas, espraiando-se por toda a economia. Aplicativos vão possibilitando que transportadores autônomos façam concorrência com os táxis. Outras plataformas administram roteiros de turismo, que antes eram anunciados nos classificados de jornais.

Com tudo isso, as pessoas ficam mais e mais tempo no trabalho e menos tempo em casa, necessitando de outros serviços que eram feitos no tempo livre: lavar um sofá, lavar o carro, passear com os cachorros – atividades que hoje demandam e geram profissionais de serviços especializados.

O legislador brasileiro vê essa miríade de possibilidades e compreende que normas tributárias complexas podem servir para grandes empresas, mas também podem gerar enormes barreiras de entrada para pequenos empreendedores que não possuem ou não podem ter o mesmo tipo de estrutura. Não há isonomia quando se trata no aspecto tributário uma distribuidora com filiais nos 26 estados da federação do mesmo jeito que uma pequena distribuidora que atende 3 ou 4 municípios de uma região metropolitana.

Existem muitos casos que precisam de normas mais flexíveis para possibilitar aos pequenos e médios empresários que eles possam crescer, empregar, pagar tributos, sem impedir a sobrevivência destas empresas que já são as maiores empregadoras do país. O Simples Nacional é mais uma evolução na ideia de formas de tratar igualmente os iguais e desigualmente os contribuintes desiguais, na medida de suas desigualdades – e assim promover uma maior isonomia tributária.

Ricardo Pereira de Oliveira

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Ricardo Pereira de Oliveira

Formado em Administração de Empresas pelo Mackenzie, pós-graduado em Marketing pela ESPM. Concurseiro desde 2014. Auditor Fiscal da Receita Municipal de Campo Grande/MS Ex-Fiscal de Rendas de Taboão da Serra/SP

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