Informativo do STJ Edição Especial nº 4 – Direito Penal (Parte 1) COMENTADO para quem não marca bobeira nem no recesso. A ressaltar que há decisões inéditas nesse informativo, não publicadas em outros informativos e não comentadas anteriormente. Portanto, trata-se não apenas de revisão, mas de novo info com decisões quentinhas, saindo do forno. Como eu sempre digo e repito: aqui no Estratégia Carreiras Jurídicas você não perde absolutamente nada! Vamos que vamos!
RECURSO ESPECIAL
Condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente.
REsp 1.794.854-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 23/06/2021. (Tema 1077) (Info 702)
Vandeco foi condenado pelo crime de roubo à pena de reclusão, em regime inicial fechado. Inconformado, recorreu ao Tribunal de Justiça local que reformou a sentença para excluir a causa de aumento relativa ao emprego de arma (faca) e reduzir a pena privativa de liberdade em dois anos.
Inabalável, a defesa de Vandeco interpôs sucessivos recursos nos quais sustenta que para averiguar a personalidade do agente, mesmo não havendo necessidade de exame técnico, é imprescindível que haja ao menos provas além da FAP, não se podendo considerar condenações anteriores para tal fim.
Código Penal:
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível
Constituição da República:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
R: Noops!!!
No que concerne à fixação da pena-base, é certo que o Julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato delituoso e aspectos inerentes ao agente, obedecidos e sopesados todos os critérios legais para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime, sobrepujando as elementares comuns do próprio tipo legal.
No art. 59 do Código Penal, com redação conferida pela Lei n. 7.209/1984, o legislador elencou oito circunstâncias judiciais para individualização da pena na primeira fase da dosimetria, quais sejam: a culpabilidade; os antecedentes; a conduta social; a personalidade do agente; os motivos; as circunstâncias; as consequências do crime; e o comportamento da vítima.
Ao considerar desfavoráveis as circunstâncias judiciais, deve o Julgador declinar, motivadamente, as suas razões, que devem corresponder objetivamente às características próprias do vetor desabonado. A inobservância dessa regra implica ofensa ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição da República.
No caso, analisa-se a possibilidade de condenações criminais transitadas em julgado serem valoradas para desabonar os vetores personalidade e conduta social.
A doutrina diferencia detalhadamente antecedentes criminais de conduta social e esclarece que o legislador penal determinou essa análise em momentos distintos porque “os antecedentes traduzem o passado criminal do agente, a conduta social deve buscar aferir o seu comportamento perante a sociedade, afastando tudo aquilo que diga respeito à prática de infrações penais”. Especifica, ainda, que as incriminações anteriores “jamais servirão de base para a conduta social, pois abrange todo o comportamento do agente no seio da sociedade, afastando-se desse seu raciocínio seu histórico criminal, verificável em sede de antecedentes penais”.
Quanto ao vetor personalidade do agente, a mensuração negativa da referida moduladora “‘deve ser aferida a partir de uma análise pormenorizada, com base em elementos concretos extraídos dos autos, acerca da insensibilidade, desonestidade e modo de agir do criminoso para a consumação do delito […]’ (HC 472.654/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 11/3/2019)” (STJ, AgRg no REsp 1.918.046/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 19/04/2021).
“A jurisprudência da Suprema Corte (e a do Superior Tribunal de Justiça) orienta-se no sentido de repelir a possibilidade jurídica de o magistrado sentenciante valorar negativamente, na primeira fase da operação de dosimetria penal, as circunstâncias judiciais da personalidade e da conduta social, quando se utiliza, para esse efeito, de condenações criminais anteriores, ainda que transitadas em julgado, pois esse específico aspecto (prévias condenações penais) há de caracterizar, unicamente, maus antecedentes” (STF, RHC 144.337-AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 22/11/2019).
Em conclusão, o vetor dos antecedentes é o que se refere única e exclusivamente ao histórico criminal do agente. “O conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo do que o da reincidência, abrange as condenações definitivas, por fato anterior ao delito, transitadas em julgado no curso da ação penal e as atingidas pelo período depurador, ressalvada casuística constatação de grande período de tempo ou pequena gravidade do fato prévio” (STJ, AgRg no AREsp 924.174/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 16/12/2016).
Condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente.
RECURSO ESPECIAL
Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.
REsp 1.785.383-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 24/11/2021, DJe 30/11/2021. (Tema 931) (Info 720)
Tadeu foi condenado a uma pena privativa de liberdade e ao pagamento de 100 dias multa. Ele cumpriu o período designado na pena, mas deixou de pagar a sanção pecuniária e alegou a absoluta impossibilidade de fazê-lo em razão de suas parcas condições financeiras.
Dr. Creisson então extinguiu a pena privativa de liberdade pelo seu cumprimento integral, mas determinou que fosse oficiada a Fazenda Pública para cobrança da pena de multa e ressaltou que a extinção da punibilidade somente poderia ser decretada quando Tadeu comprovasse o pagamento dos valores.
Código Penal:
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
CF/88:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
R: Se comprovada a impossibilidade de pagamento, NÃO!!!
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.519.777/SP, assentou a tese de que “[n]os casos em que haja condenação à pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.
Entretanto, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150/DF, o STF firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, levada a cabo pela Lei n. 13.964/2019.
Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa sofrida pelo artigo 51 do Código Penal, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia n. 1.785.383/SP e 1.785.861/SP, reviu a tese anteriormente aventada no Tema n. 931, para assentar que, “na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.
Ainda consoante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal julgamento da ADI n. 3.150/DF, “em matéria de criminalidade econômica, a pena de multa desempenha um papel proeminente de prevenção específica, prevenção geral e retribuição”.
Além disso o Supremo Tribunal Federal decidiu pela indispensabilidade do pagamento da sanção pecuniária para o gozo da progressão a regime menos gravoso, “[a] exceção admissível ao dever de pagar a multa é a impossibilidade econômica absoluta de fazê-lo. […] é possível a progressão se o sentenciado, veraz e comprovadamente, demonstrar sua absoluta insolvabilidade. Absoluta insolvabilidade que o impossibilite até mesmo de efetuar o pagamento parcelado da quantia devida, como autorizado pelo art. 50 do Código Penal”.
