A Lei 14.188, de 28 de junho de 2021, o tipo penal de violência psicológica contra a mulher e a nova qualificadora da lesão corporal por razões de condição do sexo feminino
A Lei 14.188, de 28 de julho de 2021, alterou o Código Penal, criminalizando a violência psicológica contra a mulher. O novo tipo penal foi criado por meio da inserção do artigo 147-B do Código. Além disso, criou uma nova modalidade da pena para a lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino. Cuida-se da forma qualificada prevista no artigo 129, em seu § 13, inserido pela lei no Código.
Além disso, definiu o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), uma importante estratégia para a proteção das vítimas.
Por fim, modificou o caput do artigo 12-C da Lei 11.340/2006, para inserir a violência psicológica como ensejadora do afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. A redação anterior já previa como fundamento risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes. Atualmente, o dispositivo trata da “integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes”.
Analisaremos, neste artigo, as modificações que foram feitas no Código Penal, com o tipo penal criado no artigo 147-B e a nova modalidade qualificada da lesão corporal.
A Lei 14.188, de 28 de julho de 2021 inseriu o parágrafo treze ao artigo 129, criando uma nova forma qualificadora de lesão corporal quando for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino:
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).
Nessa hipótese, a pena passa a ser de reclusão, de um a quatro anos. As circunstâncias são as mesmas que ensejam a configuração do feminicídio, previsto no artigo 121, § 2º-A. De forma sucinta, incidirá a qualificadora quando o delito for cometido por razões de condição de sexo feminino, ou seja, por razão de gênero. Referidas razões estarão presentes nos seguintes casos:
A interpretação de “violência doméstica e familiar” deve ser feita de forma sistemática, considerando todo o sistema normativo de proteção da mulher, especialmente a Lei Maria da Penha. Essa lei traz, em seu artigo 5º, as circunstâncias que caracterizam a denominada violência doméstica e familiar contra a mulher, o que atrai a incidência de seus regramentos:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Incide nos crimes cometidos a partir de 28 de julho de 2021, de modo que os delitos cometidos anteriormente podem se enquadrar no artigo 129, § 9º, do CP.
Essa hipótese de homicídio praticado por razões de condição do gênero feminino se liga ao menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Cuida-se de qualificadora inserida pela lei, constituindo lei penal mais gravosa. Assim, incide apenas para os crimes cometidos a partir de 28 de julho de 2021.
Menosprezo é o sentimento de repulsa ou de desprezo. Menosprezar alguém por sua condição de mulher é buscar diminuir o seu valor enquanto ser humano em virtude de tal qualidade, é depreciar tal condição.
Discriminação contra a mulher é “toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”. É o que prescreve o artigo 1º da Convenção para Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, CEDAW, 1979, ratificada pelo Brasil em 1984.
Essa nova qualificadora, prevista no parágrafo décimo terceiro, incide no caso de lesão corporal de natureza leve. No caso de lesão de natureza grave (que abrange a modalidade chamada pela doutrina de gravíssima) ou de lesão seguida de morte, existem duas posições:
Caso não haja violência doméstica ou familiar contra a mulher, mas a razão do crime seja o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher, deve-se utilizar a modalidade qualificada (da lesão grave, gravíssima e seguida de morte) e o juiz deve considerar essas razões na primeira fase da dosimetria, caso não entenda possível a sua valoração como agravante, por motivo torpe.
Considerando-se que o STJ fixou o entendimento de que o feminicídio constitui uma qualificadora de ordem objetiva, é provável que esse entendimento se estenda a essa qualificadora, de modo que ela se comunicará aos demais agentes.
A ação penal será incondicionada, se praticado o crime em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, em decorrência do artigo 41 da Lei 11.340/2006, que afasta a aplicação da Lei 9.099/95. Nesse sentido, o enunciado da Súmula 542. Essa vedação, entretanto, não incide no caso de o crime ter sido praticado por menosprezo ou discriminação à condição de mulher, razão pela qual a ação penal será condicionada à representação.
Vale lembrar, ainda, que o STJ não admite, no caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e/ou multa, conforme a Súmula 588:
A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Além disso, entende inaplicável, no caso de violência doméstica e familiar, o princípio da insignificância, conforme a Súmula 589:
É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
São vedadas, ainda, em se tratando dessa modalidade de violência, a suspensão condicional do processo e a transação penal, nos termos da Súmula 536:
A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.
