Este artigo possui o objetivo de demonstrar e explicar os princípios específicos do serviço público, e como a doutrina e jurisprudência moldaram esses princípios.
A administração pública possui princípios próprios e que abrangem todas as suas atividades, sendo dois princípios basilares: a supremacia do interesse público, que estabelece a necessidade de colocar o bem-estar da coletividade de forma primordial em relação ao interesse particular de cada um, bem como a indisponibilidade do interesse público, que é a impossibilidade de a administração pública livremente dispor dos interesses da coletividade, sendo a administração pública meramente a guardiã deles, a responsável por sua custódia.
Além destes princípios que relacionam a administração pública ao interesse público primário (os interesses da coletividade), há princípios gerais que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabelece: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.
Estes princípios gerais se aplicam à administração pública em todas as suas atividades, de maneira geral. É, por assim dizer, a marca que o setor público brasileiro impõe em todas as atividades que exerce, de forma a estabelecer um padrão na qualidade de sua atuação.
Entre as diversas atividades prestadas pela administração pública, existe o serviço público: “atividade ou comodidade material fruível diretamente pelo usuário, que possa ser remunerado por meio de taxa ou preço público, inclusive tarifa”. Esta definição vem do Decreto n. 6017/2007 e da lei n. 13460/2017.
E tais serviços públicos, além de serem expressão direta dos princípios gerais do direito administrativo, possuem alguns princípios específicos próprios que são, por assim dizer: os princípios da continuidade, da generalidade, da atualidade, da modicidade das tarifas, da cortesia, e da segurança – oriundos da lei n. 8987/1995, que prevê esses requisitos ao serviço adequado.
Como os princípios gerais são amplamente conhecidos, este artigo irá focalizar os princípios específicos da prestação do serviço público, por se tratarem de princípios menos abordados no direito administrativo – mas de singular importância para a adequada prestação dos serviços públicos.
A continuidade também é conhecida como o princípio da permanência, que prevê que os serviços públicos não podem sofrer interrupções, ou seja, devem ser prestados em caráter de continuidade, salvo algumas exceções em casos excepcionais.
O princípio da continuidade não somente vincula o poder público, mas também os particulares, visto que as empresas privadas com a delegação da prestação de serviços públicos não podem alegar “exceptio non adimplenti contractus” (a exceção do contrato não cumprido), diferentemente do que estas empresas fariam em uma relação contratual entre particulares – em que essa exceção pode ser invocada, quando uma das partes não cumpre com suas obrigações.
As exceções à continuidade do serviço público estão presentes em situações emergenciais, como quedas de energia elétrica decorrentes de tempestades ou outras situações de caso fortuito ou força maior, que são justificadas por sua imprevisibilidade e caráter episódico.
Outra exceção é a interrupção por aviso prévio, quando justificada por razões de ordem técnica, em função de manutenções para segurança ou mesmo melhor funcionamento do sistema, seja em manutenção da rede de energia elétrica, ou na rede de água e esgoto, ou mesmo na rede de transportes públicos de trens e metrô, para dar alguns exemplos.
O aviso prévio também é necessário quando há inadimplência do usuário, o que se dá para priorizar a coletividade, que não pode ser prejudicadana prestação dos serviços em função do não pagamento em dia dos usuários que não arcam com as obrigações de forma pontual.
A jurisprudência dos tribunais superiores, notadamente a do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já estabeleceu que nem sempre os serviços prestados ao usuário inadimplente poderão ser interrompidos. Na jurisprudência do STJ, o corte no fornecimento de energia elétrica em razão de débito irrisório é ilegítimo. Da mesma forma, o corte pressupõe o inadimplemento da conta relativa ao mês do consumo, sendo inviável a suspensão do abastecimento por débitos antigos.
Outra situação abordada pelo STJ é o desvio de energia vulgarmente conhecido como “gato”. Na jurisprudência do STJ, é ilegítimo o corte no fornecimento de energia quando o débito decorrer de suposta fraude no medidor de energia apurada unilateralmente pela concessionária. Antes do corte, deve ser oportunizado o contraditório e ampla defesa ao usuário.