Não se pode desconsiderar que o cenário do sistema carcerário expõe disparidades sócio-econômicas da sociedade brasileira, as quais ultrapassam o inegável caráter seletivo do sistema punitivo e se projetam não apenas como mecanismo de aprisionamento físico, mas também de confinamento em sua comunidade, a reduzir o indivíduo desencarcerado ao status de um pária social. Outra não é a conclusão a que poderia conduzir – relativamente aos condenados em comprovada situação de hipossuficiência econômica – a subordinação da retomada dos seus direitos políticos e de sua consequente reinserção social ao prévio adimplemento da pena de multa.
Conclui-se que condicionar a extinção da punibilidade, após o cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa acentuar a já agravada situação de penúria e de indigência dos apenados hipossuficientes e sobreonera pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal proteção da família (art. 226 da Carta de 1988).
Por fim, extinção da punibilidade, quando pendente apenas o adimplemento da pena pecuniária, reclama para si singular relevo na trajetória do egresso de reconquista de sua posição como indivíduo aos olhos do Estado, ou seja, do percurso de reconstrução da existência sob as balizas de um patamar civilizatório mínimo, a permitir outra vez o gozo e o exercício de direitos e garantias fundamentais.
Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.
HABEAS CORPUS
Nos crimes contra honra não basta criticar o indivíduo ou a sua gestão da coisa pública, é necessário o dolo específico de ofender a honra alheia.
HC 653.641-TO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 23/06/2021, DJe 29/06/2021. (S info)
Um cidadão, pouco contente com o rumo do país, resolveu patrocinar um outdoor com a imagem do presidente Jair Bolsonaro e as frases “Cabra à toa, não vale um pequi roído, Palmas quer impeachment já” e “Vaza Bolsonaro! O Tocantins quer paz!”.
Foi instaurado pela Polícia Federal a pedido do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para apurar suposto crime de injúria contra o presidente da República. Além das mensagens que comparavam Bolsonaro ao fruto típico da Região Central do Brasil, os outdoors traziam críticas à atuação do presidente durante a pandemia da Covid-19.
R: Yeaph!!!!
O Supremo Tribunal Federal tem reiteradas decisões no sentido de que as liberdades de expressão e de imprensa desfrutam de uma posição preferencial por serem pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades inerentes ao Estado democrático de Direito.
O respeito às regras do jogo democrático, especialmente a proteção das minorias, apresenta-se como um limite concreto a eventuais abusos da liberdade de expressão.
Estabelecidas essas balizas, é importante ressaltar que a postura do Estado, através de todos os seus órgãos e entes, frente ao exercício dessas liberdades individuais, deve ser de respeito e de não obstrução. Não é por outro motivo que, no julgamento da ADPF 130, o STF proibiu a censura de publicações jornalísticas, bem como reconheceu a excepcionalidade de qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões. Esclareceu-se que eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização.
Nesse passo, revela-se necessário ressaltar que a proteção da honra do homem público não é idêntica àquela destinada ao particular. É lícito dizer, com amparo na jurisprudência da Suprema Corte, que, “ao decidir-se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar a zona di iluminabilità, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários” Essa tolerância com a liberdade da crítica ao homem público apenas há de ser menor, “quando, ainda que situado no campo da vida pública do militante político, o libelo do adversário ultrapasse a linha dos juízos desprimorosos para a imputação de fatos mais ou menos concretos, sobretudo se invadem ou tangenciam a esfera da criminalidade” (HC 78426, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 16/03/1999).
Como cediço, os crimes contra a honra exigem dolo específico, não se contentando com o mero dolo geral. Não basta criticar o indivíduo ou sua gestão da coisa pública, é necessário ter a intenção de ofendê-lo. Nesse sentido: “os delitos contra a honra reclamam, para a configuração penal, o elemento subjetivo consistente no dolo de ofender na modalidade de ‘dolo específico’, cognominado ‘animus injuriandi’ (APn 555/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, DJe de 14/05/2009). Em igual direção: APn 941/DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, DJe 27/11/2020.
É de suma importância também ressaltar que o Direito Penal é uma importante ferramenta conferida à sociedade. Entretanto, não se deve perder de vista que este instrumento deve ser sempre a ultima ratio. Ele somente pode ser acionado em situações extremas, que denotem grave violação aos valores mais importantes e compartilhados socialmente. Não deve servir jamais de mordaça, nem tampouco instrumento de perseguições políticas aos que pensam diversamente do Governo eleito.
Nos crimes contra honra não basta criticar o indivíduo ou a sua gestão da coisa pública, é necessário o dolo específico de ofender a honra alheia.
HABEAS CORPUS
Para tipificação do art. 317 do Código Penal – corrupção passiva -, deve ser demonstrada a solicitação ou recebimento de vantagem indevida pelo agente público, não configurada quando há mero ressarcimento ou reembolso de despesa.
HC 541.447-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021. (Info 709)
Mohamed foi condenado pelo crime de corrupção passiva, por ter, em tese, solicitado e recebido vantagem indevida para realizar um procedimento de videolaparoscopia (utilizando-se de aparelho de sua propriedade), técnica cirúrgica não coberta pelo SUS, incidindo sobre essa situação específica a suposta cobrança realizada.
Sua defesa interpôs sucessivos recursos e habeas corpus nos quais sustenta que tanto a imputação como a condenação seriam baseadas na realização de cobranças em razão do uso de seu aparelho médico particular a pacientes internados pelo SUS, ação que não se amoldaria ao referido tipo penal previsto no artigo 317. Defende ainda que a complementaridade de procedimentos públicos com recursos privados não poderia ser tipificada como crime de corrupção.
Código Penal:
Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
R: Noops!!!
