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Informativo STJ Edição Extraordinária 14

Informativo do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas! Vamos encarar hoje essa Edição Extraordinária 14 – decisões inéditas que nos ajudarão a dar mais um passo rumo à aprovaição!

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.     Aplicabilidade do regime normativo prescricional das pessoas jurídicas de direito público, previsto no Decreto n. 20.910/1932 e no Decreto-Lei n. 4.597/1942, às entidades da Administração Indireta com personalidade de direito privado que atuem na prestação de serviços públicos essenciais sem finalidade lucrativa

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL

Aplica-se o regime normativo prescricional das pessoas jurídicas de direito público, previsto no Decreto n. 20.910/1932 e no Decreto-Lei n. 4.597/1942, às entidades da Administração Indireta com personalidade de direito privado que atuem na prestação de serviços públicos essenciais sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial.

EREsp 1.725.030-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 14/12/2023, DJe 20/12/2023. (Ed. Ext. 14)

1.1.  Situação FÁTICA.

A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, empresa pública, contratou a empresa Greed para a construção de um prédio. O valor combinado em contrato foi efetivamente pago pela empresa pública, mas em atraso e sem correção ou juros.

Inconformada, Greed ajuizou ação em face da CDHU, que, em sua defesa, alegou a prescrição trienal prevista no CC/02. Por sua vez, Greed sustenta que ao caso deve ser aplicada a prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto 20.910/32.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.    Questão JURÍDICA.

Decreto 20.910/32:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

1.2.2.    Trienal ou quinquenal?

R: QUINQUENAL!!!!

A controvérsia consiste em definir se o prazo prescricional quinquenal, previsto no Decreto n. 20.910/1932, é aplicável às pessoas jurídicas de direito privado da Administração Indireta (sociedades de economia mista e empresas públicas), quando estas exercerem atividades destinadas à prestação de serviço público essencial, não dedicadas à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa e natureza concorrencial. Ou se, contrariamente, por se tratarem de pessoas jurídicas de direito privado, nas pretensões em que fizerem parte, devem incidir os prazos prescricionais estabelecidos no Código Civil.

Na Corte Superior, durante bastante tempo, prevaleceu orientação de que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto n. 20.910/1932 e no Decreto-Lei n. 4.597/1942, aplicava-se apenas às pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações públicas), excluindo-se, portanto, as pessoas jurídicas de direito privado da Administração Pública Indireta (sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações) (REsp n. 1.270.671/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe de 5/3/2012). Entendia-se que às pessoas jurídicas de direito privado da Administração Pública Indireta deveriam ser aplicados tão somente os prazos prescricionais estabelecidos no Código Civil.

Mais recentemente, contudo, o STJ tem apresentado entendimento diferenciado, delineando ser plenamente aplicável, por equiparação, a prescrição quinquenal do Decreto-Lei n. 20.910/1932, quando se tratar de empresas estatais destinadas, exclusivamente, à prestação de serviços públicos essenciais e que, assim, se dediquem à atividade econômica sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial. Isso, porque, conquanto dotadas de personalidade jurídica de direito privado, as empresas estatais fazem as vezes de ente autárquico, estreitamente ligados ao ente político ao qual se vinculam e, por conseguinte, devem, em certa medida, receber tratamento assemelhado ao da Fazenda Pública, inclusive relativamente a prazos prescricionais.

Nesse contexto, às entidades da Administração Indireta com personalidade de direito privado, que atuam na prestação de serviços públicos essenciais, sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial, é possível estender-se o mesmo regime normativo acerca da prescrição aplicável às pessoas jurídicas de direito público (Decreto n. 20.910/1932 e Decreto-Lei n. 4.597/1942), visando até mesmo dar equilíbrio às pretensões de natureza eminentemente pública a serem exercidas contra as empresas estatais. Assim, concedendo-lhes igualdade de condições em relação à Fazenda Pública, delegatária e originariamente responsável pela prestação do serviço público essencial delegado.

1.2.3.    Resultado final.

Aplica-se o regime normativo prescricional das pessoas jurídicas de direito público, previsto no Decreto n. 20.910/1932 e no Decreto-Lei n. 4.597/1942, às entidades da Administração Indireta com personalidade de direito privado que atuem na prestação de serviços públicos essenciais sem finalidade lucrativa e sem natureza concorrencial.

2.     Número máximo de recursos e instâncias administrativas.

MANDADO DE SEGURANÇA

Ainda que o art. 57 da Lei n. 9.784/1999 preveja o curso recursal por até três diversas instâncias administrativas, não será dado ao sucumbente manejar três sucessivos recursos, mas somente dois (um perante a instância de origem e um segundo, junto à instância administrativa imediatamente superior), sob pena de se percorrer quatro instâncias administrativas.

MS 27.102-DF, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 23/8/2023, DJe 30/8/2023. (Ed. Ext. 14)

2.1.  Situação FÁTICA.

Creiton, Delegado da Polícia Federal, respondia a um processo administrativo disciplinar que resultou em pena de suspensão aplicada pelo Superintendente da PF. Inconformado, interpôs recurso que foi julgado pelo Diretor da PF, sendo desprovido. Incansável, interpôs novo recurso ao Ministro da Justiça, igualmente desprovido.

Resolveu então interpor novo recurso, desta vez para o Presidente da República, mas o Ministro da Justiça negou o envio do recurso à Presidência da República por entender que Creiton havia esgotado os três níveis de recurso hierárquico previstos na Lei 9.784/1999.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei 9.784/1999:

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.

§ 1o O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.

Art. 57. O recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa.

Lei n. 8.112/1990:

Art. 107.  Caberá recurso: 

§ 2o  O recurso será encaminhado por intermédio da autoridade a que estiver imediatamente subordinado o requerente.

2.2.2.    Qual o máximo de interposições recursais?

R: DUAS!!!!

Nos termos do § 1º do art. 56 da Lei n. 9.784/1999, o recurso “será dirigido à autoridade que proferiu a decisão”. O art. 57 do mesmo diploma legal estabelece que sua tramitação será de “no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa”.

Não há garantia legal de interposição de três sucessivas insurgências recursais, mas, ao contrário, uma regra limitadora da tramitação recursal por apenas três instâncias, assegurando, portanto, a interposição de duas impugnações recursais, exceto se existente, para o respectivo rito, “disposição legal diversa”.

Exemplificando: ativado o primeiro recurso na instância administrativa de base, a autoridade que nesse primeiro nível hierárquico proferiu a decisão impugnada poderá reconsiderá-la ou não (essa, pois, a 1ª instância administrativa, conforme o art. 56, § 1º da Lei n. 9.784/19999). Não reconsiderada a decisão, a mesma impugnação será encaminhada à apreciação da autoridade hierárquica imediatamente superior, ou seja, perante a 2ª instância administrativa. Havendo, nesse segundo nível, nova sucumbência do recorrente, caberá, então, uma segunda e nova insurgência recursal pelo interessado, a ser encaminhada e decidida no âmbito da 3ª instância administrativa. Em tal cenário, mesmo que suceda uma segunda derrota do administrado, não haverá mais lugar para uma terceira interposição recursal, visto que a mencionada legislação de regência, como regra geral, não consente com a continuidade da tramitação do inconformismo junto a uma 4ª instância administrativa.

Presentes tais premissas, ainda que a lei preveja o curso recursal por até três diversas instâncias administrativas, não será dado ao sucumbente manejar três sucessivos recursos, mas somente dois (um perante a instância de origem e um segundo, junto à instância administrativa imediatamente superior), sob pena de se percorrer quatro instâncias administrativas.

Cumpre salientar que a Lei n. 8.112/1990, embora não defina o número de instâncias percorríveis, traz previsão similar quanto ao processamento do recurso, no sentido de que o recurso será interposto perante a autoridade que proferiu a decisão recorrida, isto é, a instância a quo: “O recurso será encaminhado por intermédio da autoridade a que estiver imediatamente subordinado o requerente” (art. 107, § 2º).

Aplica-se ao caso, portanto, a regra geral do art. 57 da Lei do Processo Administrativo Federal, no que toca à limitação de instâncias recursais (tramitação por até três instâncias, dando ensejo, nesse iter, a no máximo duas interposições recursais).

2.2.3.    Resultado final.

Ainda que o art. 57 da Lei n. 9.784/1999 preveja o curso recursal por até três diversas instâncias administrativas, não será dado ao sucumbente manejar três sucessivos recursos, mas somente dois (um perante a instância de origem e um segundo, junto à instância administrativa imediatamente superior), sob pena de se percorrer quatro instâncias administrativas.

3.     Militar temporário e direito à reforma em caso de cegueira unilateral

PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA

O reconhecimento do direito à reforma é devido ao militar temporário não estável no caso de cegueira, sem distinção se ela atinge um ou os dois olhos, sendo dispensável a comprovação do nexo de causalidade com o serviço castrense.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 2/10/2023, DJe 4/10/2023. (Ed. Ext. 14)

3.1.  Situação FÁTICA.

Crementino, militar temporário, sofreu uma lesão em um jogo de futebol que resultou na deficiência conhecida como visão monocular. Portanto, diz-se encontrar incapaz para o serviço militar ativo.

