O STJ está de recesso, mas nós não paramos no meio da estrada, não é?! Bora revisar o que de mais importante o Tribunal da Cidadania decidiu no primeiro semestre de 2023. Nessa Parte 1 da nossa revisão temos Direito Administrativo, Direito Civil e Processo Civil.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Os servidores que reúnem as condições, sob a égide do regime anterior (3º da EC 20/1998) podem se aposentar, mesmo que seu vínculo com a Administração tenha cessado antes do pedido de aposentadoria.
RMS 61.411-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023. (Info 769)
Creosvaldo ocupou cargo em comissão por um período antes da EC 20/1998. Enquanto trabalhava no cargo, reuniu as condições para aposentadoria no RPPS, visto que à época havia esta possibilidade.
Pouco antes da vigência da EC em questão, o vínculo foi cessado. Ainda assim, Creosvaldo requereu a concessão do benefício, o que foi inicialmente negado. Inconformado, impetrou mandado de segurança alegando ter direito adquirido.
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
§ 13. Aplica-se ao agente público ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, de outro cargo temporário, inclusive mandato eletivo, ou de emprego público, o Regime Geral de Previdência Social.
R: Yeaph!!!
Até a edição da Emenda Constitucional n. 20/1998, aqueles que ocupavam cargos comissionados poderiam ser aposentar pelo regime próprio; posteriormente, contudo, passaram a se sujeitar ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, a teor do disposto no art. 40, § 13, da Constituição Federal.
O STJ manifesta a compreensão de que o art. 3º da EC n. 20/1998 “preservou os direitos daqueles servidores que reuniram as condições de aposentadoria, sob a égide do ordenamento jurídico que estava sob modificação constitucional“.
A previsão do referido artigo: a) assegurou o direito adquirido daqueles que, ao tempo da mudança, já teriam preenchido os requisitos para se aposentar à luz do regime jurídico anterior; b) estabeleceu que a aposentadoria poderia ser concedida a qualquer tempo; e c) em momento algum criou a condição de que o pedido de aposentação deveria ser apresentado quando o servidor ainda estivesse na ativa e vinculado ao cargo para o qual pretendia se jubilar.
Assim, é irrelevante a informação de que o servidor teve cessado seu vínculo com a Administração antes do pedido de aposentadoria, sob pena de violação, a um só tempo, o art. 5º, XXXVI, da CF e 3º da EC n. 20/1998.
Os servidores que reúnem as condições, sob a égide do regime anterior (3º da EC 20/1998) podem se aposentar, mesmo que seu vínculo com a Administração tenha cessado antes do pedido de aposentadoria.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL
O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa.
AgInt no REsp 2.024.133-ES, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 13/3/2023, DJe 16/3/2023. (Info 769)
A ANTT aplicou uma pena à Transportadora Horse. Ocorre que, posteriormente, a conduta que motivou a aplicação da pena teve seu dispositivo legal alterado para prever uma pena mais branda.
A transportadora então ajuizou ação requerendo o abrandamento da pena conforme a nova lei, tese da qual discorda a ANTT, que sustenta a aplicação conforme a lei da época em que houve a infração.
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
R: Yeaph!!!!
É possível extrair do art. 5º, XL, da Constituição Federal princípio implícito do Direito Sancionatório, qual seja: a lei mais benéfica retroage. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições, a Lei Maior determina a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa.
Nessa linha: […] “O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa.” (AgInt no REsp 1.602.122/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 7/8/2018, DJe de 14/8/2018).
O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa.
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
Não há usurpação de competência do Tribunal de Justiça local quanto à supervisão de investigação contra detentor de prerrogativa de foro no âmbito de inquéritos civis e ações de improbidade administrativa.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 24/4/2023, DJe 27/4/2023. (Info 774)
Membro do MP instaurou Procedimento Preparatório para apurar irregularidades configuradoras de improbidade administrativa supostamente cometidas pelo prefeito local. Expirado o prazo de vigência do referido procedimento, este foi convertido em Inquérito Civil Público.
O prefeito acusado afirma que a denúncia que culminou em sua condenação pela prática do delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 foi oferecida sem prévia instauração de inquérito policial (IP) ou de procedimento investigatório criminal (PIC), tendo sido instruída com a cópia do referido Inquérito Civil Público, em uma manobra processual para se usurpar a competência do Tribunal de Justiça local na supervisão das investigações, em violação ao princípio do juiz natural.
R: Nooops!!!!!
A controvérsia consiste em definir se houve usurpação de competência do Tribunal de Justiça local ao não determinar a instauração de inquérito policial (ou procedimento de investigação criminal) em investigação para apurar suposto ato de improbidade administrativa praticado por prefeito – detentor de prerrogativa de foro.
No caso, o representante ministerial instaurou Procedimento Preparatório para apurar irregularidades configuradoras de improbidade administrativa. Expirado o prazo de vigência do referido procedimento, este foi convertido em Inquérito Civil Público.
No entanto, o acusado reafirma que a denúncia que culminou em sua condenação pela prática do delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 foi oferecida sem prévia instauração de inquérito policial (IP) ou de procedimento investigatório criminal (PIC), tendo sido instruída com a cópia do referido Inquérito Civil Público, em uma manobra processual para se usurpar a competência do Tribunal de Justiça local na supervisão das investigações, em violação ao princípio do juiz natural.
De fato, a inicial acusatória, que deu origem à Ação Penal, não foi precedida de prévia instauração de IP ou de PIC. Apoiou-se em elementos extraídos no Inquérito Civil Público.
Em que pese as razões do acusado, é plenamente legítimo “o oferecimento de denúncia com escólio em inquérito civil público” (APn 527/MT, relatora Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 6/3/2013, DJe de 17/4/2013), não sendo o inquérito policial ou o procedimento investigativo criminal pressuposto necessário à propositura da ação penal.
Portanto, embora o investigado exercesse cargo com foro privilegiado, não havia nenhum ato de investigação criminal iniciado na origem, mas apenas o inquérito de natureza civil. Não havendo que se falar, até aquele momento, em usurpação da competência do Tribunal de Justiça local quanto à supervisão da investigação, uma vez que “não existe foro privilegiado por prerrogativa de função para o processamento e julgamento da ação civil pública de improbidade administrativa” (AgRg na AIA 32/AM, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 13/5/2016).
Não há usurpação de competência do Tribunal de Justiça local quanto à supervisão de investigação contra detentor de prerrogativa de foro no âmbito de inquéritos civis e ações de improbidade administrativa.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Em atenção ao Tema 1199/STF, deve-se conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021, adstringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.
AREsp 1.877.917-RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023. (Info 776)
Creiton respondia a um processo por improbidade administrativa quando passaram a viger as alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021. Como o processo estava pendente de julgamento de recurso, a defesa requereu a aplicação retroativa das normas que considerava mais benéficas.
CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada
R: Yeap!!!
Cinge-se a controvérsia a respeito da possibilidade de aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021 na hipótese de recurso que não ultrapassou o juízo de admissibilidade.
O Supremo Tribunal Federal, em 18 de agosto de 2022, concluiu o julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199), DJe 12/12/2022, Rel. Ministro Alexandre de Moraes, relativo à controvérsia acerca da definição de eventual (ir)retroatividade das disposições da referida Lei n. 14.230/2021, em especial, acerca da necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato ímprobo, inclusive no art. 10 da LIA, e da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, fixando as seguintes teses: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – dolo; 2) A norma benéfica da Lei n. 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei n. 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei n. 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
Em relação aos pedidos de aplicação da Lei n. 14.230/2021 a recursos que não ultrapassaram o juízo de admissibilidade, a Segunda Turma do STJ, no julgamento dos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.706.946/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, realizado em 22/11/2022, flexibilizou o seu entendimento ao decidir pela possibilidade de retroação da aludida Lei a ato ímprobo culposo não transitado em julgado, ainda que não conhecido o recurso, por força do Tema 1.199/STF.
Recentemente, a Primeira Turma do STJ, por maioria, no julgamento do AREsp 2.031.414/MG, Rel. Ministro Gurgel de Faria, realizado em 9/5/2023, o qual discutia a aplicabilidade dos §§ 1º e 2º do art. 21 da Lei n. 8.429/1992, introduzidos pela Lei n. 14.230/2021, aos processos de improbidade administrativa em curso, seguindo a divergência apresentada pela Ministra Regina Helena Costa, firmou orientação no sentido de conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021, se aplicando apenas aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.
Em atenção ao Tema 1199/STF, deve-se conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021, adstringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Os agentes políticos municipais se submetem aos ditames da Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo da responsabilização política e criminal estabelecida no DL n. 201/1967.