Na dicção do art. 317 do CP, configura o crime de corrupção passiva a conduta de “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
Não se ignora que a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (Lei n. 8.080/1990) e a Portaria n. 113/1997 do Ministério da Saúde vedam a cobrança de valores do paciente ou familiares a título de complementação, dado o caráter universal e gratuito do sistema público de saúde, entendimento reforçado pelo STF no julgamento do RE n. 581.488/RS, com repercussão geral, em que se afastou a possibilidade de “diferença de classe” em internações hospitalares pelo SUS (relator Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe de 8/4/2016).
Assim, sob o aspecto administrativo, se eventualmente comprovada a exigência de complementação de honorários médicos ou a dupla cobrança por ato médico realizado, estaria configurada afronta à legislação citada, bem como aos arts. 65 e 66 do Código de Ética Médica.
Todavia, a tipificação do art. 317 do CP exige a comprovação de recebimento de vantagem indevida pelo médico, não configurada quando há mero ressarcimento ou reembolso de despesas, conquanto desatendidas as normas administrativas.
Com efeito, o uso da aparelhagem de videolaparoscopia importa em custos de manutenção e reposição de peças, não sendo razoável obrigar o médico a suportar tais gastos, em especial quando houver aquiescência da vítima à adoção da técnica cirúrgica por lhe ser notoriamente mais benéfica em relação à cirurgia tradicional ou “aberta”.
Desse modo, o reembolso dos gastos pelo uso do equipamento não representa o recebimento de vantagem pelo acusado, não demonstrada a elementar normativa do art. 317 do Código Penal.
Para tipificação do art. 317 do Código Penal – corrupção passiva -, deve ser demonstrada a solicitação ou recebimento de vantagem indevida pelo agente público, não configurada quando há mero ressarcimento ou reembolso de despesa.
RECURSO ESPECIAL
Aplica-se o limite temporal previsto no art. 75 do Código Penal (limitação em 30 e agora 40 anos) ao apenado em livramento condicional.
REsp 1.922.012-RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021. (Info 712)
Dr. Creisson, juiz da vara de execuções penais, indeferiu o pedido de extinção da pena imposta a Jacó, embora atingido o limite de 30 anos disposto no artigo 75 do Código Penal – CP, uma vez que o apenado se encontrava em livramento condicional.
Jacó então interpôs agravo em execução, o qual foi provido pelo Tribunal de Justiça local para declara extinta a pena com base no alcance do limite temporal previsto no art. 75 do CP. Inconformado, o MP interpôs recurso especial no qual sustenta que o limite de 30 anos disposto no art. 75 do CP, agora, com as alterações introduzidas pela Lei n. 13.964/2019, 40 anos, produziria seus efeitos somente em relação ao período em que o apenado esteve recolhido ao sistema prisional, ou seja, com sua liberdade tolhida, não abrangendo o lapso temporal em que esteve gozando do benefício do livramento condicional.
CP:
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
§ 2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.
LEP:
Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos desta Lei:
II – o liberado condicional, durante o período de prova.
R: Yeaph!!!
Inicialmente cumpre salientar que, no caso em tela, o Juiz da Execução Penal havia negado a extinção da pena, eis que entendeu inaplicável a consideração do tempo em livramento condicional para alcance do limite do art. 75 do CP.
Deve ser sopesado que o art. 75 do CP decorre de balizamento da duração máxima das penas privativas de liberdade, em atenção ao disposto na Emenda Constitucional n. 1 de 17/10/1969 que editou o novo texto da Constituição Federal de 24/01/1967.
Analisando-se a legislação infraconstitucional, tem-se que o livramento condicional é um instituto jurídico positivado, tanto no CP (arts. 83 a 90) quanto na Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal – LEP) (arts. 131 a 146), a ser aplicado ao apenado para que ele fique solto, mediante condições, por um tempo determinado e denominado de “período de prova” (art. 26, II, da LEP), com a finalidade de extinguir a pena privativa de liberdade. Ultrapassado o período de prova, ou seja, não revogado o livramento condicional, encerra-se seu período declarando-se extinta a pena privativa de liberdade.
Embora não se extraia da leitura dos dispositivos legais expressamente o prazo de duração do livramento condicional, é pacífica a compreensão de que o tempo em livramento condicional corresponderá ao mesmo tempo restante da pena privativa de liberdade a ser cumprida. Inclusive e em reforço de tal compreensão, o CP e a LEP dispõem que o tempo em livramento condicional será computado como tempo de cumprimento de pena caso o motivo de revogação do livramento condicional decorra de infração penal anterior à vigência do referido instituto.
Com o norte nos princípios da ISONOMIA e da RAZOABILIDADE, podemos afirmar que o instituto do livramento condicional deve produzir os mesmos efeitos para quaisquer dos apenados que nele ingressem e tais efeitos não devem ser alterados no decorrer do período de prova, ressalvado o regramento legal a respeito da revogação, devendo o término do prazo do livramento condicional coincidir com o alcance do limite do art. 75 do CP.
Logo, em atenção ao tratamento isonômico, o efeito ordinário do livramento condicional (um dia em livramento condicional equivale a um dia de pena privativa de liberdade), aplicado ao apenado em pena inferior ao limite do art. 75 do CP, deve ser aplicado em pena privativa de liberdade superior ao referido limite legal. Sob outra ótica, princípio da razoabilidade, não se pode exigir, do mesmo apenado em livramento condicional sob mesmas condições, mais do que um dia em livramento condicional para descontar um dia de pena privativa de liberdade, em razão apenas de estar cumprindo pena privativa de liberdade inferior ou superior ao limite do art. 75 do CP.
Assim, o Juiz da Execução Penal, para conceder o livramento condicional, observará a pena privativa de liberdade resultante de sentença(s) condenatória(s). Alcançado o requisito objetivo para fins de concessão do livramento condicional, a duração dele (o período de prova) será correspondente ao restante de pena privativa de liberdade a cumprir, limitada ao disposto no art. 75 do CP.
Aplica-se o limite temporal previsto no art. 75 do Código Penal ao apenado em livramento condicional.
HABEAS CORPUS
Em prol da legalidade, da taxatividade e do favor rei, a interpretação do art. 112, §3°,V da LEP deve se dar de modo restritivo, considerando organização criminosa somente a hipótese de condenação nos termos da Lei 12.850/2013, não abrangendo apenada que tenha participado de associação criminosa (art. 288 do CP) ou associação para o tráfico (art. 35 da Lei n. 11.343/2006).
