Para quem está ligado aqui conosco: As 20 decisões do STJ que mexeram no mundo jurídico em 2020!
Sumário
1. (Im)Possibilidade de reconvenção da reconvenção.. 3
2. Cláusula arbitral da Petrobras, União e Competência. 5
3. Honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 6
4. Tempo de serviço sob judice e estabilidade. 8
5. Responsabilidade civil por morte de paciente no âmbito do SUS. 9
6. Bis in idem na multa cobrada por Município e União.. 11
7. Aplicação da Lei Maria da Penha a violência cometida da neta contra a avó.. 13
8. (Ir)Retroatividade da representação do crime de estelionato em denúncia já oferecida. 14
9. Tribunal do Júri, mídia e desaforamento.. 16
10. Conversão da prisão em flagrante em preventiva e Pacote Anticrime. 18
11. Validade da determinação judicial de quebra de sigilo de dados sem maiores especificações. 19
12. Ação controlada da lei de Organizações Criminosas e prévia autorização legal 23
13. Circunstâncias permissivas para a desoneração de alimentos fixados entre ex-cônjuges. 29
14. Direito ao esquecimento e interesse social da memória história 30
15. Uso da imagem de torcedor em jogo de futebol e danos morais. 34
16. Alienação de unidades produtivas isoladas em plano recuperação judicial 36
17. Termo inicial do prazo de monitoramento da recuperação judicial 37
18. (Im)Possibilidade de reconhecimento do tempo de labor prestado por menor de 12 anos. 40
RECURSO ESPECIAL
É admissível a reconvenção sucessiva, também denominada de reconvenção à reconvenção, desde que a questão que justifique a propositura tenha surgido na contestação ou na primeira reconvenção.
REsp 1.690.216-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020
Djalma ajuizou a ação de cobrança e arbitramento de honorários advocatícios em face de Rubens. Rubens apresentou contestação e ainda reconvenção na qual alegou que na verdade ele seria credor de Djalma.
Djalma então apresentou reconvenção contra a reconvenção ajuizada por Rubens. O Juízo de primeiro grau não recebeu a reconvenção apresentada pelo autor (Djalma) por falta de amparo legal.
O Tribunal de Justiça local, ao julgar o recurso de agravo de instrumento, inicialmente, destacou que a questão é controvertida, mas decidiu pela impossibilidade de apresentação de reconvenção do autor e fundamentou a decisão no princípio da estabilidade objetiva da demanda. Também destacou que permitir a reconvenção da reconvenção, acarretaria um prolongamento indevido da marcha do processo, ferindo de morte o princípio da celeridade e efetividade processual. Por fim, observou que e a reconvenção somente é cabível se conexa com a ação principal.
Inconformado, Djalma interpôs recurso especial no qual defendeu o cabimento da reconvenção da reconvenção, sob o fundamento de que inexiste qualquer vedação legal à propositura de reconvenção como resposta à reconvenção do requerido, além de que caracterizada a conexão entre os argumentos deduzidos em sua reconvenção e os lançados na reconvenção do demandado, o instrumento processual seria perfeitamente cabível.
R: SIM.
Ainda na vigência do CPC/1973, a doutrina se posicionou, majoritariamente, pela admissibilidade da reconvenção à reconvenção, por se tratar de medida não vedada pelo sistema processual, mas desde que a questão que justifica a propositura da reconvenção sucessiva tenha como origem a contestação ou a primeira reconvenção.
Esse entendimento não se modifica na vigência do CPC/2015, pois a nova legislação processual solucionou alguns dos impedimentos apontados ao cabimento da reconvenção sucessiva, como, por exemplo, a previsão de que o autor-reconvindo será intimado para apresentar resposta e não mais contestação (art. 343, §1º) e a vedação expressa de reconvenção à reconvenção apenas na hipótese da ação monitória (art. 702, §6º).
Assim, também na vigência do CPC/2015, é igualmente correto concluir que a reconvenção à reconvenção não é vedada pelo sistema processual, condicionando-se o seu exercício, todavia, ao fato de que a questão que justifica a propositura da reconvenção sucessiva tenha surgido na contestação ou na primeira reconvenção, o que viabiliza que as partes solucionem integralmente o litígio que as envolve no mesmo processo e melhor atende aos princípios da eficiência e da economia processual, sem comprometimento da razoável duração do processo.
É admissível a reconvenção sucessiva, também denominada de reconvenção à reconvenção, desde que a questão que justifique a propositura tenha surgido na contestação ou na primeira reconvenção.
CONFLITO DE COMPETÊNCIAS
A União, na condição de acionista controladora da Petrobras, não pode ser submetida à cláusula compromissória arbitral prevista no Estatuto Social da Companhia, seja em razão da ausência de lei autorizativa, seja em razão do próprio conteúdo da norma estatutária.
CC 151.130-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por maioria, julgado em 27/11/2019, DJe 11/02/2020 (Info 664)
Grupo de investidores instaurou o procedimento arbitral nº 75/16 ante a Câmara de Arbitragem do Mercado-CAM–BOVESPA, através do qual requereram o ressarcimento dos prejuízos decorrentes da desvalorização dos ativos da PETROBRAS, em razão dos desgastes oriundos da operação lava-jato. Fundamentaram o pedido no art. 58 do estatuto da Petrobras que prevê a arbitragem como forma de solução dos conflitos entre investidores e a empresa.
A União, principal acionista da Petrobras, ficou sabendo da situação e ajuizou ação declaratória de ausência de relação jurídica, na qual requereu a desobrigação de participar do procedimento arbitral.
A controvérsia reside em investigar o juízo competente (arbitral ou estatal) para a ação indenizatória movida por investidores em face da Petrobras e também da União, diante da cláusula compromissória contida no artigo 58 do Estatuto da Companhia.
R: NÃO.
No atual estágio legislativo, não há dúvidas acerca da POSSIBILIDADE da adoção da arbitragem pela Administração Pública, direta e indireta, bem como da arbitrabilidade nas relações societárias, a teor das alterações promovidas pelas Leis n.s 13.129/2015 e 10.303/2001.
A referida exegese, contudo, NÃO autoriza a utilização e a extensão do procedimento arbitral à União na condição de acionista controladora da Petrobras, seja em razão da ausência de lei autorizativa ou estatutária (arbitrabilidade subjetiva), seja em razão do conteúdo do pleito indenizatório transcender o objeto indicado na cláusula compromissória (arbitrabilidade objetiva).
NÃO se pode afastar a exigência de regramento específico que apresente a delimitação e a extensão de determinado procedimento arbitral ao sócio controlador, notadamente em se tratando de ente federativo em que a própria manifestação de vontade deve estar condicionada ao princípio da legalidade.
Nos exatos termos da cláusula compromissória prevista no art. 58 do Estatuto da Petrobras, a adoção da arbitragem está RESTRITA “a disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais”, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n. 6.404/1976.
Em tal contexto, considerando a discussão prévia acerca da própria existência da cláusula compromissória em relação ao ente público – circunstância em que se evidencia inaplicável a regra da “competência- competência” – sobressai a competência exclusiva do JUÍZO estatal para o processamento e o julgamento de ações indenizatórias movidas por investidores acionistas da Petrobras em face da União e da Companhia.
A União, na condição de acionista controladora da Petrobras, não pode ser submetida à cláusula compromissória arbitral prevista no Estatuto Social da Companhia, seja em razão da ausência de lei autorizativa, seja em razão do próprio conteúdo da norma estatutária.
RECURSO ESPECIAL
Não há condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
REsp 1.845.536-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 26/05/2020, DJe 09/06/2020(Info 673)
Em ação de cobrança, Mário buscou diversas formas de satisfação do crédito contra Inadimplentis Ltda, sem sucesso, razão pela qual seu advogado requereu ao juízo a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para atingir seus sócios Genivaldo e Gertrudes. O juízo de origem indeferiu o pedido, mas deixou de fixar honorários advocatícios em favor do patrono da devedora.
A questão foi objeto de recurso e o Tribunal de Justiça local entendeu cabível a fixação de honorários no incidente processual e assim o fez, arbitrando em 12% sobre o valor atribuído à causa. A credora apresentou recurso especial para se desincumbir da obrigação, alegando que por se tratar de decisão interlocutória, não caberia a condenação em honorários.
R: NÃO.
Nos termos do novo regramento emprestado aos honorários advocatícios pelo atual Código de Processo Civil, em regra, a condenação nos ônus de sucumbência é atrelada às decisões que tenham natureza jurídica de SENTENÇA.
EXCEPCIONALMENTE, estende-se a condenação às decisões previstas na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente, conforme disposição expressa do § 1º do art. 85.