O pedido foi negado por entender a União que a cegueira monocular não poderia ser considerada incapacidade definitiva para o serviço militar, uma vez que não fora adquirida em atividade militar, bem como contesta que tal deficiência implicaria na incapacidade total de Crementino.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei n. 6.880/80:

Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:

V – tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e

3.2.2.    Incapaz?

R: Yeap!!!!

A Corte Especial do STJ, na sessão de 19/9/2018, no julgamento dos EREsp 1.123.371-RS – que tratou da reforma de militar temporário não estável -, fixou o entendimento no sentido de que “a reforma do militar temporário não estável é devida nos casos de incapacidade adquirida em função dos motivos constantes dos incisos I a V do art. 108 da Lei 6.880/1980, que o incapacite apenas para o serviço militar e independentemente da comprovação do nexo de causalidade com o serviço militar”.

Ou seja, o militar temporário não estável, para ter direito à reforma, deve comprovar que é portador de uma das doenças previstas no inciso V do art. 108, mesmo sem relação de causa e efeito com a atividade castrense.

Ademais, consoante jurisprudência pacífica do STJ, o inciso V do art. 108 da Lei n. 6.880/80 estabelece a cegueira como causa de incapacidade definitiva, sem fazer distinção se ela atinge um ou os dois olhos.

Assim, descabido restringir o âmbito de abrangência da norma, a partir da inserção de texto nela inexistente, para diminuir a proteção previdenciária que o legislador quis conferir aos casos que especifica” (AgInt no AgInt no AREsp 1.853.793/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 22/9/2022).

3.2.3.    Resultado final.

O reconhecimento do direito à reforma é devido ao militar temporário não estável no caso de cegueira, sem distinção se ela atinge um ou os dois olhos, sendo dispensável a comprovação do nexo de causalidade com o serviço castrense.

4.     Afastamento dos juros moratórios pela interposição de recurso administrativo

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

A interposição de recurso administrativo não afasta a incidência dos juros moratórios, os quais devem incidir a partir do primeiro dia subsequente ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da multa administrativa, conforme disposição do art. 61, § 1º, da Lei n. 9.430/1996.

AgInt no AREsp 1.716.010-RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 25/9/2023, DJe 28/9/2023. (Ed. Ext. 14)

4.1.  Situação FÁTICA.

O plano de saúde Pagonada foi notificado para pagamento de multa administrativa aplicado pela ANVISA, que previa o pagamento em até trinta dias. Porém, Pagonada optou por interpor recurso administrativo contra a aplicação da multa. O recurso foi desprovido, razão pela qual a ANVISA cobrou a multa acrescida de juros desde seu vencimento, ou seja, a partir do trigésimo primeiro dia da notificação.

Por sua vez, Pagonada sustenta que os juros somente seriam devidos a partir de 30 dias do julgamento definito do recurso administrativo.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.    A interposição de recurso administrativo afasta a incidência de juros?

R: Nooopsss!!!!

Acerca do termo inicial para incidência dos juros de moratórios, nos termos da jurisprudência do STJ, “negado o recurso administrativo pela ANS, a data de vencimento do crédito continua sendo aquela contida na primeira notificação, passando a incidir os juros de mora a partir do primeiro dia subsequente ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da multa administrativa, conforme disposição do art. 61, § 1º, da Lei n. 9.430/1996” (AgInt no AREsp n. 1.494.736/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 29/5/2023, DJe de 2/6/2023). A corroborar o proposto acima:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MULTA ADMINISTRATIVA. OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. RESPONSABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DE ATO NORMATIVO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INVIABILIDADE. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL.

[…] 4. A interposição de recurso administrativo não afasta a incidência dos juros moratórios, ex vi do disposto nos arts. 2º e 5º do Decreto-lei n. 1.736/1979, os quais devem incidir a partir do primeiro dia subsequente ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da multa administrativa, conforme disposição do art. 61, § 1º, da Lei n. 9.430/1996. […] (AgInt no REsp n. 1.890.217/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 12/6/2023, DJe de 16/6/2023).

4.2.2.    Resultado final.

A interposição de recurso administrativo não afasta a incidência dos juros moratórios, os quais devem incidir a partir do primeiro dia subsequente ao vencimento do prazo previsto para o pagamento da multa administrativa, conforme disposição do art. 61, § 1º, da Lei n. 9.430/1996.

5.     (Im)Possibilidade da manutenção de cláusula de alienação fiduciária nos contratos regidos por empresa pública estadual criada para executar a política de habitação

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

É possível manter a cláusula de alienação fiduciária nos contratos regidos por empresa pública estadual criada para executar a política de habitação, como também é admissível o leilão público dos imóveis quando houver a execução daquela garantia.

AREsp 1.776.983-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 19/9/2023, DJe 20/10/2023. (Ed. Ext. 14)

5.1.  Situação FÁTICA.

A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, empresa pública, empresta dinheiro, por meio de contratos de financiamento habitacional, para que pessoas de baixa renda adquiram casa própria.

Nos referidos contratos consta cláusula que prevê que, no caso de inadimplência pelo contratante, o imóvel será consolidado em nome da CDHU e posteriormente levado a leilão. Ocorre que a Defensoria Pública ficou sabendo desses termos e ajuizou ação civil pública na qual alega que a cláusula seria incompatível com a política habitacional, além de altamente prejudicial aos mutuários.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.514/1997:

Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora, consolidação da propriedade fiduciária e leilão decorrentes de financiamentos para aquisição ou construção de imóvel residencial do devedor, exceto as operações do sistema de consórcio de que trata a Lei nº 11.795, de 8 de outubro de 2008, estão sujeitos às normas especiais estabelecidas neste artigo. 

Art. 27. Consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário promoverá leilão público para a alienação do imóvel, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data do registro de que trata o § 7º do art. 26 desta Lei.

5.2.2.    Tudo certo, Arnaldo?

R: Segue o jogo!!!!

A controvérsia consiste em definir se é ilegal a presença de cláusula de alienação fiduciária inserida nos contratos de financiamento habitacional patrocinados por empresa pública estadual criada para executar a política de habitação; ou se, executada a garantia, é possível promover o leilão público do bem retomado.

De início, rememora-se que as empresas estatais componentes da administração indireta gozam de personalidade jurídica própria e autonomia em relação ao ente que as criou. No caso, mesmo que o ente federativo seja, a princípio, o responsável pela política de habitação estadual, o ordenamento jurídico faculta-lhe a possibilidade de delegar tal atribuição à entidade criada com essa finalidade.

Nesse sentido, se fosse exigido que o ente delegante compusesse o polo passivo com o delegatário – embora contra aquele primeiro não houvesse pedido explícito -, haveria o esvaziamento do instituto da descentralização administrativa, que faculta à administração direta transferir poderes e atribuições a sujeito de direito distinto e autônomo.

Por sua vez, não há previsão legal que estabeleça a ilegalidade de inclusão da cláusula de alienação fiduciária nas aquisições de imóveis para moradia popular; ao revés, o atual art. 26-A da Lei n. 9.514/1997 expressamente admite o emprego da garantia nos contratos de operações de financiamento habitacional, pelo que qualquer comando em sentido diverso seria flagrantemente contra legem.

Ademais, a mesma lei estabelece expressamente as consequências relacionadas à execução da garantia, sendo a principal delas a possibilidade de realização de consolidação da propriedade em nome do agente fiduciário e a promoção de leilão público (art. 27, caput). Tal situação só ocorre nos casos mais graves de inadimplemento, de modo que a possibilidade de ofertar esses imóveis para mais interessados incrementa a possibilidade de alienação do bem e, consequentemente, reduz bastante as chances de o sistema ser deficitário e benéfico à manutenção do próprio programa de moradia popular.

Portanto, não só é possível manter a cláusula de alienação fiduciária nos contratos regidos por empresa pública estadual criada para executar a política de habitação, como também é admissível o leilão público dos imóveis quando houver a execução daquela garantia.

5.2.3.    Resultado final.

É possível manter a cláusula de alienação fiduciária nos contratos regidos por empresa pública estadual criada para executar a política de habitação, como também é admissível o leilão público dos imóveis quando houver a execução daquela garantia.

6.     (Im)Possibilidade do ente federado pode promover diretamente ação judicial contra operadora privada de plano de saúde para ressarcimento de valores referentes a prestação de serviço de saúde em cumprimento de ordem judicial

RECURSO ESPECIAL

O ente federado pode promover diretamente ação judicial contra operadora privada de plano de saúde para ressarcimento de valores referentes a prestação de serviço de saúde em cumprimento de ordem judicial.

REsp 1.945.959-RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2023, DJe 23/11/2023. (Ed. Ext. 14)

6.1.  Situação FÁTICA.

Craudete precisava realizar uma cirurgia, o que foi negado pelo SUS. Inconformada, ajuizou ação judicial por meio da qual o SUS foi obrigado a realizar e custear a cirurgia.

Ocorre que, após algum tempo, foi constatado que Craudete era cliente de plano de saúde particular e esse era obrigado a cobrir o procedimento. O ente federado que custeou a cirurgia ajuizou ação em face do plano para ressarcir os valores. Por sua vez, o plano de saúde sustenta que o ressarcimento não seria devido por se tratar de decisão judicial que ordenou a realização da cirurgia, bem como a responsabilidade da ANS em relação ao pagamento.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.656/1998:

Art. 32.  Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.