Todos esses entendimentos não podem ser estendidos à hipótese de menosprezo ou discriminação contra a mulher, se o delito não se enquadrar em violência doméstica e familiar nos termos da Lei 11.340/2006, pois são vedações decorrentes dessa lei. Por fim, vale enfatizar que não se exige coabitação para caracterização da violência tratada na Lei Maria da Penha, conforme a Súmula 600 do STJ:
Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima.
O artigo 147-B foi inserido no Código Penal pela Lei 14.188, de 28 de julho de 2021, que também alterou a Lei Maria da Penha e inseriu uma modalidade qualificada no caso de lesão leve praticada contra mulher por razões de condição do sexo feminino. O dispositivo passou a tipificar o crime de violência psicológica contra a mulher, nos seguintes termos:
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
É importante frisar que a violência psicológica contra a mulher já estava prevista na Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha. O seu artigo 7º, inciso II, cuja redação foi alterada pela Lei 13.772/2018, a define como “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.
A violência psicológica poderia configurar o crime de lesão corporal desde que ensejasse dano à normalidade funcional do corpo, do ponto de vista mental, como prevê o item 42 da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal. A dor, prevista no Código de 1890, não foi prevista na lesão corporal do Código vigente. Por isso, nem toda violência psicológica enseja lesão corporal, de modo que a nova figura típica possui um âmbito maior de incriminação do que o previsto apenas pelo crime de lesão corporal, representando novatio legis incriminadora.
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, até mesmo outra mulher, como, por exemplo, nas relações homossexuais. O sujeito passivo deve ser a mulher. Ao contrário de outros tipos penais, que se referiram expressamente ao sexo, esse tipo penal não se refere a esse aspecto. Assim, parece mais adequada a interpretação que entende abranger a mulher transexual, já que se referiu apenas a mulher. Enquanto esse tema é bastante controverso no caso do feminicídio, em que a lei se refere expressamente ao sexo feminino, no crime do artigo 147-A a controvérsia deve ser menor, já que o tipo apenas usa o termo “mulher”. A violência psicológica contra o homem não tipifica esse delito específico, mas pode configurar o crime de lesão corporal, caso haja efetivo dano à saúde.
O tipo tem como núcleo o verbo “causar”, razão pela qual não se pode classificá-lo como misto alternativo[3]. Incrimina-se a conduta de causar dano emocional à mulher, sendo que esse dano é delimitado como aquele que prejudique ou perturbe o seu pleno desenvolvimento ou aquele que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. É preciso definir esse dano emocional, analisando as suas possibilidades:
Um dos danos emocionais que servem à configuração do tipo penal é aquele que prejudique ou perturbe o pleno desenvolvimento da mulher. Nesse caso, o crime exige um resultado danoso: o prejuízo do pleno desenvolvimento da mulher, como no caso de a vítima ter que realizar sua atividade profissional sob regras impostas por seu companheiro, o que a prejudica no seu desenvolvimento, não possibilitando que ele ocorra de forma plena. Também é possível que o dano emocional perturbe esse desenvolvimento pleno, como por meio de manipulações emocionais que tornem o exercício de sua atividade profissional mais árduo, o que indica um óbice provocado pelo sujeito ativo.
Nesse caso, o dano possui uma finalidade, que não precisa ser atingida pelo agente. O tipo penal deve ser classificado como incongruente, de modo que o crime é formal, não sendo necessário o resultado para a sua consumação. Uma das finalidades é a degradação, que significa destruir, provocar estrago, retirar a dignidade. É o fim de rebaixar a vítima, tratá-la de forma aviltante para lhe retirar a dignidade. É o caso do contínuo tratamento pejorativo, que vai destruindo a autoestima da mulher, a ponto de o seu sentido de valor ser ligado ao parceiro, tamanho o dano causado à saúde emocional.
Outra finalidade possível é a de controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões da mulher. Basta a intenção, não é necessário que se obtenha o controle para a consumação do delito. Controlar as ações significa ter poder sobre o que a vítima faz, como as suas atividades de lazer. Controlar o comportamento tem um sentido mais amplo, incluindo as omissões, aquilo que a vítima não deseja realizar, e a sua forma de se portar socialmente, como as roupas que usa ou deixa de usar. O controle das crenças envolve a busca de tolher a liberdade da vítima quanto a ter uma religião ou de não a professar, mas também se refere ao conjunto mais amplo de opiniões, convicções e ideologias, inclusive políticas. O agente também pode almejar o domínio das decisões da vítima, a sua liberdade de autodeterminação, de decidir o seu futuro e até mesmo as pequenas escolhas da rotina diária.