Diante de uma decisão que indeferiu o pedido incidente de desconsideração da personalidade jurídica, à qual o legislador atribuiu de forma expressa a natureza de decisão interlocutória, nos termos do art. 136 do CPC/2015, descabe a condenação nos ônus sucumbenciais, diante daausência de previsão legal excepcional, sendo irrelevante se apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente.
Não há condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Em situações excepcionais, é possível, para efeito de estabilidade, a contagem do tempo de serviço prestado por força de decisão liminar.
AREsp 883.574-MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 20/02/2020, DJe 05/03/2020 (Info 666)
O pobre do Rubinho foi aprovado na prova teórica para o cargo de Policial Rodoviário Federal no ano de 1999. No entanto, foi reprovado na prova prática de motorismo. Inconformado, ajuizou mandado de segurança alegando que houve nulidade na avaliação do teste prático.
A liminar foi deferida e Rubinho foi empossado. O processo continuou e foi julgado procedente no primeiro grau. Ocorre que, quase 20 anos depois, o Tribunal Regional Federal decidiu que não houve nulidade na avaliação e reformou a sentença.
Cinge-se a controvérsia em saber se o excessivo decurso de tempo justifica, excepcionalmente, a manutenção do servidor empossado por meio de liminar.
R: SIM.
A Primeira Turma, seguindo a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral (Tema 476/STF, RE 608.482/RN, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 30.10.2014), entendia inaplicável a Teoria do Fato Consumado aos concursos públicos:
NÃO é possível o aproveitamento do tempo de serviço prestado por força de decisão judicial precária para efeito de estabilidade.
Contudo, no caso, há a solidificação de situações fáticas ocasionada em razão do excessivo decurso de tempo entre a liminar concedida e os dias atuais, de maneira que, a reversão desse quadro implicaria inexoravelmente em danos desnecessários e irreparáveis ao recorrido. Veja-se que a liminar que deu posse ao recorrente no cargo de Policial Rodoviário Federal foi deferida em 1999 e desde então está no cargo, ou seja, há 20 anos.
Desse modo, este Colegiado passou a entender que existem situações EXCEPCIONAIS, como a dos autos, nas quais a solução padronizada ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada, impondo-se o distinguishing, e possibilitando a contagem do tempo de serviço prestado por força de decisão liminar, em necessária flexibilização da regra.
Em situações excepcionais, é possível, para efeito de estabilidade, a contagem do tempo de serviço prestado por força de decisão liminar.
RECURSO ESPECIAL
Na hipótese de responsabilidade civil de médicos pela morte de paciente em atendimento custeado pelo SUS incidirá o prazo do art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997, segundo o qual prescreverá em cinco anos a pretensão de obter indenização.
REsp 1.771.169-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 29/05/2020(Info 672)
Paciente foi atendido em hospital particular conveniado para realizar atendimentos via SUS. A família entende que houve erro médico e busca reparação (ação de responsabilidade civil contra os doutores). Aplica-se o CDC à causa? Qual o prazo prescricional da ação reparatória?
Segundo estabelecem os arts. 196 e seguintes da CF/1988, a saúde, direito fundamental de todos, é DEVER do Estado, cabendo à iniciativa privada participar, em caráter complementar (art. 4º, § 2º, da Lei n. 8.080/1990), do conjunto de ações e serviços que visem favorecer o acesso universal e igualitário às atividades voltadas a sua promoção, proteção e recuperação, constituindo um sistema único – o SUS.
A participação complementar da iniciativa privada na execução de ações e serviços de saúde se formaliza mediante contrato ou convênio com a administração pública (parágrafo único do art. 24 da Lei n. 8.080/1990), nos termos da Lei n. 8.666/1990 (art. 5º da Portaria n. 2.657/2016 do Ministério da Saúde), utilizando-se como referência, para efeito de remuneração, a Tabela de Procedimentos do SUS (§ 6º do art. 3º da Portaria n. 2.657/2016 do Ministério da Saúde).
R: NÃO.
Quando prestado diretamente pelo Estado, no âmbito de seus hospitais ou postos de saúde, ou quando delegado à iniciativa privada, por convênio ou contrato com a administração pública, para prestá-lo às expensas do SUS, o serviço de saúde constitui serviço público social.
A participação complementar da iniciativa privada — seja das pessoas jurídicas, seja dos respectivos profissionais — na execução de atividades de saúde caracteriza-se como serviço público indivisível e universal (uti universi), o que AFASTA a incidência das regras do CDC.
R: Quinquenal.
Afastada a incidência do art. 27 do CDC, aplica-se na espécie o art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997, segundo o qual prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados pelos agentes de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
“Tal norma (art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997), por ter natureza especial, destinando-se clara e especificamente aos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público ou privado prestadoras de serviços públicos, não foi revogada, expressa ou tacitamente, pelo art. 206, § 3º, V, do CC/2002, de natureza geral”, e de que “o Poder Judiciário, na sua atividade de interpretação e de aplicação da lei, têm considerado o prazo de 5 (cinco) anos mais adequado e razoável para a solução de litígios relacionados às atividades do serviço público, sob qualquer enfoque” (REsp 1.083.686/RJ, Quarta Turma, julgado em 15/08/2017, DJe de 29/08/2017).
No caso de norte de paciente atendido em hospital particular conveniado ao SUS, havendo a prestação de serviço público indivisível e universal (uti universi), não se aplica o CDC, mas sim o art. 1º-C da Lei n. 9.494/1997, de modo que o prazo prescricional para a ação de responsabilidade civil dos médicos é quinquenal.
RECURSO ESPECIAL
A cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente, pelo mesmo fato, não configura bis in idem.
REsp 1.132.682-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 13/12/2016, DJe 12/03/2020 (Info 667)
A empresa petrolífera Petrolândia causou dano ambiental consistente em derramamento de petróleo e derivados na baía de certo município. O fato ocorreu em 2002. Houve auto de infração ambiental e a aplicação da multa pela União no valor de R$ 150.000,00. Quitada a multa da União, eis que o município prejudicado pelo vazamento também resolveu multar a Petrolândia, porém, no valor de R$ 10.000.000,00.
A petrolífera não concordou com a aplicação da multa e ajuizou ação anulatória alegando ocorrência de bis in idem. O juízo de primeiro grau acolheu o pedido e decretou a nulidade do ato administrativo que impôs a multa. O município recorreu, mas a sentença foi mantida no segundo grau por seus próprios fundamentos.
Cinge-se a controvérsia em saber se o pagamento de multa ambiental imposta pela União isenta eventual multa aplicada por outros entes federativos.
R: Para o STJ (pasmem), NÃO.
Segundo a Corte Superior, a Carta Magna atribui aos diversos entes da federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – competência COMUM para proteção e preservação do meio ambiente.
O dever-poder de zelar e proteger o meio ambiente – comum entre todos os entes federativos – emerge da própria Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, especialmente da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) e da Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente (Lei n. 9.605/1998), que fixam normas gerais sobre a matéria.
O art. 76 da Lei n. 9.605/1998 reproduz, com pequena diferença, preceito contido no art. 14, I, da Lei n. 6.938/1981. A norma mais recente prescreve que o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência, ao passo que a anterior vedava a cobrança da sanção pecuniária pela União, se já houve sido aplicada pelos demais entes federativos. Como se percebe, o critério adotado pelo legislador é de que prevalece a multa lavrada pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, em detrimento da constituída pela União.
Embora passível de questionamento, sobretudo se considerado o regime de cooperação entre os entes federativos em matéria de proteção do meio ambiente e de combate à poluição (art. 23, VI e VII, da CF), o fato é que, no âmbito infraconstitucional, houve uniforme e expressa opção de que, em relação ao mesmo fato, a sanção imposta por Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios PREDOMINA sobre a multa de natureza federal.
Se o pagamento da multa imposta pela União também afastasse a possibilidade de cobrança por Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, a lei teria afirmado simplesmente que o adimplemento de sanção aplicada por ente federativo afastaria a exigência de pena pecuniária por quaisquer dos outros.
Dessa forma, NÃO há margem para interpretação de que a multa paga à União impossibilita a cobrança daquela aplicada pelo Município, sob pena de bis in idem, uma vez que a atuação conjunta dos poderes públicos, de forma cooperada. na tutela do meio ambiente, é dever imposto pela Constituição Federal.
Humilde NOTA do analista: Mas cooperação exige entendimento, atuação conjunta… aqui cada ente está atuando independentemente, cada um por cima do outro, de maneira desorganizada…
A cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente, pelo mesmo fato, não configura bis in idem.
Resta saber como ficará a posição da jurisprudência à luz da LC 140/2011. Os fatos analisados neste julgamento são anteriores à vigência da referida Lei, a qual previu que prevalece o auto de infração ambiental do órgão que detenha a atribuição de licenciamento (art. 17, § 3º). Acontece que os fundamentos alinhavados pelo STJ vão na contramão do que estabelece a lei… Enfim, tema espinhoso e que se deve tomar cuidado redobrado em prova. Uma definição mais precisa virá com a análise caso coberto pela nova lei…
RECURSO ESPECIAL
Constatada situação de vulnerabilidade, aplica-se a Lei Maria da Penha no caso de violência do neto praticada contra a avó.