6.2.2.    Possível a cobrança do ressarcimento?

R: Com certeza!!!

A controvérsia consiste em saber se o art. 32 da Lei n. 9.656/1998 permite que os entes federados, ao cumprirem diretamente ordem judicial de prestação de saúde pelo SUS, possam, posteriormente, reclamar judicialmente o ressarcimento das despesas contra a operadora privada de plano de saúde.

Segundo o STF “é constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei 9.656/1998, o qual é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 1º/9/1998, assegurados o contraditório e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os marcos jurídicos” (Tema 345, RE 597.064/RJ).

O artigo em exame não apresenta nenhuma ressalva quanto ao ressarcimento nas hipóteses em que os serviços do Sistema Único de Saúde – SUS sejam realizados em cumprimento à ordem judicial, ou seja, o dispositivo admitiu, de maneira ampla, a possibilidade de ressarcimento do serviço prestado em instituição integrante do SUS, independentemente de fruição voluntária desse serviço ou se por determinação judicial.

No caso, o contexto fático extraído da sentença e do acórdão recorrido é o seguinte: a) estado federativo, em cumprimento à decisão judicial proferida, foi obrigado a realizar o procedimento de cirurgia em relação a segurado de plano privado; b) futuramente, com a notícia de que o referido particular era contratante de assistência privada de saúde, o ente público buscou obter, do plano, o ressarcimento dos valores correspondentes à cirurgia; c) sem êxito, promoveu ação judicial diretamente contra operadora, buscando ser ressarcida dos valores.

Seguindo os caminhos pavimentados pela própria lei, e a interpretação que o STF conferiu à tal norma, não há como excluir, das hipóteses de ressarcimento, os casos em que o atendimento (do segurado de plano particular) pelo SUS é determinado por ordem judicial, sob pena de “culminar com o patrocínio estatal da atividade privada” (STF, RE 597.064/RJ).

O rito administrativo previsto no art. 32 da Lei n. 9.656/1998 especifica a regra (de ressarcimento amplo) prevista no caput do dispositivo, regendo as situações que, a rigor, ocorrem na aplicação prática da norma, quando determinado particular, segurado de plano privado, por razões de urgência ou emergência, frui de serviço do SUS.

Nessas hipóteses regulares, cabe à ANS – na via administrativa, seguindo as normas infralegais que disciplinam a matéria – definir o acertamento do serviço prestado, calcular o quantum devido, cobrar o ressarcimento do agente privado operador do plano/securitização da saúde, recolher os valores ao Fundo Nacional de Saúde e, posteriormente, compensar a entidade que arcou com os custos.

Na espécie, não faria sentido seguir o rito de ressarcimento administrativo por via da ANS, na medida em que o próprio título judicial da ação anterior (que continha a ordem para prestação do serviço do SUS) já espelhava implicitamente todos os elementos necessários ao acertamento do direito ao ressarcimento em favor de quem diretamente foi obrigado a prestar o serviço (o Estado).

Portanto, o procedimento administrativo (protagonizado pela ANS e com destinação final ao Fundo Nacional de Saúde) é uma das vias de ressarcimento (a prioritária, que atende os casos ordinários), mas não é o único meio de cobrança, não excluindo a possibilidade de o ente federado, demandado diretamente pela via judicial, depois se valer da mesma via para cobrar, regressivamente, os valores que foi obrigado diretamente a custear.

6.2.3.    Resultado final.

O ente federado pode promover diretamente ação judicial contra operadora privada de plano de saúde para ressarcimento de valores referentes a prestação de serviço de saúde em cumprimento de ordem judicial.

7.     Critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial em concurso público

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA

O critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial funda-se no fenótipo, e não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato.

AgInt nos EDcl no RMS 69.978-BA, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, por unanimidade, Primeira Turma, julgado em 23/10/2023, DJe 25/10/2023. (Ed. Ext. 14)

7.1.  Situação FÁTICA.

Crementino se inscreveu para concurso público para concorrer às vagas reservadas às pessoas negras, tendo na inscrição do concurso se autodeclarado pardo. Convocado para a aferição da condição autodeclarada, a comissão não o reconheceu como pardo, uma vez que o edital previa avaliação pelo fenótipo.

Inconformado, impetrou mandado de segurança sustentando que a avaliação deveria ser por genótipo ou teste de ancestralidade, caso em que faria jus à benesse, uma vez que seus ancestrais seriam negros.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.    Deve ser orientada pelo fenótipo ou genótipo?

R: FENÓTIPO!!!!

Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra ato atribuído ao Secretário de Administração e ao Secretário da Fazenda Pública de Estado-membro, consistente na exclusão da parte do concurso público.

Observa-se que o edital adotou o sistema misto de identificação do sistema de cotas raciais, no qual o enquadramento do candidato como negro não é efetuado somente com base na sua autodeclaração, mas sim em uma posterior análise por comissão especial, especialmente designada heteroidentificação.

O entendimento do STJ é o de que o critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial há de fundar-se no fenótipo e não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato. Nesse sentido: “(…) 2. O critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial há de fundar-se no fenótipo e não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato” (AREsp 1.407.431/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14/5/2019, DJe de 21/5/2019).

Ademais, a jurisprudência do STJ é rigorosamente torrencial e uniforme quanto à obrigatoriedade às disposições do edital como garantia do princípio da igualdade, sem que isso signifique submissão alguma das exigências de ordem meramente positivistas.

7.2.2.    Resultado final.

O critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial funda-se no fenótipo, e não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato.

8.     (Im)Possibilidade de extensão da GACEN integral aos aposentados

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

A Gratificação Especial de Atividade de Combate e Controle de Endemias – GACEN é extensível aos aposentados e pensionistas que se enquadrarem na hipótese legal, pressupondo a percepção da gratificação quando o servidor ainda estava em atividade.

AgInt no REsp 1.966.052-PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 2/10/2023, DJe 4/10/2023. (Ed. Ext. 14)

8.1.  Situação FÁTICA.

A Fundação Nacional de Saúde-FUNASA para a seus servidores a Gratificação Especial de Atividade de Combate e Controle de Endemias – GACEN, em razão da exposição desses a riscos da atividade de prevenção de doenças e endemias em comunidades ribeirinhas e quilombolas.

Ocorre que, enquanto paga integralmente aos servidores da ativa, a gratificação em questão somente é paga em percentual aos aposentados. O respectivo sindicato foi acionado e ajuizou ação contra a União por entender que o pagamento parcial aos aposentados seria inconstitucional por violar o princípio da paridade.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei n. 11.784/2008:

Art. 53.  Fica instituída, a partir de 1o de março de 2008, a Gratificação Especial de Atividade de Combate e Controle de Endemias – GECEN, devida aos ocupantes dos empregos públicos de Agentes de Combate às Endemias, no âmbito do Quadro Suplementar de Combate às Endemias, do Quadro de Pessoal da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, submetidos ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, conforme disposto na Lei no 11.350, de 5 de outubro de 2006.

Art. 54.  Fica instituída, a partir de 1o de março de 2008, a Gratificação de Atividade de Combate e Controle de Endemias – GACEN, devida aos ocupantes dos cargos de Agente Auxiliar de Saúde Pública, Agente de Saúde Pública e Guarda de Endemias, do Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde e do Quadro de Pessoal da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, regidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

8.2.2.    Devida na íntegra aos aposentados?

R: Yeap!!!!

caput do artigo 54 da Lei n. 11.784/2008 instituiu, a partir de 1º de março de 2008, a Gratificação de Atividade de Combate e Controle de Endemias – GACEN, devida aos ocupantes dos cargos de Agente Auxiliar de Saúde Pública, Agente de Saúde Pública e Guarda de Endemias, do Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde e do Quadro de Pessoal da Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, regidos pela Lei n. 8.112/1990.

Como condição para pagamento, a norma estabeleceu que seria devida a Gratificação de Atividades de Combate e Controle de Endemias – GACEN, de forma genérica, ou seja, independentemente de avaliação de produtividade, “aos titulares dos empregos e cargos públicos de que tratam os arts. 53 e 54 desta Lei, que, em caráter permanente, realizarem atividades de combate e controle de endemias, em área urbana ou rural, inclusive em terras indígenas e de remanescentes quilombolas, áreas extrativistas e ribeirinhas”.

Não obstante conste previsão legal quanto à possibilidade da incorporação da referida gratificação para aposentados e pensionistas, necessário que a parte demonstre enquadrar-se na hipótese legal (atividades de combate e controle de endemias, em área urbana ou rural, inclusive em terras indígenas e de remanescentes quilombolas, áreas extrativistas e ribeirinhas), pressupondo a percepção da gratificação quando o servidor ainda estava em atividade.

O STJ e o STF, já decidiram no sentido de que se as gratificações de desempenho, ainda que possuam caráter pro labore faciendo, forem pagas indistintamente a todos os servidores em atividade, no mesmo percentual, convertem-se em gratificação de natureza genérica, extensíveis, desta maneira, a todos os aposentados e pensionistas.