Essa conduta pode se dar por vários meios. O dispositivo prevê que o dano emocional pode ser causado mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. Cuida-se de extenso rol de meios de prática do dano emocional:
Ameaçar é fazer uma promessa a outra pessoa de lhe causar algo ruim, um mal. Não se exige aqui que a ameaça seja de um mal injusto, nem a ameaça é qualificada como grave. As contínuas ameaças, como a de deixar a pessoa sem os bens que lhe são de direito pela meação, podem afetar a autodeterminação e a saúde psíquica da vítima.
Interessante distinção é entre o crime de perseguição e o de violência psicológica contra a mulher, já que ambos podem ser praticados mediante ameaça. Apesar de o último delito ser expressamente subsidiário, os dois possuem a mesma gravidade em abstrato, já que o legislador lhes cominou os mesmos limites mínimo e máximo de pena. Entretanto, o crime de perseguição, no caso de ser praticado contra mulher por razões de condição de sexo feminino, tem previsão de majorante, razão pela qual se torna mais grave. Assim, caso as ameaças sejam reiteradas a ponto de se configurar o crime de perseguição, aquele deve prevalecer, por ser mais específico e pela expressa subsidiariedade do delito em estudo. Nada impede, entretanto, que haja concurso de crimes, a depender das circunstâncias.
Constranger é praticar coação contra outrem, mas também pode ser deixar alguém embaraçado ou envergonhado. Aqui a compreensão deve ser ampla, mesmo porque os outros meios enumerados demonstram claramente essa amplitude do tipo penal: o uso de coação ou de deixar a vítima embaraçada na frente de amigos e colegas de trabalho pode visar a controlar algum aspecto de sua vida, provocar degradação social ou, ainda, prejudicar ou perturbar o seu pleno desenvolvimento.
Humilhar é dar tratamento humilhante, que rebaixe a vítima, que afete a sua autoestima. É tratar de modo desdenhoso ou pejorativo, de modo a desqualificá-la. Tratar e mulher de forma pejorativa, insultando o seu intelecto ou aparência física, por exemplo, especialmente na frente de outras pessoas, tem um grande potencial de dano emocional, especialmente em relações afetivas, em que os parceiros possuem um significado psicológico muito maior para a pessoa.
Manipular é usar artifício para modificar a vontade da pessoa, é influenciar a formação da vontade da vítima por meio de táticas enganosas ou dissimuladas. É o caso de o agente convencer a vítima de que para a salvação da sua alma ela deve manter a união estável, ainda que não tenha mais desejo de permanecer na relação.
Isolar é afastar a pessoa do seu convívio social, de sua família e amigos. Infelizmente não é incomum o relato de que o parceiro de determinada mulher a isolou de sua família, cortando os vínculos. Esse meio de violência emocional é usualmente um passo inicial para a busca do domínio sobre a vítima, evitando que haja pessoas próximas a perceberem a situação e que possam ajudá-la em caso de violência expressa.
Chantagear é uma espécie de ameaça condicional, exigindo determinado comportamento sob pena de fazer algo. É o caso de exigir que a vítima não trabalhe fora de casa ou o agente a abandonará ou mesmo de dizer que ela não deve terminar o relacionamento ou o agente se utilizará de todos os meios para obter a guarda unilateral dos filhos apenas para separá-los da mãe.
A ridicularização é uma forma específica de humilhação, é escarnecer, é zombar da pessoa. Quando esse comportamento se torna hábito contra a vítima, especialmente em relação afetiva ou amorosa, há um grande potencial de abalo psíquico, especialmente a longo prazo.
A limitação do direito de ir e vir significa não possibilitar que a vítima saia quando quiser ou que não vá aonde quiser. Pode se iniciar com uma proibição de frequentar determinados lugares, como clubes e academias, e se estender a vedações de sair desacompanhada de casa. É uma forma mais grave de violência psicológica contra a vítima, de modo que pode culminar também na prática do crime de sequestro ou cárcere privado, inclusive em concurso, apesar de integrarem o mesmo tipo penal. Isso porque aquele delito visa a proteger a liberdade de ir e vir, de forma mais específica, enquanto o crime de violência psicológica também tutela a saúde emocional da vítima.
Por fim, o tipo penal traz a expressão “mediante qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação“. Cuida-se cláusula de interpretação analógica, aquele método por meio do qual o próprio legislador deixa uma expressão mais aberta, a ser interpretada conforme os meios enumerados anteriormente de forma menos abstrata. É o caso de o agente controlar o uso do celular e de redes sociais pela vítima, limitando não a sua liberdade de ir e vir, mas a sua comunicação com outras pessoas.
