Este artigo tem o objetivo de expor e explicar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e a jurisprudência. O ISSQN é o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, cujo fato gerador é a prestação de serviços – e, por definição, a prestação de serviços envolve um fator intangível, diferentemente de impostos como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados, federal), ou o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Comunicação, Transporte), que, de forma predominante possuem correlação com produtos tangíveis.
Este imposto, o ISSQN, possui previsão na Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu art. 156, descrito entre os impostos que são de competência dos Municípios instituir e cobrar.
Só que as origens do ISSQN são bem mais antigas do que a Constituição atual. Seus primórdios datam da chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808. Como houve a mudança da corte real para o Brasil, em decorrência da transferência da sede administrativa da coroa portuguesa, por conta das guerras do período napoleônico, este empreendimento foi bastante oneroso.
Com o objetivo de arranjar fundos para bancar essa mudança, foi instituído o imposto do Banco, que incidia sobre itens diversos como carruagens, lojas, armazéns, sobrados e navios – tudo isso buscando arrecadar fundos para o recém criado Banco do Brasil.
A Lei orçamentária nº 70/1836 modificou o Imposto do Banco, passando a denominá-lo Imposto sobre as Lojas e aumentando seu campo de incidência, passando a englobar qualquer casa, englobando prestação de serviços ou venda de manufatura.
Em 2 de setembro de 1860 foi criada a Lei orçamentária nº 1174, instituindo o Imposto sobre Indústrias e Profissões, a fim de substituir o Imposto sobre as Lojas, com incidência muito mais ampla, uma vez que passou a abranger todas as indústrias e profissões, recaindo sobre qualquer atividade lucrativa.
E assim este imposto permaneceu, em uma arrecadação que compartilhada entre Estados e Municípios, em partes iguais – até a Emenda Constitucional n. 18/65, que instituiu o ICM (antecessor do ICMS, que incidia sobre as operações de vendas de mercadorias, de competência dos Estados) e o ISSQN (denominado então o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza). A partir desse ponto o imposto adquire sua nomenclatura atual, sendo de competência municipal. Com esta mudança (ainda sob a Constituição de 1946), o ISSQN passou a ser previsto na lei n. 5.172/1966, conhecido como Código Tributário Nacional (CTN) – sendo revogada a parte referente somente ao ISSQN (artigos 71 a 73) pelo Decreto-lei n. 406/68 (DL 406/68).
A redação original do CTN já previa o ISSQN com um caráter residual, considerando o campo de incidência do então IPI (federal) e ICMS (estadual) em seu fato gerador, conforme o já revogado art. 71: “(…) a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço que não configure, por si só, fato gerador de imposto de competência da União ou dos Estados.” Dessa forma, evitava-se o conflito que resultasse em bitributação – que é a ocorrência de um mesmo fato gerador para dois impostos de diferentes entes federativos.
Nesse mesmo diapasão, a redação do CTN dava uma definição buscando abranger tudo o que não envolvesse mercadoria física: o fornecimento de trabalho, com ou sem utilização de máquinas, ferramentas ou veículos, a usuários ou consumidores finais; a locação de bens imóveis; e a locação de espaço em bens imóveis, a título de hospedagem ou para guarda de bens de qualquer natureza.
O CTN, em sua versão original, já previa a possibilidade de operações híbridas – operações nas quais poderia haver a prestação de serviços combinada com a entrega de mercadorias. A lei trouxe dois critérios para dirimir tais situações. Um deles é o critério de a prestação de serviço ser o seu objeto essencial e contribuir com mais de 75% da receita média mensal da atividade – cumpridos esses requisitos, se estaria falando de serviço, e não mercadoria.
O outro critério foi sobre o que constituiria a respectiva base de cálculo, que, em regra, seria o próprio preço do serviço, salvo em duas situações: quando a prestação de serviço seja feita sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o que muda a base de cálculo para alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço e outros fatores pertinentes, o que afastaria a incidência sobre o valor que envolvesse a remuneração do próprio trabalho; e quando houvesse o fornecimento de mercadoria concomitantemente à prestação do serviço, o que traria a incidência de ICMS e ISSQN, cada um sobre 50% do valor total da operação.
O DL 406/68 revogou a parte do ISSQN contida no CTN, além de ter estabelecido uma lista de serviços sobre os quais o ISSQN poderia ser cobrado como imposto fixo. É o principal diploma legal que estabelece esta hipótese.
O DL 406/68 permaneceu regulando o ISSQN até a Constituição Federal de 1988 (CF/88), inclusive emprestando a interpretação subsidiária do que é serviço, conforme o art. 156: “Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…) III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
Os serviços que estão contidos no art. 155, II são aqueles sobre os quais incide o ICMS; logo, se não forem esses serviços, poderão ser objeto de incidência, desde que definidos em lei complementar. E a Lei Complementar n. 116 (LC 116/03) só foi promulgada em 2003 – revogando o DL 406/68.