Os princípios da generalidade e atualidade são aplicados no sentido de prestar serviços da forma mais equânime à sociedade visando garantir atualização constante, respectivamente.
A generalidade visualiza a sociedade como um todo, sendo que os serviços públicos precisam ser prestados de forma padronizada para a população. Quer dizer, a prestação de serviços públicos deve ser realizada de forma igual, isonômica – ou melhor, neutra, para que não haja preferências ou tratamentos especiais entre usuários que estejam nas mesmas condições técnicas e jurídicas (salvo, evidentemente, situações em que se presta assistência especial a deficientes físicos ou idosos).
A generalidade também é chamada de universalidade, no sentido em que visa atender ao maior número de usuários possível, objetivando a prestação de serviços com a máxima amplitude. Buscando o já bem divulgado Aristóteles, em sua ideia de que os iguais devem ser tratados na medida de suas igualdades e os desiguais na medida em que se desigualam. Dessa maneira, a existência de faixas distintas de tarifas e gratuidade aos maiores de 65 anos nos transportes coletivos não ofendem o princípio da universalidade.
O princípio da atualidade, por sua vez, demanda que os serviços públicos sejam continuamente adequados ao momento, para que não fiquem defasados. Este princípio determina que o serviço público seja constantemente aperfeiçoado, sendo também conhecido como o princípio da mutabilidade.
Este princípio guarda um paralelo com a eficiência, ainda que com ela não se confunda, sendo que a atualidade engloba a modernidade das técnicas, do equipamento, das instalações e sua respectiva conservação, bem como as melhorias e expansão (no sentido de promover um avanço, uma antecipação de necessidades futuras) do serviço. Parte da doutrina majoritária reconhece no princípio da atualidade uma certa relação com outro princípio, o do progresso. A atualidade e eficiência, aliadas ao princípio do progresso, nesse sentido, formariam um corolário, que por sua vez se traduziria em um direito fundamental do usuário de ter uma prestação de serviço público que evoluísse continuamente.
Esse princípio relaciona os prestadores dos serviços públicos e a população. Aqueles porque devem ser remunerados de maneira razoável e estes porque não devem ser onerados de forma excessiva.
O princípio da modicidade das tarifas busca relacionar as duas pontas e encontrar valores de tarifa de serviços públicos que representem valores que atraiam os prestadores para a atividade ao mesmo tempo em que não perde de vista que o serviço público prestado à coletividade deve ser de tal forma acessível para assegurar um valor barato a todos.
Nem sempre é fácil chegar a um denominador comum no que se refere à modicidade das tarifas. Além das questões referentes às tarifas para segmentos como o dos idosos, há também um movimento que, enquadrando os serviços públicos em conceito de direitos fundamentais, trata de universalizar esses serviços através de programas sociais, como a Tarifa Social de Energia Elétrica – uma tarifa especial com desconto para famílias de baixa renda.
Situações como as expostas acima, enquanto tratam de atender a uma parcela cada vez maior da população, no sentido de atingir a totalidade, representam um desafio adicional no sentido de possibilitar ao prestador uma remuneração que ainda seja vantajosa e sustentável para que ele continue a exercer sua prestação de serviços públicos.
Nos últimos anos houve avanços nessas questões com fórmulas de remuneração que vão da instituição de receitas acessórias, que são receitas adicionais que podem ser exploradas além das receitas das tarifas ou preços públicos – um exemplo disso são as receitas de publicidade de espaços públicos, como rodoviárias, terminais de ônibus e trens, como receitas de locações de espaços.
Outro exemplo é a própria modelagem dos projetos de concessão de serviços públicos, que passou a assimilar o conceito de concessões especiais, como as parcerias público-privadas (PPPs), com suas modalidades concessão patrocinada, em que o poder público complementa receita do prestador com um valor adicional além das tarifas cobradas dos usuários e a concessão administrativa, em que o poder público para a contraprestação ao prestador sem a cobrança de tarifas – como é possível ver em hospitais e presídios.