Essa cláusula demonstra que todos os meios para prática do dano devem causar prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação da mulher. Isso reforça se tratar de um crime de dano, e não de perigo, pois não basta colocar o bem jurídico em risco para sua consumação. O crime se configura com a efetiva causação do dano, como indica o núcleo do tipo, de modo que é imprescindível que qualquer dos meios empregados cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação da vítima.
Por se tratar de violência psicológica, não se exigindo o dano, que configura a lesão corporal, forma-se uma corrente no sentido de que a perícia seria desnecessária[4]. Assim, caso haja violência psicológica, a prova testemunhal pode ser suficiente. Caso essa violência cause danos à saúde da vítima e, assim, configure-se a lesão corporal, a perícia será necessária. Por outro lado, há quem entenda que a perícia seria imprescindível para a comprovação de sua materialidade[5].
O crime não exige a violência doméstica ou familiar contra a mulher, apesar de a maior parte dos delitos serem praticados nesse contexto. Por isso, haverá incidência da Lei 11.340/2006, com as suas respectivas vedações, apenas se o delito for praticado com violência doméstica ou familiar contra a mulher. Nos demais casos, o benefício será aplicável. Se a violência for praticada no âmbito profissional, por exemplo, não se aplicam as vedações de benefícios da Lei Maria da Penha.
Apesar de mencionado acima, cabe recordar que o STJ não admite, no caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e/ou multa, conforme a Súmula 588:
A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Além disso, entende inaplicável, no caso de violência doméstica e familiar, o princípio da insignificância, conforme a Súmula 589:
É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
São vedadas, ainda, em se tratando dessa modalidade de violência, a suspensão condicional do processo e a transação penal, nos termos da Súmula 536:
A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.
Todos esses entendimentos só serão aplicados se na conduta praticada pelo agente houver violência doméstica ou familiar contra a mulher. Por fim, vale enfatizar que não se exige coabitação para caracterização da violência tratada na Lei Maria da Penha, conforme a Súmula 600 do STJ:
Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima.
O crime é doloso, sem previsão de forma culposa. É admissível o conatus, a modalidade tentada, apesar de ser difícil na prática. Cuida-se de delito instantâneo, consumando-se com a prática do dano emocional. Por isso, o crime é material, pois exige o mencionado resultado naturalístico para a sua consumação.
A pena é de 6 meses a 2 anos de reclusão, além multa, se a conduta não configura crime mais grave. O tipo penal, portanto, é expressamente subsidiário. O crime de dano, se não abrangido pela imunidade absoluta do artigo 181, e os crimes contra a honra podem ser absorvidos pelo delito do artigo 147-B. Além disso, o crime em análise prevê a espécie mais grave de pena privativa de liberdade, a pena de reclusão, que permite a perda do poder familiar, nos termos do artigo 92, inciso II, do Código Penal.
Não cabe acordo de não persecução penal pela vedação em caso de violência ou grave ameaça. Além disso, incidiria, na maior parte dos delitos, o afastamento do benefício pela violência doméstica ou familiar contra a mulher. A ação penal é pública incondicionada.
Espero que tenham gostado do texto, que lhe seja útil em seus estudos ou em sua atuação profissional.
Abraço,
Prof. Michael Procopio
[1] No mesmo sentido: CAVALCANTE, Márcio André Lopes, Comentários à Lei 14.188/2021: crime de violência psicológica, nova qualificadora para lesão corporal por razões da condição do sexo feminino e programa Sinal Vermelho disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2021/07/comentarios-lei-141882021-crime-de.html.
[2] CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/
[3] Em sentido contrário: CAVALCANTE, Márcio André Lopes, Comentários à Lei 14.188/2021: crime de violência psicológica, nova qualificadora para lesão corporal por razões da condição do sexo feminino e programa Sinal Vermelho disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2021/07/comentarios-lei-141882021-crime-de.html.
[4] Nesse sentido: CAVALCANTE, Márcio André Lopes, Comentários à Lei 14.188/2021: crime de violência psicológica, nova qualificadora para lesão corporal por razões da condição do sexo feminino e programa Sinal Vermelho disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2021/07/comentarios-lei-141882021-crime-de.html. CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/
[5] MELO, Igor de; ORNELAS, Alex Rosa. O crime de violência psicológica e a Lei Maria da Penha. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-05/igor-melo-violencia-psicologica-lei-maria-penha.
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