Dessa forma, os aposentados e pensionistas têm direito ao recebimento da GACEN no mesmo valor que os servidores da ativa, nos termos do art. 40, §8º da Constituição Federal, desde que tenham preenchido os requisitos para a aposentação antes de 31 de dezembro de 2003 (art. 7º da EC 41/2003) ou que se aposentaram com a aplicação das regras de transição do art. 6º da EC 41/2003 ou no art. 3º da EC 47/2005, com a paridade de vencimentos.

8.2.3.    Resultado final.

A Gratificação Especial de Atividade de Combate e Controle de Endemias – GACEN é extensível aos aposentados e pensionistas que se enquadrarem na hipótese legal, pressupondo a percepção da gratificação quando o servidor ainda estava em atividade.

9.     Legalidade da intimação via edital para apresentação de razões finais no Decreto 6.514/2008.

RECURSO ESPECIAL

Consoante a sistemática adotada pelo Decreto n. 6.514/2008, entre 2008 e 2019, a intimação por edital, fixado na sede administrativa e na rede mundial de computadores, para a apresentação de razões finais, só poderia ocorrer, licitamente, quando a autoridade julgadora não agravasse a penalidade que a autuação impusera ao interessado.

REsp 2.021.212-PR, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 21/11/2023, DJe 28/11/2023. (Ed. Ext. 14)

9.1.  Situação FÁTICA.

A empresa Mato Seco foi autuada pelo Ibama, ocasião em que também foi aplicada multa. Mato Seco então apresentou defesa e pediu a redução da multa. Após a instrução do processo administrativo, a empresa foi intimada por edital para apresentar alegações. O edital foi publicado na internet e fixado na sede local do Ibama.

A empresa não apresentou alegações no prazo e a multa foi mantida, mas ainda assim não houve pagamento pela empresa. A multa foi inscrita em dívida ativa e ajuizada a execução, quanto então Mato Seco alegou violação ao contraditório, uma vez que não foi notificada por via postal para apresentação de alegações.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.    Questão JURÍDICA.

Decreto n. 6.514/2008:

Art. 122.  Encerrada a instrução, o autuado terá o direito de manifestar-se em alegações finais, no prazo máximo de dez dias.

Parágrafo único.  O setor responsável pela instrução processual notificará o autuado, para fins de apresentação de alegações finais:

Art. 123.  A decisão da autoridade julgadora não se vincula às sanções aplicadas pelo agente autuante, ou ao valor da multa, podendo, em decisão motivada, de ofício ou a requerimento do interessado, minorar, manter ou majorar o seu valor, respeitados os limites estabelecidos na legislação ambiental vigente.                     

Parágrafo único.  Na hipótese de ser identificada, após o encerramento da instrução processual, a possibilidade de agravamento da penalidade, o autuado será notificado, para que formule, no prazo de dez dias, as suas alegações, antes do julgamento de que trata o art. 124:   

9.2.2.    Correta a intimação por edital?

R: Desde que a decisão final não agrave a penalidade, SIM!!!

De acordo com o art. 122, parágrafo único, do Decreto n. 6.514/2008 – com a redação que lhe deu o Decreto n. 6.686/2008, e que permaneceu vigente até a edição do Decreto n. 9.760/2019 -, o interessado, em processo administrativo instaurado para a apuração de infrações ambientais, pode ser intimado por edital, para a apresentação de alegações finais.

Conforme a redação original do art. 123, parágrafo único, do citado Decreto n. 6.514/2008, se, no entanto, a autoridade julgadora pretender agravar a penalidade fixada na autuação, essa intimação para apresentação de alegações finais será feita, antes da respectiva decisão, por meio de aviso de recebimento.

Com a alteração promovida pelo Decreto n. 9.760/2019, estabeleceu-se que a notificação, para apresentação de alegações finais, seria feita por via postal, com aviso de recebimento, ou por outro meio válido, que assegure a certeza da ciência pelo interessado.

Essa previsão continuou mantida, na essência, após uma nova alteração da norma, pelo Decreto n. 11.373/2023.

Daí se conclui que, consoante a sistemática adotada pelo Decreto n. 6.514/2008, entre 2008 e 2019 – quando ocorreram os fatos que originaram os presentes Embargos à Execução -, a intimação por edital, fixado na sede administrativa e na rede mundial de computadores, para a apresentação de razões finais, só poderia ocorrer, licitamente, quando a autoridade julgadora não agravasse a penalidade que a autuação impusera ao interessado (art. 122, parágrafo único). Do contrário, se houvesse possibilidade de agravamento, deveria haver, antes da respectiva decisão, a intimação do interessado por meio de aviso de recebimento, para manifestação, no prazo das alegações finais (art. 123, parágrafo único).

O Tribunal de origem posicionou-se no sentido de que o Decreto n. 6.514/2008, antes da alteração realizada em 2019, pelo Decreto 9.760/2019, “exorbitava do poder regulamentar ao determinar que a intimação dos interessados para alegações finais fosse efetuada diretamente por edital, independentemente de estar configurada alguma das hipóteses previstas no art. 26, § 4º da Lei de Processo Administrativo, em afronta direta à Lei Federal”.

De fato, quando trata da comunicação dos atos praticados no processo administrativo, a Lei n. 9.784/1999 estabelece: “art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências. (…) § 4º No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.”

No caso, é incontroverso que o recorrido possuía endereço certo, circunstância fática que afasta a aplicação do mencionado dispositivo, consoante tem entendido o STJ.

Entretanto, também é incontroverso que a sanção fixada no auto de infração não foi agravada, pela autoridade julgadora de primeira instância, que manteve a penalidade fixada na autuação. Tal circunstância foi desconsiderada, pelo Tribunal de origem, que se limitou a afirmar ser “evidente a nulidade da intimação realizada pelo IBAMA”.

Nesse ponto, o acórdão recorrido destoa da tradição jurisprudencial brasileira, que, inclusive em processo administrativo, condiciona a declaração de nulidade dos atos processuais à demonstração de prejuízo.

Acresça-se, especificamente quanto ao direito de o interessado se manifestar após a instrução do processo administrativo, que o STF afasta a tese de que tal manifestação seja indispensável ao devido processo legal, exigindo, para o reconhecimento de nulidade, também nessas situações, a comprovação de prejuízo. Nesse sentido: “A ausência de intimação do resultado do relatório final da comissão de processo administrativo não caracteriza afronta ao contraditório e à ampla defesa quando o servidor se defendeu ao longo de todo o processo administrativo” (STF, RMS 30.881/DF, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 29/10/2012).

Por outro lado, a tese no sentido de que a intimação por edital, para a apresentação de alegações finais, configuraria nulidade grave e insanável também não se sustenta, porque, consoante posição dominante no STJ, nem mesmo a ausência de intimação, para esse fim, configura vício dessa ordem.

Ademais, quanto ao sentido que se deve atribuir ao brocardo pas de nullité sans grief, é certo que a imposição e a manutenção de penalidade, por si só, não podem ser consideradas prejuízo, sob pena de se aniquilar a utilidade do princípio, especialmente no caso sub judice, no qual a instrução não agravou a penalidade inicialmente imposta. O prejuízo, conceito jurídico indeterminado que é, há de ser discernido em cada caso concreto, sendo para isso imprescindível, sempre, que a decretação da nulidade se fundamente nos fatos da causa, e não em considerações de ordem abstrata.

Por fim, merece destaque, no caso, que a norma infralegal questionada nos autos foi incluída, no Decreto n. 6.514/2008, pelo Decreto n. 6.686, de 10/12/2008, que esteve em vigor até 11/04/2019, data de publicação do Decreto 9.760/2019, isto é, por praticamente uma década. Assim, pelo menos em casos como o dos autos – em que não demonstrado prejuízo e o processo de execução se baseia em certidão de dívida ativa revestida de presunção de certeza e liquidez (art. 3º da Lei n. 6.830/1980) -, deve levar-se em consideração que está em jogo a fiscalização ambiental realizada durante longo período, circunstância diante da qual não deve ter lugar o formalismo, conforme doutrina, “para que as consequências do desfazimento em si e sua repercussão não acarretem maior prejuízo que a subsistência do ato”.

9.2.3.    Resultado final.

Consoante a sistemática adotada pelo Decreto n. 6.514/2008, entre 2008 e 2019, a intimação por edital, fixado na sede administrativa e na rede mundial de computadores, para a apresentação de razões finais, só poderia ocorrer, licitamente, quando a autoridade julgadora não agravasse a penalidade que a autuação impusera ao interessado.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

10.  (Im)Penhorabilidade dos valores decorrentes de recompra dos Certificados financeiros do Tesouro Série E (CFT-E).

RECURSO ESPECIAL

É possível a penhora dos valores decorrentes de recompra dos Certificados financeiros do Tesouro Série E (CFT-E).

REsp 2.039.092-SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 22/8/2023, DJe 25/8/2023. (Ed. Ext. 14)

10.1.               Situação FÁTICA.

Creosvaldo, credor da UniGolpe, requereu a penhora dos valores decorrentes de recompra dos Certificados financeiros do Tesouro Série E (CFT-E). Esses créditos são decorrentes da adesão da Universidade ao FIES, são títulos emitidos pelo Tesouro Nacional que podem ser utilizados pelas universidades para o pagamento de contribuições sociais e demais tributos federais.