A cortesia, também conhecida como urbanidade, é um princípio que compreende a convivência entre os prestadores de serviços públicos e a população em geral. Este princípio prevê uma interação entre essas duas partes que precisam encontrar a melhor prestação de serviços possível e a um custo que não torne inviável essa prestação.
A cortesia envolve um bom atendimento, com urbanidade, com respeito e educação, enfim, valores que possibilitem uma comunicação entre prestadores e a população que façam melhorar a relação entre os dois, e que minimizem atritos decorrentes de imprevistos que possam atrapalhar a adequada prestação dos serviços públicos.
Parece simples, mas do lado da população estão os que entendem cada vez mais os serviços públicos como um direito subjetivo, o que presume, quase sempre, que a população esperará a receber a prestação do serviço em finais de semana e feriados, independentemente da ocasião.
Do lado das concessionárias de serviços públicos, isso demanda criatividade no planejamento das atividades, pois a depender do dia será exigida uma prestação mais consistente (o que irá demandar uma equipe maior) ou uma prestação de serviços mais intermitente (como a frequência de trens no feriado de Natal, por exemplo).
O princípio da segurança nos serviços públicos exige que os serviços precisam ser prestados sem riscos ao usuário, cabendo ao prestador tomar as providências necessárias para minimizar esses riscos. Tais medidas podem envolver instalar marcações emborrachadas nas estações de metrô, para guiar os portadores de deficiência visual. Outra medida são as marcações em Braille em estações de metrô e terminais de ônibus para os deficientes visuais. Há ainda as adaptações visando à acessibilidade nas entradas de deficientes físicos em hospitais, escolas e outros estabelecimentos públicos em geral, ou de veículos de transporte público. Ainda em veículos de transporte público, a recomendação de se levar bicicletas nos últimos vagões dos trens e até mesmo bichos de estimação fora dos horários de pico nos trens.
Neste artigo foi possível demonstrar que existem, além dos princípios da administração pública, que compreendem todo o escopo estatal, princípios específicos que norteiam a prestação dos serviços públicos.
Ainda que os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência estejam presentes em todas as atividades que pressupõem a presença do Estado, existem ainda outros princípios que são aplicáveis à prestação de serviços públicos.
E estes princípios dos serviços públicos são, a saber: a continuidade, a generalidade, a atualidade, a modicidade tarifária, a cortesia e a segurança.
A continuidade trata de aspectos que preveem que o serviço público não poderá ser interrompido, salvo em situações excepcionais, como acidentes que não poderiam ser adequadamente previstos, ou a justificada interrupção ao usuário inadimplente que já foi devidamente notificado.
A continuidade também protege a coletividade da exceção do contrato não cumprido, possibilitando ao poder público até mesmo a encampação (tomada da concessão) caso o prestador não consiga manter financeiramente a prestação dos serviços públicos.
A generalidade possui uma acepção visando atender a toda a coletividade (universalidade), com o objetivo de aumentar a amplitude do serviço, mas ao mesmo tempo sem perder de vista a igualdade e isonomia para com o público usuário.
A atualidade tem seu núcleo no constante aperfeiçoamento e aprimoramento do serviço público, com o intuito de agregar melhorias nesta prestação de serviços ao longo dos tempos.
A modicidade tarifária possui dois aspectos que devem ser equilibrados: o usuário precisa pagar o mínimo possível pelo serviço, que é prestado a um universo de usuários, enquanto o concessionário precisa obter a justa remuneração por sua prestação de serviços.
O princípio da cortesia tem uma aplicação nos pontos de contato entre os prestadores de serviços públicos e os usuários dos serviços em geral, pois deve haver um bom atendimento, com urbanidade, civilidade, atendendo a requisitos de qualidade, sem esquecer do conceito de cidadania.
Por último, o princípio da segurança prevê a adequação da prestação de serviços públicos em condições que eliminem ou reduzam os riscos ao usuário a níveis aceitáveis, de forma a garantir uma boa prestação de serviços públicos.
Ricardo Pereira de Oliveira
Prepare-se com o melhor material e com quem mais aprova em Concursos Públicos em todo o país.
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Até mais!!
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