HC 679.715-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021. (S info).
Creosvalda, condenada pelo crime de associação para o tráfico de drogas, requereu a progressão especial de regime de pena sob a alegação de que é responsável pelo filho menor de 12 anos, o que foi deferido.
Inconformado, o MPF alegou que o crime de associação para o tráfico seria equiparado ao de organização criminosa, só não incidindo a Lei 12.850/2013, mas a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), em razão do princípio da especialidade. Dessa forma, a condenada não teria direito ao benefício da progressão especial, que permite à mulher gestante, ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, a mudança de regime após o cumprimento de um oitavo da pena no regime anterior, desde que – entre outras condições – ela não tenha integrado organização criminosa.
Lei n. 11.343/2006:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
IV – vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º , e 34 desta Lei:
Lei de Execução Penal:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
V – não ter integrado organização criminosa.
Constituição Federal:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
R: Yeaph!!!!
Trata-se a discussão sobre a possível equiparação da condenação pelo crime de associação ao tráfico com o delito de organização criminosa, só não incidindo a Lei n. 12.850/2013, mas a Lei de Drogas (n. 11.343/2006), em razão do princípio da especialidade, para fins de progressão especial da pena.
Vale ressaltar que não é legítimo que o julgador, em explícita violação ao princípio da taxatividade da lei penal, interprete extensivamente o significado de organização criminosa a fim de abranger todas as formas de societas sceleris. Tal proibição fica ainda mais evidente quando se trata de definir requisito que restringe direito executório implementado por lei cuja finalidade é aumentar o âmbito de proteção às crianças ou pessoas com deficiência, reconhecidamente em situação de vulnerabilidade em razão de suas genitoras ou responsáveis encontrarem-se reclusas em estabelecimentos prisionais.
Assim, tem-se que organização criminosa é a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Por sua vez, a associação para o tráfico de drogas, cuja tipificação se encontra no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, pune a seguinte conduta: associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei.
Desse modo, a condenação pelo crime de associação não impede, por si só, a concessão do benefício da progressão especial da pena (fração de 1/8), já que o art. 112, § 3º, inciso V, da Lei de Execução Penal faz referência à organização criminosa.
De outro lado, a diretriz contida nos dois precedentes invocados pelo Ministério Público Federal não tem sido confirmada pela Suprema Corte de Justiça Nacional. Recentemente, em longa e alentada decisão, o eminente Ministro EDSON FACHIN, após historiar a jurisprudência do Excelso Pretório no sentido de que o crime de organização criminosa tem definição autônoma e limites próprios, não sendo intercambiável com o delito de quadrilha (atual associação criminosa) ou mesmo associação para o tráfico, reafirmou a interpretação não ampliativa quanto ao termo “organização criminosa” ( HC 200630 MC/SP, DJe de 02/07/2021), proclamando, em seguida, a Segunda Turma do Excelso Pretório, em definitivo, a tese jurídica de que, em prol da legalidade, da taxatividade e do favor rei, a interpretação do art. 112, §3°,V da LEP deve se dar de modo restritivo.
Nessa trilha, organização criminosa é somente a hipótese de condenação nos termos da Lei n. 12.850/2013, não abrangendo apenada que tenha participado de associação criminosa (art. 288 do CP) ou associação para o tráfico (art. 35 da Lei n. 11.343/2006).
Se, como pondera o Parquet, houve, por parte do legislador, “incoerência legislativa”, ou se “o ordenamento jurídico brasileiro possui mais de uma definição para o que vem a ser uma organização criminosa”, deve-se, de toda sorte, tomar, conforme a orientação do STF, o termo em sua acepção mais favorável à acusada, em atenção ao princípio do favor rei.
Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das normas jurídicas (internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos, bem como tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I, II e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna caracteriza como “fraterna”.
Em prol da legalidade, da taxatividade e do favor rei, a interpretação do art. 112, §3°,V da LEP deve se dar de modo restritivo, considerando organização criminosa somente a hipótese de condenação nos termos da Lei 12.850/2013, não abrangendo apenada que tenha participado de associação criminosa (art. 288 do CP) ou associação para o tráfico (art. 35 da Lei n. 11.343/2006).
RECURSO EM HABEAS CORPUS
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF n. 779/DF, considerou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra, ainda que utilizada no Tribunal de Júri, não sendo possível dar guarida à referida tese em sede de habeas corpus.
RHC 136.911-MT, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021, DJe 19/03/2021. (S info).
Craudião foi preso preventivamente em razão de tentativa de feminicídio contra sua companheira Creide. Conforme a acusação, ele teria desligado as câmeras de segurança do imóvel, imobilizou a vítima com fita adesiva e tentou colocá-la no porta-malas do carro, diante da resistência da ex-companheira, desferiu chutes e socos, valendo-se de uma faca para golpear seu pescoço, impedido de concluir a ação homicida em virtude da intervenção dos vizinhos.
Ainda assim, a combativa defesa de Craudião impetrou Habeas Corpus utilizando-se da tese da legítima defesa da honra.
R: NEM A PAU!!!!!
Inicialmente cumpre salientar que a defesa tenta diminuir a gravidade da conduta do recorrente por intermédio do rechaçado instituto da “legítima defesa da honra”. Aponta como “normal” a reação violenta ao descontentamento com o relacionamento e coloca, ainda, a culpa na vítima por tamanha brutalidade.
Hoje se colhe os frutos de um período no qual a “legítima defesa da honra” encontrava guarida na Justiça brasileira. É justamente a normalização desse tipo de reação violenta e intempestiva que coloca o país no patamar de países com os mais altos índices de feminicídio.
Não se pode mais dar espaço a esse tipo de argumentação. A jurisprudência do Tribunal da Cidadania, inclusive, é firme ao pontuar que o ciúme autoriza a exasperação da pena-base por derivar da sensação de domínio do homem em detrimento da mulher.
