Neste artigo, falaremos sobre o mandado de segurança, estudando os seus aspectos constitucionais e o regramento estabelecido pela Lei 12016/2009.
O mandado de segurança é uma criação do Direito brasileiro, não existindo instituto equivalente em outros ordenamentos jurídicos. É garantia fundamental que o indivíduo tem à sua disposição para proteger direito líquido e certo que foi violado ou que está sob ameaça de violação.
Em nosso ordenamento constitucional, o mandado de segurança apareceu, pela primeira vez, na Constituição de 1934. Desde então, ainda que sob diferentes feições, sempre esteve presente nas Constituições brasileiras.
O mandado de segurança é uma ação constitucional, de natureza civil e procedimento especial. A natureza civil do mandado de segurança independe do tipo de ato contra o qual ele é impetrado. Assim, todo mandado de segurança é ação civil, mesmo que impetrado contra ato de juiz criminal, em processo penal.
O mandado de segurança possui caráter residual, sendo utilizado quando o direito violado não pode ser amparado por habeas corpus ou habeas data. Em outras palavras, quando o direito violado puder ser protegido por habeas corpus ou habeas data não será cabível mandado de segurança.
É possível citar dezenas de exemplos de utilização do mandado de segurança. Para não nos alongarmos muito, citarei dois casos em que ele será cabível:
Segundo o art. 5º, LXIX, CF/88, “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
Para que possamos compreender adequadamente o mandado de segurança, é fundamental que analisemos cada um dos seus requisitos. Falaremos de cada um deles a seguir.
O mandado de segurança destina-se a proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data.
Direito líquido e certo é aquele evidente de imediato, que resulta de fatos que podem ser provados de maneira incontestável. A petição inicial (exordial) deverá trazer, portanto, prova pré-constituída. Não há dilação probatória em mandado de segurança, ou seja, não haverá fase de produção de provas.
A presença de prova pré-constituída não é, todavia, uma exigência absoluta. Há uma exceção a essa regra no art. 6º, § 1º, da Lei 12016/2009.
Observe que, nessa situação específica, o impetrante do mandado de segurança não pôde apresentar o documento na petição inicial, pelo fato de não ter obtido acesso a ele. Caberá ao juiz determinar a exibição do documento que faz prova do alegado no mandado de segurança.
É relevante destacar que o que se exige em mandado de segurança é que os fatos sejam claros, incontestáveis. A complexidade ou controvérsia de questão jurídica não pode ser um óbice a que um juiz conceda o mandado de segurança. Nesse sentido, chamamos a sua atenção para a Súmula STF nº 625:
A controvérsia sobre matéria de fato irá impedir a concessão de mandado de segurança, ou seja, se os fatos não puderem ser provados de modo cristalino, o mandado de segurança será denegado. Entretanto, a controvérsia sobre matéria de direito não impede a concessão de mandado de segurança.
O mandado de segurança tem natureza residual ou subsidiária, só podendo ser utilizado quando o direito líquido e certo não puder ser protegido por meio de habeas corpus ou habeas data.
Nessa linha, é possível constatar que o remédio constitucional apto a proteger violação à liberdade de locomoção é o habeas corpus, não sendo cabível mandado de segurança.
Do mesmo modo, deve-se utilizar o habeas data (jamais o mandado de segurança!) para se obter acesso a informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público.
Segundo o STF, o habeas data não é instrumento adequado à obtenção de acesso aos autos de processo administrativo. Nesse caso, será cabível mandado de segurança.
2.3) Ato de Autoridade
O mandado de segurança é cabível contra “ato de autoridade”, seja ele uma ação ou omissão. Por óbvio, o mandado de segurança será utilizado quando esse ato (administrativo, legislativo ou judicial) for praticado com abuso de puder ou quando extrapolar os limites da legalidade.
O “ato de autoridade” é aquele praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Serão essas as autoridades coatoras em mandado de segurança.
Autoridades públicas são todos aqueles agentes que têm poder de decisão, o que inclui os representantes de órgãos da Administração direta e de entidades da Administração indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista).
Segundo o art. 1º, § 1o, da Lei 12016/2009, também são considerados autoridades públicas “os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições”.
Os administradores de empresas públicas, de sociedades de economia mista e de concessionárias de serviço público poderão ser autoridades coatoras em mandado de segurança quando praticarem atos regidos pelo direito público. Nesse sentido, não é cabível mandado de segurança contra atos de gestão comercial por eles praticados.
O mandado de segurança é cabível contra atos eivados de ilegalidade ou praticados com abuso de poder.
Por ilegalidade, entende-se a situação em que a autoridade coatora não age em conformidade com a lei. Trata-se de vício próprio dos atos vinculados. O abuso de poder, por outro lado, ocorre quando a autoridade age fora dos limites de sua competência. Trata-se de vício próprio dos atos discricionários.
O mandado de segurança, portanto, pode ser utilizado para confrontar atos vinculados ou atos discricionários. Segundo a doutrina, ao se referir à ilegalidade como hipótese de cabimento de mandado de segurança, a Constituição reporta-se atos vinculados; ao se referir ao abuso de poder, reporta-se aos atos discricionários.
