O crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio era a denominação do delito previsto no artigo 122 do Código Penal, que possuía, até 26 de dezembro de 2019, o seguinte teor:
Art. 122 – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Não se punia nem se pune atualmente a tentativa de se matar. A norma penal tutela a vida alheia, não aceitando que o agente dê a ideia, reforce o projeto ou forneça algum auxílio material para que um terceiro se mate.
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa. Entretanto, o sujeito passivo deve ser pessoa capaz de compreensão, sob pena de se configurar o homicídio. Caso o agente induza, por exemplo, uma criança de 8 anos de idade a beber veneno, deverá responder pela prática de homicídio, já que a vítima não possuía capacidade de compreender o que estava fazendo.
A conduta deve se dirigir a pessoa determinada ou a pessoas determinadas. Se a conduta se voltar a pessoas indeterminadas, pode-se configurar o delito de incitação ao crime, previsto no artigo 286 do Código Penal.
Os núcleos do tipo possuem os seguintes significados:
O auxílio material deve ser acessório, pois, se o agente praticar atos executórios, pode-se configurar o crime de homicídio. Por exemplo, se o agente fornece a corda para que o sujeito se enforque, temos auxílio ao suicídio. Se ele empurra o sujeito para que a corda o enforque, o crime é o de homicídio.
O delito de instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio é crime de ação múltipla, isto é, possui mais de um núcleo do tipo, sendo que basta que a conduta do agente se subsuma a um dos verbos nucleares para sua configuração. Ainda como consequência de ser crime de tipo misto alternativo, caso ele pratique mais de uma das ações nucleares no mesmo contexto, responderá por crime único.
Pode ser comissivo ou omissivo impróprio, neste último caso quando o sujeito tiver o dever de garantidor. Há divergência se, no caso de colaboração moral, é cabível a conduta omissiva. Seria o caso da mãe que se cala quando a filha, de 17 anos de idade, diz que pretende se matar por ter visto uma série sobre isso e entender que é a solução para o caso. Para alguns, a mãe deveria agir, por seu dever de garante (a vítima é sua filha menor de idade), razão pela qual sua omissão configuraria o crime em estudo.
O elemento subjetivo é o dolo. Não há previsão de punição de modalidade culposa.
Se a vítima não tentasse se matar ou apenas sofresse lesão leve, não havia crime, para a doutrina majoritária, conforme a redação anterior ao advento da Lei 13.968/2019. Só havia relevância penal se a vítima sofresse lesão corporal de natureza grave ou se ela efetivamente conseguisse se matar. Seguindo este entendimento, a tentativa não era juridicamente possível.
Nelson Hungria, entretanto, defendia o entendimento de que o crime se consuma com a própria instigação, induzimento ou o auxílio. Deste modo, a morte ou a lesão corporal de natureza grave consistiriam em condição objetiva de procedibilidade.
Com a Lei 13.968/2019, o artigo 122 passou a ter a seguinte redação:
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
A principal modificação operada, no preceito primário, foi a inclusão da participação em automutilação. Isto é, também passa a ser típica a conduta de instigar, induzir ou auxiliar alguém a praticar a automutilação.
Automutilação é a conduta de causar lesões em si próprio. Vale recordar, até mesmo pelo princípio da transcendentalidade ou da alteridade, o qual veda a punição de condutas que não ultrapassem o âmbito de disponibilidade do agente, que a autolesão, por si só, não é punida. Assim como o suicídio não é punido, o que o legislador veda é o induzimento, a instigação ou o auxílio material a que alguém suicide ou que se mutile.
Ademais, também foi alterado o preceito secundário, trazendo a sanção de 6 meses a 2 anos de reclusão. A maior modificação, neste âmbito, foi a não previsão de condicionamento da punição à existência de resultado naturalístico. Como consequência, o crime passa a admitir a modalidade tentada, já que o óbice apresentado pela doutrina majoritária, quando da análise da redação anterior do dispositivo, era a necessidade do resultado morte ou lesão corporal de natureza grave para a imposição de pena.
