Este artigo tem como objetivo explicar o que é o princípio da isonomia e como a jurisprudência modelou a doutrina e suas aplicações.
O princípio da isonomia visa garantir tratamento de forma igualitária a todos através da lei. E esse princípio se desdobra em dois postulados: o da igualdade perante a lei, e o da igualdade na lei.
O da igualdade perante a lei prevê que a lei se aplique igualmente a todos de maneira formal. Esse postulado traz uma carga de transformação de um governo de homens, por meio Estado arbitrário (muitas vezes referenciado como absolutista), que trata seus súditos de forma diferente, estabelecendo determinados privilégios entre os nobres (a elite) e a plebe (o povo em geral) – para o que se nominou de um governo das leis, ou “rule of law”. Nesta acepção, o governo das leis não prevê que seus cidadãos sejam tratados de forma diferenciada, pois a lei deve atingir a todos os se enquadrem na situação descrita na lei – independentemente de nacionalidade, sexo, idade, classe social e profissão.
O postulado da igualdade na lei se destina a uma espécie de “ajuste fino”. É fato conhecido que nem todos possuem as mesmas carências ou limitações. E neste ponto a igualdade na lei busca tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais na exata medida das suas desigualdades. A ideia exposta traz um objetivo de se manter os indivíduos em uma situação de paridade que entre os iguais obviamente está presente, mas que entre desiguais deve ser tratada de forma a mitigar as diferenças com base na razoabilidade – de maneira que esse processo não permita uma arbitrariedade, que surge quando: i) não haja um fundamento sério; ii) não tiver um sentido legítimo; iii) estabeleça diferença jurídica sem fundamento razoável.
A lei n. 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN) possui alguns trechos em que se percebe alusões à isonomia. São elas o artigo 118: “A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”
Outro trecho alusivo à isonomia é o artigo 126: “A capacidade tributária passiva independe:
I – da capacidade civil das pessoas naturais;
II – de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios;
III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional. “
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) tratou da questão da isonomia (ou princípio da proibição dos privilégios odiosos) em seu artigo 150: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”
A vedação ao tratamento discriminatório possui duas motivações. Uma delas é lógica, pois, de acordo com o artigo 5.o “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)” – e isso, por decorrência lógica, retira qualquer possibilidade de tratamentos diferenciados. A outra motivação é a saída do país de um regime ditatorial, que, durante sua existência, permitiu certas desigualdades tributárias – como a isenção de imposto de renda para deputados, militares e magistrados. Tais “liberalidades” refletiam concessões discriminatórias de privilégios a destinatários em função do cargo que ocupavam ou de seu ofício exercido.
Portanto, tais liberalidades não mais poderiam existir, a menos que fossem justificáveis sob o espectro da razoabilidade. Há ainda outra questão, que se aplica à isonomia tributária, que é o princípio da capacidade contributiva. Como a capacidade contributiva é o poder econômico do contribuinte, que quanto maior, maior é a sua capacidade de pagar tributos. E neste ponto temos um conceito de isonomia que busca a justiça ou equidade.
A equidade ainda possui dois sentidos: o de equidade horizontal e o de equidade vertical. A equidade horizontal se refere a que contribuintes que possuam igual capacidade de pagar devem contribuir com o mesmo valor do tributo – o que representa o tratamento igual para os iguais.
Já a equidade vertical se refere a contribuintes com diferentes capacidades de pagamento, que devem arcar com valores diferentes do tributo, desta forma tributando desigualmente os desiguais – não para redistribuir a renda, mas para diminuir as disparidades de renda, exigindo mais de quem pode pagar mais.
A isonomia é mais refinada com a aplicação do princípio da capacidade contributiva, pois este princípio norteia o conceito de mínimo existencial, que é a renda necessária para garantir a dignidade humana do contribuinte, e o princípio da vedação ao confisco, que impede que uma tributação excessiva retire de forma dinâmica (através de sucessivas incidências) seu patrimônio além do razoável.
Desta forma, a isonomia é possibilitada pelo princípio da capacidade contributiva, pois ele permite, onde for possível, que se aplique o princípio da progressividade de um imposto – princípio caro aos doutrinadores e legisladores, pois nem sempre é possível aplicar a progressividade em todos os impostos – prova disso é que a própria CF/88 possui o seguinte texto em seu artigo 145: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I – impostos;
(…)
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
Por esse dispositivo constitucional, vê-se que aplicar a progressividade nem sempre é possível. É neste ponto que outros conceitos aparecem, de forma a contornar aparentes impossibilidades de aplicar a progressividade para concretizar a isonomia: a extrafiscalidade e a seletividade.
