Este artigo busca esclarecer como o ordenamento jurídico brasileiro criou seus tributos no ordenamento jurídico nacional e como suas características foram sendo incrementalmente delineadas pela jurisprudência dos tribunais superiores. Ou seja, como as leis brasileiras definiram o que é tributo e como a jurisprudência foi aprimorando este conceito.
O direito tributário possui entre suas linhas mestras a relação jurídica que se estabelece entre o ente tributante (a pessoa jurídica de direito público, o ente estatal, que irá cobrar o tributo devido) e o contribuinte (a pessoa natural ou jurídica que deverá pagar pelo tributo).
A necessidade dessa relação remonta ao momento em que a civilização humana criou seus mínimos contornos, havendo registros históricos dessas relações até o império romano, sendo possível encontrar registros históricos até mesmo antes dessa época. Basta imaginar o seguinte: a partir do ponto em que o nomadismo tribal foi sendo gradualmente substituído pela residência fixa que a agricultura pôde proporcionar, o homem passou também a entender que precisava viver próximo a outros homens, outras famílias, outros clãs – e isso tornou o convívio em sociedade possível, desejável e necessário.
E com esta sociedade, ainda rudimentar, era também imprescindível que houvesse uma ordem comum, que possibilitasse que esta convivência fosse pacífica, que protegesse este agrupamento de ataques e invasões externas e que fosse possível também prover algumas necessidades comuns deste, digamos, povoado. Em toda essa simplificação é possível notar a necessidade da existência do estado, bem como quais são as demandas principais que ele deve atender e de que forma esta relação recíproca estado-sociedade deve ser custeada – pois ela demanda um custo que é arcado pela própria sociedade.
Como uma decorrência lógica da organização civilizacional surge a sociedade e a necessidade de assegurar o convívio entre seus participantes. À medida que necessidades mais simples vão sendo atendidas este processo vai ficando cada vez mais complexo, até envolver atividades que vão gradualmente assumindo caráter estatal. A partir deste ponto, dois campos devem ser diferenciados: o direito financeiro, que vai tratar do custeio destas atividades de maneira geral, organizando estes recebimentos e despesas através do orçamento público (que não se abordará neste artigo) e o direito tributário, que trata da relação jurídica entre o estado e os cidadãos, através de seu poder de impor tributos – esta relação, sim, em discussão neste artigo.
E desta forma, no ordenamento jurídico brasileiro, a lei que rege esta relação é a lei 5.172/66, o Código Tributário Nacional (CTN), a lei de normas gerais do direito tributário brasileiro. O conceito principal dele é a definição de tributo, no artigo 3.o: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Este artigo possui 5 frases, que definem, latu sensu, quais as características de qualquer imposição estatal a ser estudada pelo direito tributário.
A primeira delas é a da “prestação pecuniária compulsória”, que essencialmente é a seguinte: o estado, em seu poder de império, impõe a prestação ao seu contribuinte, que possua valor atribuível em dinheiro (não podendo ser em outro sistema de valor, por exemplo, nenhum contribuinte pode pagar a prestação estatal com trabalho), e, uma vez tendo sido instituída – é obrigatória, não importando a vontade do contribuinte nesta relação. Uma vez instituída a relação, o contribuinte não possui outra alternativa que não seja pagar o tributo devido.
A segunda frase decorre da primeira: “em moeda ou em cujo valor nela se possa exprimir”, pois se há algo devido, deve ser mensurável, não podendo ser livremente conversível, pois isso possibilitaria um universo de confusões. Como se poderia mensurar o valor do trabalho de um encanador que reparasse instalações de esgoto, para efeito de calcular o imposto devido? E como comparar com o trabalho de um agricultor que providencia alimentos para toda uma população local? E o ferreiro que providencia as armas para a proteção do povoado? A única maneira adequada de possibilitar um tratamento mais justo é estabelecer o tributo em dinheiro ou em algo equivalente ao dinheiro. Durante muito tempo utilizou-se sistemas de estampilhas, que são na verdade selos impressos, com insígnias do ente estatal – como uma espécie de reserva de valor. Mas esse sistema é caro, para o ente estatal (impressão de selos, controle, segurança contra falsificações), de forma que os entes estatais evitam ao máximo utilizá-lo.