AREsp 2.031.414-MG, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 13/6/2023. (Info 779)
O ex-prefeito de um município foi condenado a ressarcir os cofres públicos quantia indevidamente recebida a título de despesas de viagens. Inconformado, interpôs recurso no qual sustenta a nulidade do processo em razão de que as contas dos respectivos exercícios em que cumpriu o mandato foram aprovadas pela Câmara Municipal. Alegou também a impossibilidade de responder pelos mesmos atos diante da LIA e do DL 201/1967.
R: Sim sinhô!!!
Segundo entendimento pacífico do STJ, os agentes políticos municipais se submetem aos ditames da Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo da responsabilização política e criminal estabelecida no DL n. 201/1967.
Nesse sentido, confira-se: […] 2. A orientação desta Corte Superior firmou-se no sentido de que os Prefeitos Municipais, apesar do regime de responsabilidade político-administrativa previsto no Decreto-Lei 201/67, estão submetidos à Lei de Improbidade Administrativa, em face da inexistência de incompatibilidade entre as referidas normas. […] (AgRg no REsp n. 1.425.191/CE, rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 16/3/2015).
A propósito do tema, a Suprema Corte, em 13/9/2019, quando do julgamento do Tema 576, submetido ao regime de repercussão geral, firmou a tese de que o processo e o julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/1967) não impedem sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei n. 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias (RE n. 976.566/PA, rel. Ministro Alexandre De Moraes, Plenário, DJe 25/9/2019).
Os agentes políticos municipais se submetem aos ditames da Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo da responsabilização política e criminal estabelecida no DL n. 201/1967.
RECURSO ESPECIAL
No caso de contrato verbal e sem licitação, o ente público tem o dever de indenizar, desde que provada a existência de subcontratação, a efetiva prestação de serviços, ainda que por terceiros, e que tais serviços se reverteram em benefício da Administração.
REsp 2.045.450-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 20/6/2023. (Info 780)
Município de Pagonada realizou um contrato verbal com Terra Plana Terraplanagem para a realização de um pequeno serviço. Ocorre que Terra Plana optou por subcontratar a empresa Terrax, que efetivamente realizou o serviço.
Em razão da falta de autorização para subcontratação, Pagonada negou o pagamento combinado e alega que a alegada contratação verbal seria nula e não produziria nenhum efeito, sendo a administração pública pautada pela legalidade e pela publicidade, não se submetendo a contratações não formalizadas em instrumentos escritos.
Por sua vez, Terrax sustenta ser devido o pagamento pelos serviços devidamente prestados, ainda que ausente autorização escrita para subcontratação, sob pena de indevido enriquecimento sem causa.
Lei n. 8.666/1993:
Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.
R: Com certeza!!!
Cinge-se a controvérsia a definir se é devida ou não a indenização pelos serviços executados, bem como pelos subcontratados, ambos sem observância da Lei n. 8.666/1993 (vigente à época dos fatos).
A jurisprudência do STJ é no sentido de que, mesmo que seja nulo o contrato realizado com a Administração Pública, por ausência de prévia licitação, é devido o pagamento pelos serviços prestados, desde que comprovados, nos termos do art. 59, parágrafo único, da Lei n. 8.666/1993, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração.
O STJ reconhece, ademais, que, ainda que ausente a boa fé do contratado e que tenha ele concorrido para nulidade, é devida a indenização pelo custo básico do serviço, sem margem alguma de lucro.
Assim, a inexistência de autorização da Administração para subcontratação, não é suficiente para afastar o dever de indenizar, no caso, porque a própria contratação foi irregular, haja vista que não houve licitação e o contrato foi verbal.
No caso de contrato verbal e sem licitação, o ente público tem o dever de indenizar, desde que provada a existência de subcontratação, a efetiva prestação de serviços, ainda que por terceiros, e que tais serviços se reverteram em benefício da Administração.
PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA
Na execução de alimentos, não pode a genitora, na condição de representante legal, se sub-rogar nos direitos da credora, menor, sobre a prestação referente a alimentos in natura que aquela pagou em virtude da inadimplência do genitor/executado, devendo ajuizar ação própria.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 7/2/2023, DJe 9/2/2023. (Info 763)
Em uma execução de alimentos, Craudete, mãe de Creide, pagou as refeições e alimentos in natura na escola e necessários ao sustento da menor em razão do inadimplemento do genitor e executado Creiton. Em razão disso, requereu a sub-rogação nos valores a receber da filha.
CC/2002:
Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:
I – do credor que paga a dívida do devedor comum;
II – do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;
III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.
R: Nooops!!!!
Discute-se se há ilegalidade flagrante ou teratologia em decisão que decretou a prisão civil de genitor, por não ter adimplido integralmente sua obrigação alimentar.
No caso, a representante legal da infante pagou suas refeições em determinado período, obrigação descumprida pelo executado.
À luz da jurisprudência do STJ, a genitora, mesmo na condição de representante legal, na presente execução por via reflexa, não poderia se sub-rogar nos direitos da credora dos alimentos, cujo direito é PESSOAL e INTRANSFERÍVEL, não obstante o genitor tenha descumprido a obrigação alimentar, contida no título executivo judicial.
Seria necessário, com efeito, o ajuizamento de ação de conhecimento AUTÔNOMA, para que ela venha a obter o reembolso da referida despesa efetuada (adiantada) no período, porque não há que se falar em sub-rogação legal na hipótese em comento, diante da ausência das hipóteses do art. 346 do CC/2002.
Dessa forma, deve-se afastar o decreto de prisão civil do genitor, especificamente em relação aos referidos alimentos in natura, que foram pagos pela genitora da credora (como medida de proteção para a filha menor, que não poderia ficar sem refeição na escola), que devem ser objeto de ação de cobrança própria, sob o crivo do contraditório, não podendo ser realizada na presente execução.
Na execução de alimentos, não pode a genitora, na condição de representante legal, se sub-rogar nos direitos da credora, menor, sobre a prestação referente a alimentos in natura que aquela pagou em virtude da inadimplência do genitor/executado, devendo ajuizar ação própria.
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
É possível a conversão da prisão civil em regime fechado, em virtude de dívida de natureza alimentar, para regime domiciliar quando a devedora de alimentos for responsável pela guarda de outro filho de até 12 anos de idade.
Processo sob segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 7/2/2023. (Info 763)
Craudinha foi presa e cumpria pena em regime fechado em razão do inadimplemento de prestações alimentícias devidas. Ocorre que ela também é mãe de Lurdinha, atualmente com 08 anos de idade, sendo também a única responsável pela menina. Em razão disso, sua defesa requereu a conversão do regime fechado para o domiciliar.
Código de Processo Penal:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
R: Yeaph!!!!
Cinge-se a controvérsia a definir se a prisão civil da devedora de alimentos pode ser convertida, do regime fechado para o domiciliar, na hipótese em que tenha ela filho de até 12 anos de idade, aplicando-se, por analogia, o art. 318, V, do Código de Processo Penal.
Quanto ao ponto, é importante destacar, inicialmente, que se trata de regra introduzida à legislação processual penal por força da Lei nº 13.257/2016, que “Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância”. Em razão dessa lei, foram alteradas inúmeras disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O art. 318, V, do Código de Processo Penal, que se pretende seja aplicado por analogia à hipótese do devedor de alimentos, não é uma regra isoladamente criada com o fim específico de atender ao direito processual penal, mas, ao revés, compõe um conjunto de regras destinadas à promoção de uma política pública de proteção à primeira infância.
Uma das faces dessa ampla política pública diz respeito à relação entre os pais em situação de cárcere e os seus filhos, especialmente aqueles que ainda estão nos primeiros anos de vida, diante da necessidade do desenvolvimento infantil, da personalidade e do ser humano. Pretende-se, com esse conjunto de regras, minimizar os riscos e diminuir os efeitos naturalmente nocivos que o afastamento parental produz em relação aos filhos.
Tratando especificamente da regra do art. 318, V, do Código de Processo Penal, compreende a jurisprudência do STJ que “a concessão de prisão domiciliar às genitoras de menores de até 12 anos incompletos não está condicionada à comprovação da imprescindibilidade dos cuidados maternos, que é legalmente presumida”. Nesse sentido: AgRg no HC 731.648/SC, 5ª Turma, DJe 23/06/2022, HC 422.235/MS, 6ª Turma, DJe 19/12/2017 e HC 383.606/RJ, 6ª Turma, DJe 08/03/2018.
Trata-se, aliás, de entendimento que se alinha ao pretérito posicionamento do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do HC 143.641/SP, em que adequadamente se diagnosticou o problema do encarceramento das mães e os reflexos nocivos à vida dos filhos.
A presunção de necessidade de cuidado materno que justifica a prisão domiciliar das mães de filhos de até 12 anos, aliás, decorre da própria observação da realidade, em que o encarceramento atinge, sobremaneira, as mães solo, únicas responsáveis pela criação da prole.