Antes da alteração realizada pela Lei 13.968/2019, o artigo 122 só previa pena para as condutas que tipificava no caso de o suicídio se consumar ou de a tentativa de suicídio resultar lesão corporal de natureza grave. Atualmente, a ocorrência dos resultados naturalísticos lesão grave ou morte tornará o crime qualificado, ou seja, com novos limites mínimo e máximo de pena abstratamente cominada, conforme previsão dos parágrafos primeiro e segundo de referido dispositivo:
§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Portanto, o resultado lesão grave tornará a conduta punível com a pena de reclusão, de 1 a 3 anos. Se o resultado for a morte, seja por consumação do suicídio, seja como consequência da automutilação, a pena será de reclusão, de 2 a 6 anos.
Vale recordar que, em pobre técnica legislativa, o dispositivo menciona lesão corporal grave e gravíssima. Ocorre que o Código Penal não menciona lesão gravíssima, chamando as hipóteses de lesão qualificada, de forma genérica, como “lesão corporal de natureza grave”. Como há duas gradações diferentes da pena, a doutrina passou a diferenciá-las como lesão grave e lesão gravíssima, não havendo, entretanto, a última denominação no texto legal.
O parágrafo terceiro do artigo 122, inserido pela Lei 13.968/2019, passou a abrigar as mesmas causas de aumento de pena que já estavam previstas no antigo parágrafo único, sem, entretanto, prever a causa de aumento para os casos de motivo torpe ou fútil:
§ 3º A pena é duplicada:
I – se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;
II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
Vale recordar que o motivo egoístico consiste no interesse pessoal do agente. Seria o caso de quem induz o sujeito, com classificação superior em lista de espera de concorrido concurso, a se matar.
As únicas hipóteses que foram introduzidas com a Lei n. 13.968/2019 foram a do crime praticado por motivo torpe e a do cometido por motivo fútil.
O motivo torpe é o motivo repugnante, vil, abjeto, desprezível. A vingança vem sendo compreendida pelo STJ como um motivo torpe, no caso do homicídio. Entretanto, o STJ já decidiu que a vingança pode ou não configurar motivo torpe, a depender do caso concreto.
O motivo fútil é aquele que demonstra desproporção em relação ao crime praticado. Caracteriza-se quando o delito consubstancie razão frívola, mesquinha, insignificante. E se o crime for praticado com ausência de motivo, existe divergência doutrinária, mas o STJ, ao analisar casos de homicídio, tem entendido não ser admissível a configuração do crime praticado sem motivo como qualificado por motivo torpe.
Quanto à vítima menor de idade, como vimos, não pode se tratar de pessoa sem capacidade de compreender aquilo que faz, como uma criança. Hoje pode-se utilizar o limite de 14 anos de idade, introduzido pela Lei 13.968/2019 como parâmetro. Anteriormente, a doutrina discutia sobre a sua adoção, tomada por analogia dos crimes sexuais, ou a análise casuística, com a verificação da capacidade da vítima de decidir por si só.
A vítima com diminuição da capacidade de resistência é aquela que, por qualquer motivo, está mais suscetível ao induzimento ou à instigação, como aquela que padece de alguma enfermidade, como uma depressão.
A Lei 13.968/2019 trouxe novas majorantes ao crime do artigo 122 do CP, com a inserção dos parágrafos terceiro e quarto:
§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real.
§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual.
A primeira majorante, prevista no parágrafo quarto, traz o aumento da pena até o dobro se a conduta for realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. Vale recordar que a conduta típica, para a configuração do delito em estudo, deve se voltar a uma pessoa determinada ou a pessoas determinadas. Haverá, portanto, o aumento da pena, até o dobro, no caso de o agente se utilizar, por exemplo, de chamada de vídeo ou mesmo o serviço de mensagens do Facebook.
A fração de aumento deve ser até o dobro, devendo o juiz adotar como critério, em nosso entendimento inicial, o maior potencial de dano da conduta. Com efeito, o aumento deve ser menor se houver o uso de uma chamada de vídeo entre duas pessoas já conhecidas, sendo o uso da internet apenas um instrumento que possibilita sua ação à distância. Por outro lado, a majoração deve ser mais elevada se o agente procura suas vítimas em uma rede social, transmitindo suas mensagens a uma dezena de pessoas, escolhidas a partir de um grupo de apoio por abuso de álcool, por exemplo.
