A Lei n° 12.846, de 1° de agosto de 2013, batizada como “Lei Anticorrupção”, dispõe sobre a responsabilização objetiva, no âmbito civil e administrativo, de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira. Como “empresas”, entenda-se as sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
Mas, o que seriam atos lesivos contra a administração pública? São aqueles que, nos termos do art. 5° da Lei Anticorrupção, atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV – no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
A Lei prevê como sanções decorrentes da responsabilidade administrativa: a) multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação. Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais); e b) publicação extraordinária da decisão condenatória, a qual ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.
Ademais, em razão da prática de atos lesivos supramencionados, a Lei também prevê responsabilização em âmbito judicial, visto que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, também poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III – dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
Na aplicação das sanções, serão considerados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista que serão consideradas em sua gradação: I – a gravidade da infração; II – a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III – a consumação ou não da infração; IV – o grau de lesão ou perigo de lesão; V – o efeito negativo produzido pela infração; VI – a situação econômica do infrator; VII – a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; e IX – o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.
A aplicação das sanções previstas na Lei Anticorrupção não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I – ato de improbidade administrativa nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 ; e II – atos ilícitos alcançados pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC instituído pela Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011.
Cabe registrar também que, em respeito ao princípio constitucional do devido processo legal, a aplicação da sanção depende de um Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), cuja instauração e julgamento cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa. Nesse último ponto, cabe observar que a Lei permite a delegação dessa competência, vedada a subdelegação: por exemplo, no caso do Banco Central do Brasil (entidade na qual trabalho), o seu Presidente (autoridade máxima da autarquia) delegou essa competência ao Corregedor-Geral, autoridade diretamente subordinada a ele.
O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por 2 (dois) ou mais servidores estáveis, a qual deverá concluir o processo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da publicação do ato que a instituir e, ao final, apresentar relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas. Nesse sentido e a título de exemplo, veja como foi a publicação no Diário Oficial da União (DOU) da Portaria que instituiu uma das comissões que participo:
No processo administrativo para apuração de responsabilidade, após o encerramento da fase de instrução pela comissão, será concedido à pessoa jurídica prazo de 30 (trinta) dias para defesa, contados a partir da intimação.
Outro ponto importante da Lei é a permissão para que a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública celebre acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. No entanto, o acordo somente pode ser celebrado se, cumulativamente, a pessoa jurídica: I – seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II – cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; e III – admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
A celebração do acordo de leniência, apesar de não eximir a pessoa jurídica de reparar integralmente o dano causado, isenta-la-á da sanção administrativa de “publicação extraordinária da decisão condenatória” e da sanção judicial de “proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos”, bem como reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.
Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.
Por fim, vale anotar que subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados. As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.
Veja algumas questões sobre o assunto:
(Promotor de Justiça (MPE PR)/2019) Nos termos da Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), assinale a alternativa correta:
a) Uma vez aplicadas as sanções previstas pela Lei n. 12.846/2013, fica prejudicado o processo de responsabilização e o apenamento, pelo mesmo fato, decorrente de ato de improbidade administrativa.
b) Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos contados do conhecimento pela Administração Pública do referido descumprimento.
c) A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das seguintes sanções: publicação extraordinária da decisão condenatória; proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos; e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.
d) Prescrevem em 3 (três) anos as infrações previstas na Lei n. 12.846/2013, contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
e) Quanto à responsabilização judicial, pode ser aplicada à pessoa jurídica infratora a sanção, dentre outras, de suspensão ou interdição parcial ou total de suas atividades.
Gabarito: letra “c”, conforme comentários do presente artigo.
(Vunesp/Administrador Judiciário (TJ SP)/2019) Assinale a alternativa que está de acordo com a Lei no 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).
a) O acordo de leniência exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.
b) Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos contados do conhecimento pela Administração Pública do referido descumprimento.
c) O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por 2 (dois) ou mais servidores estáveis.
d) A competência para a instauração e o julgamento do processo administrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica não poderá ser delegada.
e) No processo administrativo para apuração de responsabilidade, será concedido à pessoa jurídica prazo de 15 (quinze) dias para defesa.
Gabarito: letra “c”, conforme comentários do presente artigo.
(CESPE/Analista Administrativo (PGE PE)/Calculista/2019) A respeito da responsabilização de pessoa jurídica pela prática de atos contra a administração pública, julgue o item subsequente, à luz da Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013).
– Atos lesivos praticados contra a administração direta por sociedade simples nacional não personificada e que atentem contra compromissos internacionais assumidos pelo Brasil são passíveis de apuração por meio da instauração de processo administrativo, que pode ser deflagrado de ofício pela autoridade máxima do órgão. Certo ou Errado?
Gabarito: Certo, conforme comentários do presentes artigo.
– Nas hipóteses de fusão e incorporação societária legalmente promovida, a responsabilização da pessoa jurídica sucessora restringe-se à obrigação de pagamento de multas e à reparação integral de dano, até o limite do patrimônio transferido. Certo ou errado?
Gabarito: Certo, conforme comentários do presentes artigo.
– As sociedades empresárias consorciadas por força de contrato administrativo são responsáveis solidárias entre si por atos de improbidade administrativa, respondendo irrestritamente umas pelas outras nos âmbitos administrativo, civil e criminal.
Certo ou errado?
Gabarito: Errado, conforme comentários do presentes artigo.
– Para avaliar a graduação da sanção administrativa a ser aplicada, a autoridade competente está impedida de considerar parâmetros referentes ao estado econômico do infrator, devendo se restringir ao dano ao erário efetivamente apurado. Certo ou errado?
Gabarito: Errado, conforme comentários do presentes artigo.
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