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Princípios Gerais do Direito Tributário – Não Vedação ao Tráfego

Conceitos Iniciais

Este artigo tem como objetivo expor o princípio da não vedação ao tráfego e como a jurisprudência e doutrina moldaram suas definições.

O princípio da não vedação ao tráfego está expressa na Constituição Federal de 1988 (CF/88), no artigo 150: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)

V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

O que se pretendeu através do comando constitucional? Impedir que os entes tributantes instituíssem tributos cujo fato gerador estivesse lastreado simplesmente em circulação de pessoas ou bens entre cidades ou estados?

Não. O comando não impede os entes tributantes de instituírem tributos à circulação de pessoas e bens – o que ele veda é que tais tributos sejam instituídos com o objetivo de coibir ou proibir que pessoas ou bens circulem entre municípios ou entre estados. O que se veda é que tais tributos atentem contra a liberdade de locomoção dos indivíduos.

Dentro do mesmo comando existe uma ressalva: a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público. É importante lembrar que, na época da promulgação da CF/88 o país vinha de uma administração estatal que inclusive assumia predominantemente a gestão de estradas de rodagem – tanto em nível federal como estadual. Isso remonta uma concepção de que as estradas são bens públicos de gestão dos Estados ou da União. No período da CF/88 isso ainda era prática corriqueira no país.

O princípio da não vedação ao tráfego busca assegurar a liberdade de locomoção

As ressalvas ao princípio da não vedação ao tráfego

O pedágio nas constituições brasileiras vem desde a Constituição de 1946. A redação do artigo 27 assim apresenta o tema: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de qualquer natureza por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de taxas, inclusive pedágio, destinada exclusivamente à indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas.”

A doutrina mantém uma leitura controversa sobre o que seria o pedágio. Tanto no texto da Constituição de 1946 como na CF/88 persiste a cobrança do pedágio como uma ressalva, ou seja – o direito de locomoção é garantido, mas ele é relativizado no que se refere ao uso das estradas de rodagens do país, pois o que o poder público investiu de recursos públicos ele precisa reaver. Considerando que ao construir a estrada a administração pública utilizou recursos públicos latu sensu, ou seja, recursos inclusive de quem não utilizará a dita estrada, parece bastante lógico que se cobre pedágio de quem de fato a utilizará

Desta forma, o custo de construção e manutenção da estrada gradativamente será alocado aos usuários dela, em uma espécie de contraprestação. Desta concepção é que vem a visão de parte da doutrina de que o pedágio seja um tributo da espécie taxa.

Entretanto, para ampliar o escopo, o princípio da não vedação ao tráfego não é somente excepcionado pelo pedágio, mas, também, pelo Imposto relativo à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS). O fato gerador do imposto é a circulação de mercadorias e determinados serviços de transporte e comunicação, que ocorre não pelas transposições municipais ou estaduais – mas pela circulação de mercadorias e serviços. A transposição pode ocorrer, mas não é ela em si a causa.

Há ainda outra ressalva na doutrina tributária: é admissível que haja uma taxa turística que seja cobrada, por exemplo, por turistas que visitem uma cidade com certo potencial turístico, de forma a ressarcir a cidade dos custos oriundos de um influxo de população não originária (que certamente traz dinheiro, mas também custos de lixo, poluição, manutenção de praias, matas ou mesmo sítios arqueológicos).

Não se pode impedir o tráfego. Mas seria errado instituir uma taxa para proteger o meio ambiente de um influxo turístico?

A não vedação ao tráfego e o pedágio

A visão doutrinária do pedágio como espécie tributária encontra defensores que advogam a feição tributária do pedágio em três fatores: a ressalva, o local onde o assunto é abordado na CF/88 e manutenção das estradas por entes públicos.

A ressalva traz claramente uma inferência de que só pode se tratar de uma espécie tributária, já que é uma concessão ao princípio da não vedação ao tráfego – pois, se é uma concessão, implicitamente, assume que o pedágio também se insere entre as espécies tributárias.

A outra sinalização que defensores do pedágio como espécie tributária veem é o lugar na constituição em que o assunto é tratado. Como ele está sendo discorrido no capítulo sobre a tributação, entre as limitações do poder de tributar, há uma clara identificação do pedágio como uma espécie de tributo – ainda que ele não seja expressamente mencionado como tal.

O último ponto é também uma construção teórica, remetendo à administração pública a prestação de serviço público, quando se fala em pedágio pela utilização de estradas mantidas pelo poder público.  Desta forma, a utilização de estradas mantidas pelo poder público seria uma fruição de um serviço público.

Entretanto, esta visão possui algumas limitações: a construção da estrada não pode entrar nesta questão, pois, de acordo com alguns autores, a espécie tributária mais adequada à construção de uma estrada seria a contribuição de melhoria (que não necessariamente oneraria usuários da estrada, mas os proprietários de imóveis próximos a ela).

