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MP 881 e a Liberdade Econômica- Os Reflexos na EIRELI e Sociedade Limitada Unipessoal

Conheça as alterações legislativas da MP 881 na EIRELI, sociedade unipessoal e desconsideração da personalidade jurídica!

MP 881/19 da Liberdade Econômica

1) A instituição da MP 881/19

A MP 881/19, em vista de seu texto preambular, “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências”.

É importante ressaltar que o art. 170 da Constituição Federal elenca os princípios específicos da ordem econômica em seu título, muito embora não sejam esses os únicos a serem aplicados no estudo interpretativo da disciplina.

Em seus incisos, o mesmo art. 170 Constitucional elenca princípios como a “Liberdade de Concorrência”, “Propriedade Privada”, “Função Social da Propriedade”, “Busca do Pleno Emprego” e “Tratamento Favorecido à Empresas de Pequeno Porte”, entre mais. Em seu parágrafo único relata que “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. 

Assim, com base no Título VIII “Da Ordem Econômica e Financeira” e os Princípios da Atividade Econômica já consagrados, também conhecida como “Constituição Econômica”, a Medida Provisória em comento busca a Presunção de Liberdade no Exercício de atividades econômicas e presunção de boa-fé para que o desempenho de atividade econômica considerada de baixo risco sofra menor restrição em vista de determinadas licenças e alvarás. É importante ressaltar, que salvo algumas reservas, de fato hoje nos apresentamos como um País burocrata para a atividade empresarial e mudanças são necessárias.

Nesse sentido, ainda que veja boa parte das alterações como medidas necessárias, sempre guardo reserva para a utilização de Medida Provisória instituidora de mudanças em prazo desarrazoado para a discussão das consequências. Veja, aqui desconsidero todo o tipo de radicalismo. Vale ressaltar que a velocidade pela qual a Lei 12.441/11 tramitou para instituir a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada em nosso ordenamento jurídico a transformou em um verdadeiro “Frankenstein” e nesse sentido isento a figura do legislador, pois toda redação exige tempo de absorção e discussão para sofrer alterações até que haja maturidade para a publicação. Ressalte-se, não precisamos passar anos discutindo e conheço o fato de que os prazos em nosso Congresso em boa parte das vezes são desfavoráveis, inclusive, ao crescimento econômico, mas a Medida Provisória em comento precisa ser melhor discutida.

2) Como a MP 881/19 afetou a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI)?

A Lei 12.441/2011 institui as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada, alterando dispositivos de nosso Código Civil. O ideal é o de autorizar o titular da Empresa Individual na separação de patrimônio, já que a pessoa natural exercente da empresa será considerada distinta, logicamente, da pessoa jurídica empresária, e cada uma dessas pessoas terá patrimônio próprio.

Nesse sentir, o Código Civil passa a admitir uma nova espécie de pessoa jurídica em seu art. 44, VI, até então de conteúdo limitado às associações, fundações, sociedades, entidades religiosas e aos partidos políticos. As empresas individuais de responsabilidade limitada são pessoas jurídicas sui generis, não se podendo, a princípio, admiti-las como sociedades, ou então o legislador as teria abrangido no inciso III do art. 44 do Código Civil; além disso, se percebe a técnica e imprópria nomeação.

O Enunciado 3 da I Jornada de Direito Comercial do STJ, assim como o Enunciado 469 da V Jornada de Direito Civil do CJF, tem a nossa empatia por afastar a EIRELI da natureza de sociedade, colocando-a como uma pessoa jurídica “sui generis” distinta das demais antes tratadas pelo art. 44 do Código Civil. Tal dúvida surgiu em parte da doutrina, já que o caput do art. 980-A se utiliza da expressão capital social, o que, no nosso modo de entender, se trata de erro material do legislador, erro que o isentamos em vista da velocidade em que foi aprovada.