Desse modo, se a finalidade essencial da regra do art. 318, V, do CPP, é a proteção integral da criança, minimizando-se as chances de ela ser criada no cárcere conjuntamente com a mãe ou colocada em família substituta ou em acolhimento institucional na ausência da mãe encarcerada, mesmo diante da hipótese de possível prática de um ilícito penal, não há razão para que essa mesma regra não se aplique às mães encarceradas em virtude de dívida de natureza alimentar, observada a necessidade de adaptação desse entendimento às particularidades dessa espécie de execução.
Nesse contexto, anote-se que a prisão domiciliar prevista no art. 318, V, do CPP, possui natureza de medida cautelar alternativa à prisão preventiva em regime fechado e tem por finalidade segregar a pessoa do convívio social, ao passo que a prisão em decorrência da dívida de natureza alimentar possui a natureza de medida coercitiva que tem por finalidade dobrar a renitência da devedora e compeli-la a adimplir rapidamente a obrigação em virtude da necessidade de suprimento das necessidades básicas do exequente.
Desse modo, não há dúvida de que, na hipótese de inadimplemento da dívida, deve haver a segregação da devedora de alimentos, com a finalidade de incomodá-la a ponto de buscar todos os meios possíveis de solver a obrigação, mas essa restrição ao direito de ir e vir deve ser compatibilizada com a necessidade de obter recursos financeiros aptos não apenas a quitar a dívida alimentar em relação ao exequente, mas também suprir as necessidades básicas do filho que se encontra sob a sua guarda.
É possível a conversão da prisão civil em regime fechado, em virtude de dívida de natureza alimentar, para regime domiciliar quando a devedora de alimentos for responsável pela guarda de outro filho de até 12 anos de idade.
RECURSO ESPECIAL
A suspensão do cumprimento de sentença, em virtude da ausência de bens passíveis de excussão, por longo período de tempo, sem diligência por parte do credor, não configura supressio, de modo que não obsta a fluência dos juros e da correção monetária.
REsp 1.717.144-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023. (Info 765)
Em uma execução movida pelo Banco Brasa em face de Creosvaldo, o tribunal local entendeu que a inação do exequente foi significativa na convicção de que o direito não mais se exerceria — isso porque o banco deixou o processo longo tempo parado enquanto não se achavam bens penhoráveis. Como consequência, o juizão excluiu do montante devido os juros e atualização monetária desde o momento da suspensão do feito.
Inconformado, o Banco interpôs sucessivos recursos sustentando não ser possível a configuração da supressio nas hipóteses em que, no processo de execução, o feito permanece suspenso por longo período de tempo em virtude da falta de bens passíveis de excussão.
Código Civil:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
R: Nooops!!!!
O Tribunal de origem, malgrado tenha afastado a prescrição intercorrente, ou seja, tenha reconhecido que a fluência do tempo não extinguira a pretensão do exequente, identificou que a inação do exequente foi significativa na convicção de que o direito não mais se exerceria. Como consequência, excluiu do montante devido os juros e atualização monetária desde o momento da suspensão do feito.
O instituto da supressio não se confunde com a extinção dos direitos, de exigência ou formativos, pela prescrição ou pela decadência, embora tais institutos tenham como ponto comum seu fundamento na necessidade de estabilização das relações jurídicas.
A supressio consubstancia-se na impossibilidade de se exercer um direito por parte de seu titular em razão de seu não exercício por certo período variável de tempo e que, em razão dessa omissão, gera da parte contrária uma expectativa legítima de que não seria mais exigível. Portanto, pelo não exercício do direito passível de ser exercido por um lapso temporal – não determinável a priori – a outra parte da relação obrigacional confia que a situação se estabilizou e que não será compelida a cumpri-la, revelando-se, pois, certo abrandamento do princípio pacta sunt servanda, não mais tomado no sentido absoluto típico de sua formulação liberal.
Há, por conseguinte, um deslocamento do eixo meramente temporal e, em decorrência, subjetivamente indiferente, para a análise da omissão do credor distendida no tempo e do correlato efeito quanto à expectativa do devedor na preservação da estabilidade jurídica gerada por aquele comportamento. A omissão, portanto, ganha relevância jurídica ao provocar na outra parte a convicção de que o direito subjetivo não mais será exercido.
Portanto, para a configuração da supressio e a decorrente perda do direito subjetivo de exigência ou formativo, deve-se perquirir, concretamente, acerca da relevância jurídica da omissão da parte e de sua repercussão na convicção da outra parte, confiante de que o direito não será exercido. Torna-se patente, por conseguinte, que o instituto da supressio constitui fragmento do princípio da boa-fé objetiva, em sua feição limitadora de direitos e, por esse motivo, é tratado pela doutrina como o exercício inadmissível de direitos. Embora reconhecido pela jurisprudência antes mesmo de sua previsão normativa, atualmente o princípio da boa-fé objetiva tem assento no art. 422 do Código Civil.
Contrariamente, na prescrição – extinção da pretensão – e na decadência – extinção do direito potestativo ou formativo – não há que se indagar acerca da observância da boa-fé ou do dever de lealdade ou confiança, porquanto seu elemento operativo é a simples fluência do tempo legalmente determinado. Assim, independentemente da conduta do credor, o mero transcurso do tempo implicará a extinção do direito de seu titular.
Curiosamente, o desenvolvimento do instituto da supressio, como de outros relacionados à inadmissibilidade do exercício de direitos, liga-se exatamente ao fenômeno inflacionário e ao abrandamento do princípio do nominalismo, para, com fundamento na boa-fé em sua vertente objetiva, interferir no cumprimento das obrigações.
No caso presente, contudo, a supressio não tem aplicação, porquanto não se permite o reconhecimento de que a suspensão do processo de execução, em razão da inexistência de bens, tenha incutido no executado a expectativa legítima de que não seria mais exercido. Ora, o direito do exequente foi efetivamente exercido ao ajuizar a ação e ao ser dado início ao cumprimento da sentença transitada em julgado. Conquanto determinadas vicissitudes a que estão sujeitos os processos judiciais possam implicar delongas em seu desenvolvimento ou mesmo na concretização do direito das partes, tais circunstâncias não podem ser consideradas verdadeiramente significativas, de modo a qualificar uma omissão como relevante para a extinção do direito.
Em casos tais, o exequente permanece em uma situação de espera, e o elemento significativo para a circunstância da suspensão do processo – e o protraimento da concretização do direito reconhecido na sentença – não é sua omissão, mas a ausência de patrimônio passível de excussão para o adimplemento da obrigação. Infere-se, pois, que não se pode caracterizar a relevância jurídica da paralisação do processo como causa para a extinção do direito, integral ou parcialmente, pela ocorrência da supressio.
A suspensão do cumprimento de sentença, em virtude da ausência de bens passíveis de excussão, por longo período de tempo, sem diligência por parte do credor, não configura supressio, de modo que não obsta a fluência dos juros e da correção monetária.
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
O fato de o bem imóvel ter sido adquirido no curso da demanda executiva não afasta a impenhorabilidade do bem de família.
AgInt nos EDcl no AREsp 2.182.745-BA, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 18/4/2023. (Info 771)
Em uma execução movida por Cobromesmo em face de Crementina, foi determinada a penhora do imóvel recém-adquirido por esta. Crementina alegou a impenhorabilidade do bem, tese acatada pelo juízo de primeiro grau.
Inconformada, Cobromesmo interpôs sucessivos recursos nos quais alega que houve violação da exceção prevista no art. 4º da Lei 8.009/90, referente à penhora sobre bem de família, uma vez que o imóvel fora adquirido pela devedora após ajuizada a ação de execução de origem.
Lei n. 8.009/1990:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
R: Nooops!!!!
As regras que estabelecem hipóteses de impenhorabilidade não são absolutas. O art. 3º da Lei n. 8.009/1990 prevê uma série de EXCEÇÕES à impenhorabilidade.
A aquisição do imóvel posteriormente à dívida não configura, por si só, fraude à execução, tampouco afasta proteção conferida ao bem de família (REsp 573.018/PR, relator Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 9/12/2003, DJ 14/6/2004, p. 235, e REsp 1.792.265/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe 14/3/2022).
A regra de impenhorabilidade do bem de família trazida pela Lei n. 8.009/1990 deve ser examinada à luz do princípio da BOA FÉ OBJETIVA, que, além de incidir em todas as relações jurídicas, constitui diretriz interpretativa para as normas do sistema jurídico pátrio.
O fato de o bem imóvel ter sido adquirido no curso da demanda executiva não afasta a impenhorabilidade do bem de família.
RECURSO ESPECIAL
Não é possível responsabilizar o fabricante de medicamento por reação adversa descrita na bula, risco inerente ou intrínseco à sua própria utilização.
REsp 1.402.929-DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/4/2023. (Info 771)
Craudete ingeriu dois comprimidos com o princípio ativo dipirona. Após alguns dias, começou a passar muito mal e foi internada, ocasião em que foi diagnosticada com a Síndrome de Stevens-Johnson, doença desencadeada pela alergia ao consumo dos comprimidos.
