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Lei 13.964/19. Juiz pode conceder liberdade provisória sem realizar a audiência de custódia?

Havia perguntado, nas redes sociais (prof.leotavares), se o juiz poderia conceder liberdade provisória (LP), inclusive com medida cautelar (MC) diversa, quando recebe o auto de prisão em flagrante (APF), mesmo sem marcar audiência de custódia (AC)…? A dúvida é pertinente diante das alterações promovidas pela Lei 13.964, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020.

49% disseram SIM; 51% responderam NÃO.

PODE SIM! Razões para tanto…

1. A única razão legal para não soltar o agente de imediato e marcar AC, numa situação de clara possibilidade de LP, seria a interpretação literal do caput do art. 310 do CPP, quando fala que o juiz ‘deverá promover’ a AC e ‘nessa audiência’ deveria conceder LP (inc. III).  A interpretação literal, nesse caso, é superada pela sistemática.

2. A começar pela CF, q estabelece q prisão ilegal ‘será imediatamente relaxada’ pelo juiz (5º, LXV) e q ninguém será mantido na prisão qdo a lei admitir LP (LXVI). Ora, lei nenhuma, sob pena de inconstitucionalidade, pode impedir a desconstituição ‘imediata’ da prisão ilegal ou pode fazer com q o agente ‘permaneça preso’ quando viável a LP. Não é razoável (proporcionalidade) q o autuado fique preso, passe a noite no cárcere em muitas situações, apenas para aguardar uma AC, em afronta a essas disposições constitucionais.

3. O art. 321 continua vigente. Ele estabelece o ‘dever’ de o juiz conceder LP (impondo, se for o caso, outras MC), quando ausentes os requisitos da preventiva. É uma obrigação estabelecida em lei, sem condicionamentos ou formalismos, e q reflete o papel do juiz de tutor maior da liberdade das pessoas.

4. Falando em formalismos e na demora, foi justamente tentando impedir isso q a Lei 12.403, lá em 2011, estabeleceu os incisos do art. 310 (que ainda têm a mesma redação). A ideia, na época (e que deve persistir), era justamente impedir a simples homologação do flagrante, com uma análise ‘imediata’ daquelas hipóteses, sem necessidade de pedidos de LP pela defesa e até mesmo sem vista ao MP.

5. Não existe justa causa na manutenção de uma prisão (q se sabe desnecessária ou ilegal) simplesmente para aguardar a realização de uma AC. Sempre que a CF ou mesmo a lei atribui a tutela da liberdade individual para o juiz, exige que isso ocorra de forma absolutamente urgente diante de coações ilegais. A exemplo do art. 649 do CPP q fala em passar ‘imediatamente’ a ordem de HC.

6. Por outro lado, nada impede que o juiz fixe MC condicionantes da LP quando da análise do flagrante. A própria CF fala em LP ‘com ou sem fiança’. Fiança é uma MC (art. 319, VIII, CPP) e o constituinte não poderia ter falado de outras porque elas não existiam na época.

7. Quando o juiz analisa o flagrante, não está, propriamente, agindo de ofício. Não precisa de requerimento ou representação para fixar MC. Repare q o magistrado não tomou iniciativa para nada, não violou a inércia; ao contrário, foi formalmente instado/provocado pela autoridade policial q, nos termos da CF e da lei (art. 306, CPP), encaminhou o APF. Cabe a ele, como tutor da liberdade individual, agir, mesmo que seja para ‘adequar’ a MC. Sim, pq o preso já está submetido a uma MC (flagrante), que pode ser desnecessária ou inadequada (art. 282, I e II, CPP).

8. Para vc que entende que há uma atividade de ofício, repare que a Lei 13.964/19 permite que o juiz revogue, ‘de ofício’, MC (§ 5º do art. 282 e art. 316 do CPP). Se o juiz pode tomar a iniciativa para revogar uma prisão preventiva, pq não poderia fazê-lo em relação ao flagrante, uma medida mais precária?

9. Se pensarmos q nos casos de flagrante haverá necessidade de pedido para que se aplique determinada MC (seja na AC ou fora dela), estaremos deixando nas mãos do MP ou da Polícia a definição da medida que será aplicada em caso de necessidade. Evidente q isso não é razoável: deixar os órgãos de investigação ou de acusação resolverem qual a medida a ser aplicada dentre aquelas do art. 319. Cautelares são inerentes à atividade jurisdicional, em qq ramo do Direito, mais ainda no processo penal.

10. Quando a lei vedou a iniciativa do juiz para decretar MC, a ideia foi salvaguardar o sistema acusatório, impedir q o juiz, de ofício, interferisse na atividade investigatória/acusatória. Não é isso q o magistrado faz, nem de longe, quando analisa imediatamente o APF. Neste momento, a atuação é essencialmente voltada à urgente tutela da liberdade individual.

11. Alguns podem falar do necessário contraditório prévio para a fixação de MC. Lembro q nisso não houve inovação alguma pelo Pacote. Sempre foi assim. Todavia, esse contraditório prévio pode ser excepcionado nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida (§ 3º, art. 282). A análise do flagrante é caso de urgência, incompatível com o prazo de 5 dias, agora previsto em lei.

12. Outros podem lembrar q uma das finalidades da AC é verificar sobre abusos ou maus tratos. Para essas situações, lembro que as medidas podem ser tomadas da mesma forma e a vítima (no caso, o preso) estará mais assegurada em liberdade, podendo procurar auxílio e cobrar providências de forma mais rápida com a soltura imediata. Enfim: inclusive para assegurar essa finalidade da AC não se verifica razão para manter a prisão.

13. Finalmente, lembre que a urgente tutela da liberdade é tão importante que o legislador permitiu (com a Lei 12.403/11) que o próprio delegado concedesse LP, inclusive com fiança (art. 322), em crimes menos graves. Como justificar que o juiz não possa fazer o mesmo para os demais crimes?

Essas são algumas considerações sobre a questão. A situação é diferente para a conversão em preventiva, última ‘ratio, onde a designação de audiência ganha contornos completamente diferenciados. Abordaremos em outro momento.

Leonardo Ribas Tavares

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