Assim, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária. O Enunciado 471 traz a figura da EIRELI irregular e o Enunciado 472 da mesma V Jornada de Direito Civil busca afastar o termo capital social para a EIRELI, justamente em vista do afastamento da natureza de sociedade.

A EIRELI poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração, tudo por força da inclusão do § 3º do art. 980-A no Código Civil, adentrando aqui, mais uma vez, o que talvez seja a razão da maior polêmica a respeito da natureza dessa espécie empresarial, já que, caso fosse intenção do legislador trazer uma sociedade individual para o ordenamento jurídico, bastaria deixar de mencionar a pluralidade societária, obrigando o titular de sociedade unipessoal acidental a buscar a transformação para Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Além disso, existiria a opção de afastar a pluralidade de sócios da limitada. Para tanto, concluímos por tratar sua natureza como a de pessoa jurídica “sui generis”, por não se enquadrar adequadamente nos tipos atualmente existentes no que tange às pessoas jurídicas.

Com tais considerações, ressalte-se que, da entrada em vigor de tal instituto em diante, o sócio remanescente de sociedade empresária que, acidentalmente, se tornou unipessoal, a título de exemplo, por morte do outro sócio, poderá, no prazo de 180 dias, transformar-se em EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, por força do parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil, assim como poderá adotar a forma já prevista, sanando a impessoalidade nesse mesmo prazo, conforme regra contida no inciso IV do art. 1033 do Código Civil.

Acrescente-se o art. 980-A no Código Civil vigente para trazer três requisitos básicos a essa nova pessoa jurídica. Os requisitos exigidos pelo dispositivo são: (a) constituição por única pessoa natural titular do capital social, que poderá figurar em uma única empresa desse tipo; (b) integralização do capital; (c) capital superior a 100 vezes o valor do salário mínimo vigente.

O Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI, antigo Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, possui entendimento inclusive que a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada pode ser constituída por Pessoa Jurídica.

3) A EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e a Sociedade Limitada Unipessoal na MP nº 881/19

No que tange à EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada a MP 881/19, acrescenta o §7.º ao texto do art. 980-A, CC, no sentido de reafirmar a Autonomia Patrimonial da modalidade empresarial em comento para que “somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude”.

Pois bem, o aludido §7.º é um acerto, mas não modifica a compreensão sobre a EIRELI, no sentido de sua separação do patrimônio na pessoa de seu titular já que a modalidade é constante do rol das Pessoas Jurídicas. Aliás, somos favoráveis a inclusão do dispositivo, caso a ideia do legislador seja pela manutenção do instituto.

A Medida Provisória, finalmente, implementa também a Sociedade Limitada Unipessoal, hipótese que permeia o bojo legislativo de outros países no globo e que nos agrada, mas vale um questionamento, que naturalmente, o manteve ainda mais instigado pela leitura do presente ensaio até o seu final, a seguir:

“A instituição da Sociedade Unipessoal Limitada na vigência da EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, trazendo a manutenção de duas figuras garantidoras da Responsabilidade Limitada ao titular em nosso Ordenamento Jurídico tem qual consequência?”

Trazemos as nossas impressões.

Atualmente, a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada deve ser constituída mediante integralização do capital de 100 salários-mínimos segundo o art. 980-A, CC que em seu §2.º restringe a constituição de uma única empresa dessa modalidade por cada pessoa natural.

Em vista da instituição do afastamento da pluralidade da Sociedade Limitada, para a previsão da Sociedade Unipessoal na forma limitada, não haverá restrição patrimonial ou mesmo restrição acerca da possibilidade de o mesmo titular instituir mais de uma sociedade limitada unipessoal, o que, em primeiro momento, me traz uma sensação de que essa hipótese será mais razoável ao Empresariado.

Ainda em problematização, colegas pensadores a que nutro imenso respeito de longa data defendem que a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada teria a vantagem de ser menos invasiva à jurisprudência de nossos tribunais no que tange à Desconsideração da Personalidade Jurídica, já que a modalidade seria imune à Desconsideração por confusão patrimonial. Vejamos.

