Olá turma, como estão os estudos? Estamos aqui para comentar o entendimento do STF e do STJ acerca da prescrição e da decadência relacionadas à concessão e/ou à revisão de benefícios previdenciários.
Apesar da especialização do direito previdenciário, a clássica doutrina do professor Agnelo Amorim Filho1 aplica-se aos conceitos de prescrição e decadência nessa seara. Nesse sentido, segundo o ilustre professor da UFPB, a prescrição atinge indiretamente as ações condenatórias e a decadência atinge de modo indireto as ações constitutivas, cujo direito potestativo protegido tem prazo específico para ser exercido.
O direito a benefícios previdenciários sujeita-se à incidência de prazos prescricionais e/ou decadenciais, conforme a pretensão buscada pelo beneficiário, sendo que essa temática, desde o ano de 2012, vem sendo reiteradamente modificada de forma legislativa e/ou jurisprudencial. No presente texto, essas alterações serão examinadas.
Nesse contexto, conforme elucidam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari2, deve-se atentar inicialmente que, “pela sua natureza de direito fundamental, inexiste qualquer prazo prescricional, que atinja o fundo de direito, na hipótese de pleito de concessão inicial de benefício previdenciário ou assistencial, ainda que haja ocorrido indeferimento administrativa, ressalvada eventual prescrição das parcelas vencidas”.
No próximo tópico, veremos que inexiste também prazo decadencial a fulminar pleito de concessão ou de alteração judicial de indeferimento administrativo de benefício previdenciário, ante sua natureza de direito fundamental.
Entretanto, ainda veremos a seguir que o pleito de revisão de benefício previdenciário anteriormente concedido pelo INSS sujeita-se à prescrição parcial, assim como a prazo decadencial, segundo reconhecido pela jurisprudência atual do STF e do STJ.
Segundo as lições de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari3, no direito positivo brasileiro, inexistia qualquer prazo de decadência relacionado a benefícios previdenciários no período transcorrido entre a vigência da Lei n. 8.213/1991 e o ano de 1997, com o advento da Medida Provisória n. 1.523-9/1997.
Quanto à prescrição, no âmbito do Direito Previdenciário, aplica-se o Decreto n. 20.910/1932, tendo os tribunais firmado entendimento acerca da incidência do prazo quinquenal a extinguir pedidos de prestações mensais relativas a benefícios previdenciários4, sem afetar, contudo, o fundo de direito dessa pretensão, ante a natureza fundamental dos benefícios previdenciários.
Essa jurisprudência foi consolidada em enunciados sumulares do STF, do extinto Tribunal Federal de Recursos e do STJ. Confiram-se:
Com a vigência da MP 1.523/1997 (1º/8/1997), que deu nova redação ao art. 103 da Lei n. 8.213/1991, inaugurou-se o prazo decadencial para o beneficiário postular a revisão do ato de concessão do direito previdenciário. Tal prazo, inicialmente previsto em 5 (cinco) anos, foi majorado para 10 (dez) anos com a Lei n. 10.839/2004:
A partir da previsão desse prazo decadencial, iniciou-se uma discussão jurisprudencial sobre a aplicação da decadência e da prescrição para se buscar o deferimento de benefícios previdenciários, a qual ganhou novos capítulos com o advento da Lei n. 13.846/2019, que objetivou ampliar a aplicação da decadência em matéria de benefícios previdenciário, dando ao referido art. 103 a seguinte redação:
É essa discussão que se pretende analisar no presente texto.
O debate jurisprudencial teve início em 2012, com o julgado repetitivo do STJ, no qual ficou definido que “O suporte de incidência do prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei 8.213/1991 é o direito de revisão dos benefícios, e não o direito ao benefício previdenciário”, com termo a quo a contar da sua vigência (28.6.1997)” (REsp n. 1.309.529/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 28/11/2012, DJe de 4/6/2013).
Posteriormente, com o julgamento, pelo STF, do RE n. 626.489/SE, o tema voltou a ser debatido, tendo o Supremo analisado a constitucionalidade do estabelecimento de um prazo decadencial na seara previdenciária em desfavor do beneficiário, tendo por base o art. 103 da Lei n. 8.213/1991, com redação dada pela Lei n. 10.839/2004.