10.2.               Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

CPC:

Art. 833. São impenhoráveis:

IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

Lei n. 10.260/2001:

Art. 10.  Os certificados de que trata o art. 7o serão utilizados para pagamento das contribuições sociais previstas nas alíneas a e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, bem como das contribuições previstas no art. 3o da Lei no 11.457, de 16 de março de 2007.       

§ 1o  É vedada a negociação dos certificados de que trata o caput com outras pessoas jurídicas de direito privado.  

§ 3o  Não havendo débitos de caráter previdenciário, os certificados poderão ser utilizados para o pagamento de quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, e respectivos débitos, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, exigíveis ou com exigibilidade suspensa, bem como de multas, de juros e de demais encargos legais incidentes.  

Art. 13.  O Fies recomprará, no mínimo a cada trimestre, ao par, os certificados aludidos no art. 9o, mediante utilização dos recursos referidos no art. 2o, ressalvado o disposto no art. 16, em poder das instituições de ensino que atendam ao disposto no art. 12.

10.2.2. Possível a penhora?

R: Yeap!!!

Para a incidência da norma constante do art. 833, IX, do CPC, não basta a demonstração da origem pública dos recursos transferidos a instituições privadas, sendo imprescindível atestar a vinculação dos valores a despesas com educação, saúde ou assistência social, porquanto tal regra tem por escopo garantir a efetivação de ações de caráter social, não abrangendo, por conseguinte, quantias repassadas pela Administração Pública sem destinação específica.

Os encargos financeiros decorrentes da prestação de serviços educacionais abrangidos pelas operações do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) são custeados pelo Poder Público mediante a entrega dos Certificados Financeiros do Tesouro Série E (CFT-E) às instituições de ensino superior aderentes ao programa, com expressa previsão legal de seu emprego para a quitação, em caráter exclusivo, de tributos federais, vencidos ou vincendos, nos termos do art. 10, caput e § 3º da Lei n. 10.260/2001. Tais títulos, portanto, não são compulsoriamente aplicados em educação, o que afasta a incidência da regra de impenhorabilidade descrita no art. 833, IX, do CPC.

A norma constante do art. 10, § 1º, da Lei n. 10.260/2001, segundo a qual é vedada a negociação dos CFT-E entre pessoas jurídicas de direito privado, qualifica-os como bens fora do comércio, os quais, desse modo, estão abrangidos pela norma estampada no art. 833, I, do CPC, que inviabiliza a constrição de direitos inalienáveis.

A impossibilidade de excussão dos CFT-E per se não é extensível ao numerário entregue às instituições de ensino superior em decorrência do procedimento de recompra descrito no art. 13 da Lei n. 10.260/2001, pois uma vez cumpridos os requisitos previstos no art. 12 do mesmo diploma normativo, o FIES pode readquirir os títulos creditícios, hipótese na qual o montante decorrente da operação deve ser depositado diretamente em conta dos entes beneficiários, passando, assim, à esfera de livre disponibilidade das pessoas jurídicas aderentes ao programa governamental, sem qualquer imposição legal ou regulamentar de sua aplicação compulsória em atividades educacionais.

A constrição de valores de recompra dos CFT-E equivale a penhora de crédito regulada pelo art. 855 do CPC, medida judicial cujo deferimento antecede a operação de resgate de títulos representativos de dívida mediante a vinculação das quantias futuras ao processo executivo, de modo a obstar o pagamento direto ao executado.

10.2.3. Resultado final.

É possível a penhora dos valores decorrentes de recompra dos Certificados financeiros do Tesouro Série E (CFT-E).

11.  Aplicabilidade do entendimento exarado pelo STF no julgamento do ARE 709.212/DF ao cumprimento de sentença coletiva que se pretende a execução individual dos direitos referentes à cobrança de valores não depositados no FGTS

RECURSO ESPECIAL

Aplica-se o entendimento exarado pelo STF no julgamento do ARE 709.212/DF ao cumprimento de sentença coletiva que se pretende a execução individual dos direitos referentes à cobrança de valores não depositados no FGTS.

REsp 2.084.126-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 24/10/2023, DJe 26/10/2023. (Ed. Ext. 14)

11.1.               Situação FÁTICA.

Tadeu é empregado da empresa Alfa desde os anos 80 e conta com significativo valor em sua conta vinculada do FGTS. O sindicato de sua categoria ajuizou ação em face da CEF e da empregadora de Tadeu, por meio da qual alega que os valores do FGTS foram atualizados de forma equivocada quando do implemento dos Planos Verão e Collor. A ação foi julgada procedente e transitou em julgado em meados de 2013.

No fim de 2018, Tadeu então ajuizou execução individual requerendo o pagamento das diferenças, porém, o juiz federal reconheceu de ofício a prescrição da pretensão executória, que, segundo o decidido quando do julgamento do Tema 515 do STJ, seria de cinco anos.

11.2.               Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Segue o decidido no ARE 709.212/DF?

R: Exatamente!!!

Cinge-se a controvérsia em verificar qual o prazo prescricional para execução individual da sentença coletiva proferida nos autos da ação declaratória ajuizada por sindicato, que condenou a Caixa Econômica Federal ao pagamento, a expensas do FGTS, das diferenças de correção monetárias das contas vinculadas a Fundo que são titulares os filiados ao sindicato, relativamente aos períodos de dezembro/88 a fevereiro/1989 e abril/1990.

A partir do julgamento do ARE 709.212/DF, proferido pelo Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, assentou-se que não é trintenário, mas quinquenal, o prazo prescricional para a cobrança de valores não depositados do FGTS. Definiu-se que: “Para aqueles cujo termo inicial da prescrição ocorra após a data do presente julgamento, aplica-se, desde logo, o prazo de 5 anos. Por outro lado, para os casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial, ou 5 anos, a partir desta decisão.”

A Súmula n. 150/STF não foi revogada pelo repetitivo Tema n. 515/STJ, uma vez que a referida súmula está jungida ao entendimento do próprio STF, no sentido de que o prazo de 5 (cinco) anos determinado no ARE 709.212/STF aplica-se de forma ex nunc, e, assim, sendo a ação proposta em 2002 com trânsito em julgado em 2013, antes portanto do julgado do STF que é de 2014, a este submete-se, respeitado o prazo trintenal pela Súmula n. 150/STF e, após o ARE 709.212/STF, ao prazo de 5 anos, o que ocorrer primeiro.

Ainda, quanto eventual aplicabilidade do Tema 515/STJ, é fato que se trata de limitação, no âmbito privado, não havendo pronunciamento do STJ para ações de diferenças dos depósitos do FGTS, a quem incumbe a gestão a Caixa Econômica Federal, gestora pública das contas. Daí o prazo da maneira em que fixado no ARE 709.212/STF em que se declarou a inconstitucionalidade do art. 23, § 5º, da Lei nº 8.036/1990, e do art. 55 do Decreto nº 99.684/1990, na parte em que ressalvam o “privilégio do FGTS à prescrição trintenária” e fixou-se o prazo de 5 (cinco) anos a partir do julgamento, o que ocorrer primeiro.

Os microssistemas das ações coletivas e das ações de complementação das diferenças de depósitos do FGTS se harmonizam no julgado do Supremo Tribunal Federal.

11.2.2. Resultado final.

Aplica-se o entendimento exarado pelo STF no julgamento do ARE 709.212/DF ao cumprimento de sentença coletiva que se pretende a execução individual dos direitos referentes à cobrança de valores não depositados no FGTS.

12.  Alteração de índices de juros e ofensa à coisa julgada.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

Ofende a coisa julgada a alteração de índices de juros e correção monetária posterior ao advento do CC/2002 e à Lei n. 11.960/2009.

AgInt no REsp 2.097.689-PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 4/12/2023, DJe 6/12/2023. (Ed. Ext. 14)

12.1.               Situação FÁTICA.

Crementina, servidora pública, ajuizou ação por meio da qual cobra do ente federativo diferenças salariais. O ente foi condenado ao pagamento das diferenças, com a previsão de correção pela TR.

Após o trânsito em julgado da condenação, Crementina requereu que a correção fosse realizada pelo IPCA-E e sustentou o pedido na decisão do STF que declarou inconstitucional a correção pela TR.  

12.2.               Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Possível a alteração de índice?

R: Nooopss!!!!

Entende o STJ que “a modificação, na fase de liquidação, do índice de juros de mora especificamente estabelecido em decisão transitada em julgado e proferida após o advento do Código Civil de 2002 e da Lei 11.960/2009 constitui inegável ofensa à coisa julgada” (AgInt no REsp n. 1.565.926/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 22/10/2019), pois “não se desconhece a natureza de questão de ordem pública dos juros legais, conforme entendimento pacífico desta Corte. Todavia, tal natureza não é capaz de se impor sobre outras questões da mesma ordem, tal como a coisa julgada e a preclusão” (REsp n. 1.783.281/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 29/10/2019).