Inconformada, ajuizou ação em face do fabricante do medicamento postulando a condenação deste ao pagamento de danos morais e materiais. Por sua vez, o fabricante alega que tal risco constava na bula, razão pela qual não deveria ser responsabilizado.
R: Nooops!!!!
A reação adversa, por si só, não constitui motivo suficiente para configurar a responsabilidade do fabricante do medicamento. Isso porque a teoria do risco da atividade do negócio ou empreendimento adotada no Sistema do Código de Defesa do Consumidor não tem caráter absoluto, integral ou irrestrito, na medida em que admite exceções ou exclusões, dado que o dever de indenizar exige requisitos específicos, entre os quais o defeito do produto, sem o qual não se configura a responsabilidade civil objetiva do fornecedor.
Os medicamentos caracterizam-se como produtos de risco intrínseco, inerente, nos quais os perigos decorrem da sua própria utilização e da finalidade para a qual se destinam, sendo do conhecimento comum que a inoculação de qualquer remédio, seja por via oral ou injetável, tem potencial para ensejar reações adversas, as quais, ainda que sejam suportadas pelo consumidor, não configuram defeito do produto, afastando, em consequência, a obrigação de indenizar, desde que a potencialidade e a frequência desses efeitos nocivos estejam descritas na bula, em cumprimento ao dever de informação do fabricante.
A responsabilidade do fornecedor de medicamentos, segundo o sistema adotado pelo Código de Defesa de Consumidor, restringe-se aos casos em que for constatado defeito no produto, seja de concepção, fabricação ou de informação, e não os riscos normais e esperados, assim considerados os decorrentes da própria nocividade dos efeitos adversos de seus princípios ativos, situação que se verifica na generalidade dos casos de administração de remédios.
Essa conclusão não se altera em decorrência do medicamento estar incluído entre aqueles que podem ser adquiridos sem necessidade de prescrição médica, por apresentarem baixo grau de risco em sua ingestão, nocividade reduzida, destinarem-se ao tratamento de enfermidades simples e passageiras e não terem potencial de causar dependência física ou psíquica, conforme previsto em regulamentação específica. A dipirona preenche esses requisitos, diante da constatação de que a possibilidade de reação alérgica é ocorrência imprevisível e de incidência remotíssima.
Sendo incontestável a eficiência da dipirona para os fins a que se destina (analgésico e antitérmico), associada ao fato de que a reação alérgica que acometeu a parte autora da ação, a despeito de gravíssima, está descrita na bula, não decorre propriamente de defeito do fármaco, mas de IMPREVISÍVEL característica do sistema imunológico do paciente, não há que se falar em defeito do produto, pressuposto básico para a obrigação de indenizar do fornecedor.
Não é possível responsabilizar o fabricante de medicamento por reação adversa descrita na bula, risco inerente ou intrínseco à sua própria utilização.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
A oferta voluntária de seu único imóvel residencial em garantia a um contrato de mútuo, favorecedor de pessoa jurídica em alienação fiduciária, não conta com a proteção irrestrita do bem de família.
EREsp 1.559.348-DF, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, por maioria, julgado em 24/5/2023. (Info 776)
Creosvalda firmou um contrato de mútuo com o Banco Cobromesmo. Assessória ao contrato, foi lançada uma cédula de crédito bancário, assegurada por alienação fiduciária em garantia do único imóvel de Creosvalda.
Quanto o empréstimo não foi pago, o banco ajuizou execução cobrando os valores. Creosvalda contra-atacou com uma ação cautelar na qual alega a nulidade da alienação fiduciária e das cláusulas contratuais relacionadas a essa garantia. Tratar-se-ia de bem de família e os valores obtidos com o empréstimo não teriam sido revertidos em favor do imóvel ou em favor da unidade familiar.
R: Não é bem assim!!!
A controvérsia diz respeito à impenhorabilidade do bem de família quando ocorrer a alienação fiduciária de imóvel em operação de empréstimo bancário.
Rememora-se que o bem de família e sua impenhorabilidade são regidos pela Lei n. 8.000/1990 (art. 1º). O instituto visa assegurar ao indivíduo um patrimônio mínimo, sendo também, expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1°, III, da Constituição Federal. Antes do advento da Lei n. 9.514/1997 (que criou o Sistema Financeiro Imobiliário e regulou o instituto da alienação fiduciária de imóvel), a principal garantia dos financiamentos envolvendo bens imóveis era a hipoteca. Por tal razão, a Lei n. 8.009/1990 somente dispôs sobre a hipoteca, prevendo a exceção do art. 3º, inciso V, que permitia a penhora de bem dado em hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.
O STJ, ao interpretar referida norma, concluiu que, na hipótese de oferecimento de imóvel em garantia hipotecária, a impenhorabilidade do bem de família somente estará comprometida se a dívida objeto dessa garantia tiver sido assumida em benefício da própria entidade familiar (EAREsp 848.498/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 7/6/2018).
Por sua vez, o instituto da alienação fiduciária foi introduzido na legislação brasileira pela necessidade de superar a inadequação da garantia hipotecária, que depende do Poder Judiciário para a sua execução. Com o intuito de permitir maior celeridade no recebimento do crédito, ampliando a circulação de recursos e a realização de negócios, a Lei n. 9.514/1997 dispensou o ajuizamento de ação judicial, prevendo a consolidação da propriedade perante o oficial do Registro de Imóveis.
Segundo o rito previsto para o instituto, o devedor poderá purgar a mora no prazo fixado, convalescendo o contrato de alienação fiduciária (art. 25, § 5º, da Lei n. 9.514/1997), caso em que não se consolida a propriedade em favor do credor. Já na alienação fiduciária, não se discute a “impenhorabilidade” do bem, uma vez que a propriedade foi transmitida, ainda que em caráter resolúvel, pelos devedores. Cumpre-se verificar, isto sim, a “alienabilidade” do bem.
Nesse sentido, a Terceira Turma ao distinguir o bem de família legal (disciplinado na Lei n. 8.009/1990) e o bem de família voluntário (estabelecido pelo Código Civil, nos arts. 1.711 a 1.722), concluiu pela possibilidade de alienação fiduciária do bem de família legal: “a própria Lei n. 8.009/1990, com o escopo de proteger o bem destinado à residência familiar, aduz que o imóvel assim categorizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário” (REsp 1.560.562/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019).
Desse modo, não se afigura possível beneficiar aquele que, com reserva mental, ofereceu em garantia imóvel de sua propriedade, por meio de alienação fiduciária, a fim de obter recursos em contrato de mútuo sob condições mais favoráveis e, em momento posterior, após o inadimplemento da dívida, alega a invalidade do ato de disposição em razão da proteção conferida ao bem de família.
A oferta voluntária de seu único imóvel residencial em garantia a um contrato de mútuo, favorecedor de pessoa jurídica em alienação fiduciária, não conta com a proteção irrestrita do bem de família.
RECURSO ESPECIAL
A despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não é possível a responsabilização pessoal de sócio que não desempenhe atos de gestão, ressalvada a prova de que contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração.
REsp 1.900.843-DF, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (in memorian), Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria julgado em 23/5/2023, DJe 30/5/2023. (Info 777)
Crementino ajuizou execução em face de Impar Construtora. Como não foram encontrados bens em nome da empresa, requereu ao juízo a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para atingir bens de todos os sócios.
Nirso, sócio da empresa que não desempenha atos de gestão, interpôs recurso contra a medida e alegou que figurou apenas como sócio formal da sociedade (detendo menos de 0,0001% do capital social), com o objetivo de viabilizar a constituição da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, nunca tendo exercido cargos de administração ou recebido remuneração ou distribuição de lucros.
CDC:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Código Civil:
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
R: Somente se provado que contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração!!!
De acordo com a pacífica jurisprudência do STJ, para fins de aplicação da denominada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não se exige prova da fraude ou do abuso de direito, tampouco é necessária a prova de confusão patrimonial, bastando que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. Considerando que o § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, em virtude do mero inadimplemento e da ausência de bens suficientes à quitação do débito, admite, a princípio, a responsabilização pessoal do sócio, torna-se necessário investigar a atuação na condução dos negócios da empresa.
A rigor, a considerar as origens históricas da disregard doctrine, não se poderia afirmar que a hipótese contemplada no § 5º do art. 28 do CDC trata do mesmo instituto, a despeito das expressões utilizadas pelo legislador, tendo em vista que a desconsideração propriamente dita está necessariamente associada à fraude e ao abuso de direito, com desvirtuamento da função social da pessoa jurídica, criada com personalidade distinta da de seus sócios. Como bem acentua a doutrina, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é frequentemente confundido com hipóteses em que se atribui aos sócios, por mera opção legislativa, a responsabilidade ordinária por dívidas da sociedade.