Por fim, o eminente Ministro Dias Toffoli deferiu liminar, no julgamento da ADPF n. 779/DF, para obstar a utilização da tese de “legítima defesa da honra” perante o Tribunal do Júri por considerá-la inconstitucional.
Na mesma linha de raciocínio, não há como dar guarida à tese em sede de habeas corpus.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF n. 779/DF, considerou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra, ainda que utilizada no Tribunal de Júri, não sendo possível dar guarida à referida tese em sede de habeas corpus.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS
O mero proveito econômico não é suficiente para tipificar o crime de peculato-desvio, é necessário que o agente pratique alguma conduta voltada ao desvio de verbas públicas.
AgRg no RHC 144.053-RJ, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado Do TJDFT), Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por maioria, julgado em 19/10/2021, DJe 03/11/2021. (S info)
Crementina foi denunciada pela prática do crime de peculato-desvio por ter, em tese, participado e se beneficiado de inúmeras irregularidades envolvendo a Sociedade de Amigos do Museu Imperial – SAMI, inclusive desvio de recursos públicos. Através da sociedade apontada e de contratos supostamente fraudulentos, sem prévia licitação, a ex-diretora remetia valores diretamente à entidade privada em vez de promover o devido recolhimento aos cofres da União.
Dentre as irregularidades, a denúncia aponta a contratação da empresa da filha da gestora pública, também sem licitação. A defesa de Crementina impetrou Habeas Corpus no qual alega a atipicidade da conduta, uma vez que não teria havido o desvio de valores em seu proveito.
R: Yeaph!!!!
Da peça acusatória, extrai-se que a mãe da recorrente, então ocupante do cargo de Diretora do Museu Imperial, é acusada de várias irregularidades envolvendo a Sociedade de Amigos do Museu Imperial – SAMI, inclusive desvio de recursos públicos. Através da sociedade apontada e de contratos supostamente fraudulentos, sem prévia licitação, a ex-diretora remetia valores diretamente à entidade privada em vez de promover o devido recolhimento aos cofres da União. Dentre as irregularidades, a denúncia aponta a contratação da empresa da filha da gestora pública, também sem licitação, e, nesse ensejo, imputa à extranea a conduta de peculato-desvio.
Não obstante a gravidade da conduta da agente pública, mãe da recorrente, não se encontra, na denúncia, nenhuma conduta criminosa imputada à ora recorrente. Vale lembrar que o mero proveito econômico não é suficiente para tipificar o crime de peculato-desvio, é necessário que o agente pratique alguma conduta voltada ao desvio de verbas públicas.
No caso, a codenunciada não deu destinação diversa à verba pública, “apenas” recebeu valores por um serviço que efetivamente prestou, sendo desarrazoado exigir-lhe, em razão de sua qualidade de extranea, o conhecimento exato do trajeto das verbas públicas, ainda que a gestora fosse sua mãe. Destaque-se que o princípio da pessoalidade da sanção penal não permite conclusão diversa.
O mero proveito econômico não é suficiente para tipificar o crime de peculato-desvio, é necessário que o agente pratique alguma conduta voltada ao desvio de verbas públicas.
HABEAS CORPUS
Para fins de cumprimento da Resolução editada em 22/11/2018 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Juízo das Execuções Criminais deve adotar providências para a elaboração da prova técnica com urgência.
HC 660.332-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 24/08/2021, DJe 16/09/2021. (S info)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH editou Resolução na qual consta que o Estado brasileiro deverá arbitrar os meios para que se compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – IPPSC, localizado no Complexo Penitenciário de Gericinó, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, para todas as pessoas ali alojadas que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais.
Tadeu, atualmente cumprindo pena de reclusão no citado instituto, praticou crimes contra a integridade física da pessoa, o que, segundo os itens 128, 129 e 130 da Resolução, exigiria um tratamento diferenciado, com abordagem particularizada, tornando-se imprescindível a realização de exame criminológico que indique, inclusive, o grau de agressividade do sentenciado.
Porém, a demora na realização do exame em questão levou a defesa de Tadeu a impretrar Habeas Corpus no qual alega a ilegalidade na demora da elaboração da prova, bem como o prejuízo a liberdade do paciente.
R: SIM e com URGÊNCIA!!!!!
Consta na Resolução editada em 22/11/2018 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH que o Estado brasileiro deverá arbitrar os meios para que se compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – IPPSC, localizado no Complexo Penitenciário de Gericinó, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, para todas as pessoas ali alojadas que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas.
No caso, o paciente praticou crimes contra a integridade física da pessoa, segundo os itens 128, 129 e 130 da Resolução, exige-se um tratamento diferente, com abordagem particularizada, tornando-se imprescindível a realização de exame criminológico que indique, inclusive, o grau de agressividade do sentenciado. A resolução da CIDH indica que a perícia criminológica deva ser realizada por uma equipe de, no mínimo, três profissionais, constituída especialmente por psicólogos e assistentes sociais (sem prejuízo de outros), de comprovada experiência e adequada formação acadêmica, não sendo suficiente o parecer de um único profissional.
Somente depois da realização de tal exame, com base nas afirmações/conclusões constantes dessa prova, é que caberá, exclusivamente, ao Juízo das execuções a análise da possibilidade ou não da redução de 50% do tempo real de privação de liberdade, ou se a redução deve ser abreviada em medida inferior a 50%.
A produção célere dessa prova técnica, imprescindível para deslinde da controvérsia, é que está em choque com a realidade atual da pandemia da Covid-19, que o país e o mundo vivenciam. O Judiciário brasileiro, como um todo, vem sendo afetado pela crise sanitária mundial, e muitos serviços estão suspensos ou são realizados num ritmo mais demorado do que se deseja, até diante da insuficiência de quadros técnicos aptos à sua execução.
Assim, embora a Câmara Julgadora tenha sublinhado a insuficiência de quadros técnicos aptos à sua execução, e o Juízo das Execuções Criminais já tenha encaminhado, recentemente, ofícios à SEAP e à direção da unidade prisional, é possível determinar que se promova gestões junto aos órgãos responsáveis pela elaboração da prova técnica, visando sua célere produção, e, em último caso, recorrendo, para tanto, ao Sistema Único de Saúde – SUS.
