O objetivo deste artigo é explicar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço: o FGTS e os saques autorizados por motivos de saúde. Na história dos direitos do trabalho no Brasil, um dos problemas enfrentados pelo direito do trabalho e a economia foi a questão do desemprego, bem como da instabilidade dos empregos face a problemas de ciclos econômicos ou mesmo dos ciclos de mercado.
No mundo inteiro, com a alvorada da revolução industrial, em suas duas fases, tanto na primeira como na segunda, o advento das indústrias provocou um êxodo sem precedentes de trabalhadores do campo para a cidade.
Em que pese essas condições laborais, havia uma instabilidade das atividades empresariais que abreviava a existência de empresas. Outras, tendo que administrar pesados reveses pelos ciclos de depressão econômica, tinham que demitir funcionários. E assim uma massa de trabalhadores tinha que se adaptar, da melhor forma possível, ao desemprego.
As leis do trabalho no Brasil buscaram diminuir esse risco ou assistir trabalhadores nessa situação. A primeira delas foi a Lei n° 4.682/1923 (Lei Elói Chaves) instituiu em seu art. 42 a estabilidade, após 10 anos de serviço, somente poderia haver a demissão de funcionário em caso de falta grave.
Para proteger o trabalhador do desemprego, o Decreto-Lei n° 5.452/1943 – a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) instituiu a estabilidade, após 10 anos de serviço. Entretanto, a estabilidade trazia um problema: dificultava excessivamente a dispensa sem justa causa de funcionários. Por este motivo a CLT também trazia a previsão de a rescisão contratual calcular um salário por ano de trabalho, ou fração superior a seis meses. Isso facilitou a dispensa sem justa causa.
Com o passar do tempo, esse cálculo de rescisão contratual passou a ser insuficiente para trabalhadores que não conseguiam emprego por tempo prolongado, em virtude de problemas relativos à formação do trabalhador ou a condições próprias de emprego na economia. Para atenuar as dificuldades econômicas nesse período entre empregos, foi criado, pela lei 5.107/1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) – que funcionaria como uma espécie de seguro ao trabalhador que viesse a ser dispensado (demitido) sem justa causa.
Inicialmente, o FGTS funcionou como uma poupança adicional ao trabalhador que viesse a perder seu emprego até que conseguisse outro, como uma proteção extra a esse trabalhador. Mas, com o passar dos anos, as possibilidades de sua utilização aumentaram, passando a inclusive abarcar possibilidades que não envolvem necessariamente o desemprego – mas, por exemplo, motivos da ordem de saúde, conforme se verifica na lei n° 8.036/1990, em seu artigo 20.
O saque do FGTS por motivo de aposentadoria é uma das possibilidades de saque por motivo de saúde. Notoriamente, o trabalhador que se aposenta é alguém que já trabalhou um período considerável de sua vida, e não possui mais a capacidade laborativa de outrora. Cabe ressaltar que neste caso há a necessidade de a aposentadoria poder ser enquadrada em uma das possibilidades permitidas pela lei n° 8.213/1991: aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial e aposentadoria por invalidez.
A aposentadoria por idade é a mais simples das aposentadorias, pois estabelece uma idade mínima para o trabalhador: se homem, 65 anos, mulher, aos 60 anos. Atingiu a idade mínima, cumpre a condição. Ela pode ser solicitada pela empresa quando o funcionário homem atingir a idade de 70 anos, ou, se mulher, 65 anos – sendo compulsória, nestes casos.
A aposentadoria por tempo de contribuição se refere a quanto tempo o trabalhador contribui para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS): para o homem, é um período de contribuição de 30 a 35 anos. Para a mulher, de 25 a 30 anos.
A aposentadoria especial trata de categorias profissionais específicas, que por respectiva natureza prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 anos, 20 anos ou 25 anos de trabalho, conforme estabelecido em lei. A condição de aposentadoria especial depende da análise de um documento chamado perfil profissiográfico, que indica o enquadramento do profissional às condições da aposentadoria especial, e por quanto tempo, devendo ser atualizado enquanto o trabalhador estiver em atividade na empresa.
O saque por aposentadoria também vale para a aposentadoria por invalidez – aposentadoria concedida por qualquer enfermidade ou incapacidade na saúde que impossibilite o exercício profissional do trabalhador. A aposentadoria por invalidez dependerá de o trabalhador ser considerado incapaz ou insuscetível de reabilitação para a atividade laboral, mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social.
Além da possibilidade de saque de FGTS pelo advento da aposentadoria, também foi prevista, independentemente de trabalho, o saque quando a trabalhador tiver idade igual ou superior a 70 anos – situação incluída em lei pela Medida Provisória nº 2.164-41.
Além das hipóteses de saque de FGTS por aposentadoria, que indica claramente uma redução da saúde pela diminuição da capacidade laborativa, existem enfermidades previstas em lei que pressupõem a mesma perda de condições de saúde para exercer atividade laborativa.
Entre as doenças que eram consideradas mortais, mas que hoje possibilitam a sobrevivência, desde que em condições condizentes com a consequente perda de saúde e de capacidade laborativa, está a possibilidade de sacar o FGTS se o trabalhador, ou qualquer um de seus dependentes for portador do vírus HIV – que pode ou não contrair a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) – inserida pela Medida Provisória nº 2.164-41.