No julgamento do REsp n. 1.766.093/SP, tratou-se da possibilidade da inclusão, no polo passivo de ação de rescisão contratual cumulada com pedido de restituição de valores pagos, já em fase de cumprimento de sentença, de membros do conselho fiscal de uma cooperativa habitacional, à luz do disposto no § 5º do art. 28 do CDC. Nesse julgado, tudo o que se disse a respeito das regras aplicáveis às sociedades cooperativas teve como único propósito fixar a premissa de que membros do conselho fiscal desse tipo de sociedade não praticam, em regra, atos de gestão, a exigir, por isso, a comprovação da presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente, e com desvio de função, para a prática de atos de administração. Também destacou-se que, de acordo com a doutrina, ainda que seja possível considerar o § 5º do art. 28 do CDC como hipótese autônoma e independente daquelas previstas em seu caput, na linha do que já decidiu o STJ a desconsideração da personalidade jurídica, mesmo em tal hipótese, somente pode atingir pessoas incumbidas da gestão da empresa.
Assim, a denominada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, de que trata o § 5º do art. 28 do CDC, a despeito de dispensar a prova de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, não dá margem para admitir a responsabilização pessoal I) de quem não integra o quadro societário da empresa, ainda que nela atue como gestor, e II) de quem, embora ostentando a condição de sócio, não desempenha atos de gestão, independentemente de se tratar ou não de empresa constituída sob a forma de cooperativa.
Vale lembrar que a desconsideração, mesmo sob a vertente da denominada Teoria Menor, é uma EXCEÇÃO à regra da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, “instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos” (art. 49-A do Código Civil, incluído pela Lei nº 13.874/2019), a justificar, por isso, a interpretação mais restritiva do art. 28, § 5º, do CDC.
A despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não é possível a responsabilização pessoal de sócio que não desempenhe atos de gestão, ressalvada a prova de que contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração.
RECURSO ESPECIAL
Em ação reivindicatória, constatada a existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, prevalecerá o primeiro título aquisitivo registrado.
REsp 1.657.424-AM, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023. (Info 777)
Trade Comércio Ltda ajuizou ação reivindicatória em face de Petropolus Ltda, afirmando ter título de propriedade (escritura pública registrada no cartório de imóveis) de terreno ocupado pela ré.
Em primeiro grau de jurisdição, a reivindicatória foi julgada improcedente, constando na sentença a existência de dois títulos de propriedade, tidos como legítimos e ostentados, cada qual, por autora e ré, com registros distintos em cartórios diferentes da cidade de Manaus. O Juízo entendeu que, nessa hipótese, prevalece a propriedade e o título respectivo de quem já tem a posse do imóvel, pois esta, em tal caso, não seria injusta.
Inconformada, Trade interpôs recurso no qual sustenta que a origem registral do seu título de propriedade é do ano de 1900 (título de propriedade transcrito pelo Estado do Amazonas) e, portanto, deve prevalecer sobre o da ré, que é de 1974, data em que o anterior proprietário do bem imóvel obteve ganho de causa em ação de usucapião.
Código Civil:
Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Lei 6.015/1973:
Art. 186 – O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente.
R: Prevalece o PRIMEIRO título aquisitivo registrado!!!
Cinge-se a controvérsia a determinar, em ação reivindicatória, qual propriedade deve prevalecer caso existam dois títulos de propriedade, ambos tidos como legítimos e ostentados, com registros distintos em cartórios diferentes na mesma cidade.
A reivindicatória é uma demanda petitória, ou seja, busca, nos termos do art. 1.228 do Código Civil, reaver a coisa de quem injustamente a possua, daí por que é preciso averiguar não só se o autor da ação tem a propriedade (título registrado em cartório), mas também se a posse do réu é injusta.
O juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido reivindicatório porque a posse da ré não é injusta, já que, assim como a autora, também tem um título de propriedade hígido. Fixou-se que não logrou a autora provar que o título da ré é írrito. Esse silogismo da sentença está rigorosamente de acordo com o art. 1.228 do Código Civil (CC).
A posse injusta a que alude o dispositivo não é somente aquela referida no art. 1.200 do CC (violenta, clandestina e precária), mas, de acordo com a doutrina, também “aquela sem causa jurídica a justificá-la, sem um título, uma razão que permita ao possuidor manter consigo a posse de coisa alheia. Em outras palavras, pode a posse não padecer dos vícios da violência, clandestinidade e precariedade e, ainda assim, ser injusta para efeito reivindicatório. Basta que o possuidor não tenha um título para sua posse”.
Ao se falar de posse, não se está trazendo para demanda petitória o ius possessionis, dado que, como visto, não se trata do direito de posse, mas do direito à posse, como decorrência lógica da relação de propriedade preexistente (ius possidendi); é a prevalência do direito de propriedade.
Não há falar em violação do art. 186 da Lei 6.015/1973 (O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente), já que o registro da ré é anterior ao registro da autora.
Não altera esse entendimento o fato de a cadeia dominial da autora remontar ao ano de 1900, anterior à data do registro da ré (1974), pois estando esta fundamentada em usucapião, depurou qualquer propriedade de outro sujeito de direito, pois o “direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muitos menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão”. Assim, tendo o registro da ré (1974) prioridade sobre o da autora (1980), foi observado o princípio da prioridade.
Em ação reivindicatória, constatada a existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, prevalecerá o primeiro título aquisitivo registrado.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL
Em caso de dissolução, por decisão judicial, da associação autora de ação civil pública, é possível a substituição processual pelo Ministério Público.
AgInt no REsp 1.582.243-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023. (Info 764)
ANADEC (Associação Nacional de Defesa do Consumidor) ajuizou ACP contra Fiado Consórcios para declarar a nulidade de cláusula supostamente abusiva existente nos contratos de desta.
Enquanto o processo seguia, A ANADEC teve sua dissolução determinada judicialmente. Fiado então requereu o provimento de recurso para acolher a preliminar de ilegitimidade passiva da autora. A ANADEC, por sua vez, requereu a intimação do MP para que se habilitasse como substituto processual no feito.
Lei de Ação Civil Pública:
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
Lei n. 4.717/65:
Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.
Lei n. 7.347/85:
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar
§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
R: Yeaph!!!!
Cinge-se a controvérsia a determinar a possibilidade de interpretação extensiva do art. 5º, § 3º, da Lei de Ação Civil Pública (LACP) no caso em que a associação que ajuizara a ação é dissolvida por decisão judicial em que se reconhece a ausência de representatividade adequada e o desvio de finalidade, permitindo-se a sua substituição pelo Ministério Público.
Como não cabe ao intérprete estabelecer distinções onde a própria lei não distinguiu, é IRRELEVANTE ao deferimento da substituição processual a circunstância de a associação haver sido extinta por decisão judicial. Nesse sentido, também o STJ já deixou claro que “se o dispositivo não restringiu, não pode o aplicador do direito interpretar a norma a ponto de criar uma restrição nela não prevista” (REsp 1.113.175/DF, Rel. Ministro Castro Meira, Corte Especial, julgado em 24/5/2012, DJe 7/8/2012). O que importa é que tanto nos casos de desistência infundada ou de abandono da ação quanto na hipótese de extinção da associação por decisão judicial, o objetivo legítimo consiste em não deixar desprotegidas as pessoas que de fato tinham o interesse naquela tutela e até então eram substituídas pela associação. Assim sendo, o fundamento para o deferimento da substituição processual não depende de se tratar de desistência infundada ou de abandono da ação, mas, sim, da necessidade de proteger os consumidores.
Nesse sentido, “consoante previsão dos arts. 9º da Lei n. 4.717/65 e 5º, § 3º, da Lei n. 7.347/85, tendo ocorrido a dissolução da autora coletiva originária, deve ser possibilitado aos outros legitimados coletivos a assunção do polo ativo, como forma de se privilegiar a coletividade envolvida no processo e a economia dos atos processuais” (REsp 1.800.726/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe 4/4/2019).
Em caso de dissolução, por decisão judicial, da associação autora de ação civil pública, é possível a substituição processual pelo Ministério Público.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
É competência da Justiça trabalhista processar e julgar o cumprimento de sentença por ela proferida, ainda que tenha ocorrido a cessão a terceiro da titularidade do crédito nela reconhecido.
CC 162.902-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 2/3/2023. (Info 766)
Em um cumprimento de sentença trabalhista promovido por Creiton contra Atacadão Ltda., foi noticiada nos autos a cessão do crédito trabalhista, em favor de Hanna Vendas Ltda., que então requereu a substituição no polo ativo da execução.
O juiz do trabalho indeferiu o pleito de Hanna e declinou da competência para uma das caras cíveis da localidade, por entender que o crédito, ainda que construído em demanda trabalhista, teria se tornado cível.