De modo contrário, a aplicação/modificação de tais consectários é possível em algumas circunstâncias: (a) quando não houver prévios debates sobre eles (AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp n. 1.754.427/MS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30/9/2021); (b) quando a lei que altera o regime de juros é superveniente à decisão que os fixou (AgInt no REsp n. 1.487.923/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 25/8/2021; AgInt no REsp n. 1.935.719/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 31/8/2021); ou (c) se a decisão que os fixou é posterior a 17/5/2018, data em que o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da ADI n. 2.332/DF (REsp n. 1.975.455/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 7/4/2022).

12.2.2. Resultado final.

Ofende a coisa julgada a alteração de índices de juros e correção monetária posterior ao advento do CC/2002 e à Lei n. 11.960/2009.

13.  Competência para julgar a causa, estabelecida entre particulares, que tem por objeto reintegração de posse de imóvel que faz parte de comunidade quilombola.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA

Compete à Justiça Federal julgar a causa, estabelecida entre particulares, que tem por objeto reintegração de posse de imóvel que faz parte de comunidade quilombola.

CC 190.297-AP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 27/9/2023, DJe 2/10/2023. (Ed. Ext. 14)

13.1.               Situação FÁTICA.

Creide ajuizou ação de reintegração de posse de imóvel em face de Tadeu, imóvel esse que faz parte da comunidade quilombola. Tadeu tomara posse do bem por meio de licença de ocupação, expedida pelo INCRA. O maluco vendeu o imóvel para Geremia, contra quem é imputada a conduta de esbulho.

A ação foi inicialmente distribuída para juízo do TJ local, que declinou da competência por entender tratar-se de imóvel em comunidade quilombola e cuja licença de ocupação fora emitida pelo INCRA. Por sua vez, o juízo federal suscitou conflito de competência fundamentado no fato de que a disputa envolve particulares e não haveria conflito acerca do domínio do imóvel.

13.2.               Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Questão JURÍDICA.

Constituição Federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Decreto n. 4.887/2003:

Art. 3o  Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

13.2.2. A quem compete julgar?

R: Justiça FEDERAL!!!

A ação originária, estabelecida entre particulares, tem por objeto a reintegração de posse de imóvel que faz parte da comunidade quilombola, conforme lista da Coordenação das Comunidades Quilombolas do Amapá – CONAQ/AP.

No caso, consta licença de ocupação, expedida pelo INCRA, dando reconhecimento de posse a indivíduo, que vendeu o imóvel para os réus, contra quem é imputada a conduta de esbulho.

O art. 5º da Instrução Normativa n. 49 do INCRA dispõe que lhe compete a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a desintrusão, a titulação e o registro imobiliário das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Inaplicável à hipótese o precedente do STJ, segundo o qual: “em se tratando de ação possessória, descabe discussão sobre domínio, exceto se os litigantes disputam a posse alegando propriedade ou quando duvidosas ambas as posses suscitadas” (REsp 755.861-SE, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, DJ 5/9/2005), para afastar o interesse de ente federal e consequentemente a competência da Justiça Federal, uma vez que a controvérsia enquadra-se na exceção, existindo debate sobre a legitimidade da posse do imóvel que constitui o objeto da ação de reintegração.

Identificado o interesse jurídico da União, explicitado pela atuação da autarquia federal agrária em matéria fundiária coletiva, notadamente envolvendo área quilombola, suficiente para atrair a competência da Justiça Federal, ex vi do art. 109, I, da Constituição Federal.

Além disso, compete ao INCRA (art. 3º do Decreto n. 4.887/2003) a tarefa de demarcação e titulação de terras ocupadas por comunidade remanescente de quilombo, o que evidencia o interesse da União na demanda, representado por meio da aludida autarquia.

Assim, considerando as repercussões das ações possessórias, bem como a existência de disputa sobre imóvel demarcado e cuja titularidade foi atribuída à comunidade quilombola, cabe exclusivamente ao Juízo federal resolver a questão.

13.2.3. Resultado final.

Compete à Justiça Federal julgar a causa, estabelecida entre particulares, que tem por objeto reintegração de posse de imóvel que faz parte de comunidade quilombola.

DIREITO AMBIENTAL

14.  Desmatamento e exploração madeireira sem licença e indenização por danos morais coletivos in re ipsa.

RECURSO ESPECIAL

O desmatamento e a exploração madeireira sem a indispensável licença ou autorização do órgão ambiental competente, cuja conduta tem ocasionado danos ambientais no local, constitui infração ambiental e gera indenização por dano moral coletivo in re ipsa, incidindo a Súmula n. 629/STJ.

REsp 1.989.778-MT, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 19/9/2023, DJe 22/9/2023. (Ed. Ext. 14)

14.1.               Situação FÁTICA.

O IBAMA recebeu denúncia anônima no sentido de que Severino teria desmatado significativa área de floresta nativa do bioma amazônico. Constatada a veracidade da denúncia, foi lavrado auto de infração que resultou no ajuizamento de ACP pelo MP.

Na ACP, dentre outras coisas, o MP requereu a condenação de Severino ao pagamento de dano moral coletivo in re ipsa, tese da qual discorda o réu.

14.2.               Análise ESTRATÉGICA.

14.2.1. Questão JURÍDICA.

Constituição Federal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Lei n. 6.938/1981:

Art. 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

14.2.2. Dano moral coletivo in re ipsa?

R: Exatamente!!!

A controvérsia consiste em definir se é possível a condenação por dano moral coletivo ambiental em Ação Civil Pública, motivada por desmatamento de floresta nativa do Bioma Amazônico, que impôs somente a obrigação de indenizar os danos materiais decorrentes do impedimento da recomposição natural da área.

No caso, o fundamento adotado pelo Juízo a quo de que não seria possível reconhecer o dano moral, porque, para isso, seria necessário que a lesão ambiental “desborde os limites da tolerabilidade” não possui pertinência para solução da causa. Isso porque, na situação sob exame, também se consignou, no acórdão recorrido, que houve “desmatamento e exploração madeireira sem a indispensável licença ou autorização do órgão ambiental competente”, conduta que “tem ocasionado danos ambientais no local, comprometendo a qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado“.

Nesse sentido, constatando-se que, por meio de desmatamento não autorizado, causaram-se danos à qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, não tem pertinência, para a solução da causa, o chamado princípio da tolerabilidade, construção que se embasa, precisamente, na distinção feita pela legislação ambiental entre, de um lado, impacto ambiental – alteração do meio ambiente, resultante das atividades humanas, que pode ser benéfica ou adversa (Resolução CONAMA n. 001/1986, arts. 1º e 6º, II) – e, de outro, degradação e poluição (Lei 6.938/1981, art. 3º, II e III).

Como esclarece a doutrina especializada: “de um modo geral as concentrações populacionais, as indústrias, o comércio, os veículos, a agricultura e a pecuária produzem alterações no meio ambiente, as quais somente devem ser contidas e controladas, quando se tornam intoleráveis e prejudiciais à comunidade, caracterizando poluição reprimível. Para tanto, a necessidade de prévia fixação técnica dos índices de tolerabilidade, dos padrões admissíveis de alterabilidade de cada ambiente, para cada atividade poluidora”.

Assim, constatado o dano ambiental – e não mero impacto negativo decorrente de atividade regular, que, por si só, já exigiria medidas mitigatórias ou compensatórias -, incide a Súmula 629/STJ: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”.

Trata-se de entendimento consolidado que, ao amparo do art. 225, § 3º, da Constituição Federal e do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, reconhece a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente, permitindo a cumulação das obrigações de fazer, não fazer e de indenizar, inclusive quanto aos danos morais coletivos.

No que se refere à inexistência de “situação fática excepcional” – expressão também usada no acórdão recorrido -, trata-se de requisito que, de igual forma, contraria precedente do STJ, também formado em matéria ambiental: “Os danos morais coletivos são presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração. A configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa” (REsp 1.940.030/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 6/9/2022).

Com efeito, há precedentes no STJ reconhecendo que a prática do desmatamento, em situações como a do caso, pode ensejar dano moral: “Quem ilegalmente desmata, ou deixa que desmatem, floresta ou vegetação nativa responde objetivamente pela completa recuperação da área degradada, sem prejuízo do pagamento de indenização pelos danos, inclusive morais, que tenha causado” (REsp 1.058.222/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 4/5/2011).

Ademais, anote-se que, no caso, o ilícito sob exame não pode ser considerado de menor importância, uma vez que, consoante o acórdão recorrido, houve “exploração de 15,467 hectares de floresta nativa, objeto de especial preservação, na região amazônica, com exploração madeireira e abertura de ramais, sem autorização do órgão ambiental competente”. Constatando esses fatos, o Tribunal a quo reconheceu, ainda, a provável impossibilidade de recuperação integral da área degradada.

Assim, constatado o dano ambiental e não o mero impacto negativo decorrente de atividade regular, incide a Súmula 629/STJ.

14.2.3. Resultado final.

O desmatamento e a exploração madeireira sem a indispensável licença ou autorização do órgão ambiental competente, cuja conduta tem ocasionado danos ambientais no local, constitui infração ambiental e gera indenização por dano moral coletivo in re ipsa, incidindo a Súmula n. 629/STJ.