Nessa oportunidade, o STF consolidou o entendimento já presente em julgados anteriores, segundo o qual “O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário”.
Porém, nesse mesmo julgamento, o Supremo reconheceu a legitimidade da previsão legal de um prazo decadencial contra o beneficiário, especificamente para “a revisão de benefício já concedido”, tendo por fundamento o princípio da segurança jurídica, manifestado no interesse de se evitar a eternização dos litígios, além do argumento pragmático da necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário.
Conforme antecipado acima, em 2019, a Lei n. 13.846, fruto da conversão da MP n. 871/2019, alterou a redação do art. 103 da Lei n. 8.213/1991, objetivando expandir a decadência na seara previdenciária para casos de concessão, indeferimento, deferimento, cancelamento ou cessação de benefício.
Analisando a nova redação do art. 103 da Lei n. 8.213/1991 e a conclusão adotada pelo STF, ao julgar o RE n. 626.489/SE, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento repetitivo no final de 2019, no sentido de que o prazo decadencial de 10 (dez) anos é aplicável mesmo “às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário” (REsp n. 1.644.191/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 11/12/2019, DJe de 4/8/2020).
O STJ, examinando pedido de benefício previdenciário de regime próprio, analisou novamente a conclusão adotada pelo STF, nos autos do RE n. 626.489/SE, e entendeu que, apenas quando inexistir manifestação expressa da Administração, negando o direito reclamado, é que haveria imprescritibilidade do fundo de direito ao benefício previdenciário, incidindo, nesses casos, somente a prescrição das prestações vencidas no quinquênio anterior ao ajuizamento da ação.
Por outro lado, nessa mesma assentada, o STJ estabeleceu que, existindo expresso indeferimento do pedido administrativo referente ao benefício previdenciário, o interessado teria o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, com base no art. 1º do Decreto-Lei 20.910/1932, para requerer judicialmente esse direito, sob pena de prescrição do próprio fundo de direito (EDcl nos EREsp n. 1.269.726/MG, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Seção, julgado em 25/8/2021, DJe de 1/10/2021).
A nova redação do art. 103 da Lei n. 8.213/1991, fixada pelo art. 24 da Lei n. 13.846/2019, foi impugnada via controle concentrado, na ADI 6.096/DF. Nessa oportunidade, o STF reafirmou o entendimento outrora chancelado nos autos do RE n. 626.489/SE, segundo o qual é válida a decadência relacionada à revisão de benefícios previdenciários anteriormente deferidos, “porque atingida tão somente a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma de cálculo ou o valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que visa ao recebimento do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do direito”.
Porém, nesse momento, o Supremo ampliou o entendimento outrora por ele definido, a fim de estabelecer que “O núcleo essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível, irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao recebimento de benefício previdenciário”.
Nesse contexto, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da aplicação de decadência ou de prescrição “para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação” de benefício previdenciário, visto que não se preserva o fundo de direito, na hipótese em que negado o benefício, se for inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, comprometendo assim o exercício do direito material à sua obtenção.
O STF chegou a essa conclusão com base na lição do professor Agnelo Amorim Filho, citada acima, segundo a qual “as ações declaratórias não se submetem aos institutos da prescrição e da decadência, haja vista que não pretende o autor obter bem da vida assegurado pela lei”.
Tendo por base esse último entendimento do Supremo, o STJ, no ano de 2023, iniciou uma alteração em sua jurisprudência, a fim de superar a conclusão resultante do julgamento dos Edcl nos EREsp n. 1.269.726/MG.
O Tribunal da Cidadania vem decidindo, em 2023, que “O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096/DF, da relatoria do Ministro Edson Fachin, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019, na parte em que foi dada nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991, destacou que, mesmo nos casos de indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício, não há falar em prescrição do fundo de direito, porque nessas hipóteses nega-se o benefício em si considerado” (AgInt no REsp n. 1.590.354/MG, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 15/5/2023).
Diante do atual panorama legal e jurisprudencial acima traçado, podemos chegar às seguintes conclusões acerca da incidência da prescrição e da decadência relacionadas a benefícios previdenciários:
1Agnelo Amorim Filho, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961.
2CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 22.371 da versão digital.
3Idem. p. 22.363 da versão digital.
4Idem.
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