E a Lei Complementar n. 116/2003 trouxe ainda algumas inovações – como a não incidência sobre exportações de serviços ao exterior do país, sobre a prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, dos diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de sociedades e fundações, bem como dos sócios-gerentes e dos gerentes-delegados, sobre o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras.
E, como ressalva sobre a não incidência do ISSQN sobre a exportação de serviços ao exterior, há também uma ressalva: a de que o resultado da operação não se verifique no Brasil, pois dessa forma bastaria contatar um tomador no exterior e ele pagar por um serviço que seja feito e cujo resultado seja no Brasil, sendo considerado isso uma exportação – um possível subterfúgio para o prestador se esquivar de recolher o imposto, em uma hipotética prestação de serviço de construção civil paga por cliente do exterior sobre uma construção civil no Brasil, por exemplo.
A LC 116/03 tratou dos diversos aspectos do fato gerador: definiu o aspecto material (a prestação do serviço e a lista dos serviços), seu aspecto temporal (o momento da prestação de serviço), sua base de cálculo (o preço do serviço) e sua alíquota (máximo de 5% sobre o preço do serviço), e seu aspecto espacial (onde se considera prestado o serviço: em regra, no estabelecimento do prestador).
Como o ISSQN foi uma construção ao longo de décadas, o imposto rendeu muitas discussões judiciais nos tribunais superiores: o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – tanto gerando súmulas como entendimentos sobre diversas questões judiciais.
Uma destas questões foi que havia um entendimento que o Decreto-lei n. 406/68 havia sido integralmente revogado pela Lei Complementar n. 116/2003. Entretanto, no Decreto havia uma previsão de cobrança diferenciada do ISSQN de contribuintes que prestassem serviços em caráter pessoal, de forma fixa – dispositivo que não consta na Lei Complementar, de forma não possibilitaria sua cobrança diferenciada. O STF então publicou a Súmula 663-STF: “Os §§ 1º e 3º do art. 9º do Dl. 406/68 foram recebidos pela Constituição”. Desta forma, foi recepcionada a hipótese da cobrança de ISSQN de forma fixa, conforme existia no revogado Decreto.
Outra situação foi a questão do conceito de prestação de serviço. Versões anteriores das leis até a Lei Complementar n. 116/2003 foram elaboradas considerando o conceito econômico de serviço. A partir de uma mudança na jurisprudência do Supremo, em 2010, o serviço passou a ser definido pelo conceito jurídico de serviço – que é uma obrigação de fazer, o que teve impacto direto em serviços como locação de bens móveis. Isso ocorreu porque, no entendimento do tribunal, o serviço de locação é uma obrigação de dar, não uma obrigação de fazer, como ocorre em outros serviços.
Essa jurisprudência foi conhecida através da Súmula Vinculante n. 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.”
Uma última questão levada ao Supremo questionava sobre se os depósitos bancários, as comissões e taxas de desconto cobradas pelos bancos. Aqui ocorre um fenômeno interessante, pois estes valores não representam prestação de serviços em si – não se confundindo com serviços de corretagem e agenciamento. Isso originou a Súmula 588-STF: “O imposto sobre serviços não incide sobre os depósitos, as comissões e taxas de desconto, cobrados pelos estabelecimentos bancários.”
Na jurisprudência do tribunal da cidadania (o “apelido” do STJ) existem mais algumas súmulas, com questões como a Súmula 138-STJ: “O ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis.” O Leasing, ou arrendamento mercantil é uma operação bem mais complexa que a simples locação – essa foi a visão do colegiado.
Houve também o caso de uma gráfica, que por imprimir rótulos e etiquetas que não seriam para consumidores finais, havia sido autuada a recolher ICMS – o que levou a reclamar judicialmente de que se tratava de um serviço de composição gráfica, personalizada, não um produto “de prateleira”, pleito acolhido pelo STJ na Súmula 156-STJ: “A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS.”
Alguns serviços são complexos em seus componentes. Exemplo disso é o serviço de construção civil chamado de concretagem. Como o concreto é vendido como produto, sobre ele incide o ICMS. Mas ele não vai sozinho aplicado em uma laje. Ele deve ser misturado em betoneiras com cimento e outros componentes. Esse processo de mistura, em si, é a concretagem, o que originou a Súmula 167-STJ: “O fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil, preparado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões, é prestação de serviço, sujeitando-se apenas à incidência do ISS.”
Também ocorreu uma ação judicial em que se questionava alguns custos na base de cálculo do ISSQN sobre serviços médicos. Algumas vezes, no bojo de um atendimento hospitalar com internação por meio de convênio há despesas de diárias de hospital, refeições e outras. Os questionamentos desta ação levaram o STJ a publicar a Súmula 274-STJ: “O ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se neles as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares.”
Esse entendimento inclusive é utilizado em questões como hospedagem em hotéis, que, quando incluem prestação de serviços de restaurante, junto da hospedagem, são objeto de incidência do ISSQN.
Uma última súmula envolve o serviço de cessão de mão de obra, no qual uma empresa pode fornecer profissionais, agenciando a relação contratante-empregados, ou ela é ela mesmo contratada por outra empresa. Nesta segunda situação, os empregados são da agência. Qual a base de cálculo nestas duas situações?
