Informativo do STJ Edição Especial nº 3 – Direito Privado (Parte 2) COMENTADO para quem não marca bobeira nem no recesso. A ressaltar que há decisões inéditas nesse informativo, não publicadas em outros informativos e não comentadas anteriormente. Portanto, trata-se não apenas de revisão, mas de novo info com decisões quentinhas, saindo do forno. Como eu sempre digo e repito: aqui no Estratégia Carreiras Jurídicas você não perde absolutamente nada! Vamos que vamos!
RECURSO ESPECIAL
À luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito.
REsp 1.958.679-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021, DJe 25/11/2021. (Info 719)
Tadeu, famoso ator, ajuizou ação de obrigação de fazer contra o portal Vizinha Fofoqueira, requerendo que o referido site retire de suas páginas fotos íntimas do autor em publicação não autorizada por este.
O juiz de primeiro grau concedeu liminarmente a tutela provisória de urgência determinando que o site retirasse, em 24 horas, as fotos, sob pena de multa por hora por descumprimento. O responsável pelo site retirou as fotos com 20 horas de atraso, razão pela qual deveria pagar multa pela demora no cumprimento da obrigação de fazer estabelecida pela decisão judicial. Tadeu então peticionou requerendo que o pagamento fosse realizado de forma imediata, antes mesmo da prolação da sentença, medida à qual se opôs o site.
Código de Processo Civil de 2015:
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:
I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte
R: Yeaph!!!!
As astreintes têm por escopo garantir a efetivação da tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente. Por meio de sua imposição almeja-se induzir as partes a cumprir determinações judiciais que lhes foram impostas (em tutela provisória ou não), em prestígio ao princípio da efetividade dos provimentos jurisdicionais no contexto do moderno processo civil de resultados, motivo pelo qual possuem natureza patrimonial e função inibitória ou coercitiva.
Nesse contexto, importa consignar que, no julgamento do REsp 1.200.856/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Corte Especial fixou o entendimento de que a multa diária, “devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.”
Examinando a ratio decidendi do referido precedente, observa-se que a tese se encontra alicerçada, sobretudo, em dois fundamentos principais, a saber: a) busca-se evitar que a parte se beneficie de importância em dinheiro que deverá, posteriormente, em caso de derrota, ser devolvida, o que promoveria insegurança jurídica; e b) o termo “sentença” previsto no art. 475-N, I e no art. 475-O, do CPC/1973, deve ser interpretado restritivamente, evitando-se a possibilidade de cobrança de multa fixada por meio de decisão interlocutória em antecipação de tutela, notadamente porque, na sentença, a ratificação do arbitramento da multa cominatória decorre do reconhecimento da existência do próprio direito material perseguido.
Infere-se, desse modo, que o mencionado precedente qualificado não veda, absolutamente, a execução provisória da multa cominatória, limitando-a, no entanto, a momento posterior à prolação de sentença de mérito favorável à parte e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.
Verifica-se, assim, que o deslinde da controvérsia, a rigor, demanda que se defina se a execução provisória das astreintes deve aguardar a prolação de sentença de mérito ou se, ao revés, seria possível ocorrer em momento anterior, tão logo ocorra sua incidência.
Mais do que isso, deve-se ressaltar que a tese fixada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, o foi à luz das disposições do Código de Processo Civil de 1973, que não continha dispositivo semelhante ao § 3º do art. 537 do Código de Processo Civil de 2015.
Da simples leitura do dispositivo em comento, exsurge a conclusão de que o novo Diploma Processual inovou na matéria, autorizando, expressamente, a execução provisória da decisão que fixa as astreintes, condicionando, tão somente, o levantamento do valor ao trânsito em julgado da sentença favorável à parte.
Ademais, importa destacar que não mais subsiste, no novo Código de Processo Civil, a redação que constava do art. 475-N, I, do CPC/1973, que serviu de fundamento para o acórdão proferido no julgamento do REsp 1.200.856/RS.
De fato, o atual art. 515, I, considera título executivo judicial “as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa”, tendo sido substituída, portanto, a palavra “sentença” por “decisões”.
A mencionada alteração redacional harmoniza-se com o disposto no § 3º do art. 537 do CPC/2015, que autoriza a execução provisória da decisão que fixa a multa cominatória, sendo certo que, na linha das boas regras de hermenêutica, não se pode olvidar que “verba cum effectu, sunt accipienda” (não se presumem, na lei, palavras inúteis).
A inovação legislativa em mote, portanto, amolda-se, à perfeição, à própria finalidade do instituto, na medida em que, ao permitir a execução provisória da decisão que fixa a multa mesmo antes da sentença de mérito, acentua o seu caráter coercitivo e inibitório, tornando ainda mais oneroso ou arriscado o descumprimento de determinações judiciais.
À luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Decisão judicial que determina a apresentação do contrato de serviços advocatícios, com a finalidade de verificação do endereço do cliente/executado, fere o direito à inviolabilidade e sigilo profissional da advocacia.
RMS 67.105-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 21/09/2021. (Info 710)
Em processo de execução, o juízo determinou ao Dr. Creisson, advogado do executado que apresentasse o contrato de serviços advocatícios com a finalidade de localização do executado/cliente para expedição de mandado de penhora.
Inconformado, Dr. Creisson impetrou mandado de segurança contra tal decisão, por entender que esta violaria as prerrogativas profissionais da categoria.
CF/1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Estatuto da Advocacia:
Art. 7º São direitos do advogado:
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
§ 6o Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
Código Penal:
Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Código de Processo Penal:
Art. 210. As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho.
Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.
R: Em absoluto!!!
A advocacia é função essencial à administração da Justiça, reconhecida como tal no caput do art. 133 da CF/1988. A legítima exegese desse dispositivo constitucional é a que reconhece proteção ao exercício da advocacia e não ao advogado e, assim, a essencialidade própria do advogado se revela apenas “no contexto de aplicação do ordenamento jurídico, em atividade vinculada ao órgão jurisdicional atuando na reconstrução, e mais, na ressemantização democrática e participada das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto”.