O mandado de segurança poderá ser impetrado por qualquer pessoa física (brasileiros ou estrangeiros) e qualquer pessoa jurídica (privada ou pública). Até mesmo o estrangeiro não residente poderá impetrar mandado de segurança.
A doutrina e a jurisprudência também reconhecem que as universalidades legais (espólio, massa falida e condomínio) e órgãos públicos despersonalizados têm legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança.
Segundo o art. 1º, § 3o, da Lei 12016/2009, quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer uma delas poderá requerer o mandado de segurança.
Há um prazo para a impetração do mandado de segurança: 120 (cento e vinte) dias a partir da data em que o interessado tiver conhecimento oficial do ato a ser impugnado (publicação desse ato na imprensa oficial, por exemplo). Segundo o STF, esse prazo é decadencial (perde-se o direito ao mandado de segurança depois desse tempo), não passível de suspensão ou interrupção. Também segundo a Corte Suprema, é constitucional lei que fixe o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança (Súmula 632 do STF).
Não há unanimidade doutrinária nesse ponto.
O Prof. Bernardo Gonçalves afirma que a legitimidade passiva é da autoridade coatora, assim denominada aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática (art. 6º, § 3o, da Lei 12016/2009).
Por outro lado, o Prof. Luís Guilherme Marinoni afirma que a autoridade coatora não é parte no processo de mandado de segurança, mas sim fonte de prova. No polo passivo do mandado de segurança, está a pessoa jurídica a que se encontra vinculada a autoridade coatora. Essa é a tendência atual da jurisprudência e da doutrina.
Segundo o art. 6º, caput, da Lei 12016/2009, a petição inicial do mandado de segurança deverá indicar, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
É inegável que há uma complexidade organizacional bem grande na Administração Pública, o que pode levar à indicação errônea de autoridade coatora em mandado de segurança.
A teoria da encampação surgiu para corrigir esse problema. Ela busca convalidar o vício processual de indicação errônea da autoridade coatora em mandado de segurança.
Vamos supor que seja impetrado mandado de segurança apontando como autoridade coatora o Ministro da Economia. Entretanto, o Secretário da Receita Federal é que seria, efetivamente, a autoridade coatora no mandado de segurança. Houve um erro na indicação da autoridade coatora por parte do impetrante. O Ministro da Economia, ao prestar suas informações, alegou sua ilegitimidade passiva, mas, ao mesmo tempo, defendeu o mérito do ato impugnado.
Nesse caso, será aplicável a teoria da encampação, não havendo necessidade de se corrigir a irregularidade na indicação da autoridade coatora. Segundo o STJ, a aplicação da teoria da encampação e consequente convalidação do vício processual depende do cumprimento dos seguintes requisitos:
Há situações em que a jurisprudência e a legislação não admitem mandado de segurança. É sobre isso o que falaremos agora.
Segundo o art. 5º, da Lei 12016/2009, não será concedido mandado de segurança quando se tratar de:
Nos dois primeiros casos, havendo possibilidade de recurso suspensivo (ou seja, recurso que garante que nenhuma situação jurídica poderá ser modificada até a decisão) não cabe o uso de mandado de segurança, uma vez que o direito já está protegido pela própria suspensão.
Cabe destacar, porém, que a Súmula nº 429/STF dispõe que “a existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão de autoridade”. Dessa forma, mesmo existindo recurso administrativo com efeito suspensivo, se houver omissão ilegal ou abusiva da administração, será cabível mandado de segurança.
O mandado de segurança também não é cabível contra lei em tese, exceto se produtora de efeitos concretos.
Lei em tese é aquela que apresenta generalidade e abstração. A generalidade está presente quando a lei possui destinatários indeterminados e indetermináveis (uma lei que proteja o meio ambiente, por exemplo). Já a abstração ocorre quando a lei disciplina abstratamente (e não concretamente) as situações que estão sujeitas ao seu comando normativo.
Somente leis de efeitos concretos (semelhantes a atos administrativos, como uma lei que modifica o nome de uma rua, por exemplo) podem ser atacadas por mandado de segurança. Isso porque as demais leis em tese não resultariam numa situação de fato, com violação ao direito líquido e certo do impetrante.
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Abraços,
Ricardo Vale
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Ver comentários
Essa materia estava faltando para respaldar meu pré projeto.
Agradeço imensamente pelo seu brilhante trabalho.
Ótimo exposição sobre o tema.
Só me dá arrependimento de gastar dinheiro com livros que não expõem nem 1/3 do que está disponível nesse anexo gratuitamente. Eu só queria saber sobre presisar ou não de representante na hora de impetrar os remédios ( todos)... abraços
Excelente. Claro e objetivo.
Muito bom. Obrigado.
Excelente !
Fiquei feliz com a leitura.
Ao meu ver, uma conclusão objetiva e clara da matéria. É o que se precisa saber. Parabéns!