Já o parágrafo quinto traz a causa de aumento de pena que incide no caso de o agente ser o líder ou o coordenador de grupo ou de rede virtual. Neste caso, a lei fixa a fração em metade, ao contrário do parágrafo anterior (“até o dobro”, naquele caso). O maior desvalor da conduta reside no fato de o sujeito ativo ter uma posição de liderança ou de coordenação em grupo ou rede virtual, ou seja, com formação realizada pela internet, a rede mundial de computadores. Com isso, sua conduta possui maior probabilidade de eficácia e menor controle, já que sua própria posição demanda dele tal responsabilidade no grupo.
Foram inseridos, pela Lei 13.968/2019, os parágrafos sexto e sétimo, com previsão de hipóteses de não configuração do delito do artigo 122, mas de crime mais grave:
§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código.
§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código.”
Na redação anterior à Lei 13.968/2019, a doutrina já destacava que o sujeito passivo deveria ser pessoa capaz de compreensão, sob pena de se configurar o homicídio. Caso o agente induza, por exemplo, uma criança de 9 anos de idade a se jogar de uma janela, deverá responder pela prática de homicídio, já que a vítima não possuía capacidade de compreender o que estava fazendo.
Os parágrafos 6º e 7º destacaram o que já decorria da redação do dispositivo, com a inovação de destacar uma idade limite, a mesma prevista nos crimes sexuais contra vulnerável. Assim, configura lesão corporal gravíssima ou homicídio se o crime qualificado pelo resultado for praticado contra:
Quanto à punição, a lei determina que, caso o sujeito passivo seja algum dos elencados acima, a punição deve ocorrer de acordo com o resultado obtido:
Espero que tenham achado úteis os comentários. Deixo o convite para me seguirem no Instagram @professor.procopio.
Bons estudos e até a próxima,
Prof. Michael Procopio.
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Parabens! O melhor conteúdo da atualizacao que encontrei na internet!
Nao é a primeira vez que recorro ao estrategia por causa dos seus posts.
Valeu.um abraco
Excelente professor!
Muito bom, Professor!
Se houver a instigação mas não houver resultado, haverá punição? será crime tentado?
Qual um exemplo de modalidade tentada desse crime do 122?
Professor, não houve um erro do legislador com relação ao crime cometido contra menor de 14 anos, quando ocorrer Lesão corporal de natureza grave?
Ora, o critério usado nos novos parágrafo 6º e 7º, me parece ser com relação às vítimas, e não com relação ao resultado. Portanto se o resultado morte ou lesão gravíssima for em decorrência de crime cometido contra menor de 14, deficiente mental ou que não possa oferecer resistência, responderão pelos respectivos crimes (121 e 129, §2 do CP), já no caso de crime cometido contra essas mesmas "figura", mas com resultado lesão corporal grave, responderá somente pelo induzimento do 122. De forma idêntica àquele que comete o crime contra um adulto.
Não há critérios diferentes de técnica legislativa?
Excelente conteúdo! Esperamos mais postagens como essa para ampliar nosso aprendizado.
Muitíssimo obrigado! Ajudou-me bastante.
assunto de grande valia,linguagem clara e de fácil entendimento,é isso que
nós estudantes precisamos.Paz e Saúde.
Em relação ao comentário do colega "Thiago 14/04/2020", penso que a situação seja a seguinte:
No caso de induzimento, instigação ou auxílio material ao suicídio ou automutilação contra menor de 14 anos que resulte em "lesão grave" (e não gravíssima), não haverá a incidência do § 6º do art. 122, mas incidirá a causa de aumento do § 3º, II (pena duplicada, se a vítima é menor).
Assim, a pena base sai de uma reclusão de 1 a 3 anos (§1º do art. 122, em razão da qualificadora do resultado lesão grave) para uma reclusão de 2 a 6 anos.
Fosse o legislador usar o mesmo critério usado na lesão gravíssima do § 6º , o autor responderia pela pena do art. 129, § 1º do CP (lesão grave), ou seja, reclusão de 1 a 5 anos; portanto mais branda que a pena majorada do § 3º, II, do art. 122 (em face da vítima menor).
Noutros termos, a pena da lesão gravíssima (reclusão de 2 a 8 anos) é maior que a pena majorada do § 3º, II do art. 122, do CP (reclusão de 2 a 6 anos); diferente da pena da lesão grave, esta com reclusão de 1 a 5 anos.
Creio que foi por isso que o legislador deixou de fora o resultado lesão grave no § 6º do art. 122 do CP.