Para fins de cumprimento da Resolução editada em 22/11/2018 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Juízo das Execuções Criminais deve adotar providências para a elaboração da prova técnica com urgência.
RECURSO ESPECIAL
A mera interpretação equivocada da norma tributária não configura o crime de excesso de exação.
REsp 1.943.262-SC, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021. (Info 712)
Astolfo, recém nomeado titular do ofício de registro de imóveis de certo Município, exigiu emolumentos indevidos na prestação de cinco serviços registrais, cobranças essas que superavam o valor limite permitido na época. Por tais cobranças, Astolfo foi denunciado pelo crime de excesso de exação.
Porém, sua defesa alega que o texto da lei estadual que dispunha sobre a cobrança de emolumentos nos casos em que constavam, em um dos polos negociais, duas ou mais pessoas, era extremamente vago e impreciso, sem indicação clara sobre se a cobrança deveria ser por ato negocial ou por atos registrais.
Código Penal:
Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Excesso de exação
§ 1º – Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:
R: Nooops!!!
O tipo do art. 316, § 1º, do Código Penal, pune o excesso na cobrança pontual de tributos (exação), seja por não ser devido o tributo, ou por valor acima do correto, ou, ainda, por meio vexatório ou gravoso, ou sem autorização legal. Ademais, o elemento subjetivo do crime é o dolo, consistente na vontade do agente de exigir tributo ou contribuição que sabe ou deveria saber indevido, ou, ainda, de empregar meio vexatório ou gravoso na cobrança de tributo ou contribuição devidos.
E, consoante a doutrina, “se a dúvida é escusável diante da complexidade de determinada lei tributária, não se configura o delito“. Outrossim, ressalta-se que “tampouco existe crime quando o agente encontra-se em erro, equivocando-se na interpretação e aplicação das normas tributárias que instituem e regulam a obrigação de pagar”.
Nesse palmilhar, a relevância típica da conduta prevista no art. 316, § 1º, do Código Penal depende da constatação de que o agente atuou com consciência e vontade de exigir tributo acerca do qual tinha ou deveria ter ciência de ser indevido. Deve o titular da ação penal pública, portanto, demonstrar que o sujeito ativo moveu-se para exigir o pagamento do tributo que sabia ou deveria saber indevido. Na dúvida, o dolo não pode ser presumido, pois isso significaria atribuir responsabilidade penal objetiva ao registrador que interprete equivocadamente a legislação tributária.
No caso, os elementos constantes do acórdão recorrido evidenciam que o texto da legislação de regência de custas e emolumentos à época dos fatos provocava dificuldade exegética, dando margem a INTERPRETAÇÕES DIVERSAS, tanto nos cartórios do Estado, quanto dentro da própria Corregedoria, composta por especialistas na aplicação da norma em referência. Desse modo, a tese defensiva de que “a obscuridade da lei não permitia precisar a exata forma de cobrança dos emolumentos cartorários no caso especificado pela denúncia” revela-se coerente com a prova dos autos.
Ademais, frisa-se que os elementos probatórios delineados pela Corte de origem evidenciam que, embora o réu possa ter cobrado de forma errônea os emolumentos, o fez por mero erro de interpretação da legislação tributária no tocante ao método de cálculo do tributo, e não como resultado de conduta criminosa. Temerária, portanto, a sua condenação à pena de 4 anos de reclusão e à gravosa perda do cargo público.
Outrossim, oportuno relembrar que, no RHC n. 44.492/SC, interposto nesta Corte, a defesa pretendeu o trancamento desta ação ainda em sua fase inicial. A em. Ministra Laurita Vaz, relatora do feito, abraçou a tese defensiva assentando que “não basta a ocorrência de eventual cobrança indevida de emolumentos, no caso, em valores maiores do que os presumidamente devidos, para a configuração do crime de excesso de exação previsto no § 1.º do art. 316 do Código Penal, o que pode ocorrer, por exemplo, por mera interpretação equivocada da norma de regência ou pela ausência desta, a ensejar diferentes entendimentos ou mesmo sérias dúvidas de como deve ser cobrado tal ou qual serviço cartorial. É mister que haja o vínculo subjetivo (dolo) animando a conduta do agente.”
E arrematou que “a iniciativa de acionar o aparato Estatal para persecução criminal de titular de cartório, para punir suposta má-cobrança de emolumentos, em um contexto em que se constatam fundadas dúvidas, e ainda sem a indicação clara do dolo do agente, se apresenta, concessa venia, absolutamente desproporcional e desarrazoada, infligindo inaceitável constrangimento ilegal ao acusado.” (RHC n. 44.492/SC, relatora Ministra LAURITA VAZ, relator para acórdão Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 21/8/2014, DJe 19/11/2014).
A em. relatora ficou vencida, decidindo a Turma, por maioria, pelo prosseguimento da ação penal em desfile, desfecho esse que desconsiderou que, em observância ao princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve manter-se subsidiário e fragmentário, e somente deve ser aplicado quando estritamente necessário ao combate a comportamentos indesejados.
Portanto, não havendo previsão para a punição do crime em tela na modalidade culposa e não demonstrado o dolo do agente de exigir tributo que sabia ou deveria saber indevido, é inviável a perfeita subsunção da conduta ao delito previsto no § 1º do art. 316 do Código Penal.
A mera interpretação equivocada da norma tributária não configura o crime de excesso de exação.
HABEAS CORPUS
Não há a suspensão dos prazos prescricionais em execução penal, por ausência de previsão legal, em razão da submissão de tema à repercussão geral na hipótese prevista no art. 1.035, § 5º, do CPC, sem a declaração de sobrestamento dos processos, nem a suspensão expressa dos prazos citados.
HC 682.633-MG, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021, DJe 11/10/2021. (S info)
Creiton teve reconhecida falta disciplinar ocorrida em 03/11/2017, por não ter retornado ao estabelecimento prisional após saída temporária. Sua defesa então interpôs sucessivos recursos aduzindo a necessidade de PAD para a homologação da falta grave, recurso que foi provido, anulando a decisão do juiz da execução. Pleiteia o reconhecimento da prescrição, uma vez que decorridos mais de três anos e em razão da ausência de previsão legal para suspensão do prazo prescricional em razão da submissão de tema à repercussão geral.