Ademais, a garantia do sigilo profissional tem assento no art. 5º, inciso XIV, da CF/1988, que estabelece ser “assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
O art. 7º, inciso II, do Estatuto da Advocacia, determina a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, bem como dos arquivos, dados, correspondências e comunicações, salvo hipótese de busca ou apreensão. E sobre o ponto, acrescenta a doutrina que “ainda que determinadas por ordem judicial, as interceptações telefônicas, previstas no art. 5º, inciso XI, da CF/1988, não podem violar direito à confidencialidade da comunicação entre advogado e cliente”.
Deve ser realçado, nesse ponto, pela relevância, que a redação do referido inciso II é fruto de alteração legislativa promovida pela Lei n. 11.767/2008. A partir da renovação operada por essa lei, o § 6º, do próprio art. 7°, regulamentou a ressalva prevista naquele inciso, detalhando melhor a matéria, prevendo expressamente as hipóteses em que a inviolabilidade poderia ser afastada.
De fato, anteriormente à publicação da Lei n. 11.767/2008, a doutrina entendia que o afastamento da inviolabilidade e realização de busca e apreensão em locais de trabalho do advogado somente era possível, desde que acompanhada por representante da OAB.
Entretanto, após a entrada em vigor da nova lei, para que seja removida a prerrogativa é necessário o preenchimento de certos requisitos: a) indícios de autoria e materialidade de crime praticado pelo próprio advogado; b) decretação da quebra da inviolabilidade por autoridade judiciária competente; c) decisão fundamentada de busca e apreensão que especifique o objeto da medida.
Aliás, pela mesma distinção, recorde-se que o sigilo profissional recebe amparo no Código Penal brasileiro (art. 154) e no Código de Processo Penal (art. 207), no sentido de que, em qualquer investigação que viole o sigilo entre o advogado e o cliente, viola-se não somente a intimidade dos profissionais envolvidos, mas o próprio direito de defesa e, em última análise, a democracia.
Noutro ponto, é conveniente assinalar que, como qualquer outro direito ou garantia fundamental, também a inviolabilidade e o sigilo profissional no âmbito do exercício da advocacia, mesmo ostentando tamanha envergadura, não são absolutos em prevalência, tendo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça exercido importante papel na definição das hipóteses em que é possível flexibilizar seu alcance, a partir de legítima e desejada ponderação de valores.
No caso, a determinação para apresentação do contrato de serviços advocatícios com a finalidade de localização do executado/cliente para expedição de mandado de penhora não configura justa causa para a suspensão das garantias constitucionalmente previstas. Assim, o contrato de prestação de serviços advocatícios, instrumento essencialmente produzido e referente à relação advogado/cliente, está sob a guarda do sigilo profissional, assim como se comunica a inviolabilidade da atividade advocatícia.
Decisão judicial que determina a apresentação do contrato de serviços advocatícios, com a finalidade de verificação do endereço do cliente/executado, fere o direito à inviolabilidade e sigilo profissional da advocacia.
RECURSO ESPECIAL
Deve ser aplicada a técnica de julgamento ampliado nos embargos de declaração toda vez que o voto divergente possua aptidão para alterar o resultado unânime do acórdão de apelação.
REsp 1.910.317-PE, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 02/03/2021 (Info 687)
Em uma ação de usucapião, a sentença deu procedência ao pedido de Vilma. A ré interpôs apelação ao Tribunal local, a qual foi provida por unanimidade para reformar a sentença e julgar improcedente a demanda.
Vilma, brasileira que não desiste nunca, interpôs sucessivos embargos declaratórios. Na quarta oposição de embargos, um dos desembargadores acolheu os questionamentos de Vilma e, com efeitos infringentes, reverteu tudo (literalmente tentou virar a mesa). Ocorre que os demais desembargadores não alteraram seus votos. Inconformada, Vilma opôs novos embargos de declaração buscando a aplicação da técnica de julgamento ampliado, o que foi negado pelo Tribunal local.
CPC/2015:
Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
§ 1º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.
§ 2º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.
§ 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:
I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
§ 4º Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:
I – do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;
II – da remessa necessária;
III – não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.
R: SIM!
A controvérsia principal diz respeito à possibilidade de aplicação da técnica de julgamento ampliado nos embargos de declaração, tendo em vista ter o voto divergente concedido efeito infringente aos embargos para reformar o decidido unanimemente no recurso de apelação.
Segundo depreende-se do disposto no art. 942 do CPC/2015: Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
Portanto, diversamente dos embargos infringentes, previsto no art. 530 do CPC/1973 – recurso cabível quando acórdão não unânime julgar a apelação e reformar a sentença de mérito -, na técnica de julgamento ampliado não há necessidade de alteração do resultado da decisão de primeira instância, mas apenas que haja divergência no julgamento do recurso de apelação.
Assim, o requisito de modificação da sentença pelo Tribunal ficou previsto APENAS para as hipóteses de ação rescisória e agravo de instrumento (art. 942, § 3º, I e II, do CPC/2015).Ademais, apesar de o art. 942 do CPC/2015 não mencionar a possibilidade de a divergência ocorrer apenas em sede de embargos de declaração, deve ser considerado seu EFEITO INTEGRATIVO, de modo que há a complementação e incorporação dos fundamentos e do resultado no acórdão embargado.
Em tal contexto, quando há aptidão dos embargos de declaração para influenciar o julgamento que os precedeu, modificando-lhes a conclusão unânime, devem ser convocados outros julgadores, na forma do art. 942 do CPC/2015.
Deve ser aplicada a técnica de julgamento ampliado nos embargos de declaração toda vez que o voto divergente possua aptidão para alterar o resultado unânime do acórdão de apelação.
RECURSO ESPECIAL
A cessão fiduciária de título de crédito não se submete à recuperação judicial, independentemente de registro em cartório.
REsp 1.629.470-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 30/11/2021 (Info 721)
Em uma recuperação judicial, foi determinada ao Banco Cobromesmo a liberação de valores vinculados a direitos creditórios com garantia de alienação fiduciária, sob o fundamento de que o princípio de preservação da empresa deveria se sobrepor ao gravame na ausência de registro no cartório de títulos e documentos, cuja falta causaria a ineficácia da garantia e a perda do caráter extraconcursal do crédito, sujeitando-o à recuperação judicial.