AgRg no AREsp 1.626.825-GO, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 13/05/2020 (Info 671)
R: SIM.
A Lei Maria da Penha objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar que, cometida no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, cause-lhe morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial.
Estão no âmbito de ABRANGÊNCIA do delito de violência doméstica, podendo integrar o polo passivo da ação delituosa as esposas, as companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas, a sogra, a avó, ou qualquer outra parente que mantenha vínculo familiar ou afetivo com o agressor.
Claro que é necessária a demonstração da motivação de gênero ou da situação de vulnerabilidade que caracterize a conjuntura da relação íntima do agressor com a vítima. Mas, por isso mesmo, se, no âmbito da unidade doméstica, a vítima encontrar-se em situação de VULNERABILIDADE decorrente de vínculo familiar, configura-se o contexto descrito no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006.
Pode ser considerada violência doméstica e familiar contra mulher o delito praticado por neto contra avó, em situação de vulnerabilidade, para fins de aplicação da Lei n. 11.340/2006.
HABEAS CORPUS
A retroatividade da representação no crime de estelionato não alcança aqueles processos cuja denúncia já foi oferecida.
HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 18/06/2020(Info 674)
Rangel foi denunciado pela prática, em tese, do crime de estelionato previsto no caput do artigo 171 do código penal. Rangel então foi condenado à pena de 1 ano e 2 meses de reclusão, e multa, em regime inicial aberto, sendo a pena substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes na prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo.
Inconformado, Rangel interpôs apelação à qual não foi provida pelo Tribunal de Justiça local. Ocorre que, durante o trâmite processual, foi aprovado o chamado “pacote anticrime” (Lei n.13.694/2019), o qual alterou o artigo que embasou a condenação. Conforme tal alteração, a ação penal pública do crime de estelionato fica condicionada à representação da vítima.
A defesa de Rangel então opôs embargos de declaração visando a aplicação imediata da lei mais benéfica ao réu (ele). Os embargos declaratórios no entanto, foram rejeitados. Conforme o acórdão: “A transformação da ação penal nos crimes de estelionato contemplados no art. 171 do Cód. Penal, operada através da Lei n. 13.964/19, malgrado ostente natureza penal, porquanto tem potencial efeito extintivo da punibilidade, não atinge o ato jurídico perfeito e acabado”.
A Defensoria Pública impetrou Habeas Corpus por entender que o Tribunal local teria deixado de aplicar a lei mais benéfica ao réu. Sustenta que a alteração legislativa possui cunho material, logo, caberia a aplicação imediata.
R: NÃO.
A Lei n. 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, alterou substancialmente a natureza da ação penal do crime de estelionato (art. 171, § 5º, do Código Penal), sendo, atualmente, processado mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido, salvo se a vítima for: a Administração Pública, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz.
Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter HÍBRIDO, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu.
Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos NÃO podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo.
Entendendo-se o contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de PROSSEGUIBILIDADE e não procedibilidade.
A retroatividade da representação no crime de estelionato NÃO alcança aqueles processos cuja denúncia já foi oferecida.
HABEAS CORPUS
A mera presunção de parcialidade dos jurados do Tribunal do Júri em razão da divulgação dos fatos e da opinião da mídia é insuficiente para o desaforamento do julgamento para outra comarca.
HC 492.964-MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 03/03/2020, DJe 23/03/2020(Info 668)
Marcinho foi denunciado e pronunciado pela prática, em tese, de homicídio qualificado por motivo fútil e com o uso de emboscada. Foi condenado à pena de 14 anos de reclusão em regime fechado. No entanto, tal condenação foi anulada pelo TJ/MS em embargos infringentes.
Antes da anulação da condenação, o representante do Ministério Público concedeu entrevista a diversos órgãos de comunicação, quando narrou com detalhes o trâmite processual, provas produzidas e a condenação de Marcinho.
A combativa defesa de Marcinho requereu o desaforamento sob o argumento de que há manifesto comprometimento da imparcialidade do Júri, pela ampla divulgação nos meios de comunicação, por parte da acusação, da condenação do Paciente. Sustentou que fora criado na localidade um ambiente insustentável pró-condenação, inclusas aí demonstrações de hostilidade contra os advogados de defesa. Requereu a suspensão do julgamento já marcado e o desaforamento para localidade próxima.
O Tribunal local indeferiu o pedido e fundamentou a decisão na ausência de elementos concretos que demonstrassem efetivo prejuízo ao acusado e ressaltou ser o desaforamento medida excepcional.
R: NÃO.
Nos termos do art. 427 do CPP, se o interesse da ordem pública o reclamar, ou se houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, PODERÁ determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.
A mera presunção de parcialidade dos jurados em razão da divulgação dos fatos e da opinião da mídia é INSUFICIENTE para o deferimento da medida excepcional do desaforamento da competência.
A mera presunção de parcialidade dos jurados do Tribunal do Júri em razão da divulgação dos fatos e da opinião da mídia é insuficiente para o desaforamento do julgamento para outra comarca.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
Mesmo após o advento da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o art. 310, II, do Código de Processo Penal autoriza a conversão, de ofício pelo Juízo processante, da prisão em flagrante em preventiva.
AgRg no HC 611.940-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020 (Info 679)
Alexandre foi denunciado e se encontra preso preventivamente pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 180, § 1º, c/c o § 2º (por cinco vezes), 288 e 311, todos do Código Penal.
A defesa impetrou Habeas Corpus no qual sustentou que o paciente teve a sua prisão preventiva decretada de ofício, indo assim em desencontro a norma preceituada no artigo 311 do Código de Processo Penal, caracterizando flagrante constrangimento ilegal.
R: SIM.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é INDISPENSÁVEL a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos dos artigos 310 e seguintes do Código de Processo Penal.
De fato, nos termos do art. 311 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei n. 13.964/2019, “em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.
Assim, embora a Lei n. 13.964/2019 – Pacote Anticrime – tenha retirado a possibilidade de DECRETAÇÃO da prisão preventiva, de ofício, do art. 311 do Código de Processo Penal, no caso, trata-se da CONVERSÃO da prisão em flagrante, hipótese DISTINTA e amparada pela regra específica do art. 310, II, do CPP.
Ou seja, o art. 310, II, do Código de Processo Penal, autoriza a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva pelo Juízo processante, desde que presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.Portanto, não há ilegalidade ou ofensa ao sistema acusatório, na prisão preventiva do agente uma vez que a sua conversão, de ofício, está amparada no referido dispositivo da Lei Processual Penal.
Mesmo após o advento da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o art. 310, II, do Código de Processo Penal autoriza a conversão, de ofício pelo Juízo processante, da prisão em flagrante em preventiva.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
A determinação judicial de quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários que operaram em determinada área geográfica, suficientemente fundamentada, não ofende a proteção constitucional à privacidade e à intimidade.
RMS 61.302-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por maioria, julgado em 26/08/2020, DJe 04/09/2020 (Info 678)
Moogle Brasil Internet Ltda impetrou mandado de segurança contra ato do Juízo Criminal que autorizou a identificação dos usuários de aplicativos de um conjunto não identificado de pessoas, tão somente pela circunstância aleatória de haverem transitado, em certo lapso de tempo, por determinadas coordenadas geográficas no Município do Rio de Janeiro – RJ. A autorização judicial foi realizada a pedido do Ministério Público Estadual em investigação de homicídio.
Conforme o impetrante, a ordem jurídica brasileira não admite quebras de sigilo e interceptações genéricas, desprovidas de individualização razoável dos indivíduos afetados e das respectivas fundamentações. Aduziu também que houve a inobservância ao princípio da proporcionalidade, porquanto a quebra de sigilo pretendida seria inadequada, ao não oferecer mínima garantia de que levará ao autor ou aos autores dos delitos investigados, e que não há garantia de confiabilidade nos dados de geolocalização a serem pesquisados; seria também desnecessária, uma vez que há medidas e diligências alternativas que podem ser e foram tomadas pelas autoridades policiais; e ainda desproporcional em sentido estrito, pois a determinação aceita o dano colateral de quebrar o sigilo de inocentes, assumindo que a medida extrema seria justificável pela possibilidade, apenas eventual, de se obter alguma pista sobre aqueles que teriam envolvimento nos crimes investigados.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em contrarrazões, aduziu que a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), em seu artigo 3°, prevê a possibilidade da ponderação e/ou afastamento da proteção do direito à privacidade diante de direitos e interesses de igual relevância, sublinhando a coexistência dos princípios que anuncia com outras normas previstas no ordenamento jurídico brasileiro ou em tratados internacionais do qual a República faça parte.