DIREITO DO CONSUMIDOR

15.  Competência para regulamentação e fiscalização dos denominados “cartões de descontos em serviços de saúde”

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

A regulamentação e a fiscalização dos denominados “cartões de descontos em serviços de saúde” são de competência da Agência Nacional de Saúde.

AgInt no AREsp 2.183.704-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 2/10/2023, DJe 17/10/2023. (Ed. Ext. 14)

15.1.               Situação FÁTICA.

O MPF ajuizou Ação Civil Pública em face de All Empreendimentos, em razão da prática da empresa em apresentar o All Card, cartão de descontos em serviços de saúde, como se fosse uma operadora de plano de saúde.

A ação ainda foi movida em face da ANS, em razão da falta de fiscalização pela autarquia, bem como da ANEEL, uma vez que os valores eram cobrados na mesma fatura e código de barras do serviço de energia elétrica.

15.2.               Análise ESTRATÉGICA.

15.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.656/1998:

Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade e, simultaneamente, das disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:

§ 1o  Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que o diferencie de atividade exclusivamente financeira, tais como:

a) custeio de despesas;

b) oferecimento de rede credenciada ou referenciada; 

c) reembolso de despesas; 

d) mecanismos de regulação; 

e) qualquer restrição contratual, técnica ou operacional para a cobertura de procedimentos solicitados por prestador escolhido pelo consumidor; e 

f) vinculação de cobertura financeira à aplicação de conceitos ou critérios médico-assistenciais.

Art. 16.  Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: 

I – as condições de admissão;

II – o início da vigência;

III – os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames;

IV – as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15;

 V – as condições de perda da qualidade de beneficiário; 

 VI – os eventos cobertos e excluídos;

VII – o regime, ou tipo de contratação: 

a) individual ou familiar;  

b) coletivo empresarial; ou 

c) coletivo por adesão; 

VIII – a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica; 

IX – os bônus, os descontos ou os agravamentos da contraprestação pecuniária;

X – a área geográfica de abrangência; 

XI – os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias.

XII – número de registro na ANS. 

Parágrafo único.  A todo consumidor titular de plano individual ou familiar será obrigatoriamente entregue, quando de sua inscrição, cópia do contrato, do regulamento ou das condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, além de material explicativo que descreva, em linguagem simples e precisa, todas as suas características, direitos e obrigações. 

15.2.2. A quem compete a fiscalização?

R: ANS!!!

A Lei n. 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, em seus arts. 1º, § 1º, e 16, informa que as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde se submetem às suas disposições, estando subordinadas às normas e à fiscalização da ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que a diferenciem de atividade exclusivamente financeira, tal como: “oferecimento de rede credenciada ou referenciada”, sendo exatamente este o tipo de produto oferecido pelas empresas comercializadoras dos denominados “cartões de desconto em serviços de saúde”.

Tais dispositivos devem ser interpretados sistematicamente com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), especialmente com os arts. 2º e 6º, I, III, IV e VI, voltados à defesa dos direitos que transcendem o individual, como é o caso da saúde, consagrando o direito à tutela da vida, da integridade física e a efetiva prevenção dos danos que puderem advir de práticas abusivas.

A vulnerabilidade dos consumidores que contratam e se valem de tais “cartões de desconto em serviços de saúde”, via de regra economicamente hipossuficientes sob o ponto de vista técnico, jurídico e econômico, evidencia e reforça a necessidade da regulamentação e fiscalização desse produto pela ANS, de forma a tutelar a vida, a saúde e a segurança dos consumidores, nos exatos termos da Lei Consumerista e da Lei n. 9.656/1998.

Ainda, o STJ já julgou, na Corte Especial, a legitimidade do ato administrativo da ANS consistente na suspensão de comercialização de produtos (planos de saúde) avaliados negativamente pela autarquia federal. Assim, tal entendimento deve se estender – principalmente – aos chamados “cartões de desconto em serviços de saúde”, que seguem a mesma sistemática de oferta, com descontos, de rede credenciada ou referenciada de atendimento em saúde aos consumidores, porquanto se assemelham aos planos de saúde em regime de coparticipação, sendo irrelevante, para efeito de tutela dos direitos do consumidor, o fato de os pagamentos aos profissionais de saúde serem realizados diretamente pelos usuários, e não pelo plano de saúde.

Bem assim, a atuação da ANS decorre da necessidade de garantir a clareza e a adequação das informações sobre esses produtos, assegurando que seus usuários compreendam eventuais diferenças existentes para com os tradicionais planos de saúde.

15.2.3. Resultado final.

A regulamentação e a fiscalização dos denominados “cartões de descontos em serviços de saúde” são de competência da Agência Nacional de Saúde.

DIREITO TRIBUTÁRIO

16.  Tema 444 do STJ e aplicabilidade aos demais responsáveis tributários

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL

O entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.201.993/SP (Tema 444), no sentido de que “a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora“, pode ser aplicado em relação aos demais responsáveis tributários.

AgInt nos EDcl no REsp 1.733.325-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 23/10/2023, DJe 25/10/2023(Ed. Ext. 14)

16.1.               Situação FÁTICA.

Em uma execução fiscal, Craudio, responsável tributário de empresa devedora, contestou a aplicação do entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.201.993/SP (Tema 444), no sentido de que “a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora.”

16.2.               Análise ESTRATÉGICA.

16.2.1. Questão JURÍDICA.

CTN:

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; 

II – pelo protesto judicial;

III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

Lei 6.830/1980:

Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra:

I – o devedor;

II – o fiador;

III – o espólio;

IV – a massa;

V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e

VI – os sucessores a qualquer título.

16.2.2. Camarão que dorme a onda leva?

R: Com certeza!!!!

Relativamente ao prazo prescricional para responsabilização da fiadora pelas dívidas tributárias da devedora originária, a orientação do STJ, firmada no julgamento do Recurso Especial 1.201.993/SP (Tema 444), é no sentido de que “a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora”.

Embora o precedente qualificado tenha apreciado o redirecionamento contra os sócios na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os fundamentos adotados quanto à contagem do prazo prescricional, à luz do art. 174 do CTN, podem ser aplicados em relação aos demais responsáveis tributários, como na hipótese em que a recorrente passou a integrar a lide na condição de fiadora, conforme previsão do art. 4º da Lei 6.830/1980.

Também, quanto à interrupção do prazo prescricional, a orientação firmada pelo STJ é no sentido de que a adesão da devedora originária ao programa de parcelamento fiscal acarreta a interrupção da prescrição, e, havendo posterior exclusão daquele programa decorrente da sua inadimplência, a retomada da contagem do prazo ocorre por inteiro.

16.2.3. Resultado final.

O entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.201.993/SP (Tema 444), no sentido de que “a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora”, pode ser aplicado em relação aos demais responsáveis tributários.

17.  Limitação temporal para dedução de JCP referentes a exercícios anteriores.

RECURSO ESPECIAL

O art. 9º, da Lei n. 9.429/1995, não impõe limitação temporal para a dedução de Juros sobre Capital Próprio (JCP) referentes a exercícios anteriores.

REsp 1.950.577-SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 3/10/2023, DJe 11/10/2023. (Ed. Ext. 14)

17.1.               Situação FÁTICA.

Durante cinco anos a empresa Smart não pagou juros sobre capital próprio. Porém, após esse período, resolveu compensar os acionistas por todo o período, quando também deduziu esse valor da apuração dos lucros para efeitos de CSLL e IRPJ.

O fisco não concordou com a manobra e considerou como JCP apenas um quarto do valor pretendido pela empresa. Alega que a oportuna distribuição que intenta a empresa seria apenas uma forma de burlar o limite legal de dedução do exercício.

17.2.               Análise ESTRATÉGICA.

17.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.429/1995:

Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.

17.2.2. Há limitação temporal que impeça a distribuição de JCP sobre exercícios anteriores?

R: Nooopsss!!!!

O Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento consolidado por ambas as Turmas de competência tributária no sentido de que a legislação – notadamente o art. 9º, da Lei n. 9.429/1995 – não impõe limitação temporal para a dedução de juros sobre capital próprio referentes a exercícios anteriores. A limitação temporal a que se refere a norma diz respeito à data de pagamento dos JCP aos sócios/acionistas.

Além disso, o pagamento de juros sobre capital próprio referente a exercícios anteriores não representa burla ao limite legal de dedução do exercício, desde que, ao serem apurados, tomando por base as contas do patrimônio líquido daqueles períodos com base na variação pro rata die da TJLP sobre o patrimônio líquido de cada ano, o pagamento seja limitado ao valor correspondente a 50% do lucro líquido em que se dá o pagamento ou a 50% dos lucros acumulados e reservas de lucros.

Nesse sentido, “os juros sobre capital próprio, de acordo com a Lei n. 9.249/1995, apresentam-se como uma faculdade à pessoa jurídica, que pode fazer valer de seu creditamento sem que ocorra o efetivo pagamento de maneira imediata, aproveitando-se da capitalização durante esse tempo” (AgInt no REsp 1.978.515/SP, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 21/8/2023).

17.2.3. Resultado final.

O art. 9º, da Lei n. 9.429/1995, não impõe limitação temporal para a dedução de Juros sobre Capital Próprio (JCP) referentes a exercícios anteriores.

