Este artigo possui o objetivo de demonstrar e explicar os princípios implícitos da administração pública, e como a doutrina e jurisprudência moldaram esses princípios.
A administração pública possui princípios basilares, expressos e implícitos. Entre seus princípios basilares estão a supremacia do interesse público e a indisponibilidade do interesse público. A supremacia do interesse público impõe a disciplina de priorizar, entre os interesses individuais de cada um de seus cidadãos, o interesse da coletividade, que se materializa no interesse geral em detrimento de qualquer interesse particular.
Outro princípio basilar é a indisponibilidade do interesse público, que é uma característica da qualidade de guardiã do interesse público pela administração pública. Como ela é guardiã, ela possui a custódia do interesse público, sempre agindo visando preservá-lo, mas o interesse público não é seu – e, portanto, a administração pública não pode dispor do interesse público.
Adicionalmente, com o advento da Constituição Federal de 1988 (CF/88) foram estabelecidos os princípios expressos da administração pública: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade. A eficiência foi inserida na CF/88 pela Emenda Constitucional n. 19/1998 (EC 19/98).
O direito administrativo é um direito não-codificado, ou seja, não está concentrado em apenas um diploma legal, como a CF/88. Há uma série de leis que expressam princípios da administração pública, implícitos e subsidiários sobre a atuação da administração pública, de forma a sistematizar uma maneira de operar visando ao atendimento dos princípios basilares, bem como dos expressos na Constituição.
Existe um número razoável desses princípios, que serão tratados aqui. Para evitar mencioná-los de forma solta, como se não tivessem correlação entre si, procurou-se observar uma classificação em três grupos de princípios implícitos e subsidiários: os que demonstram atuação da administração, os baseados na confiança e os alicerçados na justiça, que estão disseminados pelos diversos diplomas legais existentes, como a lei n. 9784/1999 (lei federal do processo administrativo) e a lei n. 8429/1992 (lei federal da improbidade administrativa) . Dessa maneira serão expostos em uma linha coesa de raciocínio, permitindo uma maior lógica em sua exposição.
Entre os princípios implícitos de atuação da administração existem os seguintes: o princípio da responsabilidade civil do Estado, o da autotutela, o da especialidade, o da probidade, da responsividade e o da subsidiariedade.
O princípio implícito da responsabilidade civil do Estado prevê que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos causados por seus agentes, conforme previsto na CF/88. Com isso, a Constituição consagrou a responsabilidade objetiva do Estado, com a teoria do risco administrativo – bastando, nesse caso, que se comprove o nexo de causalidade entre a atuação do agente estatal e o dano.
E a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço. Outra jurisprudência do STF é sobre a responsabilidade do Estado perante o suicídio de preso no sistema carcerário. O tribunal entende que só é possível responsabilizar o Estado em caso de omissão do dever de proteção ao detento.
O princípio da autotutela é aquele que possibilita à administração verificar seus próprios atos, revogando-os quando inconvenientes ou inoportunos, ou anulando-os, quando ilegais. Esse princípio possibilita à administração sempre revisar seus atos, mantendo um controle sobre eles. A súmula do tribunal constitucional 473-STF assim expõe: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
O princípio da especialidade permite ao ente público organizar sua estrutura administrativa, para a mais adequada execução de suas atribuições. A organização de suas atividades pode ser pela criação de outras entidades de personalidade jurídica própria, que é um exemplo de descentralização administrativa, ou pela subdivisão de atividades dentro de uma mesma estrutura, delegando atribuições, mas sem criar pessoas jurídicas, como ocorre na desconcentração. Vale lembrar que ambas podem ser aplicadas simultaneamente – como quando se cria uma autarquia e o dirigente da mesma distribui atribuições entre os servidores.
O princípio da probidade é correlato ao da moralidade. Diz respeito à integridade de caráter e honradez. Ao servidor, não basta agir dentro da lei, mas também com correção e ética que se espera de alguém que age em nome da sociedade.
O princípio da responsividade trata do dever de o administrador público prestar contas de seus atos e responder por eventuais desvios. Possui relação com o conceito de transparência e accountability (o termo inglês para “prestar contas”).
O princípio da subsidiariedade guarda relação com a premissa de que os recursos públicos possuem limites – não podendo o Estado fazer tudo, devendo delegar atividades para a iniciativa privada quando for economicamente viável e interessante – devendo manter seu foco nas funções de fomento, regulação e fiscalização.