R: SIM.
Os direitos à vida privada e à intimidade fazem parte do núcleo de direitos relacionados às liberdades individuais, sendo, portanto, protegidos em diversos países e em praticamente todos os documentos importantes de tutela dos direitos humanos.
No Brasil, a Constituição Federal, no art. 5º, X, estabelece que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Nesse contexto, a ideia de SIGILO expressa verdadeiro direito da personalidade, notadamente porque se traduz em garantia constitucional de inviolabilidade dos dados e informações inerentes a pessoa, advindas também de suas relações no âmbito digital.
Em uma sociedade onde a informação é compartilhada cada vez com maior velocidade, nada mais natural que a preocupação do indivíduo em assegurar que fatos inerentes a sua vida pessoal sejam protegidos, sobretudo diante do desvirtuamento ou abuso de interesses de terceiros.
Entretanto, mesmo reconhecendo que o sigilo é expressão de um direito fundamental de alta relevância ligado à personalidade, a doutrina e a jurisprudência compreendem que não se trata de um direito absoluto, admitindo-se a sua restrição quando imprescindível ao interesse público.
De fato, embora deva ser preservado na sua essência, o Superior Tribunal de Justiça, assim como a Suprema Corte, entende que é possível afastar a proteção ao sigilo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante, invariavelmente por meio de decisão proferida por autoridade judicial competente, suficientemente fundamentada, na qual se justifique a necessidade da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual criminal, sempre lastreada em indícios que devem ser, em tese, suficientes à configuração de suposta ocorrência de crime sujeito à ação penal pública.
Importante ressaltar que a determinação de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das comunicações, as quais dão acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário. Há uma distinção conceitual entre a quebra de sigilo de dados armazenados e a interceptação do fluxo de comunicações.
Decerto que o art. 5º, X, da CF/88 garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, inclusive quando os dados informáticos constarem de banco de dados ou de arquivos virtuais mais sensíveis. Entretanto, o acesso a esses dados registrados ou arquivos virtuais não se confunde com a interceptação das comunicações e, por isso mesmo, a amplitude de proteção não pode ser a mesma.
Dados informáticos ESTÁTICOS | Interceptações das COMUNICAÇÕES |
Arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados | Acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário |
Lei n. 12.965/2014 | Lei n. 9.296/1996 |
Com efeito, o procedimento de que trata o art. 2º da Lei n. 9.296/1996, cujas rotinas estão previstas na Resolução n. 59/2008 (com alterações ocorridas em 2016) do CNJ, os quais regulamentam o art. 5º, XII, da CF, não se aplicam a procedimento que visa a obter dados pessoais estáticos armazenados em seus servidores e sistemas informatizados de um provedor de serviços de internet. A quebra do sigilo desses dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros informáticos existentes ou dados já coletados.
Ademais, NÃO há como pretender dar uma interpretação extensiva aos referidos dispositivos, de modo a abranger a requisição feita em primeiro grau, porque a ordem é dirigida a um provedor de serviço de conexão ou aplicações de internet, cuja relação é devidamente prevista no Marco Civil da Internet, o qual não impõe, entre os requisitos para a quebra do sigilo, que a ordem judicial especifique previamente as pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração (ou da autoria) possa ser realizada por outros meios.
Nota-se que os arts. 22 e 23 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) não exigem a indicação ou qualquer elemento de individualização pessoal na decisão judicial. Assim, para que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei: a) indícios da ocorrência do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e c) período ao qual se referem os registros.
NÃO é necessário, portanto, que o magistrado fundamente a requisição com indicação da PESSOA ALVO da investigação, tampouco que justifique a indispensabilidade da medida, ou seja, que a prova da infração não pode ser realizada por outros meios.
Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados, (espaço a mais) de forma autônoma ou associada a outros dados pessoais e informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida, na expressiva maioria dos casos, é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado.
Quanto à proporcionalidade da quebra de dados informáticos, se a determinação judicial atende aos seguintes critérios:
a) adequação ou idoneidade (dos meios empregados para se atingir o resultado);
b) necessidade ou proibição de excesso (para avaliar a existência ou não de outra solução menos gravosa ao direito fundamental em foco);
c) proporcionalidade em sentido estrito (para aferir a proporcionalidade dos meios empregados para o atingimento dos fins almejados).
Logo, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto, tendo como norte a apuração de gravíssimos crimes, não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários possivelmente atingidos por tal diligência.
A determinação judicial de quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários que operaram em determinada área geográfica, suficientemente fundamentada, não ofende a proteção constitucional à privacidade e à intimidade.
HABEAS CORPUS
(1) A ação controlada prevista no § 1° do art. 8° da Lei n. 12.850/2013 independe de autorização, bastando sua comunicação prévia à autoridade judicial; (2) É legal o auxílio da agência de inteligência ao Ministério Público Estadual durante procedimento criminal instaurado para apurar graves crimes em contexto de organização criminosa. (3) As inovações do Pacote Anticrime na Lei n. 9.296/1996 não alteraram o entendimento de que é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. (4) Não há infiltração policial quando agente lotado em agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representa o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando.
HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 18/08/2020, DJe 25/08/2020 (Info 677)
Em determinada investigação, o órgão de inteligência policial de certo estado tomou conhecimento de que alguns policiais estavam cobrando propina para não realizar autuações em razão de crimes ambientais. Durante a investigação, uma sargento da Polícia Militar, cedida para a Secretaria de Inteligência Policial à época, atuou ganhando a confiança dos envolvidos.
A agente se passou por funcionária-empregada da empresa TTT (uma das pagadoras de propina), conversou comum dos policiais suspeitos sobre o pagamento de propina e acordou uma reunião para resolver a questão. Posteriormente se encontrou com um dos envolvidos e entregou o dinheiro-isca ao advogado intermediador, que levaria a quantia aos policiais da Delegacia de Polícia do Meio Ambiente. Durante o transporte do dinheiro, o advogado intermediador foi seguido e acabou abordado pelos agentes da Secretaria de Inteligência Policial.
Já em sede Policial, na Delegacia, onde seria apresentado junto com a quantia apreendida, o referido advogado decidiu celebrar acordo de colaboração premiada e cooperar inteiramente com as investigações. Colaborando, o Advogado fez uso de um aparelho de gravação de áudio e vídeo no dia 06/02/2015, através do qual ficou registrada a confissão dos crimes cometidos pelos policiais corruptos.
Manoel, um dos policiais envolvidos, foi condenado a pena de 63 (sessenta e três) anos e 3 meses de reclusão, além do pagamento de 86 dias-multa, à razão unitária de 05 salários-mínimos.
Inconformada, a sua defesa impetrou Habeas Corpus no qual sustentou que: a) a investigação que deu azo ao processo penal estaria eivada de nulidade, pois foi capitaneada por agência de inteligência; b) policial cedida à Secretaria de Inteligência e particular atuaram irregularmente como agentes infiltrados e c) não houve permissão judicial ou comunicação para a realização de ação controlada. Também alegou que o Advogado que gravou a conversa teria sido coagido a assinar o acordo de delação e se infiltrar na Delegacia de Polícia devidamente grampeado.
R: NÃO.
A ação controlada prevista no § 1° do art. 8° da Lei n. 12.850/2013 consiste em retardar a intervenção estatal para que ocorra no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e obtenção de informações. Independe de autorização, bastando sua comunicação prévia à autoridade judicial.
Até mesmo nos casos em que a autorização judicial é prevista, quando se trata de investigação de crimes da Lei de Drogas, o descumprimento do art. 53, I, da Lei n. 11.343/2003 NÃO autoriza, de forma automática, a declaração de invalidade da prova.
A autorização (art. 53, I, da Lei n. 11.343/2003) ou a comunicação judicial (art. 8° da Lei n. 12.850/2013) não visam a preservar a intimidade do cidadão, como ocorre com a interceptação telefônica ou a busca e apreensão, de forma a evitar violações a direitos e garantias fundamentais, mas “a proteger o próprio trabalho investigativo, afastando eventual crime de prevaricação ou infração administrativa por parte do agente policial que aguarda, observa e monitora a atuação dos suspeitos e não realiza a prisão em flagrante assim que toma conhecimento acerca da ocorrência do delito” (REsp 1.655.072/MT, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Sexta Turma, DJe 20/2/2018).
Com as inovações da Lei n. 13.964/2019, o legislador passou a admitir a ação controlada para apuração de crimes de lavagem de dinheiro (art. 1°, § 6°, da Lei n. 9.613/1998) e, ainda, a atuação de agentes de polícia infiltrados virtuais (art. 10-A da Lei n. 12.850/2013) com o propósito de investigar os crimes previstos na Lei de Organização Criminosa e a eles conexos.