Por sua vez, o juiz da vara cível, suscitou conflito de competência por entender que caberia à Justiça do Trabalho processar a julgar a execução de seus julgados, sendo irrelevante a alteração da titularidade do crédito trabalhista.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
§ 5º Para os fins do disposto nesta Lei, os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação.
Código de Processo Civil:
Art. 778. Pode promover a execução forçada o credor a quem a lei confere título executivo.
§ 1º Podem promover a execução forçada ou nela prosseguir, em sucessão ao exequente originário:
III – o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe for transferido por ato entre vivos;
R: Justiça do TRABALHO!!!!
O Supremo Tribunal Federal, ao cuidar do Tema n. 361/STF (transmudação da natureza de precatório alimentar em normal em virtude de cessão do direito nele estampado), definiu que a cessão de crédito não implica a alteração da sua natureza (alimentar).
Em atenção ao princípio hermenêutico ubi eadem ratio ibi eadem jus (onde há a mesma razão aplica-se o mesmo direito), que seus fundamentos afiguram-se in totum aplicáveis à discussão aqui travada. Isso porque o fundamento precípuo que costuma embasar o deslocamento da competência da Justiça trabalhista para a Justiça comum seria a insubsistência de sua natureza trabalhista, provocada pela cessão a terceira pessoa.
Em favor da coerência do sistema jurídico, relevante anotar, ainda, que a Lei n. 14.112/2020 revogou o § 4º do art. 83 da Lei n. 11.101/2005 (que estabelecia o rebaixamento do crédito trabalhista cedido à qualidade de quirografário) e incluiu o § 5º, com a seguinte redação: para fins do disposto nesta lei, os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação.
Em atenção ao princípio da perpetuatio jurisdictionis, adotado no art. 43 do Código de Processo Civil, a efetivação da cessão de crédito trabalhista, reconhecido em sentença transitado em julgado, promove apenas a substituição processual da parte exequente, sem nenhuma repercussão na competência material da Justiça laboral, definida quando da distribuição do feito, haja vista que o conteúdo trabalhista do crédito remanesce incólume.
A hipótese é expressamente regulada pelo Código de Processo Civil – aplicável subsidiária e supletivamente ao processo trabalhista – no inciso III do art. 778, ao estabelecer ser dado ao cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe for transferido por ato entre vivos, promover a execução forçada ou nela prosseguir, em sucessão processual ao exequente originário, inexistindo qualquer repercussão nas regras de competência. O dispositivo legal em comento, inclusive, dispensa a concordância da parte executada.
Afigura-se, portanto, inderrogável pela vontade das partes a competência funcional da Justiça trabalhista, única competente para processar e julgar o cumprimento de sentença por ela proferida, sendo, a esse propósito, IRRELEVANTE a alteração da titularidade do crédito nela reconhecido.
É competência da Justiça trabalhista processar e julgar o cumprimento de sentença por ela proferida, ainda que tenha ocorrido a cessão a terceiro da titularidade do crédito nela reconhecido.
RECURSO ESPECIAL
A hipótese de impedimento de magistrado prevista no art. 144, IX, do CPC é aplicável no caso de litígio entre o juiz e o membro do Ministério Público baseada em suposta perseguição.
REsp 1.881.175-MA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023. (Info 768)
Tadeu, membro do MP, expediu recomendação encaminhada ao Prefeito Municipal local no qual recomendava a exoneração de servidora ocupante do cargo de direção em hospital municipal, por ser esta namorada do filho do Juiz Dr. Creisson, titular da Vara da Fazenda Pública local, o ensejaria possível configuração de nepotismo cruzado.
Inconformado, Dr. Creisson ajuizou ação declaratória de inexistência de nepotismo, a qual alega ainda sofrer perseguição de Tadeu. Por sua vez, o MP sustenta que diante da existência da ação em questão, Dr. Creisson deveria ser considerado impedido para atuar em diversos casos em trâmite na Vara da Fazenda Pública local.
CPC:
Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
IX – quando promover ação contra a parte ou seu advogado.
R: Yeaph!!!!
Cinge-se a controvérsia a definir se o impedimento do juiz, “quando promover ação contra a parte ou seu advogado” (art. 144, IX, do CPC), é aplicável a caso em que o magistrado ajuizou ação contra membros do Ministério Público, que tem como causa de pedir suposta perseguição pessoal.
Nesse sentido, embora use as expressões “parte” e “advogado”, o art. 144, IX, do CPC, se destina a impedir a atuação do juiz que esteja em contenda judicial com aqueles que integrem a relação processual ou oficiem em quaisquer dos polos do processo.
Assim, apesar de promotor de justiça não ser “parte” nem “advogado” – ambos no sentido técnico – da ação na qual é arguida a exceção, subscreve a inicial – no sentido subjetivo -, afetando, assim a necessária impessoalidade do magistrado, que se diz particularmente perseguido pelo promotor de justiça.
Por fim, vale considerar que não há impedimento para que o juiz atue em qualquer ação ajuizada pelo Ministério Público do estado, mas apenas naquelas em que, porventura, estejam oficiando os membros do parquet contra os quais contende na demanda judicial já referida.
A hipótese de impedimento de magistrado prevista no art. 144, IX, do CPC é aplicável no caso de litígio entre o juiz e o membro do Ministério Público baseada em suposta perseguição.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital processar e julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento, ainda que exista interesse de ente federal.
CC 193.066-DF, Relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/3/2023. (Info 768)
Ezequiel ajuizou ação de repactuação de dívidas em razão de superendividamento contra vários bancos, dentre eles, a CEF. O juízo federal, a quem inicialmente distribuída a demanda, declinou da competência sob o fundamento de falta de interesse da União.
Por sua vez, o juízo estadual suscitou conflito de competência por entender que a presença de empresa pública (CEF) implicaria no interesse da União e consequente competência da Justiça Federal.
Código de Defesa do Consumidor:
Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
Constituição Federal:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
R: Justiça ESTADUAL!!!!
A discussão que abrange o presente caso consiste na declaração do juízo competente para processar e julgar ação de repactuação de dívidas por superendividamento do consumidor em que é parte, além de outras instituições financeiras privadas, a Caixa Econômica Federal.
A Lei n. 14.181/2021, ao alterar o Código de Defesa do Consumidor, cuidou especificamente do instituto da repactuação de dívidas por superendividamento, a saber: o juiz, a requerimento do devedor, poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, tutelado pelo art. 104-A e seguintes da legislação consumerista, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado, com a presença de todos os credores de dívidas, oportunidade em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
Em interpretação do art. 109, I, da Constituição Federal, que trata da competência dos juízes federais, o Supremo Tribunal Federal (STF), na oportunidade do julgamento do RE 678162, relator para acórdão Ministro Edson Fachin, DJe 13/5/2021, firmou tese no sentido de que “a insolvência civil está entre as exceções da parte final do art. 109, I, da Constituição da República, para fins de definição da competência da Justiça Federal“.
Anota-se que, uma vez identificada a existência de concurso de credores, excepciona-se a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, I, da Constituição Federal. Tal circunstância decorre da redação do art. 104-A do CDC, introduzido pela Lei n. 14.181/2021, que estabelece a previsão de que, para instaurar o processo de repactuação de dívidas, impõe-se a presença, perante o juízo, de todos os credores do consumidor superendividado, a fim de que este possa propor àqueles o respectivo plano de pagamentos de seus débitos.
De fato, o procedimento judicial relacionado ao superendividamento, tal como o de recuperação judicial ou falência, possui inegável e nítida natureza concursal, de modo que as empresas públicas federais, excepcionalmente, sujeitam-se à competência da Justiça estadual e/ou distrital, justamente em razão da existência de concursalidade entre credores, impondo-se, dessa forma, a concentração, na Justiça comum estadual, de todos os credores, bem como o próprio consumidor para a definição do plano de pagamento, suas condições, o seu prazo e as formas de adimplemento dos débitos.
Eventual desmembramento ensejará notável prejuízo ao devedor (consumidor vulnerável, reitere-se), porquanto, consoante dispõe a própria legislação de regência (art. 104-A do CDC), todos os credores devem participar do procedimento, inclusive na oportunidade da audiência conciliatória. Caso tramitem separadamente, em jurisdições diversas, federal e estadual, estaria maculado o objetivo primário da Lei do Superendividamento, qual seja, o de conferir a oportunidade do consumidor – perante seus credores – de apresentar plano de pagamentos a fim de quitar suas dívidas/obrigações contratuais. Haverá o risco de decisões conflitantes entre os juízos acerca dos créditos examinados, em violação ao comando do art. 104-A do CDC.
