Fala, pessoal! Professor Felipe aqui na área!
Vejam abaixo a possibilidade de dois recursos na prova de Português do ISS Criciúma, realizada pela banca FEPESE neste domingo. Espero que vocês tenham ido muito bem!
Vejo possibilidade de recurso nas questões 3 e 10, baseado em algumas sutilezas técnicas que a banca não observou, mas que prejudicam a análise dos itens, especialmente pelo candidato de alto nível.
3. Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V ) e
as falsas ( F ), de acordo com o texto.
Veja o texto:
Desconheço quem seja Jennifer Moyer, mas simpatizei
com essa moça (garanto que ela nunca deixou de
ser moça, mesmo que tenha morrido aos cem). Só as
pessoas de alma jovem e sadia é que entendem que
a gente não vem ao mundo para sugá-lo, para retirar
dele o suco possível e deixar para trás o nosso lixo.
(E) O conector “embora” pode substituir “mesmo
que” sem alterar o sentido da oração.
A banca considerou o item errado, por um motivo até legítimo e bastante complexo. Há de fato sutil diferença semântica entre esses conectivos. Vamos entender:
Ele não entende, mesmo que eu explique. (Aqui, o “mesmo que” dá uma ideia hipotética, eu posso explicar ou não explicar e, em ambos os casos, ele não entende. Temos duas possibilidades de leitura. )
Ele não entende, embora eu explique. (Aqui, o “embora” dá uma ideia factual, eu explico (fato) e, mesmo assim, ele não entende)
O problema é que, no contexto, a autora nos informa ou sugere fortemente que a autora morreu com cem anos, o que faz dessa informação um ‘fato certo’. Então, na premissa de que é um fato certo, ambos os conectivos são adequados, pois ambos contemplam a ideia de fato certo, embora um deles também permita uma outra leitura.
No mínimo, o item é ambíguo o suficiente para impossibilitar a análise, pois, havendo dúvida sobre o fato ter ocorrido ou não, não há como julgar se o conectivo “embora” serviria ou não.
Além disso, a maioria das gramáticas lista “embora e mesmo que” como sinônimas, sem entrar em sutilezas semânticas.
Para deixar esse argumento ainda mais forte, cito um dos exercícios da “Novíssima Gramática da Língua Portuguesa”, de Cegalla. Nessa questão, o gabarito foi a letra C, e a troca foi considerada correta!
c) 1 – E minha vida (. ..) responde que devo lutar com quem se agora, mesmo que eu morra depois.
li – Cristo tinha sido além de santo um homem como ele, embora sem ciente de ouro.
Portanto, esse item é problemático, se analisado de forma técnica.
Vamos a mais uma possibilidade de recurso.
10. Identifique abaixo com ( C ) as orações corretas e
com ( E ) as orações erradas, quanto à concordância e
à regência verbal e nominal, conforme a norma culta
atual da língua portuguesa do Brasil.
( ) Eu imputo a paralisia cerebral de meu filho ao
erro do médico.
( ) Cidadãos quem trabalham e pagam impostos
vivem em prisão domiciliar, atrás das grades.
Só lhes falta as tornozeleiras.
( ) Sobre o quê mesmo que eu ia escrever?
( ) Filhos, melhor não tê-los, mas se não os temos,
como sabê-los? (Morais, Vinicius de.)
( ) São meio-irmãos, por isso não têm muito
contato um com o outro.
( ) Ah, tu tens um irmão gêmeos?!
Assinale a alternativa que indica a sequência correta,
de cima para baixo.
a. ( ) C • C • E • E • E • C
b. ( X ) C • E • C • C • E • E
c. ( ) C • E • E • C • C • E
d. ( ) E • C • C • E • E • C
e. ( ) E • C • E • E • C • E
Fazendo as devidas correções, teríamos:
( ) Cidadãos QUE trabalham e pagam impostos
vivem em prisão domiciliar, atrás das grades.
Só lhes falta as tornozeleiras.
( ) São meioS-irmãos, por isso não têm muito
contato um com o outro.
( ) Ah, tu tens um irmão GÊMEO?!
Contudo, entendo que há um erro também em:
( ) Filhos, melhor não tê-los, mas se não os temos,
como sabê-los? (Morais, Vinicius de.)
A forma adequada deveria ser “sabê-lo”, pois temos um pronome demonstrativo “neutro”, retomando uma ideia anterior (melhor não tê-los) e não retomando o vocábulo “filhos”. O sentido é “como saber isso?”, como saber “se é melhor não ter filhos”. Veja esse recurso nas palavras do gramático Domingos Paschoal Cegalla (Novíssima Gramática da Língua Portuguesa):
“O pronome demonstrativo neutro o pode representar um termo ou o conteúdo de uma oração inteira, caso em que aparece, geralmente, como objeto direto, predicativo ou aposto.
Exemplos:
la dizer-lhe umas palavras duras, mas não o fiz.
Quiseram gratificar-me, o que me deixou constrangido.
“Ninguém teve coragem de falar antes que ela o fizesse.” (JOSÉ CoNDÉ)
“Era uma bela ponte, ele próprio o reconhecia.” (ANíBAL MACHADO)
“Era meu o universo; mas, ai triste! Não o era de graça.” (MACHADO DE Assis)
“Se lagoa existiu, pouca coisa o indica.” (Pov1NA CAVALCANTI)
“Dirás que sou ambicioso? Sou-o deveras, mas … ” (MACHADO DE Assis)
“O jantar ia ser um desastre. Todos o pressentiam.” (FERNANDO NAMORA)
• Para evitar a repetição de um verbo anteriormente expresso, é comum empregar-se, em tais
casos, o verbo fazer, chamado, então, verbo vicário (= que substitui, que faz as vezes de).
Exemplos:
la dizer-lhe umas palavras duras, mas não o fiz.
Ele ajudava os pobres e o fazia sem alarde.
“O jornal informa e o faz corretamente, afirmava, vitorioso, o editorial.” (JORGE AMADO)”
Observem que é exatamente o caso que temos no item: “como sabê-lo”!
Então, como a questão versa sobre concordância da língua padrão, baseada nas regras rígidas das gramáticas, não podemos simplesmente presumir que o uso está correto porque está na obra de um poeta. Lembrando que Vinícius de Morais é exatamente o mesmo poeta que usa em um soneto “posto que” (conjunção concessiva), com valor de “já que”, conectivo causal.
Então, o item deveria ser considerado incorreto, pois o pronome demonstrativo neutro fica no singular e não faria sentido alegar que “os” retoma filhos, pois não “sabemos filhos”, sabemos “algo dito anteriormente”, o sentido é de “não há como saber se é melhor não tê-los”.
E aí pessoal, vocês entenderam essas sutilezas? Concordam comigo?
Os argumentos estão aí, pessoal. Agora é cada candidato, COM SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS, elaborar uma tentativa de anulação baseada nesses argumentos acima.
Boa sorte a todos, grande abraço!
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Graças, professor! Também havia anotado para entrar com recurso nessas duas questões, e pensei igualmente na questão do "embora".
Na alternativa que fala "Sobre o quê mesmo que eu ia escrever", também não caberia recurso?
Mesmo o "quê" sendo precedido de artigo, não poderia considerá-lo nesse caso como pronome substantivo indefinido (ou interrogativo), e portanto não levaria circunflexo?
Olá, Daniela.
O "quê" recebe acento sim, porque é tônico, ok?
Abraço!