Entretanto, mesmos depois das diversas modificações para aperfeiçoar a legislação processual penal, não se condicionou a ação controlada à permissão prévia do Poder Judiciário.
R: SIM.
A atividade de inteligência desempenhada por agências dos estados, que integram o Subsistema de Inteligência criado pelo Decreto n. 3.695, de 21/12/2012, consiste no exercício de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança pública.
Alcança diversos campos de atuação – um deles a inteligência policial judiciária – e entre suas finalidades está não só subsidiar o planejamento estratégico de políticas públicas, mas também assessorar com informações as ações de prevenção e repressão de atos criminosos.
Apesar de não se confundir com a investigação, nem se esgotar com o objetivo desta, uma vez que a inteligência de segurança pública opera na busca incessante de dados, o resultado de suas operações pode, ocasionalmente, ser aproveitado no processo penal para subsidiar a produção de provas, desde que materializado em relatório técnico.
Na hipótese, há alguns anos, no Estado-membro, ante a necessidade de aperfeiçoar o combate a crimes cometidos por policiais, foi atribuída à Subsecretaria de Inteligência (SSINTE/SESEG) a missão de prestar apoio a determinados órgãos em suas investigações criminais. Além das atividades de inteligência de segurança pública, era atribuição da Subsecretaria de Inteligência, integrante da estrutura da Secretaria de Estado de Segurança (SSINTE/SESEG), à luz do art. 2°, parágrafo único, da Resolução n. 436, de 8/2/2011, prestar o apoio necessário a determinados órgão de segurança pública em suas investigações criminais.
A resolução em apreço estabeleceu, em seu art. 1°, que “os delegados da Polícia Civil” lotados na Corregedoria Geral Unificada (CGU) poderiam presidir procedimentos de polícia judiciária quando houvesse indícios de crimes imputados a policiais civis, militares ou bombeiros militares, “os quais seriam instaurados no âmbito da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais (DRACO)”. Em conformidade com o art. 2°, parágrafo único, “a Subsecretaria de Inteligência/SESEG prestará o apoio necessário aos órgãos acima no âmbito de suas atribuições”.
Ressalta-se que o Ministério Público, por força do art. 129 da Constituição Federal, possuía (e possui) a mesma competência que a Resolução n. 436 de 8/2/2011 relacionou à CGU e à DRACO. O Parquet é legitimado a promover, por autoridade própria, procedimentos investigatórios criminais e, além disso, exerce o controle externo das polícias. No caso em apreço, o Parquet optou por não utilizar a estrutura da própria Polícia Civil para auxiliá-lo no procedimento apuratório criminal, e é INCABÍVEL criar limitação alheia ao texto constitucional para o exercício conjunto da atividade investigativa pelos órgãos estatais.
Quanto ao ponto, o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que a atribuição de polícia judiciária às polícias civil e federal não torna nula a colheita de elementos informativos por outras fontes. Ademais, o art. 3°, VIII, da Lei n. 12.850/2013 permite a COOPERAÇÃO entre as instituições públicas na busca de dados de interesse da investigação.
Portanto, segundo a doutrina, no campo diversificado de atuação da segurança pública, a inteligência policial “tem como escopo questões (em sua maioria táticas) de repressão e apoio à investigação de ilícitos e grupos de infratores – não se trata, registre-se bem, de atividade de investigação criminal”. Busca “levantar indícios e tipologias que auxiliam o trabalho da Polícia Judiciária e do Ministério Público”, principalmente no combate do crime organizado, dissimulado ou complexo.
R: Tá valendo!
Na hipótese, depois de firmado acordo de colaboração premiada ocorreu a gravação ambiental de conversa realizada por um dos interlocutores, em repartição pública, sem o conhecimento dos outros, o que, apesar de clandestina, NÃO consubstancia prova ilícita, conforme reconhecido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
INTERCEPTAÇÃO | Captação de comunicação alheia e sem conhecimento dos comunicadores, de forma sub-reptícia. |
ESCUTA | Captação de conversa, por terceiro, com o consentimento de um dos interlocutores. |
GRAVAÇÃO | Captação feita por um dos próprios comunicadores sem que o outro saiba. |
A jurisprudência do STJ é no sentido de que a GRAVAÇÃO ambiental realizada por colaborador premiado, um dos interlocutores da conversa, sem o consentimento dos outros, é lícita, ainda que obtida sem autorização judicial, e pode ser validamente utilizada como meio de prova no processo penal.
Precedente do STF, exarado na QO-RG RE 583.937/RJ: desde que não haja causa legal de sigilo, “é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro” (Tema 237).
Na oportunidade, o Colegiado concluiu que a disponibilização de conteúdo de conversa por partícipe, emissor ou receptor, significaria apenas dispor daquilo que também é seu, sem que se possa falar em interceptação, sigilo de comunicação ou de intromissão furtiva em situação comunicativa. Não se delimitou que a gravação de conversa por um dos participantes do diálogo seria lícita somente se utilizada em defesa própria, nunca como meio de prova da acusação.
É mister ressaltar, ainda, que a Lei n. 9.296, de 24/7/1996, mesmo com as inovações trazidas pela Lei n. 13.964/2019, NÃO dispôs sobre a necessidade de autorização judicial para a gravação de diálogo por um dos seus comunicadores. Consta, em dispositivo novo da Lei n. 9.296/1996 (art. 10-A, § 1º) que não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores. Remanesce a reserva jurisdicional apenas aos casos relacionados à captação por terceiros, sem conhecimento dos comunicadores, quando existe a inviolabilidade da privacidade, protegida constitucionalmente.
R: NÃO.
A teor do art. 10 da Lei n. 12.850/2013, a infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.
Conforme a doutrina, a técnica consiste em se entranhar o agente “no seio da organização criminosa, passando a integrá-la como se criminoso fosse – na verdade, como se um novo integrante fosse. Agindo assim, penetrando no organismo e participando das atividades diárias, das conversas, problemas e decisões, como também por vezes de situações concretas, ele passa a ter condições de melhor compreendê-la para melhor combatê-la através do repasse de informações às autoridades”.
Deveras, “infiltração é a introdução de agente público, dissimuladamente quanto à finalidade investigativa (provas e informações) e/ou operacional (“dado negado” ou de difícil acesso) em quadrilha, bando, organização criminosa ou associação criminosa ou, ainda, em determinadas hipóteses (como crimes de drogas), no âmbito social, profissional ou criminoso do suposto autor de crime, a fim de obter provas que possibilitem, eficazmente, prevenir, detectar, reprimir ou, enfim, combater a atividade criminosa deles“.
Na hipótese, NÃO há falar em infiltração policial, uma vez que a agente lotada em agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representou o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando.
A ação controlada prevista no § 1° do art. 8° da Lei n. 12.850/2013 independe de autorização, bastando sua comunicação prévia à autoridade judicial.
É legal o auxílio da agência de inteligência ao Ministério Público Estadual durante procedimento criminal instaurado para apurar graves crimes em contexto de organização criminosa.
As inovações do Pacote Anticrime na Lei n. 9.296/1996 não alteraram o entendimento de que é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.
Não há infiltração policial quando agente lotado em agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representa o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando.
RECURSO ESPECIAL
A desoneração dos alimentos fixados entre ex-cônjuges deve considerar outras circunstâncias, além do binômio necessidade-possibilidade, tais como a capacidade potencial para o trabalho e o tempo de pensionamento.
REsp 1.829.295-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 13/03/2020 (Info 669)
Pedro Pedregulho ajuizou ação pretendendo se desonerar da obrigação de alimentos fixada em divórcio ocorrido no ano de 2008. Sustentou que, além do grande lapso de tempo cumprindo a obrigação, Manuela (a alimentanda) é graduada em diferentes áreas e por esta razão poderia arcar com o próprio sustento.
Em primeira instância o juízo acolheu o pedido do autor em julgamento antecipado da lide. A sentença foi reformada sob a fundamentação de que não restou comprovada a ociosidade ou a desídia de Manuela com os recursos provenientes da pensão.
R: SIM.
É cada vez mais firme o entendimento de que os alimentos devidos entre ex-cônjuges têm caráter EXCEPCIONAL e TRANSITÓRIO, salvo quando presentes particularidades que justifiquem a prorrogação da obrigação, tais como a incapacidade laborativa, a impossibilidade de (re)inserção no mercado de trabalho ou de adquirir autonomia financeira.
Há algum tempo, a Terceira Turma do STJ vem reafirmando que “os alimentos devidos entre ex-cônjuges serão fixados com TERMO CERTO, a depender das circunstâncias fáticas próprias da hipótese sob discussão, assegurando-se, ao alimentado, tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter pelas próprias forças, status social similar ao período do relacionamento”.