Esta subsidiariedade possui ainda dois aspectos: o vertical, entre União, Estados e Municípios, que prevê a intervenção da União somente quando estritamente necessário; e o horizontal, que visualiza a atuação estatal de forma residual, observando a proximidade, ou seja, a atuação deve ser do órgão mais próximo do cidadão, bem como a suficiência, que preceitua que o órgão que executará o serviço deverá ser o que puder desempenhar de forma mais eficiente.
Os princípios implícitos baseados na confiança da administração são: o princípio da legitimidade ou veracidade, o da confiança e boa-fé, o da motivação, o da realidade, o da precaução, o da função cogente e o da intranscendência objetiva das sanções.
O princípio da legitimidade ou da veracidade compõe dois aspectos: a presunção de verdade (veracidade) quanto à certeza dos fatos; e o segundo aspecto, que é a presunção de legalidade, pois, dado que a administração se submete à lei, presume-se que até prova em contrário seus atos são verdadeiros e conforme as leis. Todavia, essa presunção é relativa¸ pois admite prova em contrário.
O princípio da confiança e boa-fé se refere à forma como a administração e os administrados devem se relacionar. Os dois lados devem proceder com lealdade e honestidade, sendo que a confiança se refere a uma expectativa que as partes atuem de acordo com determinados preceitos. Por exemplo, quando um agente que não competente assina uma notificação ao administrado, este, ao não saber desse fato, reputa legítima a notificação. A boa-fé se presume nas relações.
Isso se verifica em uma jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre anulação de contrato administrativo, a qual não exonera a administração de indenizar as obras já realizadas, desde que tenha ela (administração) auferido vantagens e que a irregularidade não seja imputável ao contratado.
Há também jurisprudência do STF, sobre o recebimento de verbas de boa-fé, em que o tribunal decidiu que os beneficiados não necessitam devolvê-las aos cofres públicos.
O princípio da motivação diz respeito aos atos promovidos pela administração, que precisam indicar os fundamentos que baseiam suas decisões. Em atos vinculados, ela não precisa ser prévia ou concomitante, mas essa necessidade deve estar presente nos atos discricionários. Exemplos de atos que devem ser obrigatoriamente motivados são os que imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; deixem de aplicar jurisprudência firmada ou divirjam de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; ou que anulem, revoguem, ou convalidem atos administrativos.
O princípio da realidade implica em uma subserviência do Direito aos fatos concretos da realidade, de maneira que a ordem jurídica não pode acolher ficções ou presunções – ou seja, as fantasias, o irreal, não podem constituir a fundamentação de um ato administrativo ou ser o seu objetivo.
O princípio da precaução possui origem no Direito Ambiental, tendo a seguinte premissa: se há visualização futura de eventuais danos à sociedade, devem ser adotadas medidas acautelatórias e protetivas do interesse público. Ou seja, se determinada ação acarreta risco para a coletividade, então a administração deve adotar postura de precaução para evitar danos.
O princípio da função cogente, por sua vez, indica que o exercício da atividade administrativa vincula, obriga, impõe à administração pública um encargo, um dever, um múnus. Isso significa que, como zeladores, curadores do interesse público, cabe à administração pública atender às necessidades coletivas.
O princípio da intranscendência subjetiva das sanções trata de um conceito similar ao de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Quando os administradores cometem infrações, as sanções por essas infrações não podem atingir pessoas que não causaram o ato ilícito.
O princípio do controle judicial se baseia no sistema de jurisdição una previsto na CF/88, indicando que todos os atos podem ser apreciados judicialmente. Entretanto, há limites para isso. Um deles é que, em regra, o Judiciário vai analisar a legalidade do ato, podendo, excepcionalmente, verificar um ato cuja motivação não corresponda à realidade, ou com desvio de finalidade.
O princípio da segurança jurídica busca estabilizar a justiça, vedando a aplicação retroativa de nova interpretação. Embora o princípio seja mais lembrado por possibilitar que mudanças na interpretação sejam prospectivas (ou seja, para o futuro), há também situações apreciadas posteriormente, em que invalidar um ato poderia ter efeitos indesejados. Um exemplo disso é a figura do agente público de fato: um servidor nomeado que, por uma situação anterior à sua nomeação se descubra nulo, mas muitos anos depois.
Seria adequado anular a nomeação? Não, pois essa situação se consolidou conforme os anos se passaram. Tal anulação, além da nomeação, colocaria em risco de anulação todos os atos realizados por ele.
De outra forma, a segurança jurídica também comporta mais dois institutos, a saber: o da decadência e da prescrição – que representam perdas às pessoas que quedaram inertes no exercício de seus direitos – estabilizando, depois de um período, as relações jurídicas.