Inconformado, o Banco Cobromesmo defende a tese inversa, no sentido da viabilidade da incidência da garantia mediante cessão fiduciária sobre direitos creditórios, que equivaleriam a coisa móvel, razão pela qual seria dispensável o registro em cartório de títulos e documentos, prática que não é obrigatória para as cédulas de crédito bancário, cuja falta não sujeita o crédito à recuperação judicial porque exerce a única função de preservar direitos de terceiros, qualidade que não se estende aos demais credores da empresa recuperanda.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
Código Civil:
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.
§ 1 o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.
R: Noooops!!!!
É pacífico na jurisprudência do STJ que os contratos gravados com garantia fiduciária não se submetem ao regime da recuperação judicial, cuidando-se de bens ou valores extraconcursais, conforme previsto no art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005.
Ademais, a ausência de registro, que é requisito apenas para a preservação de direito de terceiros, não constitui requisito para perfectibilizar a garantia. Tal formalidade não está prevista no art. 66-B da Lei n. 4.728/1995, na redação introduzida pela Lei n. 10.931/2004, nem possui respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu o caráter de facultatividade do registro (Pleno, RE 611.639/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio, unânime, DJe de 15/4/2016).
Tal convicção decorre de que o Código Civil, art. 1.361, § 1º, e seguintes, cuida exclusivamente de bens infungíveis, qualidade que não alcança os recebíveis e os direitos de crédito em geral.
Os direitos cedidos fiduciariamente integram o patrimônio do credor fiduciário e não da empresa em recuperação. No caso de cessão fiduciária de recebíveis, dada a especificidade da legislação de regência, até mesmo a posse direta do bem dado em garantia, bem como todos os direitos e ações a ele concernentes, são transferidos ao credor fiduciário tão logo contratada a garantia. A necessidade de registro se destina a salvaguardar eventuais direitos de terceiros, vale dizer, no caso de recebíveis, direitos que possam ser alegados pelos devedores da empresa em soerguimento, e não pelos seus credores, aos quais é indiferente o destino de bem que não integra o patrimônio sujeito à recuperação.
Do mesmo modo, não cabe a invocação do princípio da preservação da empresa, com apoio na parte final do § 3º do art. 49 da LRF, segundo o qual durante o stay period não podem ser retirados do estabelecimento do devedor “os bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.
Direitos de crédito cedidos fiduciariamente não se encontram sob o abrigo de tal regra, seja por não estarem no estabelecimento empresarial sob a posse direta da empresa em recuperação, por força de sua disciplina legal específica, seja por não se constituírem “bem de capital”.
Para que o bem se compreenda na ressalva contida no § 3º do art. 49, é imprescindível que se trate de bem corpóreo, na posse direta do devedor, e, sobretudo, que não seja perecível e nem consumível, de modo que possa ser entregue ao titular da propriedade fiduciária, caso persista a inadimplência, ao final do stay period.
Com maior razão ainda não podem ser considerados bens de capital os títulos de crédito dados em alienação fiduciária. Estes, ao contrário do estoque, sequer estão na posse direta do devedor e, muito menos, são bens utilizados como insumo de produção. Trata-se patrimônio alienado pelo devedor, em caráter resolúvel, é certo, para garantia de obrigações por ele assumidas.
O credor que financia a atividade produtiva, mediante a alienação fiduciária de recebíveis dados em garantia de CPRs, certamente o faz contando com a segurança da garantia segundo sua disciplina legal, garantia essa que saberia débil, caso recaísse sobre bens de capital utilizados na produção, fossem eles móveis ou imóveis.
Considerar que a mera intenção de fazer caixa, mediante a apropriação de recebíveis (de propriedade resolúvel do credor fiduciário), possa justificar exceção à regra do art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005, implicaria tornar sem substância o regime legal da propriedade fiduciária, uma vez que recursos financeiros sempre serão essenciais à recuperação de qualquer empreendimento.
A cessão fiduciária de título de crédito não se submete à recuperação judicial, independentemente de registro em cartório.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
A caracterização de conflito de competência perante o Superior Tribunal de Justiça pressupõe a materialização da oposição concreta do Juízo da execução fiscal à efetiva deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito do ato constritivo.
CC 181.190-AC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 30/11/2021, DJe 07/12/2021. (Info 722)
ConcreSul ingressou com pedido de recuperação judicial que teve seu processamento deferido e cujo plano de recuperação foi devidamente aprovado pela assembleia de credores, encontrando-se em fase de cumprimento, com prazos de carência e parcelamentos que se estendem por até 12 anos.
Porém, em uma ação de execução fiscal movida pela União em face da empresa, o Juiz Federal rejeitou a exceção de pré-executividade apresentada pela empresa na qual mencionava a homologação da recuperação judicial ocorrida e determinou a intimação da exequente para promover o prosseguimento da execução. Concresul então suscitou conflito de competência perante o STJ.
Lei 11.101/2005:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código.
CPC/2015:
Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como:
§ 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para:
IV – a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas;
R: Yeaph!!!
O incidente processual centra-se em saber se o Juízo em que tramita execução fiscal contra empresa em recuperação judicial – ao rejeitar a exceção de pré-executividade e determinar o prosseguimento do feito executivo, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio da executada -, invade ou não a competência do Juízo da recuperação judicial, segundo dispõe o § 7º-B do art. 6º da Lei de Recuperação e Falência, com redação dada pela Lei n. 14.112/2020.
A divergência jurisprudencial então existente entre esta Segunda Seção e as Turmas integrantes da Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça acabou por se dissipar em razão da edição da Lei n. 14.112/2020, que, a seu modo, delimitou a competência do Juízo em que se processa a execução fiscal (a qual não se suspende pelo deferimento da recuperação judicial) para determinar os atos de constrição judicial sobre os bens da recuperanda; e firmou a competência do Juízo da recuperação judicial para, no exercício de um juízo de controle, “determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial”.