A extrafiscalidade é a forma de tributar que não se centra no aspecto arrecadatório de um tributo, mas incentivando ou inibindo comportamentos que sejam, em seu aspecto econômico – de interesse do Estado. Por exemplo, quando se determina uma alíquota maior para o Imposto Territorial Rural (ITR) maior para propriedades improdutivas, o Estado está induzindo o proprietário a empregar seu dinheiro na terra de sua propriedade (e assim, estimulando-o a empregar sua riqueza nela).
No caso da seletividade, a situação se relaciona mais indiretamente à isonomia. Como existem variados produtos industrializados, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) possui um critério de gradação, a seletividade – que aplica-se de forma inversa: quanto mais básicos à sobrevivência humana, menores serão suas alíquotas. E, quanto mais supérfluos, maiores serão suas alíquotas. Desta forma, prejudica-se menos os contribuintes mais pobres (casos em que suas cestas de compras possuem mais produtos básicos) e tributa-se mais contribuintes mais ricos (que adquirem mais produtos supérfluos que os primeiros).
Os tribunais superiores como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não possuem muita jurisprudência sobre o princípio da isonomia tributária, mas há algumas decisões interessantes.
Uma delas originou a Súmula 656-STF: “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel.” Na época, o STF entendia não ser adequado aplicar a progressividade a impostos reais (impostos que incidem sobre coisas, e não pessoas) já que a progressividade é uma aplicação do princípio da capacidade contributiva. O Supremo entendia que a progressividade se aplica à pessoa, que manifesta sua capacidade contributiva, e não a coisa em si.
Isso inclusive contrasta com a Emenda Constitucional n. 29/2000 (EC 29/00) que trouxe a possibilidade de se aplicar a progressividade ao IPTU (outro imposto real) – entretanto, como já havia possibilidade de tributação progressiva em caráter extrafiscal no texto original da CF/88, o STF provavelmente compreendeu que já existia esta previsão – e que a atividade legislativa somente expandiu a possibilidade de progressividade extrafiscal para também fiscal.
Posteriormente, o tribunal constitucional reconheceu como constitucional, em outra jurisprudência, a progressividade do ITCMD (imposto sobre heranças e doações), também um imposto real. Inclusive, em decorrência dessa jurisprudência que se conecta ao princípio da isonomia, já existem na doutrina estudiosos que acreditam que o STF irá cancelar a Súmula 656-STF.
Em outra decisão, o Supremo declarou a inconstitucionalidade de uma lei estadual que concedia isenção de ICMS na compra de automóveis por oficiais de justiça estaduais. Em que pese ser necessária e até imprescindível a aquisição de veículos para oficiais de justiça – profissão que exige muitos deslocamentos para intimar partes em processos judiciais – tal tratamento ofendeu a isonomia, ao prever esta isenção, na visão do STF.
Este texto buscou expor e explicar um dos princípios mais importantes do direito tributário: a isonomia. A isonomia busca tratar os que estão na mesma situação de forma equivalente – os iguais igualmente, e os desiguais na medida exata de suas desigualdades. Na medida em que o Estado foi se afastando do modelo de governo absolutista, ele se tornou um governo de leis, em que o objetivo é tratar igualitariamente não mais seus súditos, mas seus cidadãos – e sem privilégios.
Todavia, ainda existem situações que não podem simplesmente serem abordadas como uma mera equiparação – como contribuintes que possuem uma situação que não torna conveniente nem oportuno esse tratamento igualitário, por possuírem um poder econômico que represente uma maior capacidade contributiva, podendo ser tributados em um grau maior, da mesma maneira que existem contribuintes com deficiências em sua capacidade contributiva que precisam ser aliviados de uma tributação que os tolha dos recursos essenciais para a sua sobrevivência.
Desta forma, a isonomia possui uma dimensão dupla: a isonomia perante a lei (de forma a que a lei seja aplicável a todos) e a isonomia na lei (que a lei não prejudique os desvalidos, ou que beneficie os já mais privilegiados). Princípios como a capacidade contributiva e o mínimo essencial servem para possibilitar que direito tributário possa agir como ferramenta de justiça fiscal, no sentido de atenuar seus efeitos sobre quem não pode pagar – ao mesmo tempo em que aprofunda sua ação sobre quem possui maior capacidade de pagar.
A aplicação deste princípio tributário pela jurisprudência consagrou este como um dos direitos e garantias fundamentais do contribuinte. Assim, com status de cláusula pétrea, este direito não pode ser reprimido, sob pena de infringir um direito fundamental de todos os contribuintes brasileiros.
Ricardo Pereira de Oliveira
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Até mais!!
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