4) O instituto da desconsideração da personalidade jurídica e a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas dos tipos unipessoais de natureza limitada na MP nº 881/19

4.1) Autonomia Patrimonial

Como estudado anteriormente, as pessoas jurídicas possuem personalidade jurídica distinta da de seus membros. Assim, possuem autonomia patrimonial distinta da de seus titulares.

A personalidade jurídica de pessoa jurídica confere capacidade para ter direitos patrimoniais, quer dizer, autonomia patrimonial. Isso significa que a sociedade empresária limitada unipessoal com autonomia patrimonial responde pelas obrigações que contrair, assim como a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Apenas excepcionalmente seus administradores ou sócios serão solidários por essas obrigações à guisa do Instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Interessa aos nossos estudos, particularmente, as pessoas jurídicas de direito privado, que se dividem em pessoas jurídicas de direito privado estatais e pessoas jurídicas de direito privado particulares. Podem ser de seis espécies: (a) fundações; (b) associações; (c) sociedades; (d) partidos políticos; (e) entidades religiosas; e (f) Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI.

Vale ressaltar, que as duas figuras elencadas na MP 881/19 gozam de personalidade jurídica de pessoa jurídica.

A sociedade e a EIRELI têm titularidade negocial, quando os negócios são realizados pela sociedade e EIRELI, respectivamente, e não pelos titulares ou sócios; titularidade processual, tendo capacidade para estar em juízo; responsabilidade patrimonial, que significa dizer que, em princípio, os bens dos sócios não respondem pelas obrigações da EIRELI ou da sociedade.

A personalização das EIRELI e das sociedades se dá com o registro no órgão de registro das empresas mercantis. A partir disso, a pessoa jurídica passa a ser sujeito de direitos e obrigações, com legitimidade processual ativa e passiva, podendo ser responsabilizada por dano na esfera civil e penal. Não se pode confundir a pessoa jurídica com as pessoas que dela participam, inclusive a sua autonomia patrimonial.

4.2) Desconsideração da personalidade jurídica e a MP 881/19

Inicialmente, devemos tratar sobre o fato de que o direito reconhece a pessoa jurídica com titularidade negocial, processual e, inclusive, patrimonial. O patrimônio das pessoas jurídicas não se confunde com o patrimônio dos sócios. A concessão de personalidade jurídica, tendo em vista seus efeitos, não em raros casos, leva a cometimento de atos abusivos contra credores e terceiros.

Por tal razão, quando a personalidade jurídica é utilizada para fazer valer fraude em detrimento de terceiros ou confusão patrimonial, considera-se ineficaz a personificação com relação aos  atos praticados de forma abusiva ou fraudulenta. A lei admite a superação da personalidade jurídica com o fim de atingir o patrimônio dos sócios e/ou administradores envolvidos na administração da sociedade.

Assim ocorrendo, desconsidera-se o favor da personalidade jurídica, para imputar a responsabilidade pelos atos praticados ao verdadeiro autor do abuso, que, destarte, deverá responder, pessoalmente, com seu patrimônio pelos atos praticados.

O art. 50 do Código Civil determina que, “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos sócios e administradores.” A empresa jamais poderá ter por finalidade a prática de ato ilícito, além da hipótese de confusão patrimonial.

4.3) A EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada estaria imune à Desconsideração da Personalidade Jurídica em vista de confusão patrimonial?

O texto do §7.º, art. 980-A, em vista da Medida Provisória 881/19 é no sentido de que “somente o patrimônio responderá pelas dívidas da empresa, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude”.

Em vista de tudo que já se discutiu no presente artigo, o texto da MP 881/19 para que “somente o patrimônio responderá pelas dívidas da empresa, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui”, é facilmente interpretado como uma mera afirmação do princípio da autonomia patrimonial, hipótese em que a autonomia é regra geral e para excepcionalidade da Desconsideração da Personalidade Jurídica, o intérprete segue diretamente para o art. 50, CC, para aplicar o que compreende como abuso da personalidade jurídica por fraude ou confusão patrimonial.

