Hoje, vamos conhecer a respeito das novidades trazidas pela Lei nº 14.550/23 à Lei Maria da Penha, especialmente em relação ao art. 19, §§ 4º, 5º e 6º.
ATENÇÃO: Analisaremos, a partir de agora, apenas as novidades inseridas nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 19 da Lei Maria da Penha. O novo art. 40-A, também inserido pela Lei nº 14.550/23, será estudado no próximo artigo científico sobre o tema, tendo em vista a maior complexidade e amplitude no debate doutrinário e jurisprudencial que o entorna.
Vamos lá!
O art. 19, § 4º, da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), introduzido pela Lei n° 14.550/2023, assim dispõe:
Art. 19, § 4º – As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco à integridadefísica, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes. |
De início, no estudo das novidades da Lei Maria da Penha, é interessante identificarmos a competência para a concessão ou indeferimento das medidas protetivas.
Com efeito, ressaltamos que as medidas protetivas de urgência são concedidas ou indeferidas somente pelo JUIZ, uma vez que há cláusula de reserva de jurisdição estabelecida na Lei.
O art.12-C da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), porém, traz uma RESSALVA no caso da medida de afastamento do agressor do lar, que pode ser realizada pelo Delegado ou por um policial.
Nesse sentido:
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: (Redação dada pela Lei nº 14.188, de 2021) I – pela autoridade judicial; (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019) II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019) III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca E não houver delegado disponível no momento da denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019) |
Visto a premissa acima, seguindo na análise das novidades da Lei Maria da Penha, destacamos que a novidade do § 4º do art. 19 identifica que: as medidas protetivas de urgência serão deferidas com base em um juízo de cognição sumária feito pelo JUIZ, isto é, a partir de um conhecimento superficial / com pouca profundidade.
A razão dessa norma reside no fato de as medidas protetivas serem uma espécie de tutela de urgência, e não uma condenação propriamente dita (somente nesta haverá juízo de cognição exauriente).
Além disso, observe que o legislador considerou o depoimento da ofendida perante a autoridade policial (Delegado) como suficiente para a concessão das medidas protetivas, tendo em vista a dificuldade de haver testemunhas ou outras provas em relação à violência sofrida pela mulher, que ocorre – normalmente – às escondidas.
Ademais, a novidade legislativa apresentou outra grande mudança: o MAGISTRADO, ao indeferir a medida protetiva, deve fundamentar sua decisão justificando a INEXISTÊNCIA do perigo à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
Antes, o juiz deveria justificar a EXISTÊNCIA do perigo para a concessão das medidas protetivas. Agora, ele deve justificar a INEXISTÊNCIA do perigo para denegar tais medidas, havendo uma presunção relativa do perigo à integridade da mulher diante da violência impingida a ela.
Percebam que, nesse ponto, houve uma inversão no modo de julgamento do magistrado.
Caminhando no estudo das novidades da Lei Maria da Penha, o art. 19, § 5º, da Lei nº 11.340/06, introduzido pela Lei n° 14.550/2023, assim dispõe:
Art. 19, § 5º – As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência. |
O dispositivo em análise ressalta o caráter autônomo das medidas protetivas. Logo, elas não dependem de:
Nesse sentido, aliás, já decidiu o STJ-2023:
1. As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha buscam preservar a integridade física e psíquica da vítima, prescindindo, assim, da existência de ação judicial ou inquérito policial. Considerando essas características, vê-se que as referidas medidas possuem natureza inibitória, pois têm como finalidade prevenir que a violência contra a mulher ocorra ou se perpetue. Nesse sentido: “[…] Lei Maria da Penha. Desnecessidade de processo penal ou cível. 3. Medidas que acautelam a ofendida e não o processo” (STF, HC 155.187 AgR). (STJ, T6, REsp 2036072 / MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe em 30/08/2023). |
Para melhor compreensão do tema, imagine a seguinte situação:
Uma mulher casada vem sofrendo constantemente violência psicológica, a qual é praticada pelo seu cônjuge. Durante a instrução criminal, porém, não resta comprovado o DANO emocional à mulher (que é uma elementar essencial do crime de violência psicológica contra a mulher previsto no art. 147-B do CP). Nesse caso, mesmo o fato sendo atípico, não é capaz de justificar o indeferimento da medida protetiva. |
Além disso, ainda sobre o caráter autônomo das medidas protetivas, salientamos que mesmo o réu sendo absolvido, essa circunstância, por si só, não importa revogação de eventual medida protetiva concedida.