Código Penal:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.
CPC:
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional;
Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.
R: Nooops!!!!
A prescrição das faltas disciplinares de natureza grave, em virtude da inexistência de legislação específica, regula-se, por analogia, pelo menor dos prazos previstos no art. 109, VI, do Código Penal, de 3 (três) anos.
Como a decisão proferida na QO no RE n. 966.177/RS refere-se especificamente à hipótese prevista no art. 1.035, § 5º, do CPC, e não houve o sobrestamento dos processos, nem a suspensão do prazo prescricional, pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 972.598/RS – tema 941, verifica-se a ocorrência de manifesta ilegalidade na suspensão do prazo prescricional sem prévia previsão legal.
Isso porque, apesar de o artigo 1.030, III, do CPC prever a possibilidade de o relator sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo, nada dispõe sobre a possibilidade de suspensão do prazo prescricional nos casos em que reconhecida a repercussão geral do tema.
Assim, em observância ao princípio da LEGALIDADE, as causas suspensivas da prescrição demandam expressa previsão legal, o que não se vislumbra na hipótese prevista no art. 1.030, III, do CPC, utilizada para sobrestar o processo no Tribunal de origem, não sendo admissível a analogia in malam partem.
Com efeito, decorrido lapso superior a 3 (três) anos, previsto no art. 109, VI, do CP, desde a prática da falta disciplinar grave e o seu reconhecimento, deve ser reconhecida a prescrição.
Não há a suspensão dos prazos prescricionais em execução penal, por ausência de previsão legal, em razão da submissão de tema à repercussão geral na hipótese prevista no art. 1.035, § 5º, do CPC, sem a declaração de sobrestamento dos processos, nem a suspensão expressa dos prazos citados.
RECURSO EM HABEAS CORPUS
Não é possível que o agente responda pela prática do crime do art. 34 da Lei n. 11.343/2006 quando a posse dos instrumentos configura ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente.
RHC 135.617-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021. (Info 709)
Vandeco foi preso na posse de pequena quantidade de droga para uso pessoal, alguns pés de maconha, utensílios e equipamentos destinados tanto ao cultivo, quanto à preparação de extrato da planta. Apesar da autoridade policial ter concluído que se tratava de uso exclusivamente pessoal, o Ministério Público ofereceu a denúncia também pelo crime de posse de petrechos para preparação de drogas (art. 34 da Lei 11.343/2006).
A defesa de Vandeco interpôs sucessivos recursos nos quais alegou a incompatibilidade das acusações, mas sem sucesso. Por fim, impetrou Habeas Corpus, o qual foi negado sob a justificativa de necessidade de instrução probatória. Incansável, a defesa então apresentou recurso ordinário em Habeas Corpus no qual sustenta a impossibilidade de condenação pelo crime do art. 34 da Lei de Drogas.
Lei n. 11.343/2006:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
R: Nooops!!!!
O crime capitulado no art. 34 da Lei n. 11.343/2006 se destina a punir atos preparatórios e, portanto, é tido como subsidiário em relação ao crime previsto no art. 33 da mesma Lei, sendo por este absorvido quando as ações são praticadas em um mesmo contexto fático.
É possível, no entanto, que o crime previsto no art. 34 da Lei de Drogas se consuma de forma autônoma, circunstância na qual [d]eve ficar demonstrada a real lesividade dos objetos tidos como instrumentos destinados à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, ou seja, relevante analisar se os objetos apreendidos são aptos a vulnerar o tipo penal em tela.” (AgRg no AREsp 303.213/SP, Rel. Ministro Marco Aurelio Bellizze, Quinta Turma, DJe 14/10/2013).
Significa dizer que a lesão ao bem jurídico – saúde pública – somente ocorrerá quando a ação envolvendo os objetos (possuir, guardar, adquirir, entre outras) tenha o especial fim de fabricar, preparar, produzir ou transformar drogas, visando o tráfico.
Portanto, ainda que o crime previsto no art. 34 da Lei n. 11.343/2006 possa subsistir de forma autônoma, não é possível que o agente responda pela prática do referido delito quando a posse dos instrumentos se configura como ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente.
Com efeito, as condutas previstas no art. 28 da Lei de Drogas recebem tratamento legislativo mais brando, razão pela qual não há respaldo legal para punir com maior rigor as ações que antecedem o próprio consumo pessoal do entorpecente.
Considerando que, nos termos do §1º do art. 28 da Lei de Drogas, nas mesmas penas do caput incorre quem cultiva a planta destinada ao preparo de pequena quantidade de substância ou produto (óleo), seria um contrassenso jurídico que a posse de objetos destinados ao cultivo de planta psicotrópica, para uso pessoal, viesse a caracterizar um crime muito mais grave, equiparado a hediondo e punido com pena privativa de liberdade de três a dez anos de reclusão, além do pagamento de vultosa multa.
A toda evidência, aquele que cultiva uma planta naturalmente faz uso de ferramentas típicas de plantio, tais como a maior parte dos itens apreendidos no caso (vasos, substrato de plantas, gotejador, lona, hastes de estufa, fibra de coco), razão pela qual se deve concluir que a posse de tais objetos está abrangida pela conduta típica prevista no aludido §1º do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 e, portanto, não é capaz de configurar delito autônomo.
Por fim, é consenso jurídico que o legislador, ao despenalizar a conduta de posse de entorpecente para uso pessoal, conferiu tratamento penal mais brando aos usuários de drogas. Nesse contexto, se a própria legislação reconhece o menor potencial ofensivo da conduta do usuário que adquire drogas diretamente no mercado espúrio de entorpecentes, não há como evadir-se à conclusão de que também se encontra em situação de baixa periculosidade o agente que sequer fomentou o tráfico, haja vista ter cultivado pessoalmente a própria planta destinada à extração do óleo, para seu exclusivo consumo.