Assim, adota-se a compreensão segundo a qual cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital analisar as demandas cujo fundamento fático e jurídico possuem similitude com a insolvência civil – como é a hipótese do superendividamento -, ainda que exista interesse de ente federal. A exegese do art. 109, I, da Constituição Federal, deve ser teleológica de forma a alcançar, na exceção da competência da Justiça Federal, as hipóteses em que existe o concurso de credores.
Cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital processar e julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento, ainda que exista interesse de ente federal.
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
Não compete ao juízo estatal, em execução de título executivo extrajudicial que contenha cláusula compromissória ajuizada por credor sub-rogado, analisar questões alusivas às disposições do contrato em si, o que deve ser discutido na jurisdição arbitral.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 11/4/2023. (Info 770)
A empresa Pagonada firmou um contrato com a empresa Quebradeira. No contrato, havia cláusula arbitral que previa arbitragem em caso de inadimplência de uma das partes. Dito e feito! A arbitragem foi necessária e o árbitro entendeu que a empresa Quebradeira deu causa ao inadimplemento. Com a sentença arbitral favorável em mãos, a empresa Pagonada ajuizou ação de execução de título extrajudicial, mas Quebradeira contesta a decisão em juízo requerendo inclusive a análise de questões alusivas às disposições do contrato em si.
Lei n. 9.307/1996:
Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.
Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.
CPC/2015:
Art. 919. Os embargos à execução não terão efeito suspensivo.
§ 1º O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.
R: Nooooops!!!!!
De início, é relevante anotar que, salvo situações excepcionais de manifesta ilegalidade (cláusula patológica), é da jurisdição arbitral a atribuição para apreciar as controvérsias em torno da validade e dos efeitos da cláusula inserida pelas partes nos negócios jurídicos que formalizam.
Entretanto, no caso de execução, no julgamento do REsp 1.373.710/MG, esta Turma assentou que a existência de cláusula de arbitragem não pode impedir a execução de título extrajudicial perante a Justiça, justamente porque esta é a única competente para o exercício de medidas que visem à expropriação de bens do devedor.
Sendo assim, mostra-se correta a iniciativa de credora sub-rogada que ajuizou a execução do título perante o Poder Judiciário, pois outro modo não haveria de receber seu crédito na hipótese de renitência no cumprimento voluntário das obrigações contratuais.
Assim, a execução de título executivo que contenha cláusula compromissória por credor sub-rogado deve ser processada na jurisdição estatal, que, contudo, não tem competência para analisar as questões alusivas às disposições do contrato em si invocadas em embargos à execução.
Nessas situações, cabe ao executado que pretende questionar a própria exequibilidade do título dar início ao procedimento arbitral respectivo, nos termos do art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.307/1996.
Não pode haver discussão, no processo executivo e em seus respectivos embargos, acerca da sub-rogação ou não da cláusula de arbitragem, pois as questões ligadas à sua validade e aos seus efeitos perante a exequente devem ser discutidas na jurisdição adequada, que seria a arbitral.
Caso julgue necessário, a embargante pode pleitear, perante o juízo, e desde que atendidos os requisitos legais (como, por exemplo, o oferecimento de garantia – art. 919, § 1º, do CPC/2015), a suspensão da execução até que as questões relativas à avença sejam definidas na jurisdição competente.
Não compete ao juízo estatal, em execução de título executivo extrajudicial que contenha cláusula compromissória ajuizada por credor sub-rogado, analisar questões alusivas às disposições do contrato em si, o que deve ser discutido na jurisdição arbitral.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
Na hipótese de execução de dívida de natureza não alimentar, é possível a penhora de salário, ainda que este não exceda 50 salários mínimos, quando garantido o mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família.
EREsp 1.874.222-DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/4/2023. (Info 771)
Em uma execução na qual se cobrava dívida de natureza não alimentar, Craudio requereu a penhora de parte do salário de Nirso, tendo em vista que as demais medidas executivas se mostraram vãs.
Foi deferida a penhora do salário de Nirso no percentual de 30%. Inconformado, o devedor interpôs sucessivos recursos nos qual alega que o ato constritivo agrediria a garantia do executado e de seu núcleo essencial.
CPC/2015:
Art. 833. São impenhoráveis:
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .
R: Como diria o Prof. Raimundo: “E o salário, oh!”
A divergência reside em definir se, na hipótese de pagamento de dívida de natureza não alimentar, a impenhorabilidade está condicionada apenas à garantia do mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família ou se, além disso, há que ser observado o limite mínimo de 50 salários-mínimos recebidos pelo devedor.
De precedente da Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1.518.169/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Rel. para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 3/10/2018, DJe 27/2/2019), é possível extrair que a exegese do dispositivo processual (art. 649, IV, do CPC/1973) deve ser orientada também pela teoria do mínimo existencial, admitindo a penhora da parcela salarial excedente ao que se pode caracterizar como notadamente alimentar. Prosseguindo e lançando o olhar sobre o critério previsto no § 2º do art. 833 do CPC/2015 – na parte alusiva às importâncias excedentes a 50 salários mínimos mensais – salientou-se o descompasso do critério legal com a realidade brasileira, a implicar na sua ineficácia.
Ao suprimir a palavra “absolutamente” no caput do art. 833, o novo Código de Processo Civil passa a tratar a impenhorabilidade como relativa, permitindo que seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade.
Esse juízo de ponderação entre os princípios simultaneamente incidentes na espécie há de ser solucionado à luz da dignidade da pessoa humana, que resguarda tanto o devedor quanto o credor, e mediante o emprego dos critérios de RAZOABILIDADE e PROPORCIONALIDADE.
A fixação desse limite de 50 salários mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família. Segundo a doutrina, “Restringir a penhorabilidade de toda a ‘verba salarial’ ou apenas permití-la no que exceder cinquenta salários mínimos, mesmo quando a penhora de uma parcela desse montante não comprometa a manutenção do executado, pode caracterizar-se como aplicação inconstitucional da regra, pois prestigia apenas o direito fundamental do executado, em detrimento do direito fundamental do exequente”.
Portanto, mostra-se possível a relativização do § 2º do art. 833 do CPC/2015, de modo a se autorizar a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, em percentual condizente com a realidade de cada caso concreto, desde que assegurado montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família.
Importante salientar, porém, que essa relativização reveste-se de caráter EXCEPCIONAL e dela somente se deve lançar mão quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução e, repita-se, desde que avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado.
Na hipótese de execução de dívida de natureza não alimentar, é possível a penhora de salário, ainda que este não exceda 50 salários mínimos, quando garantido o mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família.
RECURSO ESPECIAL
Em respeito ao princípio da não surpresa, é vedado ao julgador decidir com base em fundamentos jurídicos não submetidos ao contraditório no decorrer do processo.
REsp 2.049.725-PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023. (Info 772)
Em uma ação que tratava da legalidade de um Decreto Municipal que deu denominação a uma área de proteção ambiental, Creiton, proprietário de parte da área, alega que esse negócio de mera denominação é balela e que houve, na verdade, desapropriação indireta.
Segundo o Creiton, o processo não andou direito, tendo havido lesão ao princípio da não-surpresa. Por quê? Ora, não se teria conferido a ele a possibilidade questionar o ato (deu denominação à área de proteção ambiental) e demandar a ponderação do argumento e construção de contra-argumento no pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Teria havido decisão com base em argumento não submetido ao contraditório.
CPC:
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Art. 933. Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.
R: E como…
O argumento fático novo apresentado em sustentação oral, em segunda instância, foi a alegação de que a Lei municipal n. 17.337/2017, ato administrativo concreto, com roupagem de lei formal, que tão somente deu uma denominação a uma área de proteção ambiental, significou reconhecimento municipal da ocorrência da desapropriação indireta.
Vê-se, então, que não foi apenas a alegação em plenário de fundamento legal novo, mas sim de construção argumentativa com conclusão de postura municipal de reconhecimento administrativo de realização de desapropriação indireta, tudo com base em fato jurídico apresentado de forma surpreendente, sem prévia possibilidade, com antecedência devida, de ponderação do argumento e construção de contra-argumento no pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.
Tal lei em sentido material configura, de forma inequívoca, um ato administrativo que apenas deu nova denominação à área de proteção ambiental em epígrafe, com característica essencialmente individual, referindo-se a imóvel específico e determinado, não regulamentando, assim, eventuais e futuras relações jurídicas de forma geral e impessoal, particularidades essenciais para caracterizá-lo como fundamento legal.
Dessarte, de acordo com o art. 933, em sintonia com o art. 10, todos do CPC, veda-se a decisão-surpresa no âmbito dos tribunais, tendo decidido de forma acertada, o Tribunal de origem, no sentido de abrir vista às partes para que possam manifestar-se, em respeito ao devido processo legal.
Nesse diapasão, o entendimento jurídico adotado no STJ é no sentido de respeito ao princípio da não surpresa, o qual ensina que é vedado ao julgador decidir com base em fundamentos jurídicos não submetidos ao contraditório no decorrer do processo, com fulcro no art. 10 do CPC.