18.  Convenções internacionais e retenção do IR quando os serviços de assistência técnica são prestados no exterior.

RECURSO ESPECIAL

As convenções firmadas pelo Brasil com Argentina, Chile, África do Sul e Peru estabelecem, com disposições de similar conteúdo, no protocolo adicional, que aos rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos são aplicáveis as disciplinas dos arts. 12 dos apontados tratados, que cuidam da tributação dos royalties.

REsp 2.102.886-RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 28/11/2023, DJe 1º/12/2023. (Ed. Ext. 14)

18.1.               Situação FÁTICA.

AnimalFeed é uma empresa que produz rações animais. Para tanto, contrata serviços sem transferência de tecnologia a serem executados no exterior, sendo o pagamento realizado por meio de remessa de valores.

O fisco entende que, ao realizar a remessa, deveria ser também ser realizada a retenção do Imposto de Renda na Fonte. AnimalFeed contesta a cobrança e alega que os países para os quais os valores são enviados são signatários de Tratados Internacionais para Evitar a Dupla Tributação, sendo que os valores já seriam tributados nos países em que prestados os serviços.

18.2.               Análise ESTRATÉGICA.

18.2.1. Questão JURÍDICA.

Decreto-Lei n. 5.844/1943:

Art. 100. A retenção do imposto, de que tratam os arts. 97 e 98, compete à fonte, quando pagar, creditar; empregar, remeter ou entregar o rendimento.                    

Parágrafo único. Excetuam-se os seguintes casos, em que competirá ao procurador a retenção:

a) quando se tratar de aluguéis de imóveis;

b) quando o procurador não der conhecimento à fonte de que o proprietário do rendimento reside ou é domiciliado no estrangeiro.

Art. 101. Às pessoas obrigadas a reter o imposto compete o recolhimento às repartições fiscais.

18.2.2. Como fica?

R: Aplica-se a mesma regra dos Royalties e mantidas as retenções!!!

A controvérsia consiste em definir o tratamento tributário a ser dispensado aos rendimentos remetidos por fonte situada no Brasil à pessoa jurídica estrangeira em razão de prestação de serviços técnicos e de assistência técnica a serem executados no exterior, sem transferência de tecnologia, à luz dos tratados destinados a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, celebrados pelo Brasil com a Argentina, Chile, África do Sul e Peru.

A legislação interna que dispõe acerca da cobrança e fiscalização do Imposto sobre a Renda prescreve que a retenção e o recolhimento do tributo cabem à fonte quando pagar, creditar, empregar, remeter ou entregar o rendimento, consoante estabelecem os arts. 100 e 101 do Decreto-Lei n. 5.844/1943.

Por sua vez, as convenções firmadas pelo Brasil com Argentina, Chile, África do Sul e Peru estabelecem, com disposições de similar conteúdo, no protocolo adicional, que aos rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos são aplicáveis as disciplinas dos arts. 12 dos apontados tratados, que cuidam da tributação dos royalties.

Nesse sentido, os tratados contra dupla tributação celebrados com a Argentina, Chile, África do Sul e Peru exibem, em seus protocolos anexos, previsão acerca da sujeição, por equiparação, dos pagamentos pela prestação de serviço técnico, sem distinção quanto à transferência de tecnologia, ao regime jurídico de royalties, não tendo tais diplomas normativos internacionais, o condão de afastar, no caso, o dever de retenção e recolhimento do Imposto sobre a Renda.

De fato, as normas contidas nos protocolos anexos, por serem especiais, prevalecem sobre a disciplina radicada nos arts. 7º das convenções. Trata-se da aplicação do critério da especialidade para a solução de conflitos normativos. Além disso, é preciso ter presente, de um lado, que o Brasil já celebrou, mais de uma vez, convenção sem a equiparação em análise (e.g. Áustria, Finlândia e França) e segue, de outro lado, negociando de modo a manter a tributação dos serviços técnicos na remessa.

Portanto, a solução adotada para determinado tratado internacional não pode, pura e simplesmente, ser replicada para distinto diploma internacional com arrimo em qualquer dos modelos de convenção (ONU ou OCDE), porque há prevalência da vontade materializada entre as nações contratantes nos acordos firmados.

Logo, a retenção e o recolhimento de Imposto sobre a Renda devem ser mantidos, justamente por se cuidar de regramento especial com disposições de similar conteúdo, as quais se encontram radicadas nos protocolos anexos dos apontados acordos internacionais.

18.2.3. Resultado final.

As convenções firmadas pelo Brasil com Argentina, Chile, África do Sul e Peru estabelecem, com disposições de similar conteúdo, no protocolo adicional, que aos rendimentos provenientes da prestação de assistência técnica e serviços técnicos são aplicáveis as disciplinas dos arts. 12 dos apontados tratados, que cuidam da tributação dos royalties.

19.  Variação positiva ou negativa do valor do investimento em empresa controlada ou coligada situada no exterior, apurada pelo método de equivalência patrimonial, e impacto nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL

A variação positiva ou negativa do valor do investimento em empresa controlada ou coligada situada no exterior, apurada pelo método de equivalência patrimonial, embora influencie o lucro líquido da empresa investidora, não tem impacto nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

AgInt nos EDcl no REsp 1.760.205-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 22/8/2023, DJe 21/9/2023. (Ed. Ext. 14)

19.1.               Situação FÁTICA.

Duran Exportações é empresa brasileira controladora da empresa Duran Dandan, essa localizada no Canadá. Há algum tempo a controladora vem realizando investimentos na empresa controlada.

Ocorre que a RFB passou a cobrar IRPJ e CSLL sobre o lucro auferido com a empresa estrangeira. Inconformada, Duran Exportações impetrou mandado de segurança com o objetivo de afastar tal incidência.

19.2.               Análise ESTRATÉGICA.

19.2.1. Questão JURÍDICA.

Decreto-Lei n. 1.598/1977:

Art. 23 – A contrapartida do ajuste de que trata o artigo 22, por aumento ou redução no valor de patrimônio liquido do investimento, não será computada na determinação do lucro real. 

Parágrafo único.  Não serão computadas na determinação do lucro real as contrapartidas de ajuste do valor do investimento ou da redução dos valores de que tratam os incisos II e III do caput do art. 20, derivados de investimentos em sociedades estrangeiras que não funcionem no País. 

Lei n. 7.689/1988:

Art. 2º A base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda.

19.2.2. Impacta nas bases de cálculo do IRPJ e CSLL?

R: Nooopsss!!!

A legalidade do art. 7º, § 1º, da IN SRF 213/2002, que trata da tributação, pelo IRPJ e pela CSLL, de lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior por pessoa jurídica domiciliada no Brasil, através do método de equivalência patrimonial – foi objeto de aprofundado exame pela Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.211.882/RJ, da relatoria do Ministro Mauro Campbell, ocasião em que se decidiu favoravelmente ao contribuinte:

“É ilícita a tributação, a título de IRPJ e CSLL, pelo resultado positivo da equivalência patrimonial, registrado na contabilidade da empresa brasileira (empresa investidora), referente ao investimento existente em empresa controlada ou coligada no exterior (empresa investida), previsto no art. 7º, §1º, da Instrução Normativa SRF n. 213/2002, somente no que exceder a proporção a que faz jus a empresa investidora no lucro auferido pela empresa investida, na forma do art. 1º, §4º, da Instrução Normativa SRF n. 213, de 7 de outubro de 2002. 4. Muito embora a tributação de todo o resultado positivo da equivalência patrimonial fosse em tese possível, ela foi vedada pelo disposto no art. 23, caput e parágrafo único, do Decreto-Lei n. 1.598/77, para o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ, e pelo art. 2º, §1º, “c”, 4, da Lei n. 7.689/88, para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, mediante artifício contábil que elimina o impacto do resultado da equivalência patrimonial na determinação do lucro real (base de cálculo do IRPJ) e na apuração da base de cálculo da CSLL, não tendo essa legislação sido revogada pelo art. 25, da Lei n. 9.249/95, nem pelo art. 1º, da Medida Provisória n. 1.602, de 1997 (convertida na Lei n. 9.532/97), nem pelo art. 21, da Medida Provisória n. 1.858-7, de 29, de julho de 1999, nem pelo art. 35, Medida Provisória n. 1.991-15, de 10 de março de 2000, ou pelo art. 74, da Medida Provisória n. 2.158-34, de 2001 (edições anteriores da atual Medida Provisória n. 2.158-35, de 24 de agosto de 2001). 5. Recurso especial não provido.” (REsp 1.211.882/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 5/4/2011, DJe 14/4/2011).

Assim, embora fosse possível, em tese, a tributação de todo o lucro do investimento na empresa controlada/coligada, o art. 23 do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e o art. 2º da Lei n. 7.689/1988 expressamente eliminam o impacto do resultado (positivo ou negativo) nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

19.2.3. Resultado final.

A variação positiva ou negativa do valor do investimento em empresa controlada ou coligada situada no exterior, apurada pelo método de equivalência patrimonial, embora influencie o lucro líquido da empresa investidora, não tem impacto nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Jean Vilbert

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