A partir da vigência da Lei n. 14.112/2020, com aplicação aos processos em trâmite (afinal se trata de regra processual que cuida de questão afeta à competência), não se pode mais reputar configurado conflito de competência perante o STJ pelo só fato de o Juízo da recuperação ainda não ter deliberado sobre a constrição judicial determinada no feito executivo fiscal, em razão justamente de não ter a questão sido, até então, a ele submetida.
A submissão da constrição judicial ao Juízo da recuperação judicial, para que este promova o juízo de controle sobre o ato constritivo, pode ser feita naturalmente, de ofício, pelo Juízo da execução fiscal, em atenção à propugnada cooperação entre os Juízos. O § 7º-B do art. 6º da Lei n. 11.101/2005 apenas faz remissão ao art. 69 do CPC/2015, cuja redação estipula que a cooperação judicial prescinde de forma específica. E, em seu § 2º, inciso IV, estabelece que “os atos concertados entre os juízos cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas”.
Caso o Juízo da execução fiscal assim não proceda, tem-se de todo prematuro falar-se em configuração de conflito de competência perante o STJ, a pretexto de se obter o sobrestamento da execução fiscal liminarmente. Não há, nesse quadro, nenhuma usurpação da competência, a ensejar a caracterização de conflito. A inação do Juízo da execução fiscal – como um “não ato” que é – não pode, por si, ser considerada idônea a fustigar a competência do Juízo recuperacional ainda nem sequer exercida.
Assim, na hipótese de o Juízo da execução fiscal não submeter, de ofício, o ato constritivo ao Juízo da recuperação judicial, deve a recuperanda instar o Juízo da execução fiscal a fazê-lo ou levar diretamente a questão ao Juízo da recuperação judicial, que deverá exercer seu juízo de controle sobre o ato constritivo, se tiver elementos para tanto, valendo-se, de igual modo, se reputar necessário, da cooperação judicial preconizada no art. 69 do CPC/2015.
Registre-se que, após o exercício de tais competências, a caracterização de conflito perante o STJ somente se fará presente se o Juízo da execução fiscal vier, concretamente, a se opor à deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito da constrição do bem, substituindo-o ou tornando-a sem efeito, ou acerca da essencialidade do bem de capital constrito, o que, por ora, nem se cogita.
A caracterização de conflito de competência perante o Superior Tribunal de Justiça pressupõe a materialização da oposição concreta do Juízo da execução fiscal à efetiva deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito do ato constritivo.
RECURSO ESPECIAL
Não pertencendo os bens alienados em garantia ao avalista em recuperação judicial, não podem ser expropriados outros bens de sua titularidade, pois devem servir ao pagamento de todos os credores. (1) Os credores fiduciários estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial somente em relação ao montante alcançado pelos bens alienados em garantia (2)
REsp 1.953.180-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/11/2021, DJe 01/12/2021. (Info 720)
Banco Pinha ingressou com pedido de tutela cautelar antecedente unicamente contra FX S.A – Em Recuperação Judicial e Colarte Química S.A., buscando garantir a futura execução de cédulas de crédito bancário, nas quais as requeridas constam como avalistas. Destaca-se que o devedor principal não foi acionado. As executadas informaram que ingressaram com pedido de recuperação judicial, tendo sido deferido o seu processamento pelo Juízo competente, motivo pelo qual requereram a suspensão do feito.
O banco argumenta que, independentemente de recuperação judicial (ou o que quer que seja!) pode expropriar uma vez que seu crédito é extraconcursal e não se submete aos efeitos da recuperação judicial da avalista.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
§ 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
R: Nooops!!!
Conforme consignado no julgamento do REsp 1.677.939/SP, “O aval apresenta 2 (duas) características principais, a autonomia e a equivalência. A autonomia significa que a existência, validade e eficácia do aval não estão condicionadas à da obrigação principal. A equivalência torna o avalista devedor do título da mesma forma que a pessoa por ele avalizada. (…) Disso decorre que o credor pode exigir o pagamento tanto do devedor principal quanto do avalista, que não pode apresentar exceções pessoais que aproveitariam o avalizado, nem invocar benefício de ordem.”
Desse modo, se o avalizado for devedor principal, o avalista será tratado como se devedor principal fosse.
Assim, caso os bens alienados em garantia fossem dos avalistas, poderiam ser perseguidos pelo credor fora da recuperação judicial, já que a extraconcursalidade do crédito está diretamente ligada à propriedade fiduciária.
No entanto, sendo os bens alienados em garantia de propriedade do devedor principal, o crédito em relação aos avalistas em recuperação judicial não pode ser satisfeito com outros bens de sua propriedade, que estão submetidos ao pagamento de todos os demais credores.
Mas os credores fiduciários não estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial???
R: Somente em relação ao montante alcançado pelos bens em garantia!!!!
A alienação fiduciária em garantia implica a transferência da propriedade de coisa material ao credor com a finalidade de garantir a obrigação principal. A transferência da propriedade, porém, é resolúvel. Satisfeita a obrigação principal, o bem retorna automaticamente à propriedade do devedor. Na hipótese de inadimplemento, no entanto, o credor poderá retomar a posse do bem para efetivar sua liquidação e saldar a dívida.
Nos termos do artigo 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005, tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva.
Contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, não será permitida a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Como se observa da redação do dispositivo legal, busca-se tutelar o direito de propriedade do credor, que poderá retomar a posse do bem, sem se submeter aos efeitos da recuperação judicial, salvo algumas restrições que podem lhe ser impostas se os bens forem essenciais à atividade.
Diante disso, é possível concluir que o que diferencia o credor garantido por alienação fiduciária dos demais credores é a propriedade do bem alienado em garantia. Assim, é o objeto da garantia que traça os limites da extraconcursalidade do crédito.
Em outras palavras, se a alienação do bem dado em garantia for suficiente para quitar o débito, extingue-se a obrigação. Por outro lado, se o valor apurado com a venda do bem não for bastante para extinguir a obrigação, o restante do crédito em aberto não mais poderá ser exigido fora da recuperação judicial do devedor, pois não mais existirá a característica que diferenciava o credor titular da posição de proprietário fiduciário dos demais.