Ainda no exame das novidades da Lei Maria da Penha, o art. 19, § 5º, da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), introduzido pela Lei n° 14.550/2023, assim dispõe:
Art. 19, § 6º – As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes. |
Veja que as medidas protetivas devem perdurar enquanto houver risco à ofendida ou a seus dependentes.
Assim, o magistrado não pode fixar um prazo genérico, prevendo que, ao final deste, ocorrerá a sua revogação automática.
Nesse sentido, já decidiu o STJ-2023:
5. Não pode ser admitida a fixação de um prazo determinado para a vigência das medidas aplicadas (revogação automática), sem qualquer averiguação acerca da manutenção daquela situação de risco que justificou a imposição das medidas protetivas, expondo a mulher a novos ataques. (STJ, T6, REsp 2036072 / MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe em 30/08/2023). |
Prosseguindo no estudo das novidades da Lei Maria da Penha, destacamos que, ao invés de prever um prazo genérico, deve o magistrado proceder a uma reavaliação periódica de tais medidas, cuja recorrência de análise observará as peculiaridades do caso concreto. Deve-se considerar, principalmente, o risco que a vítima ou seus dependentes está sofrendo.
Ademais, conforme entendimento jurisprudencial consolidado, é necessária a oitiva da vítima para haver a revogação da medida protetiva.
Nesse sentido, já decidiu o STJ-2023:
6. A fim de evitar a inadequada perenização das medidas, nada impede que o juiz, caso entenda prudente, revise periodicamente a necessidade de manutenção das medidas protetivas impostas, garantida, sempre, a prévia manifestação das partes, consoante entendimento consolidado pela Terceira Seção desta Corte de Justiça, no sentido de que “a revogação de medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima para avaliação da cessação efetiva da situação de risco à sua integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial” (STJ, AgRg no REsp n. 1.775.341/SP). (STJ, T6, REsp 2036072 / MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe em 30/08/2023). |
Por fim, à luz da compreensão jurisprudencial do STJ, também é descabida a fixação de um prazo geral para reavaliação das medidas protetivas de urgência, bem como não se pode usar, por analogia, o prazo de 90 dias de revisão das prisões preventivas (art. 316, p. único, do CPP).
Nesse sentido (STJ-2023):
7. É descabida, no entanto, a fixação de um prazo geral para que essa reavaliação das medidas ocorra, devendo ser afastada a analogia com o prazo de 90 dias para revisão das prisões preventivas, que tutela extrema situação de privação de liberdade e pressupõe inquérito policial ou ação penal em curso, o que, como visto, não é o caso das medidas protetivas de urgência. Isso deve ficar a critério do Magistrado de primeiro grau, que levará em consideração as circunstâncias do caso concreto para estabelecer um prazo mais curto ou mais alongado, a partir da percepção do risco a que a vítima está submetida e da natureza mais ou menos restritiva das medidas aplicadas ao caso concreto. (STJ, T6, REsp 2036072 / MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe em 30/08/2023). |
Visto isso, encerramos, por ora, a análise acerca das novidades – inseridas nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 19 da Lei Maria da Penha – trazidas pela Lei nº 14.550/23.
Hoje, vimos um pouco a respeito de parcela das novidades na Lei Maria da Penha trazidas pela Lei nº 14.550/23, em especial acerca de sua extensão e características principais.
Finalizamos, assim, mais um tema empolgante para os que almejam a sonhada carreira jurídica.
Advertimos que esse artigo, juntamente com as questões do Sistema de Questões do Estratégia Concursos, serve como complemento ao estudo do tema proposto, devendo-se priorizar o material teórico, em PDF ou videoaula, do curso.
Até a próxima!
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