As modificações no CP e no CPP pela Lei 14.155, de 27 de maio de 2021.
A lei 14.155, de 27 de maio de 2021, alterou o Código Penal, modificando o tipo penal do delito de invasão de dispositivo informático. Além disso, incluiu formas qualificada e majorada ao furto mediante fraude e ao estelionato. Por fim, houve alteração no Código de Processo Penal, para determinar a regra de competência, no domicílio da vítima, em algumas modalidades e formas de execução do crime de estelionato.
O artigo 154-A foi inserido pela Lei n. 12.737, de 30 de novembro de 2012, conhecida popularmente como Lei Carolina Dieckmann, passando a criminalizar a invasão de dispositivo informático. Posteriormente, a lei 14.155, de 27 de maio de 2021, alterou o próprio tipo penal, razão pela qual se deve estudar o tema de forma sistemática:
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico.
§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos.
§ 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:
I – Presidente da República, governadores e prefeitos;
II – Presidente do Supremo Tribunal Federal;
III – Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal;
IV – dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.
Ação penal
Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos.
O núcleo do tipo é invadir, que significa ingressar, penetrar ou apoderar-se. O objeto material é dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores. Dispositivo informático é qualquer equipamento com capacidade de armazenamento e processamento de informações, envolvendo de computadores pessoais a smartphones.
Fernando Capez ressaltava que, devido à redação dúbia, era possível extrair duas interpretações quando aos núcleos do tipo[1]:
Esse problema foi resolvido com a alteração realizada pela Lei 14.155/2021, que trouxe outras alterações:
Na redação original, a conduta de invasão deveria ocorrer mediante violação indevida de mecanismo de segurança. Deste modo, se a vítima fornecesse a senha ou se deixasse o computador ligado e alguém se aproveitasse da situação para acessar seus dados, não se configurava o crime em tela. Com a Lei 14.155/2021, essa exigência foi eliminada, configurando-se o crime em tais casos.
Antes da Lei 14.155/2021, o dispositivo deveria ser alheio. Agora, basta que seja de uso alheio. Assim, configura o crime se o proprietário do dispositivo o invadir, quando estiver sendo usado por outra pessoa, como no caso de empréstimo.
É preciso que a invasão ocorra com uma das finalidades, que constituem elementos subjetivos especiais do tipo:
O crime é formal[4], pois a obtenção de qualquer dos resultados almejados pelo sujeito ativo é desnecessária para a sua consumação (obtenção, adulteração ou destruição de dados ou informações ou obtenção de vantagem ilícita). É indiferente estar ou não o dispositivo conectado à rede de computadores.
O crime é comum, doloso, formal e plurissubsistente, admitindo o conatus (tentativa).
O parágrafo primeiro do artigo 154-A prevê a forma equiparada ao caput de produzir, oferecer, distribuir, vender ou difundir dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. Pune-se, portanto, com a mesma pena, a conduta de comercialização ou de distribuição de dispositivo (hardware) ou programa de computador (software) para a prática das condutas incriminadas no caput.
O parágrafo segundo previa o aumento da pena, de um sexto a um terço, se da invasão resultasse prejuízo econômico. Com o advento da Lei 14.155/2021, o aumento de pena passou a ser de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), o que somente se aplica aos crimes cometidos após o início de sua vigência, por se tratar de alteração mais gravosa. Cuida-se de modalidade material do delito, por se referir a resultado naturalístico, essencial à consumação.
O parágrafo terceiro prevê forma qualificada se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido. Sobre informações sigilosas, cuida-se de norma penal em branco, a ser complementada por qualquer norma pública que discipline o sigilo de determinada informação. Cuida-se de modalidade material, por exigir a obtenção de conteúdo ou mesmo o controle remoto do dispositivo.
A pena era de reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constituísse crime mais grave. Era, portanto, modalidade expressamente subsidiária. Com a Lei 14.155/2021, a pena passou a ser de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Por ser mais gravosa, só se aplica aos delitos praticados após o início de sua vigência.
O parágrafo quarto prevê causa de aumento de pena para a modalidade equiparada do delito, prevista no parágrafo terceiro. A fração de aumento será de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidas.
Além disso, o parágrafo quinto prevê a causa de aumento de pena aplicável tanto à forma do caput quanto à forma equiparada. Neste caso, a fração será de um terço até metade. A majorante está atrelada à vítima ser:
I – Presidente da República, governadores e prefeitos;
II – Presidente do Supremo Tribunal Federal;
III – Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal;
IV – Dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.
No crime de invasão de dispositivo informático, conforme prevê o artigo 154-B, a ação penal é pública condicionada à representação. Entretanto, há uma exceção. Se o crime for cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos, a ação penal é pública incondicionada.
No caso do crime de furto, não houve modificações estruturais no tipo, cabendo a análise da norma forma qualificada e da inclusão de causas de aumento de pena pela Lei 14.155/2021.
Furto qualificado: furto mediante fraude por meio eletrônico (§ 4º-B)
A Lei 14.155, de 27 de maio de 2021, inseriu nova modalidade qualificada, com pena de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Incide se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo. Pela extensão da previsão, percebe-se que basta que a fraude seja eletrônica, já que não é necessário que haja violação de senha nem mesmo conexão à internet.