Portanto, o crédito do titular da posição de credor fiduciário será extraconcursal no limite do bem dado em garantia, sobre o qual se estabelece a propriedade resolúvel.
Não pertencendo os bens alienados em garantia ao avalista em recuperação judicial, não podem ser expropriados outros bens de sua titularidade, pois devem servir ao pagamento de todos os credores. (1) Os credores fiduciários estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial somente em relação ao montante alcançado pelos bens alienados em garantia (2).
RECURSO ESPECIAL
A decisão, transitada em julgado, que autoriza a alienação de crédito da recuperanda (sub judice), por atender, na oportunidade, às exigências do art. 66 da Lei n. 11.101/2005, induz necessariamente à implementação do negócio jurídico, ainda que em momento posterior não mais se afiguraria presente a utilidade da medida para o cumprimento do plano de recuperação judicial, tampouco o interesse econômico.
REsp 1.933.723-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/10/2021, DJe 26/10/2021. (S info)
Maio Comunicações S.A., em recuperação judicial, requereu a a autorização do Juízo para, nos termos do art. 66 da Lei n. 11.101/2005, proceder à alienação de créditos, que se encontram sub judice, para Tetra Gestão de Recursos Ltda., no valor de R$ 5.1 milhão, indispensável naquele momento, segundo alegado, para viabilizar o pagamento de débitos trabalhistas.
A proposta de compra apresentada pela Tetra Gestão de Recursos, após manifestação favorável da administradora judicial, foi homologada pelo Juízo em 22/10/2018, porém, em virtude da atribuição de efeito suspensivo a agravo de instrumento interposto por um dos credores, a alienação dos créditos não se operou imediatamente.
Após o Tribunal de Justiça local concluir o julgamento do referido agravo de instrumento, Tetra Gestão de Recursos apresentou petição requerendo fosse transferido o crédito (então sub judice) para a sua titularidade. Por sua vez, Maio Comunicações S.A. manifestou-se em juízo aduzindo que o negócio jurídico não mais teria utilidade nos termos do art. 66 da LRF, tornando insubsistente o interesse, inclusive, econômico da recuperanda em sua consecução, na medida em que os créditos, na ocasião, perfariam 22 R$ milhões.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial.
Código Civil:
Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1 o do art. 654.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
R: Yeaph!!!!
A questão jurídica consiste em saber se decisão, transitada em julgado, que autoriza a alienação de crédito da recuperanda (sub judice), por atender, na oportunidade, às exigências do art. 66 da Lei n. 11.101/2005, induz necessariamente à implementação do negócio jurídico, ainda que em momento posterior (em razão da judicialização da questão, com interposição de recursos), quando, supostamente, não mais se afiguraria presente a utilidade da medida para o cumprimento do plano de recuperação judicial, tampouco o interesse econômico.
Controverte-se, a esse propósito, sobre o momento em que a cessão de crédito seria existente, válida e eficaz entre as partes.
Dessa forma, o deslinde da questão posta exige acurada reflexão sobre qual seria o momento em que o negócio jurídico consistente na cessão de crédito (sub judice), deve ser considerado perfectibilizado, se da decisão homologatória – que reconheceu o preenchimento dos requisitos no art. 66 da LRF, no caso, precedida, inclusive, de “certame judicial”, a fim de se buscar a melhor proposta pela aquisição dos créditos da recuperanda, vinculando as partes – ou se somente da assinatura da correlata escritura (agora recusada pela recuperanda).
A cessão civil de crédito, em que o credor transfere a terceiro sua posição na relação obrigacional, aperfeiçoa-se com a manifestação de vontade dos contratantes (cedente e cessionário), qualificando-se, por isso, como simplesmente consensual. O Código Civil, em seu art. 288, apenas exige a celebração de instrumento público e particular para que a cessão de crédito produza efeitos em relação a terceiros. Em relação ao cedente e ao cessionário basta a simples manifestação de vontade, independentemente da confecção de qualquer instrumento.
Em se tratando de uma relação jurídica sob o influxo único do Direito Civil, este contrato de cessão de crédito afigurar-se-ia, em relação às partes contratantes (cedente e cessionário), por si, existente, válido e eficaz.
Todavia, a legislação especial (Lei n. 11.101/2005), em atenção aos interesses envolvidos no processo concursal da recuperação judicial, preceitua que a alienação – no que se insere o ato de ceder – de ativo permanente da recuperanda depende, necessariamente, da autorização judicial. Trata-se, pois, de condição legal especial de eficácia do negócio jurídico (existente e válido), sem a qual as partes contratantes não podem exigir, uma da outra, o cumprimento das obrigações avençadas.
No caso concreto, houve vontade das partes de celebrar o contrato de cessão de crédito, com clara especificação de objeto e de preço, submetendo-o, inclusive, por exigência legal, ao Poder Judiciário a cessão de crédito, para a devida formalização por instrumento.
De outro lado, o valor do crédito, totalmente indefinido por ocasião do negócio jurídico entabulado entre partes, revelado, após o transcurso desse período (de um ano e cinco meses), maior do que a importância ajustada e substancialmente superior à quantia lançada em seu plano (com provisão de perda de 100%), não pode servir de justificativa para o desfazimento unilateral do negócio jurídico, a pretexto de lesão, de rompimento do sinalagma contratual e de violação do princípio da boa-fé objetiva.
Insubsistente, de igual modo, a invocação da cláusula rebus sic stantibus, constante do art. 478 do Código Civil. Isso porque o contrato de cessão de crédito, tal como ajustado entre as partes, não se qualifica como ajuste de execução diferida, na medida em que não se pactuou o cumprimento da obrigação de uma das partes em momento futuro. Como visto, a cessão de crédito apresentou-se absolutamente aperfeiçoada com a manifestação das partes. A exigência legal especial (de autorização judicial para a alienação de venda de ativo permanente da recuperanda), como condição de eficácia, não altera a natureza de execução do contrato.
Tampouco a posterior definição do crédito, se maior ou menor ao valor ajustado, caracteriza-se como evento extraordinário ou imprevisível às partes. O risco e a própria incerteza a respeito do valor do crédito, objeto de cessão, constituem a própria essência do negócio jurídico.