Além disso, tem-se afirmado que, “se os alimentos devidos a ex-cônjuge não forem fixados por termo certo, o pedido de desoneração total, ou parcial, poderá dispensar a existência de VARIAÇÃO no binômio necessidade/possibilidade, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado revertesse a condição desfavorável que detinha, no momento da fixação desses alimentos” (REsp 1.205.408/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 29/06/2011).
Assim, outras circunstâncias devem ser examinadas no julgamento de demandas desse jaez, tais como a capacidade potencial para o trabalho do alimentando, bem assim o tempo decorrido entre o seu início e a data do pedido de desoneração.
A desoneração dos alimentos fixados entre ex-cônjuges deve considerar outras circunstâncias, além do binômio necessidade-possibilidade, tais como a capacidade potencial para o trabalho e o tempo de pensionamento.
RECURSO ESPECIAL
Existindo evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso cuja pena já se encontra cumprida.
REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020(Info 670)
Josefina cometeu um crime de homicídio. Foi julgada, condenada e cumpriu pena. Quando ela já estava gozando da liberdade (di boa na lagoa), foi surpreendida por matéria jornalística veiculada em revista semanal a respeito de pessoas condenadas por crimes de homicídio que impactaram a sociedade brasileira, dando destaque para ela, seu esposo e seus filhos, inclusive com a publicação de fotografias.
Ela ajuizou demanda em que pede inclusive danos morais, alegando que a reportagem se concentra em sua vida cotidiana e de seus familiares (com ênfase a determinados acontecimentos relacionados à família), com a descrição das rotinas e hábitos do dia a dia, local onde residem e lugares por eles frequentados (alusão ao nome completo e profissão de um dos filhos), aparência física da autora e sua reação ao se deparar com os repórteres da revista, além de recordar o fato criminoso em que se viu envolvida.
O TJRJ entendeu que a revista utilizou o crime praticado pela primeira autora como mero subterfúgio para se imiscuir, de maneira abusiva e sensacionalista, na vida contemporânea das partes. A publicação não se limitou a tecer críticas prudentes ou narrar fatos de interesse público (animus criticandi e narrandi). A liberdade de comunicação e informação foi exercida de forma excessiva e tendenciosa em violação específica à imagem da autora através da publicação de fotografias, destituída da necessária autorização.
Os autores, não satisfeitos, pretendiam: (a) o arbitramento em quantia proporcional ao faturamento da venda efetiva de exemplares da revista – estimado em R$ 3.354.624,10 (três milhões, trezentos e cinquenta e quatro mil e seiscentos e vinte e quatro reais e dez centavos) – de modo a, assim, desestimular condutas semelhantes e reparar devidamente a exploração não consentida; (b) proibir futuras reportagens sobre os fatos.
R: SIM.
A controvérsia cinge-se em analisar os limites do direito ao esquecimento de pessoa condenada por crime notório, cuja pena se encontra extinta.
Inicialmente, importante reconhecer o caráter não absoluto do direito ao esquecimento. Incorporar essa dimensão implica assumir a existência de um aparente conflito no qual convivem, de um lado, o próprio direito ao esquecimento, os direitos à personalidade e à vida privada; e, de outro, a liberdade de manifestação do pensamento, a vedação à censura prévia e o interesse público no cultivo à memória coletiva.
Sob a faceta de projeção da liberdade de manifestação de pensamento, a liberdade de imprensa NÃO se restringe aos direitos de informar e de buscar informação, mas abarca outros que lhe são correlatos, tais como os direitos à crítica e à opinião.
Contudo, por também não possuir caráter absoluto, encontra limitação no interesse público e nos direitos da personalidade, notadamente à imagem e à honra das pessoas sobre as quais se noticia. Ademais, a exploração midiática de dados pessoais de egresso do sistema criminal configura violação do princípio constitucional da proibição de penas perpétuas, do direito à reabilitação e do direito de retorno ao convívio social, garantidos pela legislação infraconstitucional, nos arts. 41, VIII e 202, da Lei n. 7.210/1984 e 93 do Código Penal.
Na análise de Ingo Sarlet e Arthur Neto, “não mais se justificará a divulgação e publicização de informações referentes ao cometimento de infrações por uma pessoa que já percorreu o trajeto da sanção-reabilitação-perdão”. Ressaltam, nesse cenário, a importância de diferenciar, em casos de egressos do sistema prisional, atos de vingança coletiva e atos de efetiva justiça, de modo a permitir o transcurso das três etapas reconciliatórias propostas por Paul Ricoeur (SARLET, I. W., NETO, A. M. F. O direito ao “esquecimento” na sociedade da informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, pág. 204).
No caso, não há dúvidas de que a reportagem não apresenta conteúdo informativo ou de interesse histórico acerca do crime aqui abordado, situação que, caso observada, seria acobertada pela razoabilidade e pelos limites do direito à informação. De fato, a notícia, ao contrário, destina-se exclusivamente a explorar a vida contemporânea dos autores, dificultando, assim, a superação de episódio traumático.
R: NÃO.
Muito embora cabível reconhecer e reparar as violações constatadas no presente caso, é inadmissível a fixação, ao veículo de comunicação, de antemão, de um dever geral de abstenção de publicar futuras reportagens relacionadas com o ato criminoso.
A liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, tem, sobretudo, um caráter de pretensão a que o Estado não exerça censura. (…) Convém compreender que censura, no texto constitucional, significa ação governamental, de ordem prévia, centrada sobre o conteúdo de uma mensagem. Proibir a censura significa impedir que as ideias e fatos que o indivíduo pretende divulgar tenham de passar, antes, pela aprovação de um agente estatal.” (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, “II – Liberdades”. In: MENDES, Gilmar. Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. (Orgs.) “Curso de Direito Constitucional”. 7ª edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, págs. 392/323)
Tanto é assim que no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815/DF, o Supremo Tribunal Federal se manifestou a respeito da impossibilidade de cercear a liberdade de expressão e da proibição constitucional à censura estatal ou particular: A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceada pelo Estado ou por particular. 4. O direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações” (Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 10/6/2015).
Outrossim, apesar de haver nítida violação de direitos e princípios, apta a ensejar condenação pecuniária posterior à ofensa, inviável o acolhimento da tese do direito ao esquecimento. Ressalta-se que o interesse público deve preponderar quando as informações divulgadas a respeito de fato criminoso notório forem marcadas pela historicidade, permanecendo atual e relevante para a memória coletiva.
Desse modo, sob pena de apagamento de trecho significativo não só da história de crimes famosos que compõem a memória coletiva, mas também de ocultação de fato marcante para a evolução legislativa mencionada, não há razões para acolher o pedido concernente à obrigação de não fazer.
Contudo, é válido ressalvar que a análise concreta da historicidade de crimes famosos deve perpassar a aferição do genuíno interesse público presente em cada hipótese fática. Tal dimensão apenas pode ser constatada nas situações em que os fatos recordados marcaram a memória coletiva e, por isso, sobrevivem à passagem do tempo, transcendendo interesses individuais e momentâneos.
Diante de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
RECURSO ESPECIAL
O uso da imagem de torcedor inserido no contexto de uma torcida não induz a reparação por danos morais quando não configurada a projeção, a identificação e a individualização da pessoa nela representada.
REsp 1.772.593-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/06/2020, DJe 19/06/2020(Info 674)
Lada do Brasil Ltda, fabricante de veículos, utilizou a imagem de um jogo de futebol em canal de televisão e redes sociais para promover o lançamento do veículo Lada Dilux 2.0. Ocorre que, em uma das imagens, apareceu Vanderlei, torcedor fanático do time mandante do jogo e rapaz tímido e avesso a publicidade (além disso, ele havia dito pra esposa que ficaria trabalhando até mais tarde, não que iria no jogo…).
Vanderlei então ajuizou ação de indenização por danos morais em face da fabricante de veículos e sustentou que não havia autorizado a exposição de sua imagem para fins comerciais, o que teria lhe causado dano moral. O Juízo de primeiro grau julgou improcedente a ação e a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça local.
No acórdão, entendeu o tribunal de segundo grau que, dentro do contexto em que as imagens foram veiculadas, não restou clara a ocorrência do aludido dano. Inconformado, Vanderlei interpôs recurso especial reiterando a ausência de autorização para o uso de imagem e que independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos.
Cinge-se a controvérsia em decidir sobre a configuração do dano moral pelo uso da imagem de torcedor de futebol para campanha publicitária de automóvel, enquanto ele se encontrava no estádio assistindo à partida do seu time.
R: NÃO.
Em regra, a autorização para uso da imagem deve ser expressa, no entanto, a depender das circunstâncias, especialmente quando se trata de imagem de multidão, de pessoa famosa ou ocupante de cargo público, há julgados desta Corte em que se admite o consentimento presumível, o qual deve ser analisado com extrema cautela e interpretado de forma restrita e excepcional.