Para isso foi elaborada a Súmula 524-STJ: “No tocante à base de cálculo, o ISSQN incide apenas sobre a taxa de agenciamento quando o serviço prestado por sociedade empresária de trabalho temporário for de intermediação, devendo, entretanto, englobar também os valores dos salários e encargos sociais dos trabalhadores por ela contratados nas hipóteses de fornecimento de mão de obra. “
Além das súmulas, que englobam entendimentos consolidados dos colegiados superiores, existem os boletins informativos dos tribunais superiores. São entendimentos que indicam a construção de teses, que podem vir a se tornar súmulas no futuro.
Um destes boletins do STF suscitou duas questões sobre o ISSQN. Uma delas era sobre se operadoras de saúde (os planos de saúde) prestavam serviços sujeitos à incidência do ISS, o que o STF entendeu que elas estão sujeitas. No mesmo boletim outra questão chamava a atenção sobre a constitucionalidade da lei municipal que permitia a exclusão de valores da base de cálculo – o que o tribunal entendeu inconstitucional.
No STJ, outras ações foram apreciadas. Uma delas questionava em serviços de marketing a possibilidade de dedução de valores da base de cálculo por serem valores de reembolso, o que foi rechaçado pelo tribunal. Outra questão é sobre para qual município é devido o ISSQN no arrendamento mercantil, o que gerou um entendimento duplo: na vigência do Decreto-lei n. 406/68 e antes da Lei Complementar n. 116/2003 é devido no município onde se encontrava o estabelecimento prestador; na vigência da Lei Complementar n. 116/2003 ele é devido no município onde o serviço é efetivamente prestado.
Houve também o pleito de cartórios de pagamento do ISSQN no regime fixo, sob a alegação da prestação de serviços em caráter pessoal, o que não foi acatado pelo STJ.
Outra ação tratava de verificar qual seria o município competente para cobrar o ISSQN sobre o serviço de análises clínicas. Ocorre que existem laboratórios que coletam amostras laboratoriais e as enviam para o serviço de análise a outros municípios. Nestes casos, o STJ entendeu que o ISSQN é devido ao município onde o tomador do serviço (nesse caso, a pessoa examinada) entregou sua amostra – e não no município onde ocorreu a análise.
Outro pleito se referia a incidência sobre o serviço de troca de pneus por borracharias, em que o tribunal estabeleceu que, ainda que o borracheiro forneça pneus, o serviço de troca sofre a incidência de ISSQN.
Também houve questionamento judicial sobre a incidência de ISSQN sobre o serviço de proteção ao crédito oferecido por sindicato ou Câmara de Diretores Lojistas aos seus associados. A questão já teve entendimento diverso, mas a visão atual do STJ é a de que incide o ISSQN. Uma última questão envolve a polêmica sobre valores cobrados por municípios aos Correios a título de ISSQN sobre a prestação de serviços postais – ao que o tribunal reconheceu a imunidade dos Correios, concedendo à empresa a repetição do indébito (restituição) dos valores de ISSQN pagos, desde que não tivessem sido repassados aos tomadores dos serviços.
Um dos impostos mais importantes para os municípios, o ISSQN nem sempre foi um imposto municipal. Ele começa na época da chegada da corte real portuguesa ao Brasil, sofrendo transformações ao longo do Brasil império, que o tornariam relacionado às atividades comerciais, sendo aos poucos afetado pelas transformações do comércio e indústria durante o século XIX e XX.
Ao longo do século XX, com a chegada da industrialização ao Brasil, houve um constante aumento no sortimento de itens de comércio, produtos em geral, sendo que o então imposto das lojas se transformou em um imposto sobre as profissões.
No pós 2° guerra, o comércio aumentou muito. Os sistemas tributários no mundo começam a incidir sobre valores agregados em cadeia de produção e comercialização. Como uma forma de construir um caminho para custear um estado federalizado, foi criado o ICMS, que passou a incidir sobre as trocas comerciais.
Na esteira da criação do ICMS, criou o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, o ISSQN, que, em caráter subsidiário, abrangeu os serviços que não apresentavam produtos físicos, ou em que a existência de um produto físico não descaracterizasse seu caráter essencial de prestação de serviços. Assim o ISSQN se estabeleceu, sob a competência de outro ente federativo que começava a demonstrar suas capacidades na administração pública: os municípios.
Assim se deu a criação do ISSQN, que possui um caráter essencialmente intangível: a prestação de serviços. E ele continua em constante mutação. Em uma economia cada vez mais globalizada, digital e imediata, ele está assumindo novas tendências, como a constante fragmentação de novos serviços, como serviços bancários de rede de transações, que não só se desdobram em mais serviços, como cada vez mais influenciam na determinação espacial de onde é devido o imposto, também cada vez mais pulverizado nas múltiplas possibilidades de incidência das prestações de serviços.
Ricardo Pereira de Oliveira
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