Com efeito, o fato de um dos contratantes encontrar-se em recuperação judicial não autoriza o descumprimento ou a atenuação de suas obrigações assumidas após o deferimento de sua recuperação, sobretudo as chanceladas pelo Poder Judiciário, a frustrar a segurança jurídica dessas relações negociais que legitimamente se espera.
A decisão, transitada em julgado, que autoriza a alienação de crédito da recuperanda (sub judice), por atender, na oportunidade, às exigências do art. 66 da Lei n. 11.101/2005, induz necessariamente à implementação do negócio jurídico, ainda que em momento posterior não mais se afiguraria presente a utilidade da medida para o cumprimento do plano de recuperação judicial, tampouco o interesse econômico.
RECURSO ESPECIAL
Em se tratando de crédito trabalhista por equiparação (honorários advocatícios de alta monta), é possível a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005 por deliberação da Assembleia Geral de Credores, desde que devido e expressamente previsto no plano de recuperação judicial.
REsp 1.812.143-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/11/2021, DJe 17/11/2021. (Info 718)
A empresa SuiGene requereu recuperação judicial em razão de dificuldades financeiras. Na Assembleia Geral de Credores, foi deliberado o Plano de Recuperação Judicial no qual constava cláusula que criava uma subclasse dos credores trabalhistas com crédito superior a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, que deveriam optar por receber seu pagamento da seguinte forma: (i) em prazo superior a 15 (quinze) anos, com deságio de 30% (trinta por cento); (ii) no prazo de até um ano, após a aplicação de um deságio de 80% (oitenta por cento).
Dr Creisson, advogado, é um dos credores e detentor de um crédito concursal em valor substancial referente a honorários advocatícios por serviços prestados à empresa, razão pela qual se insurgiu contra a cláusula em questão, o que foi acolhido pelo tribunal local, que entendeu que, no caso da recuperação judicial, não haveria razão para a limitação do crédito, pois não há concurso de credores.
Inconformada, Suigene interpôs recurso especial no qual sustenta que há previsão expressa na LRF, em seu regramento falimentar, que permite a limitação de pagamento dos créditos trabalhistas (art. 83, I, Lei 11.101/2005) a fim de evitar que altos valores consumam todos os recursos da empresa em recuperação para pagamento de poucos credores trabalhistas.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho;
R: Yeaph!!!
O STJ possui jurisprudência firmada no sentido de que não há aplicação automática do limite previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005 às empresas em recuperação judicial, pois a forma de pagamento dos créditos é estabelecida consensualmente pelos credores e pela recuperanda no plano de recuperação judicial.
É permitido, portanto, à Assembleia Geral de Credores, dentro dos limites de sua autonomia de deliberação participativa, negociar prazos de pagamentos, diretriz, inclusive, que serve de referência à elaboração do plano de recuperação judicial da empresa.
Todavia, a consensualidade não é absoluta, pois também é certo que os créditos essencialmente trabalhistas, entendidos como aqueles que estão ligados à subsistência dos empregados, gozam de tratamento diferenciado na Lei n. 11.101/2005, mormente quanto ao reconhecimento de seu privilégio de pagamento preferencialmente aos demais (art. 83 da LRF). Isso porque, como restou asseverado no julgamento do REsp 1.924.164/SP, “tal privilégio encontra justificativa por incidir sobre verba de natureza alimentar, titularizada por quem goza de proteção jurídica especial em virtude de sua maior vulnerabilidade”.
O caso em exame apresenta, entretanto, uma particularidade importante que não pode deixar de ser consignada: trata-se de crédito de honorários advocatícios de alta monta, ou seja: verba trabalhista por equiparação (Tema Repetitivo 637 do STJ).
Cumpre destacar que a presente distinção é capaz de lançar novas luzes sobre a questão ora controvertida, isso porque, em julgamento realizado no REsp 1.649.774/SP, em que se discutia o pagamento da quantia de dois milhões de reais de verbas honorárias, a Terceira Turma decidiu que a proteção focada pela Lei n. 11.101/2005 se destina a garantir o pagamento prévio dos credores trabalhistas e equiparados e nisso reside o privilégio legal de uma quantia suficiente e razoável que lhe garanta a subsistência, um mínimo para o seu sustento. Em relação àquilo que excede esse montante, mormente nos créditos trabalhistas por equiparação, ainda que se revista da natureza alimentar, seu titular – na maioria das vezes, os escritórios de advocacia – não faz jus ao tratamento privilegiado de receber com precedência aos demais credores.
Consequentemente, o excesso decotado, respeitado o limite previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005, será convertido em crédito quirografário e, assim, aguardará o seu momento apropriado de pagamento. Cumpre destacar que, especificamente sobre a possibilidade de limitação quantitativa do crédito trabalhista e a conversão do excedente em crédito quirografário, não somente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acolheu, de forma uníssona, esse entendimento, mas também, a sua constitucionalidade, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.934/DF, restando asseverado pelo STF, naquela oportunidade, que “igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários“.
Assim, em se tratando de verbas honorárias de quantia elevada (crédito trabalhista por equiparação), o STJ tem admitido, em julgados de ambas as Turmas de Direito Privado, a estipulação da forma diferenciada de seu pagamento pela deliberação consensual da Assembleia Geral de Credores.
Em se tratando de crédito trabalhista por equiparação (honorários advocatícios de alta monta), é possível a aplicação do limite previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005 por deliberação da Assembleia Geral de Credores, desde que devido e expressamente previsto no plano de recuperação judicial.
RECURSO ESPECIAL
Os encargos da massa são preferenciais e não dependem de habilitação para serem satisfeitos, observadas as ressalvas legais do art. 124 do Decreto-Lei n. 7.661/1945.
REsp 1.383.914/RS, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/03/2021(Info 689)
Urbania Construções requereu autofalência ainda durante a vigência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, o que foi deferido. O síndico da massa falida então começou a arrecadar os bens da empresa. Ocorre que, por motivo desconhecido, ele arrecadou até mesmo um imóvel que não era de propriedade da empresa falida, mas sim de Borba Engenharia Ltda.