Outra autorização legal para a sacar o FGTS por doenças incapacitantes veio na situação em que o trabalhador com deficiência, por prescrição, necessite adquirir órtese ou prótese para promoção de acessibilidade ou inclusão social (trazidos pela lei n° 13.146/2015). A diferença entre a órtese e prótese é que uma delas é utilizada para auxiliar ou aliviar uma condição física que traga dor ou desconforto, enquanto a segunda substitui um membro perdido.
Exemplos de órteses não desde palmilhas anatômicas, botas ortopédicas, aparelhos de surdez, bengalas, marcapassos e até mesmo óculos. As próteses são membros artificiais, como pernas mecânicas, próteses mamárias, dentaduras, válvulas cardíacas e até mesmo ligamentos artificiais.
Por último, há autorização legal para saque do FGTS quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for, nos termos de regulamento, pessoa com doença rara (lei n° 13.932/2019).
Existem doenças que, pela sua incidência na população de forma geral, são bastante raras, situações em que medicamentos necessários não sejam produzidos no país, ou, quando o são, situam-se em preços bastante elevados, tornando seu tratamento bastante oneroso. A relação de tais doenças é reconhecida pelo Ministério da Saúde, que apresenta, em seu sítio na internet, a relação atualizada dessas doenças.
Os casos anteriores pela diminuição da saúde tanto pela aposentadoria, como por doenças que permanentemente reduzem a capacidade laborativa. Entretanto, a lei também previu possibilidades de saque quando ocorre a morte do trabalhador ou em doenças que provavelmente levarão à morte.
Por exemplo, a própria morte do trabalhador, em virtude de qualquer ocorrência imprevista, por acidente. Ou mesmo por um ataque cardíaco, ou mal súbito. Enfim, qualquer situação em que o trabalhador venha a óbito é um acontecimento que lavará a família a despesas inesperadas, que vão desde o enterro de um membro de sua família (talvez o maior ou único provedor) a uma reorganização das finanças familiares.
Este é um evento de repercussão imediata, sendo provavelmente por este motivo apenas exigida a comprovação do falecimento (da mesma forma que é necessária para a concessão de pensão por morte pela Previdência Social). Não é necessário aguardar inventário ou arrolamento – procedimentos para verificar heranças que podem ser demorados. Na falta de dependentes, receberão o saldo da conta vinculada do FGTS os sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial.
Além da morte do trabalhador, outra possível forma de sacar o FGTS é quando o trabalhador é acometido de neoplasia maligna (lei nº 8.922/1994). Neoplasia maligna é o nome técnico do câncer. Qualquer espécie de câncer maligno depende da gravidade do quadro e quando a doença é descoberta. Mesmo quando descoberto precocemente, não são descartados tratamentos como quimioterapia e radioterapia, que são geralmente longos e também muitas vezes caros.
Por derradeiro, também é possível sacar o FGTS quando o trabalhador ou seus dependentes estiverem em estágio terminal, em razão de doença grave, nos termos de regulamento (incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41/2001). Circunstâncias desse tipo, da mesma forma, impõem custos emocionais e financeiros pesados à família, sendo mais uma permissão legal de saque do FGTS.
Neste artigo se buscou demonstrar a origem e a necessidade histórica de um fundo como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e como ele foi inicialmente concebido.
O FGTS foi pensado em um país com o mercado de trabalho em formação, em que não havia uma economia dinâmica o suficiente para absorver toda a força de trabalho existente, decorrente de instabilidades estruturais e econômicas. Estruturais porque o Brasil da década de 1960 ainda era predominantemente agrário. Por outro lado, as instabilidades econômicas vêm dos ciclos econômicos brasileiros.
Ambas as situações traziam uma instabilidade no emprego que gerou a necessidade de uma espécie de seguro que o FGTS veio a atender.
Posteriormente, houve a necessidade de considerar possibilidades de saque do FGTS que não envolvessem somente a dispensa sem justa causa. E, num país relativamente pobre como o Brasil, situações que configuram necessidades imprevistas advêm de circunstâncias relacionadas à saúde.
Uma dessas circunstâncias de saque do FGTS é relacionada à aposentadoria. Esse instituto prevê uma renda para o trabalhador que laborou e contribuiu por toda uma carreira, mas que certamente não terá a mesma renda de quando estava na ativa. Isso demanda recursos para reforçar a renda familiar.
Existem também, da mesma forma, relacionadas à saúde, situações de doenças como a AIDS (ou portar o vírus HIV), doenças raras e a necessidade de utilizar órteses ou próteses. São situações que envolvem limitações na saúde para uma vida normal, que dificultam o usufruto dela, sendo importante uma complementação na renda para compensar as dificuldades que a sobrevivência impõe, com recursos do FGTS sacados nessa circunstância de saúde.
Por último, há ocorrências inevitáveis de saúde, como a morte do trabalhador, ou mesmo a provável morte decorrente de uma doença terminal ou com alta probabilidade de fatalidade. Nestes casos, a possibilidade de poder realizar o saque do FGTS por motivo de saúde possibilita ao menos um alento ao conceder a perspectiva de dignidade humana.
Ricardo Pereira de Oliveira
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