Dando sequência à série de artigos que visa democratizar o conhecimento sobre o Processo Legislativo Constitucional, continuaremos o estudo sobre o funcionamento da produção das Leis no país. Hoje, daremos início ao detalhamento dos Procedimentos Legislativos Especiais, começando pelas Medidas Provisórias.
No artigo Processo Legislativo Constitucional: como as Leis são produzidas, aprendemos que o objeto do Processo Legislativo é a produção dos atos normativos primários. Cada espécie normativa tem uma razão de ser, bem como um regramento diferente para sua produção e tramitação nas Casas Legislativas.
Naquela oportunidade, foi dado um panorama sobre a configuração do Processo Legislativo, com enfoque no Procedimento Legislativo Comum, que rege a produção das Leis Ordinárias e Leis Complementares. Esse procedimento serve de base para a compreensão dos Procedimentos Legislativos Especiais, sendo recomendada a leitura do artigo precedente, que está disponível neste link.
Seguimos agora para o detalhamento dos Procedimentos Legislativos Especiais, que são cinco, e coincidem com o ato normativo que será produzido. São eles as Medidas Provisórias, as Emendas Constitucionais, as Leis Delegadas, as Resoluções e os Decretos Legislativos. Hoje esmiuçaremos o procedimento de criação de uma Medida Provisória.
A Medida Provisória é uma espécie normativa com força de Lei Ordinária, prevista no art. 62 da Constituição Federal de 1988. Ela é editada pelo Presidente da República diante de uma situação excepcional. A MPV produz efeitos jurídicos imediatos, não passando, inicialmente, pelo crivo do Poder Legislativo. Não obstante, ela deve ser imediatamente submetida ao Congresso Nacional, que tem um prazo para sua aprovação ou rejeição.
Vamos entender melhor esse procedimento!
As Medidas Provisórias são atos normativos com força de Lei Ordinária e sua edição é competência privativa do Presidente da República.
Elas só podem ser editadas em caso de relevância e urgência, ou seja, deve estar presente uma situação grave que requer uma normatização ágil. Um exemplo dessa situação excepcional é a que estamos vivendo atualmente com a pandemia do coronavírus, em que diversas MPVs foram criadas para regulamentar as ações de combate à crise de saúde pública enfrentada no país.
Esses requisitos se justificam uma vez que, diante de uma situação relevante e urgente, muitas vezes a edição de uma Lei Ordinária se mostraria uma solução ineficiente pela morosidade da tramitação do Procedimento Legislativo Comum. A Medida Provisória entra em vigor imediatamente após a sua publicação, criando uma normatização rápida para uma questão importante e inadiável.
Constituição Federal veda a edição de Medidas Provisórias sobre alguns temas, quais sejam:
i) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
ii) direito penal, direito processual penal e processual civil;
iii) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
iv) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvada a possibilidade de abertura de créditos extraordinários;
v) matéria que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
vi) matéria reservada a lei complementar;
vii) matéria já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
A Medida Provisória é um ato unilateral do Presidente, que entra em vigor desde sua publicação. O legislador constituinte escolheu vedar a edição de MPVs a respeito dos temas acima elencados, seja pela sua relevância social, por sua complexidade ou pela garantia que eles representam ao cidadão.
Dessa forma, esses assuntos relevantes ficam protegidos de qualquer tipo de arbitrariedade que possa vir a ser cometida pelo Poder Executivo na edição de Medidas Provisórias.
Uma vez editada pelo Presidente, a MPV será submetida imediatamente à apreciação do Congresso Nacional para ser convertida em Lei Ordinária. O Congresso terá o prazo de sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta para fazer essa apreciação. O prazo será prorrogado automaticamente.
Ultrapassados os 120 dias, a Medida perderá sua eficácia. O efeito é o ex tunc, retrocedendo, portanto, desde a edição.
Caso o Congresso Nacional esteja em recesso nesse período, o prazo fica suspenso, não havendo a necessidade de convocação de sessão extraordinária. Em caso de convocação extraordinária do Parlamento (por outro motivo), as Medidas Provisórias serão automaticamente incluídas em pauta.
Essa limitação temporal de vigência é importante para evitar uma sobreposição do Poder Executivo sobre o Legislativo e uma consequente usurpação da função de legislar pelo Presidente da República.
Isso porque, o Legislativo é o Poder que representa a soberania popular. As leis que regem a vida em sociedade, via de regra, devem ser decididas por deliberação dos representantes do povo para terem legitimidade democrática.
Se a Medida Provisória tivesse vigência indeterminada, mesmo sem passar pelo crivo do Legislativo (como já ocorreu no passado), ela mais se assemelharia a um instrumento autoritário de realização das vontades do Presidente do que um instrumento para a normatização de demandas urgentes e relevantes.