Borba então ajuizou embargos de terceiro e requereu ainda a condenação da massa falida em multa por litigância de má-fé, o que foi deferido. Após o trânsito em julgado da condenação, Borba requereu o pagamento imediato do valor por entender que este se enquadraria como “encargo da massa”.
Porém, o Juízo negou o pedido por entender que encargos da massa seriam aquelas estritamente relacionadas ao processo de falência e não em outros feitos, como o processo de embargos de terceiros.
Decreto-Lei n. 7.661/1945:
Art. 124. Os encargos e dívidas da massa são pagos com preferência sobre os créditos admitidos a falência, ressalvado o disposto nos artigos 102 e 125.
§ 1º São encargos da massa:
I – as custas judiciais do processo da falência, dos seus incidentes das ações em que a massa fôr vencida;
Il – as quantias fornecidas a massa pelo síndico ou pelos credores:
III – as despesas com a arrecadação, administração, realização de ativo e distribuição do seu produto, inclusive a comissão de síndico;
IV – as despesas com a moléstia e o enterro do falido, que morrer na indigência, no curso do processo;
V – os impostos e contribuições públicas a cargo da massa e exigíveis durante a falência;
VI – as indenizações por acidentes do trabalho que, no caso de continuação de negócio do falido, se tenha verificado nesse período.
R: SIM!!!
Segundo o disposto no art. 35 da lei processual revogada, a sanção deve ser computada como custas processuais, traduzindo “encargo da massa”, na forma prevista pelo art. 124, § 1º, do Decreto-Lei n. 7.661/1945. Contudo, o STJ, sem afastar a natureza da pena imposta, concluiu que as custas qualificadas como encargos da massa são aquelas estritamente relacionadas ao processo de falência e não, em outros feitos.
Convém assinalar que os embargos de terceiro nos quais imposta a pena por litigância de má-fé foram opostos de forma INCIDENTAL ao processo de falência, contra ato praticado pelo síndico da massa, que arrecadou bem imóvel indevidamente.
No ponto, o STJ tem precedente no sentido de que “[a] lei falimentar estabeleceu como encargos da massa falida as custas judiciais do processo da falência, dos seus incidentes e das ações em que a massa for vencida, as quais compreendem taxas judiciárias, emolumentos, verbas dos peritos, publicações, entre outras” (REsp 1.070.149/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/12/2011, DJe 01/02/2012). Vale lembrar que no processo falimentar há dois grupos de credores: os credores da falência propriamente dita e os credores da massa, que “são aqueles que têm créditos sobre a massa depois de a falência ter sido decretada. Esses credores, por não precisarem se habilitar, não estão sujeitos à verificação de créditos”.
Assim, respeitadas as ressalvas legais do próprio art. 124 do Decreto-Lei n. 7.661/1945 (créditos trabalhistas e créditos com garantia real), não há se falar em habilitação, já que, por expressa disposição legal, os encargos da massa são preferenciais com relação aos demais créditos da própria falência.
Os encargos da massa são preferenciais e não dependem de habilitação para serem satisfeitos, observadas as ressalvas legais do art. 124 do Decreto-Lei n. 7.661/1945.
RECURSO ESPECIAL
Em se tratando de pedido de patente de fármacos, compete à Anvisa analisar – previamente à análise do INPI – quaisquer aspectos dos produtos ou processos farmacêuticos – ainda que extraídos dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) – que lhe permitam inferir se a outorga de direito de exclusividade (de produção, uso, comercialização, importação ou licenciamento) poderá ensejar situação atentatória à saúde pública.
REsp 1.543.826-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 05/08/2021. (Info 703)
Novartis ajuizou ação em face do INPI e Anvisa com o intuito de dar prosseguimento ao processamento dos pedidos de patente de dois remédios. Os pedidos de patente foram depositados e o INPI emitiu pareceres técnicos favoráveis, aguardando-se apenas a anuência da Anvisa. Porém, a Anvisa declarou-se contrária à concessão das patentes alegando falta de novidade e de atividade inventiva dos produtos farmacêuticos. O argumento foi acatado pelo INPI, que interrompeu a tramitação dos pedidos de patente.
Inconformada, a empresa alega que à Anvisa cabe a análise de riscos à saúde pública, não dos requisitos de patenteabilidade, além da falta da devida regulamentação por decreto presidencial e que o INPI, ao acatar a manifestação da Anvisa, conferiu indevidamente à agência a competência que era exclusiva do próprio INPI.
Lei de Propriedade Industrial:
Art. 18. Não são patenteáveis:
I – o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas;
Art. 229-C. A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
Lei 9.782/1999:
Art. 6º A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.
Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:
XXV – monitorar a evolução dos preços de medicamentos, equipamentos, componentes, insumos e serviços de saúde, podendo para tanto:
CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação
R: Aparentemente, SIM!!!
Nos termos do artigo 6º da Lei da Anvisa, sua finalidade institucional consiste em promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.
Entre outras competências previstas no artigo 7º da lei, destaca-se a voltada à correção de falhas de mercado do setor de fármacos, mediante o monitoramento da evolução dos preços de medicamentos, podendo a agência reguladora, para tanto, requisitar informações, proceder ao exame de estoques ou convocar os responsáveis para explicarem conduta indicativa de infração à ordem econômica, tais como a imposição de preços excessivos ou aumentos injustificados (inciso XXV).
O relevante papel desempenhado pela Anvisa na esfera da regulação econômico-social do setor extrai-se, ainda, do fato de exercer a Secretaria-Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial criado pela Lei n. 10.742/2003 – integrado pelos Ministros da Saúde, da Casa Civil, da Fazenda, da Justiça e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – e que tem por objetivos a adoção, a implementação e a coordenação de atividades destinadas a promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta dos produtos e a competitividade entre os fornecedores.
Assim, conquanto não se possa descurar das atribuições legais do INPI – principalmente a execução, no âmbito nacional, de normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica -, em relação às patentes de fármacos, não há falar em invasão institucional por parte da Anvisa, quando a recusa da anuência prévia estiver fundamentada em qualquer critério demonstrativo do impacto prejudicial da concessão do privilégio às políticas de saúde pública, que abrangem a garantia de acesso universal à assistência farmacêutica integral.
