Olá turma, como estão os estudos? Estamos aqui para comentar um caso recentemente julgado pelo STJ e que representa uma exceção ou uma restrição ao princípio tributário do “non olet”, frente ao Imposto Territorial Rural.
O Imposto Territorial Rural (ITR) tem previsão no art. 153, VI e § 4º, da Constituição Federal, sendo de competência da União e regulamentado pelos arts. 29 a 31 do CTN, bem como pela Lei n. 9.393/1996.
Ademais, segundo a doutrina especializada, o princípio tributário do “non olet”, derivado do adágio romano “pecunia non olet”, orienta que “Ilícitos civis, empresariais, administrativos e mesmo penais são, a princípio, irrelevantes”1.
Com base nesse princípio, a regularidade formal do contribuinte ou o cumprimento de obrigações tributárias acessórias são irrelevantes para fins de tributação, visto que não impedem a ocorrência de fatos geradores.
Com efeito, considerando o “non olet”, Leandro Paulsen leciona que “a ilicitude subjacente não retira dos fatos econômicos a revelação de capacidade contributiva tributável, de modo que não afeta nem prejudica a tributação dos fatos geradores efetivamente ocorridos ou praticados”, sendo que, para fins tributários, a incidência fiscal considera apenas o aspecto econômico do fato jurídico, sem importar a licitude ou a ilicitude dos aspectos relacionados ao fato gerador de modo direto ou indireto.2
Ainda segundo Leandro Paulsen3, o princípio do “non olet” pode ser extraído do art. 3º do Código Tribunal Nacional (CTN), o qual preconiza que o tributo não caracteriza sanção a ato ilícito, bem como do art. 118, I, do CTN, segundo o qual “A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I − da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos”.
A jurisprudência do STJ tem se apoiado nesses dispositivos para decidir que “o direito tributário brasileiro adota a cláusula ‘pecunia non olet’ ou ‘non olet’, razão pela qual admite-se a tributação de valores recebidos pelo contribuinte, ainda que de forma ilegal” (APn n. 300/ES, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, julgado em 21/9/2016, DJe de 7/10/2016).
O Supremo Tribunal Federal, nesse sentido, decidiu, por exemplo, ser viável a tributação de valores oriundos da prática de contravenção penal (“Jogo do Bicho”), uma vez que, “à luz do art. 118 do Código Tributário Nacional”, é possível a tributação de renda decorrente de fonte ilícita, pois a definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se a validade jurídica do ato efetivamente praticado, bem como a natureza do seu objeto ou dos seus efeitos (HC 94240, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-196 DIVULG 11-10-2011 PUBLIC 13-10-2011).
Ocorre que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça debruçou-se novamente acerca da interpretação a ser dada ao princípio do “non olet”, fixando entendimento que, em certa medida, restringe seu âmbito de aplicação quanto ao Imposto Territorial Rural (ITR).
Vejamos as justificativas apresentadas pelo STJ.
Segundo Regina Helena Costa4, o ITR é um imposto distributivista e extrafiscal, influenciado pelo princípio da função social da propriedade, sendo o aspecto material de sua hipótese de incidência previsto no art. 29 do CTN:
Ainda conforme a referida doutrinadora, a expressão “imóvel por natureza” representa, em termos de direito civil, a terra nua (art. 79 do CC/2002) e o conceito de imóvel rural é dado pela Lei n. 9.393/1996, em seu art. 1º, § 2º, segundo o qual, para fins de incidência do Imposto Territorial Rural, imóvel rural é “a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município”.
A eminente professora conclui5 que, para efeito de incidência do ITR, será considerada propriedade rural “o imóvel situado na zona rural do município, isto é, em área de seu território que não atenda aos requisitos legais necessários para sua caracterização como propriedade urbana”
Com base nessas normas, relacionadas à incidência do ITR e à configuração do princípio tributário do “non olet”, o STJ examinou, nos autos do AREsp n. 1.750.232/SP6, a possibilidade de cobrança do Imposto Territorial Rural sobre propriedade de imóvel rural cujo registro de transmissão entre vivos foi cancelado por decisão judicial transitada em julgado, a qual se fundamentou na falsidade das escrituras públicas e na ilegalidade das matrículas vinculadas aos imóveis, consubstanciadas em documentação inexistente ou falsificada.
Nesse contexto, o Tribunal da Cidadania entendeu que, não obstante a incidência da tributação sobre valores oriundos de atividade ilícita – nos termos do art. 118, I, do CTN –, não é possível a cobrança de Imposto Territorial Rural “no período entre a aquisição da propriedade e o encerramento do processo judicial” em que reconhecida a nulidade da aquisição, por força do cancelamento da matrícula do imóvel rural decorrente “da falsidade ou inexistência dos documentos que comprovavam sua existência”.
Com efeito, o STJ considerou que o princípio do “non olet” autoriza a tributação sobre valores oriundos de fatos inválidos, ilícitos ou ineficazes, desde que sejam existentes, fazendo uma distinção entre os “planos de existência, validade e eficácia dos fatos jurídicos submetidos à tributação”.
De fato, “se inexistente o fato jurídico, não se pode cogitar sequer da sua validade, ou tampouco da sua eficácia”. Nesse sentido, como as propriedades do caso em exame estavam consubstanciadas em registros inexistentes, os quais foram cancelados judicialmente, considerou-se inexistir propriedade territorial rural a ser tributada desde o momento da suposta aquisição, visto que, segundo o direito civil, “existe transmissão da propriedade apenas com o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.
Esse entendimento não é inédito em sede doutrinária. Segundo Regina Helena Costa7, que também ocupa, atualmente, o cargo de Ministra do STJ, o incido I do art. 118 do CTN permite conclusão em favor da autonomia do direito tributário para definir “os efeitos dos atos jurídicos em seu domínio, advertindo o intérprete de que a disciplina do direito privado não interfere na definição do fato gerador”.
Assim, “a validade e a eficácia dos atos jurídicos, à luz do Direito Civil, por exemplo, não repercute no aperfeiçoamento do fato gerador” de um tributo. Noutros termos, ato jurídico inválido ou ineficaz no âmbito do direito privado não obsta a eficácia no campo do Direito Tributário.
Enfim, podemos sintetizar o entendimento do STJ nos seguintes termos: o princípio tributário do “non olet” (art. 118, I, do CTN) permite a tributação sobre bens e valores oriundos de atos sem validade ou sem eficácia jurídica, desde que existentes juridicamente. Nesse sentido, a propriedade rural advinda de atos juridicamente inexistentes não pode ser tributada pelo Imposto Territorial Rural.
1 PAULSEN. Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 362.
2 Idem, p. 362.
3 Idem, p. 363.
4 COSTA. Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 417.
5 Idem, p. 417.
6 AREsp n. 1.750.232/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023.
7 COSTA. Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 216.
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