Exemplo de crime dessa espécie, ainda que o julgado seja anterior à modificação legislativa e incidia a qualificadora do parágrafo quarto, inciso II:
“(…) A jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de que a realização de saques indevidos (ou transferências bancárias) na conta corrente da vítima sem o seu consentimento, seja por meio de clonagem de cartão e/ou senha, seja por meio de furto do cartão, seja via internet, configuram o delito de furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II, do CP) (…)” (STJ, CC 149752/PI, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 01/02/2017).
A Lei 14.155, de 27 de maio de 2021, inseriu, ainda, majorantes para o furto qualificado mediante fraude por meio eletrônico, previsto no artigo 155, § 4º-B. Assim, o furto qualificado mediante fraude terá uma causa de aumento de pena variável, a ser escolhida pelo critério da relevância do resultado gravoso:
Quanto ao crime de estelionato, houve inclusão de nova modalidade qualificada e nova causa de aumento de pena, além de alteração da fração de aumento no caso de estelionato majorado contra idoso, incluindo-se o vulnerável. Por fim, houve alteração de regra de competência, com modificação do Código de Processo Penal.
Fraude eletrônica: forma qualificada
A Lei n. 14.155, de 27 de maio de 2021, alterou o artigo 171 do CP, acrescentando dois novos parágrafos:
§ 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.
§ 2º-B. A pena prevista no § 2º-A deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional.
O parágrafo 2º-A traz uma modalidade qualificada do delito, com pena de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Incide se o estelionato é cometido com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.
A qualificadora se vincula à forma não presencial de prática do delito, em que a utilização de informações envolve a fraude, induzindo alguém a erro:
Fraude eletrônica: forma majorada
Já o parágrafo 2º-B, também inserido pela Lei 14.155/ 2021, traz uma causa de aumento de pena de um a dois terços. A fração deve ser escolhida pelo critério da relevância do resultado gravoso, como já previsto pela lei. Essa forma majorada incide, sobre a forma qualificada do § 2º-A, se o crime for praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional. Nesse caso, há maior gravidade pela dificuldade de repressão a um delito praticado a partir de um servidor, de um equipamento de informática central, localizado fora do território brasileiro.
Quanto ao parágrafo quarto, ele possuía a seguinte redação:
Estelionato contra idoso
§ 4º Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso.
Com o advento da Lei n. 14.155, de 27 de maio de 2021, sua redação passou a ser a seguinte:
Estelionato contra idoso ou vulnerável
§ 4º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é cometido contra idoso ou vulnerável, considerada a relevância do resultado gravoso.
Com relação ao crime cometido contra idoso, a lei penal é mais favorável, já que a fração de aumento, antes fixada inexoravelmente no dobro da pena, agora passa a ser de um terço até o dobro. O critério para escolha da fração de aumento deve ser a relevância do resultado gravoso. Assim, caso o crime cometido anterior não tenha resultado gravoso de grande importância, a nova lei pode retroagir para beneficiar o acusado ou condenado.
No caso de crime cometido contra vulnerável, o aumento é o mesmo, de um terço até o dobro da pena, a ser escolhido pelo juiz com base na relevância do resultado gravoso. Por ausência de previsão anterior, cuida-se de majorante que só pode incidir, no caso de vulnerável, para os crimes cometidos após o início de vigência da lei, por constituir novatio legis in pejus. A lei não definiu, tal como no caso do furto mediante fraude eletrônica, que é o vulnerável. Se utilizado o conceito do artigo 217-A, § 1º, do CP, com adaptações e em interpretação sistemática, pode-se compreender como aquele que, por enfermidade ou deficiência mental, apresenta maior vulnerabilidade a fraudes. É possível, ainda, entender que o juiz deve analisar caso a caso.
A Lei n. 14.155, de 27 de maio de 2021, que inseriu a figura da fraude eletrônica (art. 171, §§ 2º-A e 2º-B, do CP), alterou também o artigo 70 do Código de Processo Penal, para tratar da competência para julgamento de algumas modalidades previstos no artigo 171 do CP:
§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.”
Apesar de ser tema de Direito Processual, cabe demonstrar que o critério, em algumas modalidades do artigo 171, passa a ser o domicílio da vítima e, no caso de pluralidade, a prevenção determinará o juízo competente.
O dispositivo supera, por exemplo, o entendimento firmado pelo STJ, em sua Súmula 244: “Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos”.
Por outro lado, fica preservada a regra fixada na Súmula 48 48 do STJ: “Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.”
Espero que os comentários seja úteis aos seus estudos.
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Abraços,
Michael Procopio
[1] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 424.
[2] É adotada na obra de Cleber Masson (MASSON, Cleber. Direito Penal: parte especial (arts. 121 a 212) – vol. 2. 12ª ed. São Paulo: MÉTODO, 2019, p. 295).
[3] Posição adotada por Rogério Sanches Cunha (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial. 12ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 278/279) Luiz Régis Prado, que destaca de tratar de tipo misto cumulativo em relação às condutas de invadir dispositivo e instalar vulnerabilidades. (Curso de direito penal brasileiro: parte geral e parte especial. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 586)
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte Especial: crimes contra o patrimônio até crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. Coleção Tratado de direito penal, volume 3. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 666.
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