De um lado, o uso da imagem da torcida – em que aparecem vários dos seus integrantes – associada à partida de futebol é ato plenamente esperado pelos torcedores, porque costumeiro nesse tipo de evento.
Se a imagem é, segundo a doutrina, a emanação de uma pessoa, através da qual ela se projeta, se identifica e se individualiza no meio social, não há falar em ofensa a esse bem personalíssimo se não configurada a projeção, identificação e INDIVIDUALIZAÇÃO da pessoa nela representada.
De outro lado, quem comparece a um jogo esportivo não tem a expectativa de que sua imagem seja explorada comercialmente, associada à propaganda de um produto ou serviço, porque, nesse caso, o uso não decorre diretamente da existência do espetáculo.
Mas então Vanderlei fica rico (recebe dano moral)?
Não!
Embora NÃO se presuma que o torcedor, presente no estádio para assistir à partida de futebol, tenha, tacitamente, autorizado a utilização da sua imagem em campanha publicitária, não há falar em dano moral se não ocorre o destaque da sua imagem, estando essa inserida no contexto de uma torcida, juntamente com vários outros torcedores.
Logo, ainda que ausente o consentimento do torcedor, não há falar em exposição abusiva a configurar ofensa ao direito à imagem e, portanto, a caracterizar dano moral.
O uso da imagem de torcedor inserido no contexto de uma torcida não induz a reparação por danos morais quando não configurada a projeção, a identificação e a individualização da pessoa nela representada.
RECURSO ESPECIAL
A alienação de unidades produtivas isoladas prevista em plano de recuperação judicial aprovado apenas pode adotar outras modalidades de alienação em situações excepcionais, que devem estar explicitamente justificadas na proposta apresentadas aos credores, a despeito do que previsto no art. 60 e 142 da Lei n. 11.101/2005.
REsp 1.689.187-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020(Info 671)
Uma certa empresa em recuperação judicial fez constar em seu plano de recuperação a alienação de uma unidade produtiva isolada mediante modalidade diversa do leilão (pretende a alienação particular), sob fundamento de que o objeto da empresa é muito específico e o interesse é muito reduzido, sendo que a proposta apresentada é a melhor que se poderá conseguir. Pode isso?
R: EXCEPCIONALMENTE, sim!
De acordo com o art. 60 da Lei n. 11.101/2005, no caso de o plano de recuperação judicial (aprovado) prever a alienação de unidade produtiva isolada, o juiz determinará sua realização em observância ao disposto no art. 142, que trata, em síntese, da alienação por hasta pública (leilão, propostas e pregão).
A despeito de a transparência e a concorrência estarem melhor garantidas com a realização de hasta pública para a alienação de unidades produtivas, sendo essa a regra que deve ser aplicada na maior parte dos casos, existem situações em que a flexibilização da forma de alienação, nos termos do art. 145 da LRF, é a única maneira de viabilizar a venda.
As condições do negócio, nessas circunstâncias, devem estar descritas minuciosamente no plano de recuperação judicial, de modo que os credores possam avaliar sua viabilidade e o juiz verificar a legalidade do procedimento. A votação deste ponto deve se dar de forma destacada e alcançar a aprovação de maioria substancial dos credores (art. 46 da LRF), garantindo a anuência específica à forma de negociação escolhida
Na recuperação judicial, é possível a alienação de unidade produtiva isolada por modalidade diversa das previstas pelo art. 142 da Lei n. 11.101/2005, por exceção, comprovada a necessidade.
RECURSO ESPECIAL
Nos casos em que há aditamento ao plano de recuperação judicial, o termo inicial do prazo bienal de que trata o artigo 61, caput, da Lei n. 11.101/2005 deve ser a data da concessão da recuperação judicial.
REsp 1.853.347-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020(Info 672)
A empresa Quasifalindus S/A pediu recuperação judicial. Após o plano ter sido aprovado, devido a circunstâncias supervenientes, houve aditamento ao plano de recuperação judicial, o que foi aceito pelos credores.
A questão então é definir se o termo inicial do prazo bienal de acompanhamento do judiciário da recuperação (art. 61, caput, da Lei n. 11.101/2005) deve ser: (a) a data da concessão da recuperação judicial; ou (b) a data em que foi homologado o aditivo ao plano.
Realmente, a Lei n. 11.101/2005 NÃO prevê a possibilidade de que, após a aprovação do plano de recuperação judicial, sejam apresentados aditivos ou mesmo um novo plano para aprovação dos credores.
O art. 53 da LRF determina que o credor apresente o plano de recuperação judicial no prazo de 60 (sessenta) dias e, no caso de haver objeção de algum dos credores, que seja convocada assembleia geral de credores para deliberar a respeito de seus termos (art. 56 da LRF).
É certo que, na assembleia de credores, o plano poderá sofrer modificações, fruto das negociações ali desenvolvidas, e, caso haja concordância do devedor e inexistência de diminuição unicamente dos direitos garantidos aos credores ausentes, o plano será aprovado (também podendo ocorrer sua rejeição com a decretação da quebra). E, uma vez aprovado o plano de recuperação judicial, a lei de regência NÃO mais cuida da possibilidade de novas deliberações acerca de seu conteúdo.
Na prática, a situação é diferente e tanto a doutrina como a jurisprudência vêm admitindo aditivos ao plano por situações que somente se mostraram depois, teve de ser modificado, o que foi admitido pelos credores.
A LRF estabeleceu, em seu art. 61, caput, o prazo de 2 (dois) anos para o devedor permanecer em recuperação judicial, que se inicia com a concessão da recuperação judicial (art. 58 da LRF) e que se encerra com o cumprimento de todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos do termo inicial.
É preciso esclarecer, desde logo, que o fato de a recuperação judicial se encerrar no prazo de 2 (dois) anos NÃO significa que o plano não possa prever prazos mais alongados para o cumprimento das obrigações, mas, sim, que o cumprimento somente será acompanhado pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelo administrador judicial nessa fase, para depois estar sob a fiscalização única dos credores.
Trata-se de uma PRESUNÇÃO do legislador, como ensina a doutrina, de “que o devedor que se submeteu a todos os percalços do pedido de recuperação, que preencheu todas as exigências legais, que cumpriu suas obrigações por dois anos consecutivos, certamente terá atingido uma situação na qual deverá cumprir todas as obrigações assumidas”. Passada a tempestade, ele se vira…
Algumas situações, entretanto, NÃO foram antevistas pelo legislador na aplicação do art. 61 da LRF, mas foram se apresentando na prática, como:
O estabelecimento de um prazo de supervisão judicial agrega ao processo de recuperação um qualificativo de transparência indispensável para angariar a confiança dos credores, facilitando as negociações organizadas, o cumprimento do stay period e a aprovação dos planos de recuperação judicial.
Sob essa perspectiva, era essencial que o legislador estabelecesse um prazo mínimo de efetiva fiscalização judicial da recuperação judicial, durante o qual o credor se veria confortado pela exigência do cumprimento dos requisitos para concessão da recuperação judicial e pela possibilidade direta de convolação da recuperação judicial em falência, no caso de descumprimento das obrigações (art. 61, § 1, da LRF), com a revogação da novação dos créditos (art. 61, § 2, da LRF).
Por outro lado, a fixação de um prazo máximo para o encerramento da recuperação judicial também se mostra indispensável para afastar os efeitos negativos de sua perpetuação, como o aumento dos custos do processo, a dificuldade de acesso ao crédito e a judicialização das decisões que cabem aos agentes de mercado, passando o juiz a desempenhar o papel de muleta para o devedor e garante do credor.
Assim, alcançado o principal objetivo do processo de recuperação judicial, que é a aprovação do plano de recuperação judicial, e encerrada a fase inicial de sua execução, quando as propostas passam a ser executadas, a empresa deve retornar à normalidade, de modo a lidar com seus credores sem intermediação.
Nesse cenário, (i) NÃO parece possível a redução do prazo de fiscalização judicial, ainda que a previsão esteja inserida em cláusula de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores, pois contraria o art. 61 da LRF e a própria sistemática estabelecida pelo legislador.
Ainda dentro dessa lógica, (ii) o termo inicial para a fiscalização deve levar em conta o início da fase de execução do plano de recuperação judicial, com a adoção de providências para o cumprimento das obrigações assumidas.
No caso da (iii) apresentação de aditivos ao plano de recuperação judicial, o pressuposto é de que o plano estava sendo cumprido. Assim, NÃO há propriamente uma ruptura da fase de execução.
Dessa forma, NÃO há justificativa para a modificação do termo inicial da contagem do prazo bienal do artigo 61 da LRF. Decorridos 2 (dois) anos da concessão da recuperação judicial, ela deve ser encerrada, seja pelo cumprimento das obrigações estabelecidas para esse período, seja pela eventual decretação da falência.