Não é possível que o agente responda pela prática do crime do art. 34 da Lei n. 11.343/2006 quando a posse dos instrumentos configura ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
A modificação de competência promovida pela Lei n. 14.155/2021 tem aplicação imediata, contudo, por se cuidar de competência em razão do lugar, de natureza relativa, incide a regra da perpetuatio jurisdicionis, quando já oferecida a denúncia.
CC 181.726-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 08/09/2021, DJe 17/09/2021. (S info)
Creosvalda foi contada por telefone por uma suposta financeira, a qual realizou proposta de empréstimo em condições favoráveis, desde que em contrapartida Creosvalda depositasse/transferisse um valor de forma adiantada. Transferido o valor e sem notícias da financeira e muito menos do dinheiro, Creosvalda percebeu tratar-se de estelionato, razão pela qual realizou “denúncia”.
Após a realização de diligências, o Juízo de São Paulo entendeu que seria competente o Juízo de Curitiba, pois a consumação do delito teria ocorrido no local de efetivo prejuízo da vítima, ou seja, localidade da agência na qual as vítimas possuem conta bancária.
Porém, o Juízo de Curitiba suscitou conflito de competência alegando que a agência bancária do favorecido pelo depósito em questão estaria localizada em São Paulo.
Código de Processo Penal:
Art. 3o A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.
Código Penal:
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Código de Processo Civil:
Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.
R: Yeaph, salvo quando já oferecida a denúncia!!!
Nos termos do art. 70 do Código de Processo Penal, “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”.
O delito de estelionato, tipificado no art. 171, caput, do Código Penal, se consuma no lugar onde aconteceu o efetivo prejuízo à vítima.
Por essa razão, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no caso específico de estelionato praticado por meio de depósito em dinheiro ou transferência de valores, firmara a compreensão de que a competência seria do Juízo onde se auferiu a vantagem ilícita em prejuízo da vítima, ou seja, o local onde se situava a conta que recebeu os valores depositados.
Já nos casos de estelionato praticado por meio de cheque adulterado ou falsificado, o efetivo prejuízo se dá no local do saque da cártula, ou seja, onde o lesado mantém a conta bancária.
Entretanto, a Lei n. 14.155/2021, incluiu o § 4º ao art. 70 do Código de Processo Penal, com a seguinte redação:”§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.”
Diante da modificação legislativa, criando hipótese ESPECÍFICA de competência no caso de crime de estelionato praticado mediante depósito, transferência de valores ou cheque sem provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado, não mais subsiste a distinção outrora consolidada pelo STJ, devendo ser reconhecida a competência do Juízo do domicílio da vítima.
A lei processual penal tem aplicação imediata. Contudo, por se cuidar de competência em razão do lugar, de natureza relativa, incide a regra da perpetuatio jurisdicionis, quando já oferecida a denúncia, nos termos do art. 43 do atual Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 3º do Código de Processo Penal.
A modificação de competência promovida pela Lei n. 14.155/2021 tem aplicação imediata, contudo, por se cuidar de competência em razão do lugar, de natureza relativa, incide a regra da perpetuatio jurisdicionis, quando já oferecida a denúncia.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Os indícios de autoria antecedem as medidas invasivas, não se admitindo em um Estado Democrático de Direito que primeiro sejam violadas as garantias constitucionais para só então, em um segundo momento, e eventualmente, se justificar a medida anterior, sob pena de se legitimar verdadeira fishing expedition.
AgRg no RMS 62.562-MT, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, por maioria, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021 (S info).
A Polícia Civil do MT estava a investigar a existência de um possível conluio entre, Jeremias, frentista de um posto de gasolina, e Creosvaldo, motorista de ambulância da Secretaria Municipal de Saúde do município. Ao que se suspeita, Jeremias registraria abastecimentos fictícios em veículos oficiais e retiravam dinheiro do caixa do posto de combustíveis.
Em certo momento, a empresa TA Ltda foi incluída na investigação, por ser a operadora do vale-combustível utilizado para os ditos abastecimentos. O juízo autorizou busca e apreensão no escritório da empresa sob o fundamento de que esta não teria prestado informações na forma solicitada.
R: Yeaph!!!
Inicialmente, constata-se que a investigação que ensejou a busca e apreensão na pessoa jurídica não lhe dizia respeito, referindo-se apenas à investigação de crimes de organização criminosa, com participação de funcionário público, e de peculato contra a Prefeitura Municipal de Poconé/MT.
Segundo o STJ, da leitura atenta do pedido e da decisão que deferiu a medida de busca e apreensão na sede da agravante, constata-se, sem grande esforço, que não há nenhum indício de participação da empresa nos delitos narrados. A própria autoridade policial afirmou que “somente após a análise dos e-mails poderá se verificar se houve conluio fraudulento e prévio entre a Recorrente e os servidores público da Prefeitura de Poconé, a fim de fraudar a apropriar de dinheiro público”.
Os indícios de autoria antecedem as medidas invasivas, não se admitindo em um Estado Democrático de Direito que primeiro sejam violadas as garantias constitucionais para só então, em um segundo momento, e eventualmente, se justificar a medida anterior, sob pena de se legitimar verdadeira fishing expedition.
Como é de conhecimento, “Fishing expedition, ou pescaria probatória, é a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem ‘causa provável’, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém“.
Ademais, chama a atenção também a informação constante da decisão que deferiu a busca e apreensão, no sentido de que “as investigações concluíram que os documentos podem ser encontrados em dois locais diferentes, razão pela qual se faz necessária a medida de busca e apreensão em todos os endereços indicados e de forma simultânea”.
Ora, se os documentos podem ser encontrados no Poder Executivo Municipal de Poconé, vítima do peculato sob investigação, não há porque se violar direito constitucional da agravante, que não figura nem como vítima nem como autora dos delitos sob investigação, sem que se tenham declinados quaisquer elementos que autorizem a violação de seus direitos constitucionais.
Os indícios de autoria antecedem as medidas invasivas, não se admitindo em um Estado Democrático de Direito que primeiro sejam violadas as garantias constitucionais para só então, em um segundo momento, e eventualmente, se justificar a medida anterior, sob pena de se legitimar verdadeira fishing expedition.
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