Dessa forma, é necessária a observância da cooperação processual nas relações endoprocessuais e do direito à legítima confiança de que o resultado do processo seja decorrente de fundamentos previamente conhecidos e debatidos pelas partes litigantes.
Em respeito ao princípio da não surpresa, é vedado ao julgador decidir com base em fundamentos jurídicos não submetidos ao contraditório no decorrer do processo.
RECURSO ESPECIAL
A competência para julgamento de ação de indenização por danos morais, decorrente de ofensas proferidas em rede social, é do foro do domicílio da vítima, em razão da ampla divulgação do ato ilícito.
REsp 2.032.427-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 27/4/2023, DJe 4/5/2023. (Info 774)
Creosvaldo ofendeu Crementina em uma rede social. Inconformada, Crementina ajuizou ação por meio da qual pretendia a condenação de Creosvaldo ao pagamento de danos morais. A ação foi ajuizada no foro do domicílio de Crementina, mas o juízo local entendeu que a competência seguiria a regra geral do art. 46 do CPC, que prevê que as ações devem ser propostas no foro do domicílio do réu.
Código de Processo Civil:
Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.
Art. 53. É competente o foro:
IV – do lugar do ato ou fato para a ação:
a) de reparação de dano;
R: Juízo do FORO DO DOMÍCILIO DA VÍTIMA!!!
O Tribunal de origem consignou que ações fundadas em direito pessoal devem ser propostas no domicílio do réu, ponderando que o ilícito praticado pela internet não constaria do rol das exceções à regra da competência (art. 46 do Código de Processo Civil).
Contudo, o STJ firmou o entendimento de que, havendo divulgação de ofensas por redes sociais, a competência para julgamento da ação é do foro do domicílio da vítima, em razão da ampla divulgação do ato ilícito. Nesse sentido: (REsp n. 1.347.097/SE, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 3/4/2014, DJe de 10/4/2014 e AgRg no Ag 808.075/DF. Relator Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJe 17/12/2007).
Da mesma forma, no julgamento do Conflito de Competência n. 154.928/SP, decidiu-se que “a competência para apreciar as demandas que envolvam danos morais por ofensas proferidas na internet é o local em que reside e trabalha a pessoa prejudicada, local de maior repercussão das supostas ofensas“.
Apesar de os precedentes citados terem sido proferidos sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 (art. 100, V, “a”), o art. 53, IV, “a”, do atual Código reproduziu idêntica norma processual.
A competência para julgamento de ação de indenização por danos morais, decorrente de ofensas proferidas em rede social, é do foro do domicílio da vítima, em razão da ampla divulgação do ato ilícito.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Excepcionalmente, admite-se o conhecimento da impetração de mandado de segurança nos tribunais de justiça para fins de exercício do controle de competência dos juizados especiais.
AgInt no RMS 70.750-MS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 8/5/2023, DJe 10/5/2023. (Info 777)
Nirso impetrou mandado de segurança com o intuito de impugnar decisão judicial proferida no âmbito do Juizado Especial da Fazenda Pública em ação na qual se discutia a necessidade da inclusão da União como litisconsorte passivo necessário em demanda relativa à concessão de medicamento.
O MS não foi conhecido, o que levou Nirso a interpor recurso no qual alega ser plenamente cabível a impetração de mandado de segurança perante os Tribunais de Justiça dos Estados quando se tratar do exercício do controle de competência dos juizados especiais.
R: EXCEPCIONALMENTE, SIM!!!!
Nos termos do Enunciado Sumular 376/STJ, em regra, compete à Turma Recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.
Contudo, excepcionalmente, admite-se o conhecimento da impetração de mandado de segurança nos tribunais de justiça para fins de exercício do controle de competência dos juizados especiais, conforme o precedente RMS 48.413/MS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 4/6/2019.
Na hipótese em análise, trata-se de questionamento a respeito do qual é a parte legitimada para fornecimento de medicamento no caso concreto, conforme a legislação de regência, questão, enfim, que perpassa a conclusão meritória da demanda judicial em apreço, mas diz respeito ao exercício do controle de competência dos juizados especiais, porquanto a inclusão, ou não, da União no feito poderá levar o trâmite e consequente julgamento do processo à Justiça Federal.
Desse modo, a extinção sem julgamento do mérito do processo em decorrência da não inclusão da União na demanda judicial implica, necessariamente, debate acerca da definição da competência, justificando o exercício do controle pelo tribunal de justiça.
Excepcionalmente, admite-se o conhecimento da impetração de mandado de segurança nos tribunais de justiça para fins de exercício do controle de competência dos juizados especiais.
RECURSO ESPECIAL
Nas ações em que se busca o fornecimento de medicamentos de forma gratuita, os honorários sucumbenciais podem ser arbitrados por apreciação equitativa, tendo em vista que o proveito econômico, em regra, é inestimável.
REsp 2.060.919-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023. (Info 779)
Creiton ajuizou ação para obrigar o poder público a arcar com os custos de um medicamento para seu tratamento de câncer de próstata, no que teve sucesso. O remédio tem custo de R$ 148 mil reais, mas o TJ local arbitrou os honorários do advogado de Creiton em apenas mil reais, utilizando-se do critério da equidade.
CPC/2015:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
R: Yeap!
O STJ possui entendimento reiterado de que a fixação da verba honorária com base no art. 85, § 8º, do CPC/2015 estaria restrita às causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, como, por exemplo, as de estado e de direito de família.
Nessa linha, veja-se: […] “(II) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo” (REsp 1.850.512/SP, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, por maioria, julgado em 16/3/2022). 6. Na referida assentada, a maioria dos Ministros considerou nítida a intenção do legislador em correlacionar a expressão inestimável valor econômico – prevista no § 8º do art. 85 do CPC – somente para as causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, como, por exemplo, nas causas de estado e de direito de família, não se devendo confundir o termo “valor inestimável” com “valor elevado”. […] (AgInt nos EDcl nos EREsp 1.866.671/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 21/9/2022, DJe de 27/9/2022).
O mesmo se aplica às demandas voltadas ao custeio de medicamentos para tratamento de saúde, haja vista que não se vislumbra benefício patrimonial imediato.
Nas ações em que se busca o fornecimento de medicamentos de forma gratuita, os honorários sucumbenciais podem ser arbitrados por apreciação equitativa, tendo em vista que o proveito econômico, em regra, é inestimável.
RECURSO ESPECIAL
É imprescindível a intimação do réu revel na fase de cumprimento de sentença, devendo ser realizada por intermédio de carta com Aviso de Recebimento (AR) nas hipóteses em que o executado estiver representado pela Defensoria Pública ou não possuir procurador constituído nos autos.
REsp 2.053.868-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023, DJe 12/6/2023. (Info 780)
Max Imóveis ajuizou ação de cobrança de aluguéis em face de Creosvalda. Esta foi intimada no processo cognitivo e se tornou revel, mas não recebeu intimação da sentença ou do cumprimento de sentença. Após algum tempo, soube da penhora do seu imóvel. Inconformada, apresentou a impugnação à execução de sentença, a qual foi indeferida em razão da preclusão, por se entender desnecessária a intimação pessoal da agravante na fase de cumprimento de sentença, em razão do não comparecimento na fase de conhecimento.
Creosvalda então interpôs sucessivos recursos nos quais sustenta ser necessária a intimação pessoal dos devedores no momento do cumprimento de sentença prolatada em processo no qual o réu, embora citados pessoalmente, não apresentaram defesa.
Código de Processo Civil:
Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.
§ 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença:
II – por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV;
R: Obviamente!!!
Cinge-se a controvérsia a determinar se é necessária a intimação da parte executada na fase de cumprimento de sentença, quando, apesar de citada na fase de conhecimento, não constitui procurador, verificando-se a revelia.
O artigo 513, § 2º, II, do Código de Processo Civil (CPC/2015) dispõe que o devedor será intimado para cumprir a sentença “por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV“.
A norma processual é clara e não permite nenhum outro entendimento a respeito do tema, sendo, por conseguinte, causa de nulidade a ausência de intimação da parte revel em fase de cumprimento de sentença, não obstante ter sido devidamente citada na ação de conhecimento.
Portanto, nas hipóteses em que o executado revel estiver sendo representado pela Defensoria Pública ou não possuir procurador constituído nos autos, a intimação deve ocorrer por carta com Aviso de Recebimento (AR).
É imprescindível a intimação do réu revel na fase de cumprimento de sentença, devendo ser realizada por intermédio de carta com Aviso de Recebimento (AR) nas hipóteses em que o executado estiver representado pela Defensoria Pública ou não possuir procurador constituído nos autos.
Olá, tudo bem? Hoje responderemos ao questionamento sobre a constitucionalidade das emendas de redação e…
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