O nosso entendimento é no sentido de que a mera expressão “em qualquer situação”, nos parece frágil para evitar a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica em vista da confusão patrimonial, ressaltando o fato de que estamos apenas tratando de uma hipótese de interpretação literal e que todo o restante ficaria para a consolidação da jurisprudência de nossos tribunais já direcionada e afastá-la dos ventos atuais, exigiria uma legislação mais robusta.

É possível que se pretenda, com o presente texto, afastar a confusão patrimonial como hipótese para a Desconsideração da Personalidade Jurídica nos casos em que estejamos diante da EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, mas sem um texto aplicado ao próprio art. 50, CC, para legislar pela restrição da confusão patrimonial para a modalidade, o art. 980-A, CC, será alvo fácil para a jurisprudência que se mostra expansiva, inclusive, no que denominamos abuso da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Vale lembrar ainda, que após o voto do §4.º, do art. 980-A, CC, o enunciado 470 da V Jornada de Direito Civil do CJF que reúne relevantes doutrinadores para discussões na esfera civil e empresarial debateu a hipótese para afirmar que o texto não traria prejuízo à aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Finalmente, se a intenção é fazer o empreendedor mais seguro por intermédio do presente texto, vale considerar além das relações de consumo, a grande tensão do empreendedor se mostra perante a Justiça do Trabalho que aplica de modo análogo o Código de Defesa e Proteção do Consumidor para avançar nos bens de titulares, sócios e administradores no “mero prejuízo do credor” em vista da aplicação isolada do §5º, art. 28, CDC.

5) Conclusão

Considerando que o texto do §7.º, art. 980-A, CC, é tímido ao tentar restringir a Desconsideração da Personalidade Jurídica para a modalidade EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada frente à robusta jurisprudência consolidada nas hipóteses atualmente previstas no art. 50, CC e que se mantém para a nova legislação e que não haverá vantagem nesse sentido para com a Sociedade Limitada Unipessoal;

Considerando que a Sociedade Limitada Unipessoal é Pessoa Jurídica tanto quanto a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada com vantagens no sentido da desnecessidade de patrimônio mínimo para a sua constituição em dissonância àquela que exige integralização de capital mínimo de 100 salários-mínimos;

Considerando que a Sociedade Unipessoal segue em vantagem já que a pessoa natural de seu sócio poderá constituir quantas empresas desejar nessa modalidade;

Concluímos que, muito embora a coexistência da EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e a Sociedade Unipessoal não traga grandes prejuízos ao empreendedor, a coexistência não se justificará para a sociedade e o mercado, que fará a sua escolha natural, muito provavelmente pelo fim do instituto presente no art. 980-A, CC, pelo desuso ou por quase nenhuma utilidade em futuro próximo, ainda que, em vista da dificuldade de ajuste ao texto da EIRELI, principalmente para considerar a sua constituição por Pessoa Natural ou Jurídica, consideramos um grande acerto a instituição da Sociedade Limitada Unipessoal.

Clique aqui e leia também o nosso artigo acerca do uso indevido da marca no caso “Dorflex vs. Doralflex”

Alessandro Sanchez

Graduado em Direito pela Universidade São Francisco. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos com o trabalho “Interpretação da Empresa à luz dos Princípios de Direito Ambiental e Econômico“. Professor de Direito Empresarial em graduações desde 2002, tendo atuado na Universidade São Francisco, UNISAL – Centro de Ensino Salesiano e Universidade São Judas. Coordenador de Pós-Graduação em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial. Palestrante e conferencista em temas relacionados ao Direito Empresarial e Oratória e Argumentação Jurídica em todo o país. Professor em grandes cursos preparatórios com destaque para Rede de Ensino LFG. Atualmente é Professor do Curso Estratégia OAB e Concursos.

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Alessandro Sanchez

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