O princípio da razoabilidade impõe que a administração, ainda que pautada pela legalidade, não pode fazer exigências que possam ser arbitrárias. Exemplo disso foi quando o STF julgou a lei eleitoral que exigia, conjuntamente, a apresentação de título de eleitor com documento de identidade nos locais de votação – por ser uma exigência desmedida e irrazoável.
O princípio da proporcionalidade guia a atividade administrativa entre meios e fins necessários. A “régua”, neste caso, é a interpretação na ótica de um homem de mediano conhecimento – o homem médio. Um exemplo disso foi a anulação, pelo STF, de um ato do Legislativo que criava 67 cargos, dos quais 42 seriam de livre nomeação e exoneração, que, no entender do tribunal, deveria haver proporcionalidade entre os dois tipos de cargos.
O princípio da sindicabilidade deriva do termo “sindicância”, ou seja, a sindicabilidade é a faculdade de a administração pública fiscalizar os atos administrativos realizados. Esse princípio está intimamente ligado aos princípios da autotutela e do controle judicial.
O princípio da juridicidade é uma ampliação do conceito de legalidade: enquanto a legalidade se ocupa da lei como seu norte, a juridicidade cuida de enxergar a atuação da administração não somente dentro dos limites da legalidade – mas em harmonia com o Estado Democrático de Direito – conceito mais amplo que a da legalidade.
Por último, o princípio da sancionabilidade é a ideia de firmar o obedecimento pelos administrados e administradores aos comandos legais, através da aplicação de sanções benéficas (prêmios) e sanções aflitivas (punições).
Neste texto, buscou explorar os princípios implícitos da administração pública. Sempre buscando uma ordem, na qual os mais destacados saem primeiro, como os princípios da supremacia do interesse público, que justifica a prevalência do interesse público sobre o particular, bem como o da indisponibilidade do interesse público, que estabelece que a administração é guardiã ou curadora do interesse público, ou seja, o interesse público não é dela, e, portanto, ela não pode dispor livremente dele. Estes são os princípios basilares do direito administrativo e da administração pública.
Desses princípios basilares derivam os princípios expressos na Constituição Federal de 1988, princípios esses usuais e básicos no direito administrativo, como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Estes princípios norteiam a atuação geral da administração pública e no direito administrativo, sendo requisitos para a atuação estatal.
Além dos princípios basilares e expressos, existem os princípios implícitos, que derivam dos dois anteriores e possuem uma aplicação mais específica, sendo aplicados de forma a assegurar a prestação de serviços públicos, a organização da administração pública, a fiscalização dos atos administrativos, a transparência e a prestação de contas da administração pública.
Estes princípios implícitos agem como ferramentas auxiliares, que não substituem os princípios basilares ou expressos – mas os complementam. Os princípios implícitos podem ser divididos em princípios da atuação da administração, os baseados na confiança e os alicerçados na justiça.
Os princípios implícitos de atuação da administração estabelecem um modus operandi da administração pública visando o seu funcionamento mais eficaz, sem perder de vista a eficiência e visando à efetividade das atividades administrativas no sentido de atingir o interesse público.
Os princípios implícitos baseados na confiança são postulados que salvaguardam o interesse público e confirmam aos administrados que a administração pública atua visando proteger esse interesse público, inclusive como a administração pode revisar seus atos, de forma a corrigir os efeitos de suas decisões – estabelecendo controle sobre suas ações.
Por fim, os princípios implícitos alicerçados na justiça demonstram uma equidade que a administração busca ao cotejar as mais diversas questões, no sentido de preservar o interesse público, mas, ao mesmo tempo, evitando uma postura arbitrária, bem como desestabilizar as relações jurídicas – assegurando a prestação da justiça para a sociedade neste processo.
Ricardo Pereira de Oliveira
Prepare-se com o melhor material e com quem mais aprova em Concursos Públicos em todo o país.
Prepare-se com o melhor material e com quem mais aprova em Concursos Públicos em todo o país.
Até mais!!
Olá, tudo bem? Hoje responderemos ao questionamento sobre a constitucionalidade das emendas de redação e…
Neste artigo você encontrará um resumo do Transtorno de Personalidade Esquizotípica, pertencente ao tópico de…
Olá, pessoal, tudo bem? As funções essenciais à justiça estarão em pauta hoje no nosso…
Confira quais são os hospitais de lotação! Iniciais de até R$ 17,9 mil! O edital…
Neste artigo você encontrará um resumo do Transtorno de Personalidade Evitativa, pertencente ao tópico de…
Olá, pessoal, tudo bem? Hoje vamos falar sobre controle de constitucionalidade. Dada a proximidade da…