A Lei do Ventre Livre (Lei Rio Branco) foi promulgada pela Princesa Isabel em 28 de setembro de 1871 e ficou conhecida como a primeira lei abolicionista do Brasil. O projeto foi apresentado por Visconde do Rio Branco, Partido Conservador, e aprovado tanto pelo Senado como pela Câmara dos Deputados, tornando-se a Lei nº 2.040.
A partir da Lei do Ventre Livre, foi concedida a liberdade aos filhos dos escravos nascidos após a data da sua promulgação. A lei ainda trazia outras providencias em relação ao tratamento e a criação daqueles filhos menores. Ela não foi responsável por cessar a escravidão no território brasileiro, mas foi um importante passo para possibilitar a transação gradual do sistema escravocrata para o da mão de obra livre.
Na segunda metade do século XIX, existia uma grande tensão social no Brasil. Isso foi resultado das transformações econômicas e sociais que levaram à crise do segundo reinado, e como consequência, o fim da monarquia. A Inglaterra – uma das maiores potências comerciais e marítimas da época – exercia uma forte pressão para que o governo brasileiro tomasse alguma providência quanto à escravidão. Isso se dava pela busca da corte britânica por um fortalecimento do mercado consumidor brasileiro, já que havia realizado grandes investimentos no território nacional. A mão de obra escrava ainda era um empecilho para isso e, devido à insistência internacional, o brasil proibiu o comércio ultramarino de escravos em 1850, através da Lei Eusébio de Queirós.
O crescimento da cultura do café, nos territórios do sudeste do país, estimulou a urbanização e a industrialização nessa região, e com isso, ocorreu o surgimento de novos grupos sociais. Esses grupos passaram a ser opostos ao regime escravocrata, apoiavam e incentivavam as fugas e rebeliões dos escravos negros, que lutavam incansavelmente pela liberdade.
Juntamente com a visão abolicionista dentro da igreja católica e a pressão internacional, as tensões entre as classes foram extremamente importantes para a adesão da Princesa Isabel ao processo de libertação dos escravos. Como resultado, Isabel mostrava muito empenho em prol das causas abolicionistas e humanitárias, criando a Associação Protetora da Infância Desamparada, em 1883.
Apesar de toda a conjuntura para o fim do escravismo, a princesa sabia que o processo deveria ser gradual, pois uma abolição abrupta da escravidão poderia causar uma quebra da ordem política e social. Fato que tenderia a levar a sérios conflitos civis. Dessa forma, a Lei do Ventre Livre foi implementada para possibilitar um processo lento, gradual e pacífico.
A Princesa Imperial Regente, em nome de S. M. o Imperador e Sr. D. Pedro II, faz saber a todos os cidadãos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1.º – Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre.
§ 1.º – Os ditos filhos menores ficarão em poder ou sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção. Ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Govêrno receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei.
(…)
Art. 8.º – O Govèrno mandará proceder à matrícula especial de todos os escravos existentes do Império. Com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se fôr conhecida.
§ 2.º – Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados não forem dados à matrícula, até um ano depois do encerramento desta, serão por êste fato considerados libertos.
§ 4.º – Serão também matriculados em livro distinto os filhos da mulher escrava, que por esta lei ficam livres. Incorrerão os senhores omissos, por negligência, na multa de 100$000 a 200$000. Repetidas tantas vêzes quantos forem os indivíduos omitidos, e por fraude nas penas do ari. 179 do código criminal.
Art. 10º – Ficam revogadas as disposições em contrário. Manda, portanto, a tôdas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O Secretário de Estado de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos 28 de setembro de 1871, 50.º da Independência e do Império
Princesa Imperial Regente – Teodoro Machado Freire Pereira da Silva.
A Lei do Ventre Livre garantia que as crianças nascidas a partir da sua promulgação estariam livres. Elas deveriam ficar sob a guarda dos senhores de suas mães até completarem oito anos de idade, assim, após completar essa idade, havia duas possibilidades. Ou os senhores entregavam as crianças aos cuidados do governo e recebiam uma indenização, ou poderiam utilizar os serviços dos menores até eles completarem vinte e um anos de idade. Na prática, a segunda opção era a mais comum, o que beneficiava os senhorios, que continuavam de posse de uma mão de obra barata.
Além de determinar a constituição de um fundo de emancipação e regular as alforrias. A Lei do Ventre Livre obrigava o cadastro de todos os escravos existentes no Império. Com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um. Esse cadastro foi realizado em 1972.
Apesar de ser um importante passo para o processo gradual de abolição, a Lei do Ventre Livre serviu principalmente como uma forma de atenuar as tensões existentes à época e mostrar a preocupação do governo em abolir sistema escravagista. Atendeu a demanda dos senhores por indenizações e mostrou aos abolicionistas o empenho do governo em relação ao fim do regime.
Contudo, na prática, poucas foram as consequências da Lei do Ventre Livre, pois a liberdade não era dada de imediato às crianças, muitos menos àqueles negros que já se encontravam em situação de servidão. Esse fato ficou claro para os movimentos libertários, que continuaram a lutar pelo fim da escravatura durante as décadas de 70 e 80 do século XIX.
A luta foi incentivada pelos registros obrigatórios dos escravos, pois os negros não cadastrados eram considerados livres após um ano. Com isso, os libertadores consultavam frequentemente os registros em busca de irregularidades que possibilitassem a atuação da justiça brasileira.
O movimente crescente da luta contra a escravidão fez surgir também alguns movimentos contrários à abolição, que resistiam à luta. A Lei dos Sexagenários, sendo assim, foi um reflexo desses movimentos, e considerada um retrocesso pelos abolicionistas por exigir condições muito rígidas para a liberdade. Porém, os esforços dos escravocratas não foram suficientes para frear os libertários, a resistência à servidão continuou crescendo e culminou na Lei Áurea de 1888.
A Lei do Ventre Livre foi resultado da forte pressão social. Principalmente da luta dos próprios movimentos da população negra para pôr fim à escravatura no Brasil. Com a adesão de boa parte da população e a expansão comercial e industrial, mostrou-se que o regime escravista já não se enquadrava nos moldes de uma sociedade moderna.
Não podemos dizer, contudo, que os governantes eram completamente sensíveis as causas humanitárias, pois muitas decisões foram tomadas por interesses políticos e econômicos. Mas ficou claro para a população brasileira que estávamos caminhando na contramão da tendência internacional de colocar fim em um regime que até hoje traz duras consequências para a população negra do Brasil.
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