Se a Medida Provisória não for apreciada em até 45 dias, contados de sua publicação, ela entrará em regime de urgência na Casa Legislativa em que estiver tramitando. Isso significa que ficarão sobrestadas todas as demais deliberações legislativas da Casa que sejam passíveis de regramento por Medida Provisória.
Todo ato normativo editado pelo Presidente da República terá a Câmara dos Deputados como Casa Iniciadora e o Senado Federal como Casa Revisora. Se a MPV está na Câmara, passados 45 dias sem sua votação, esta Casa sofrerá o trancamento de pauta. Nesse momento, o Senado ainda não está com a pauta trancada. Após a sua votação na Casa Iniciadora, ela já chega ao Senado em regime de urgência.
A MPV será apreciada por uma Comissão Mista, composta de senadores e deputados, que apresentarão um parecer favorável ou não a sua conversão em Lei Ordinária.
Após a aprovação na Comissão Mista, a MPV é discutida e votada no Plenário da Câmara e depois do Senado, sendo necessário o quórum de maioria simples/relativa para a aprovação em cada Casa.
Para iniciar a votação devem estar presentes a maioria absoluta dos membros da respectiva Casa Legislativa (primeiro número inteiro acima da metade). Atingido o quórum mínimo de presença, a aprovação da MPV depende do voto da maioria desses presentes, não sendo computadas as abstenções.
Houve a votação dentro do prazo e a MPV foi aprovada pela Câmara e pelo Senado exatamente nos termos propostos pelo Presidente da República. Nesse caso, não haverá sanção ou veto do Presidente da República e a Lei seguirá para a promulgação pelo Presidente do Congresso Nacional.
Houve a votação dentro do prazo e a MPV foi aprovada com modificações ao texto original por meio de emendas parlamentares. A MPV será transformada em Projeto de Lei de Conversão (PLV) e seguirá o trâmite do Procedimento Legislativo Comum.
Após aprovação pela Câmara e pelo Senado, o projeto será encaminhado ao Presidente da República para sanção ou veto e, posteriormente, para a promulgação, também pelo Chefe do Executivo.
Nesse caso, mesmo decorrendo o prazo de 120 dias, a Medida Provisória conserva integralmente a sua vigência até a sanção presidencial.
As alterações em Medida Provisória devem ter pertinência temática com o seu texto original. Caso as emendas parlamentares contenham matérias estranhas ao conteúdo do texto original, fica configurado o “contrabando legislativo”, prática vedada pela Constituição Federal.
Houve a votação dentro do prazo e a MPV foi rejeitada e arquivada. Ou ainda, não houve a votação pela Câmara e/ou pelo Senado dentro do prazo de 120 dias e a MPV perdeu sua eficácia pelo decurso do tempo.
Em ambos os casos a consequência jurídica será a mesma: a perda da eficácia da MPV. O Congresso Nacional deverá editar um Decreto Legislativo para disciplinar as relações jurídicas decorrentes do período em que a MPV esteve em vigor. Se essa providência não for tomada no prazo de 60 dias, as relações jurídicas surgidas no período permanecerão regidas pela Medida Provisória.
Isso significa que, diante da omissão do Congresso Nacional em disciplinar os efeitos da MPV durante a sua vigência, haverá a ultratividade dessa norma. Ou seja, a Medida Provisória continuará regendo as relações jurídicas constituídas e os atos praticados durante o período em que ela vigorou.
O Presidente da República manifestará sobre sua concordância ou não com o Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória que sofreu modificação em seu texto original pelo Congresso Nacional.
A Medida Provisória integralmente convertida em Lei não passa por essa fase, uma vez que ela já condiz plenamente com o texto inicialmente proposto.
A sanção e o veto seguem as mesmas regras e prazos do Procedimento Comum, podendo ainda o veto ser derrubado pelo Congresso.
É o ato solene que atesta a existência da Lei. A promulgação da Medida Provisória integralmente convertida em Lei é competência do Presidente do Congresso Nacional – que é também o Presidente do Senado Federal.
No caso da Medida Provisória que sofreu alterações e passou a ser Projeto de Lei de Conversão, como ela segue o Procedimento Comum, a promulgação é feita pelo Presidente da República, após a sanção.
Embora não esteja expresso na Constituição, a publicação da Lei é ato de competência do Presidente da República.
Uma Medida Provisória rejeitada pela Câmara, pelo Senado, pelo veto presidencial ou pelo decurso do prazo de 120 dias, será arquivada e a matéria de que ela se trata não poderá ser objeto de nova Medida Provisória na mesma sessão legislativa.
A sessão legislativa é o período de um ano, que vai de 2 de fevereiro a 22 de dezembro.
Esse princípio é absoluto em se tratando de Medidas Provisórias. Isso significa que sob nenhuma circunstância as MPVs poderão ser reeditadas ou reapresentadas na mesma sessão legislativa em que foram rejeitadas.
Os demais Procedimentos Especiais serão objeto de estudo em uma próxima oportunidade.
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