O terceiro termo é mais um definidor, pois mostra a diferença entre o tributo e a punição: “que não constitua sanção por ato ilícito”. Tributos não são punições, são prestações que qualquer membro de uma sociedade deve pagar, uma vez instituídas pelo estado. E aí pode aparecer alguma dúvida, tal como: “Ué, mas multa não tem que pagar? Não é então tributo, a multa?”. Neste conceito doutrinário, o tributo, originalmente, é uma prestação que não possui o condão de punir uma infração. Se o contribuinte em questão não quiser pagar este tributo, isto irá configurar uma infração, que será punida com uma penalidade. Mas essa é a diferença: o tributo é uma cobrança estatal, enquanto a multa, por sua vez, é uma penalidade.
O quarto segmento é um dos princípios mais importantes do direito tributário: tributo somente pode ser instituído em lei. A legalidade estabelece esse ponto. Só é possível ao estado cobrar um tributo que exista em lei.
A última frase trata de como a atividade estatal deverá ser executada: “e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” A atividade deverá ser exercida por um agente do estado, de forma obrigatória. O agente estatal não pode fazer juízo de oportunidade e conveniência: uma vez detectada a situação que configura o fato gerador do tributo ele deve efetivar a cobrança. É plenamente vinculada – é totalmente obrigatória.
E, desta forma, foi construída a ideia de tributo. No ordenamento jurídico brasileiro há dois diplomas jurídicos que tratam das normas gerais sobre tributos: a lei 5.172/66, o CTN e a Constituição Federal de 1988 (CF/88). E ambas definem quais são as espécies de tributos: o CTN, em seu artigo 5.o, ao passo que a CF/88, no seu artigo 145. Mas, mesmo com comandos e definições claras, há situações em que o poder estatal avançou, situações nas quais cidadãos tiveram dúvidas, de sorte que até mesmo quando tais leis brasileiras estabeleceram o conceito de tributo ele teve que ser revisitado pela jurisprudência.
Na esteira destes questionamentos, havia um questionamento sobre a natureza do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, instituído por lei, anteriormente inclusive ao CTN. Por ser chamada de “contribuição”, aplicando-se às relações trabalhistas, teria ela caráter tributário? Na decisão do egrégio tribunal, não. De acordo com a visão exposta pelo colegiado, a “contribuição” não teria sido uma exação estatal, pois não serviria para custear nenhuma atividade estatal. Ela se destina aos próprios trabalhadores como uma prestação exigida dos empregadores, mas para possibilitar uma espécie de segurança financeira, visando atenuar os efeitos danosos do desemprego. Na visão exposta pelo colegiado, também consagrada pela CF/88, no seu Capítulo II, art. 7.o, III, garantir um direito social. Sobre este tema existe também a Súmula STJ 353: “As disposições do Código Tributário Nacional não se aplicam às contribuições para o FGTS.” Desta forma, a jurisprudência consolidou que as contribuições do FGTS não são tributos.
Outra situação que foi objeto de questionamento foi a existência de atividades exercidas pelo estado e custeadas pelos contribuintes. Pode haver alguma confusão acerca do custeio e para isso é necessário distinguir receitas originárias e receitas derivadas. São conceitos de direito financeiro, mas que possuem utilidade em definições do direito tributário. A receita originária se dá em função da exploração de atividade econômica pelo estado, mas a relação não é compulsória – ela é bilateral. O valor pago por quem usufrui do produto ou serviço prestado não é estabelecido em lei, é preço público, determinado em contrato, sendo que a vontade das partes é fundamental para dizer se ocorre ou não a prestação. De forma contrária, a receita derivada é a receita que o estado impõe exercendo seu poder de império, o valor é estabelecido em lei – e a vontade do contribuinte é irrelevante nesta relação. Com todas estas diferenciações, houve a publicação da Súmula STF 545: “Preços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada a prévia autorização orçamentária, em relação a lei que as instituiu.” Mais uma vez, coube à jurisprudência traçar as diferenças entre preços públicos e tributos.
A última parte da súmula é prejudicada (pois ela se refere à constituição anterior, que previa a lei somente se autorizada a taxa no orçamento público). Não é difícil imaginar o porquê, afinal, parece ser impraticável, nos dias de hoje, somente poder instituir uma nova taxa depois de aprovada no orçamento, que só vai ser aprovado ao longo do segundo semestre do ano – isso depois da aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (em tese essa lei também deveria apresentar a mesma previsão da referida taxa).
Faz-se imprescindível registrar que a definição de tributo descrito no CTN data de 1966 e a CF/88 foi promulgada em 1988. Apesar do lapso temporal, até então, vigorava na doutrina e nos tribunais superiores uma visão baseada na teoria tripartida ou tripartite: a de que existem apenas 3 espécies de tributos, quais sejam, as taxas, os impostos e as contribuições de melhoria, assim descritas.