O termo inicial do prazo bienal previsto no art. 61, caput, da Lei n. 11.101/2005 conta-se da data da concessão da recuperação judicial, sendo irrelevantes a existência de termos aditivos para esse fim.
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Apesar da proibição do trabalho infantil, o tempo de labor rural prestado por menor de 12 anos deve ser considerado para fins previdenciários.
AgInt no AREsp 956.558-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020(Info 674)
José requereu sua aposentadoria administrativamente, porém esta foi indeferida por falta de comprovação de tempo de contribuição. Ocorre que o INSS não reconheceu todo o período de atividade rural pleiteado por José, ainda que comprovado o efetivo exercício desta por meio de documentos e testemunhas. A negativa da autarquia foi fundamentada na impossibilidade de reconhecimento do tempo de atividade rural anterior aos 12 anos de idade pela legislação infraconstitucional
Inconformado, José levou a questão ao judiciário e fundamentou que a lei não estabelece uma idade mínima para o cômputo de período laboral rural, o que permitiria a contagem da atividade exercida antes dos 12 anos de idade.
Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários
R: SIM.
A legislação infraconstitucional impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no Regime Geral de Previdência Social – RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 9.8.2011).
A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos propósitos de sua edição. No caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica.
Desta feita, NÃO é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de PUNIR DUPLAMENTE o trabalhador que teve a infância sacrificada por conta do trabalho rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção.
A rigor, NÃO há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso as provas acerca da alegada atividade, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos, e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido.
Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique. No entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser considerado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, sem exonerar o empregador das punições legais às quais se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores.
Apesar da proibição do trabalho infantil, o tempo de labor rural prestado por menor de 12 anos deve ser computado para fins previdenciários.
RECURSO ESPECIAL
No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.
REsp 1.788.700-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 24/06/2020, DJe 01/07/2020 (Info 675)
Ivan teve seu pedido de auxílio-doença indeferido na via administrativa. Para prover seu sustento, trabalhou até mesmo após o indeferimento e posteriormente entrou com ação judicial para a concessão do benefício por incapacidade.
O Juízo de primeiro grau julgou procedente a ação para condenar o INSS a implantar o benefício com data de início fixada na data do indeferimento administrativo, o que acabou por abranger o período em que havia continuado a trabalhar.
O INSS se manifestou contra tal decisão por entender que não caberia o pagamento do benefício nos períodos em que Ivan trabalhou, conforme arts. 42,56 e 59 da Lei 8.213/1991.
Cinge-se a controvérsia em saber se há possibilidade de recebimento de benefício, por incapacidade, do Regime Geral de Previdência Social, de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), concedido judicialmente em período de abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o deferimento do benefício.
R: SIM.
Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei n. 8.213/1991.
Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na INCOMPATIBILIDADE entre as duas situações (benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença por incapacidade e aposentadoria por invalidez.
É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda, que a volta ao trabalho seja, em regra, causa AUTOMÁTICA de cessação desses benefícios, como se infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei n. 8.213/1991, com ressalva ao auxílio-doença.
No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) estabelece como requisito a incapacidade “para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência”, e, desse modo, a volta a qualquer atividade resulta no automático cancelamento do benefício (art. 46). Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja “incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual”. Desse modo, a função substitutiva do auxílio-doença é RESTRITA às duas hipóteses, fora das quais o segurado poderá trabalhar em atividade não limitada por sua incapacidade.
Alinhada a essa compreensão, já implícita desde a redação original da Lei n. 8.213/1991, a Lei n. 13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela, com as seguintes redações, respectivamente: “O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade; e, na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas”.
Apresentado esse panorama legal sobre o tema, importa estabelecer o ponto diferencial entre a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei: aqui o segurado requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve seu direito na via judicial; já a lei trata da situação em que o benefício é concedido, e o segurado volta a trabalhar.
O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da incapacidade, por FALHA ADMINISTRATIVA do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência.
No caso, por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Dessarte, a remuneração por esse trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.
Constata-se que, ao trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está o segurado atuando de boa-fé, cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.
No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.
RECURSO ESPECIAL
Não se aplica a isenção do imposto de renda prevista no inciso XIV do artigo 6º da Lei n. 7.713/1988 (seja na redação da Lei n. 11.052/2004 ou nas versões anteriores) aos rendimentos de portador de moléstia grave que se encontre no exercício de atividade laboral.
REsp 1.814.919-DF, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por maioria, julgado em 24/06/2020, DJe 04/08/2020 (Tema 1037)(Info 676)
Carlos, servidor público, foi diagnosticado como portador de neoplasia maligna do cólon no ano de 2015. Desde então, Carlos realiza o tratamento indicado e permanece exercendo suas atividades laborais, no entanto, requereu a isenção do IRPF sobre seus proventos, conforme previsto no inciso XIV do artigo 6º da Lei n. 7.713/1988.
A isenção foi negada administrativamente sob o fundamento de que só poderia ser concedida em caso de afastamento das atividades laborais. Inconformado, Carlos ajuizou ação para ter garantido o direito da isenção, ainda que se encontre trabalhando regularmente.
O Tribunal Regional Federal local entendeu que Carlos faria jus a tal isenção, uma vez que o benefício conferido aos afastados das atividades laborais deve ser reconhecido também àqueles que, embora portadores de moléstia grave, continuam contribuindo com a força de trabalho.
A Fazenda Nacional, então, interpôs recurso especial no qual sustentou que fora dada interpretação extensiva à norma que institui isenção tributária, violando o art. 111, II do Código Tributário Nacional e que tal isenção somente alcançaria aposentados e pensionistas portadores de doenças graves.
R: NÃO.
No âmbito do STJ, a jurisprudência é pacífica e encontra-se consolidada há bastante tempo no sentido da não extensão da isenção do art. 6°, XIV, da Lei n. 7.713/1988 à renda das pessoas em atividade laboral que sofram das doenças ali enumeradas. O referido artigo isenta do imposto de renda alguns rendimentos que elenca nos incisos, sendo que o inciso XIV refere-se aos “proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço E os percebidos pelos portadores de moléstia profissional”.
A partícula “e” significa que estão isentos os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os [proventos] percebidos pelos portadores de moléstia profissional. Ou seja, o legislador valeu-se do aditivo “e” para EVITAR a repetição do termo “proventos”, e não para referir-se à expressão “rendimentos” contida no caput.
Não procede o argumento de que essa interpretação feriria o art. 43, I e II, do Código Tributário Nacional, que estabeleceria o conceito de renda para fins tributários, abrangendo as expressões “renda” (inciso I) e “proventos” (inciso II). A expressão “renda” é o gênero que abrange os conceitos de “renda” em sentido estrito (“assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”), e de “proventos de qualquer natureza” (“assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”). O legislador pode estabelecer isenções específicas para determinadas situações, não sendo necessário que toda e qualquer isenção se refira ao termo “renda” no sentido mais amplo.
Ademais, ao se recordar que a isenção do art. 6°, XIV, da Lei n. 7.713/1988 foi objeto de duas alterações legislativas específicas que mantiveram o conceito estrito de proventos, a demonstrar que o intuito do legislador foi manter o âmbito limitado de incidência do benefício, perde sentido o argumento de que, na época da edição da lei, as doenças elencadas, por sua gravidade, implicariam sempre a passagem do trabalhador à inatividade, e que a evolução subsequente da medicina teria ditado a necessidade de se ajustar a expressão linguística da lei à nova realidade social.
Como reza o art. 111, inciso II, do CTN, a legislação que disponha sobre isenção tributária deve ser INTERPRETADA LITERALMENTE, não cabendo ao intérprete estender os efeitos da norma isentiva, por mais que entenda ser uma solução que traga maior justiça do ponto de vista social. Esse é um papel que cabe ao Poder Legislativo, e não ao Poder Judiciário. Assim, se a norma isentiva fala em proventos de aposentaria ou reforma, não pode ser interpretada de forma extensiva para abranger os rendimentos decorrentes do trabalho.
Portanto, a interpretação dos arts. 43, I e II, e 111, II, do Código Tributário Nacional e do art. 6°, XIV e XXI, da Lei n. 7.713/1988 conduz à conclusão de que a isenção de imposto de renda referida nesse último diploma legal NÃO abrange os rendimentos de portador de moléstia grave que esteja em atividade laboral.
Não se aplica a isenção do imposto de renda prevista no inciso XIV do artigo 6º da Lei n. 7.713/1988 (seja na redação da Lei n. 11.052/2004 ou nas versões anteriores) aos rendimentos de portador de moléstia grave que se encontre no exercício de atividade laboral.
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