Outro ponto a ser observado é a questão relacionada a quem cuida da estrada. A Constituição de 1946, a de 1967 foram elaboradas e promulgadas quando na prática somente o poder público providenciava a cobrança de pedágio e manutenção de estradas. Quando da promulgação da CF/88, o quadro econômico era um pouco diferente: já havia experiências de gestão privada de bens públicos, especialmente de estradas – o que, por si só, retirava desta relação sua feição tipicamente tributária.

Nessa perspectiva, se sobressai a relação sinalagmática (bilateral, consensual) do pedágio, que é bem diferente de uma relação de prestação de serviços estatal (unilateral, coativa), na qual o usuário paga se efetivamente ou potencialmente utilizar o serviço.

Seguindo nesta linha, o valor cobrado não precisa estar instituído em lei, e caso haja algum reajuste, também não precisa respeitar a anterioridade de exercício (aguardar o exercício seguinte para ser cobrado). Estes últimos pontos apontam que o pedágio seja na verdade uma modalidade de preço público, conforme já foi reconhecido em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) – em uma ação em que se questionava a não disponibilização de via alternativa, alegava-se ofensa ao princípio da não vedação ao tráfego, argumento rechaçado pelo Supremo, em função de que, em que pese o princípio, tal prestação de serviço nas estradas não seria espécie tributária, e sim preço público – o que desobrigaria o fornecimento de estrada alternativa.

A jurisprudência do STF já definiu que o pedágio é preço público – e não taxa

A não limitação ao tráfego e a taxa

Como já expresso anteriormente, o princípio da não vedação ao tráfego não impede a instituição de tributos, mas a instituição de forma a coibir, proibir, ofender a liberdade de locomoção expressa na CF/88, Art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”

O que se proíbe é instituir tributos com o claro objetivo de impedir a liberdade de locomoção. Agora, é possível que haja um município de pequeno porte, que possua um excelente potencial turístico, que exerça uma enorme atração de populações de outras cidades, outros estados até – e a administração pública deste referido município esteja avaliando custos crescentes decorrentes deste influxo turístico e seus efeitos no meio ambiente, ou, se se tratar de uma cidade litorânea, os custos de manutenção de suas praias e instalações. Poderia este município instituir uma taxa com o objetivo de ressarcir tais custos?

A doutrina entende que sim, é possível. Tal taxa, evidentemente, seria caracterizada como uma taxa referente ao exercício do poder de polícia, por tal ente tributante. Assim também entendeu o município de Bombinhas, no estado de Santa Catarina.  Através da Lei Complementar n. 185/2013, o município instituiu a Taxa de Preservação Ambiental (TPA).

O artigo 2º da lei traz seu fato gerador: “A TAXA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL – TPA tem como fato gerador o ingresso de visitantes por meio do seu único acesso pela Avenida Governador Celso Ramos em altíssima escala durante os meses de novembro a abril em um território de apenas 36km² e de extrema sensibilidade ambiental, colocando em risco os ecossistemas naturais da cidade de Bombinhas, considerando A UTILIZAÇÃO, EFETIVA OU POTENCIAL DA INFRA-ESTRUTURA FÍSICA, DO ACESSO E FRUIÇÃO AO PATRIMÔNIO NATURAL, AMBIENTAL E HISTÓRICO DO MUNICÍPIO DE BOMBINHAS, INCIDENTE SOBRE O TRÂNSITO DE VEÍCULOS UTILIZANDO INFRAESTRUTURA FÍSICA ambiental, durante o período de incidência dessa visitação.

O município de Bombinhas/SC instituiu a TPA (Taxa de Proteção Ambiental)

Conclusões

Neste artigo foi exposto e explicado mais um dos princípios tributários que pertencem ao direito tributário brasileiro. Menos conhecido do que os princípios da legalidade, anterioridade, isonomia, irretroatividade e vedação ao confisco, o princípio da não vedação ao tráfego não é menos importante.

Houve uma preocupação de legisladores originários de outras constituições do país que não houvesse um arbítrio estatal de tal forma que se impedisse ou se inviabilizasse a locomoção entre as diversas áreas do país. E tal cuidado permaneceu por décadas.

É claro que isso não significa, obviamente, que qualquer pessoa poderá cruzar milhares de quilômetros no país sem custos. O objetivo dos constituintes originários foi estabelecer limites ao poder de tributar, que, se não for restringido, pode inclusive tolher a liberdade de seus cidadãos.

Assim, além dos princípios tributários já mencionados, o princípio da não vedação ao tráfego se une a mais uma das garantias concedidas ao contribuinte, em mais uma liberdade de caráter negativo, trazendo um “não fazer” do estado – demonstrando porque estes princípios e garantias foram denominados pelo STF de cláusulas pétreas.

Ricardo Pereira de Oliveira

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Ricardo Pereira de Oliveira

Formado em Administração de Empresas pelo Mackenzie, pós-graduado em Marketing pela ESPM. Concurseiro desde 2014. Auditor Fiscal da Receita Municipal de Campo Grande/MS Ex-Fiscal de Rendas de Taboão da Serra/SP

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