À medida que as ações judiciais foram chegando aos tribunais superiores esta visão foi sendo revista, com a jurisprudência redefinindo que o sistema tributário brasileiro continha mais tributos do que o então definido pelo CTN. No STF, em um Recurso Extraordinário, foram reconhecidas, apesar da descrição do artigo 145, outras duas espécies: os empréstimos compulsórios (artigo 148) e as contribuições sociais – estas englobando também as contribuições de intervenção no domínio econômico e as de interesse das categorias profissionais e econômica (no artigo 149). E neste ponto houve uma das evoluções mais importantes do Supremo: a substituição da teoria tripartite pela teoria pentapartite ou pentapartida. A partir de então, as espécies admitidas no ordenamento jurídico brasileiro foram as taxas, os impostos, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais (sociais, de intervenção no domínio econômico e no interesse das categorias profissionais).
Antes dessa substituição da teoria tripartite pela pentapartite, houve também um julgado, em que foi mencionada uma teoria quadripartite (aqui todas as contribuições especiais eram englobadas com a contribuição de melhoria, formando 4 tributos: taxas, impostos, contribuições e empréstimos compulsórios), mas ela não foi recepcionada pelo Supremo.
Apesar das mudanças trazidas com a promulgação de novas constituições, nem todos os entendimentos são descartados, sendo um bom exemplo disso as definições emprestadas do direito financeiro, como receitas originárias e derivadas, respectivamente, preços públicos e taxas. Algumas atividades estatais tratam de serviços essenciais, como água e esgoto, energia elétrica e outros que podem ser prestados de forma individual para a população. Embora se trate de serviços públicos prestados para a população em geral, em que a modicidade seja um determinante (módico é o serviço barato – aquele cujo preço seja para essencialmente custear a atividade, de forma acessível a todas as classes sociais), o entendimento doutrinário é de que tais serviços são cobrados por tarifas (preço público). Portanto, quando se fala em conta de água, ou conta de energia, está se falando em tarifas, que são a outra denominação que tais preços públicos possuem. E um dos casos trazidos para a apreciação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi uma oposição a uma cobrança de tarifa de esgoto sanitário, pois a concessionária no pleito realizava somente a coleta e o transporte, mas não realizava o tratamento dos resíduos. O STJ entendeu cabível a cobrança, pois a cobrança de tarifa não pressupõe a prestação integral dos serviços de esgotamento sanitário (coleta, transporte, tratamento e disposição final), ainda que sem o tratamento final.
Dentro deste contexto, uma decisão mais recente do STF teve que avaliar a falta de previsão em lei sobre a cobrança de pedágio. O Supremo entendeu ser descabida a previsão, uma vez que o pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias não tem natureza tributária, mas de preço público. Isto é, conforme a jurisprudência exarada pelo Supremo, pedágio não é tributo.
Conforme exposto neste texto é fundamental entender o direito tributário como um sistema: um todo legal, com leis, princípios, regras, conceitos e definições. Tudo isso compõe um complexo doutrinário, que forma uma estrutura. Esta estrutura é conhecimento construído, explica os pormenores do sistema e até influencia na formação de leis, ou até mesmo de uma constituição.
Antigamente, bastava verificar se a relação envolvia uma prestação estatal ou não. Com o passar do tempo, com a modernização, o papel do estado foi repensado, de forma a corrigir eventuais falhas de mercado, que são situações em que não há a iniciativa privada em uma região, ou em segmento de mercado específico. Tal situação pode ensejar a atuação estatal em caráter subsidiário, como de fato em algumas situações já ocorre – na prestação de alguns serviços públicos, como serviço de água e esgoto, de energia elétrica, ou, até bem pouco tempo atrás, a própria telefonia fixa e móvel. Com o passar dos tempos foi necessária a assistência dos tribunais superiores em sede de jurisprudência para verificar se a relação envolve uma espécie de tributo, ou não.
Entender a natureza destas relações entre o estado e os indivíduos e cotejá-las com o que já foi estabelecido na doutrina pode auxiliar a esclarecer bastante o alcance destes pontos, ou, onde houver possibilidade de novos entendimentos, construir nova jurisprudência. Assim, uma interpretação holística, abrangente (que englobe mais de uma visão específica) é imprescindível para uma análise que possibilite verificar um todo jurídico e com isso assegurar coerência, lógica e segurança jurídica.
Ricardo Pereira de Oliveira.
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