Isso porque a diferença das perspectivas de análise das referidas autarquias federais sobre o pedido de outorga de patente farmacêutica afasta qualquer conflito de atribuições.
Com efeito, é certo que o INPI, vinculado atualmente ao Ministério da Economia, tem por objetivo garantir a proteção eficiente da propriedade industrial e, nesse mister, parte de critérios fundamentalmente técnicos, amparados em toda a sua expertise na área, para avaliar os pedidos de patente, cujo ato de concessão consubstancia ato administrativo de discricionariedade vinculada aos parâmetros abstratos e tecnológicos constantes da lei de regência e de seus normativos internos.
Por outro lado, a Anvisa, detentora de conhecimento especializado no setor de saúde, no exercício do “ato de anuência prévia”, deve adentrar quaisquer aspectos dos produtos ou processos farmacêuticos – ainda que extraídos dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) – que lhe permitam inferir se a outorga do direito de exclusividade representará potencial prejuízo às políticas públicas do SUS voltadas a garantir a assistência farmacêutica à população.
A atuação da agência reguladora, no caso, traduz, marcadamente, uma função redistributiva, na qual se procura conciliar o interesse privado – direito de exclusividade da exploração lucrativa da invenção – com as metas e os objetivos de interesses públicos encartados nas políticas de saúde.
A tese ora proposta, portanto, decorre da interpretação sistemática das normas contidas no inciso I do artigo 18 da Lei de Propriedade industrial – proibição de outorga de patentes a invenções contrárias à saúde pública – e nas Leis n. 9.782/1999 e 10.742/2003, que delineiam as funções institucionais e as competências expressamente atribuídas à Anvisa no sentido de resguardar a viabilidade das políticas de saúde consideradas “de relevância pública” pela Constituição de 1988.
Nessa perspectiva, a estipulação da “anuência prévia” da autarquia especial, como condição para a concessão da patente farmacêutica, tem por base o seu papel de regulação econômico-social – ou socioeconômica – do setor de medicamentos, que se justifica pelos mandamentos extraídos da Carta Magna, no sentido da necessária harmonização do direito à propriedade industrial com os princípios da função social, da livre concorrência e da defesa do consumidor, assim como o interesse social encartado no dever do Estado de, observada a cláusula de reserva do possível, conferir concretude ao direito social fundamental à saúde (artigos 5º, incisos XXIII, XXIX, 6º, 170, incisos III, IV e V, e 196).
Em acréscimo, ressalta-se que, à luz da norma legal analisada (artigo 229-C da Lei n. 9.279/1996), a exigência de anuência prévia da Anvisa constitui pressuposto de validade da concessão de patente de produto ou processo farmacêutico – o que, por óbvio, decorre da extrema relevância dos medicamentos para a garantia do acesso universal à assistência integral à saúde -, não podendo, assim, o parecer negativo, em casos nos quais demonstrada a contrariedade às políticas de saúde pública, ser adotado apenas como subsídio à tomada de decisão do INPI. O caráter vinculativo da recusa de anuência é, portanto, indubitável.
Nada obstante, eventual divergência entre as autarquias sobre os fundamentos exarados no parecer desfavorável à pretensão patentária, deve ser dirimida sob uma ótica dialética e cooperativa – recomendável no âmbito da Administração Pública -, em que busquem equacionar “o propósito de estímulo da atividade inventiva conducente ao desenvolvimento tecnológico e econômico do País” e “o interesse social de concretização do direito fundamental à saúde objeto das políticas públicas do SUS”.
Em se tratando de pedido de patente de fármacos, compete à Anvisa analisar – previamente à análise do INPI – quaisquer aspectos dos produtos ou processos farmacêuticos – ainda que extraídos dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) – que lhe permitam inferir se a outorga de direito de exclusividade (de produção, uso, comercialização, importação ou licenciamento) poderá ensejar situação atentatória à saúde pública.
RECURSO ESPECIAL
Não configura dano material o fato de a pessoa jurídica ter continuado a usar o logotipo após a demissão do autor do desenho.
REsp 1.228.081-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 18/05/2021, DJe 20/08/2021. (S Info)
Creiton ajuizou ação de indenização por danos materiais em face do Grupo Gaze em razão da utilização, por longo período de tempo, de desenho (logotipo) de sua autoria para a representação marcária do conglomerado, sem a devida contraprestação pecuniária e cessão dos respectivos direitos autorais, bem como em razão da posterior descaracterização da obra.
O Grupo Gaze, por sua vez, alega que não incorreu em ilicitude ao utilizar-se do logotipo mesmo após a demissão de Creiton, tampouco ao alterá-lo sem a concordância do autor.
R: Nooops!!!!
Inicialmente cumpre salientar que a obra intelectual, que foi posteriormente registrada na Biblioteca Nacional, de cotitularidade das partes, e cujo uso foi remunerado pela retribuição recebida durante o contrato de trabalho, só tem uma serventia. O autor foi solicitado a desenhar um símbolo para o grupo editorial, que só pode ser usado pelo grupo editorial. Não tem nenhuma utilidade, exceto para o grupo editorial.
Embora seja certo que há cotitularidade desse direito autoral, há essa peculiaridade que distingue o presente caso dos precedentes julgados por este Tribunal: o Direito Autoral recai sobre um símbolo, e esse símbolo designa uma empresa, e somente pode ser usado por essa empresa.
O autor, seja durante a relação de emprego, seja após ela, não teria como usar esse símbolo em benefício patrimonial próprio. Portanto, não há danos materiais pela mera circunstância de a empresa, para quem foi desenhado o símbolo, que era representada por esse símbolo – sua imagem pública -, deixar de usá-lo ou continuar a usá-lo. Assim, se o autor do desenho não poderia usar esse símbolo em benefício próprio – até porque não é a pessoa jurídica, não a representa e sequer é sócio dessa pessoa jurídica, ao que conste -, ele não poderia fazer uso nenhum desse símbolo.
Também não se pode dizer que os lucros que essa empresa tenha tido ao longo dos anos se devem não à sua atividade empresarial de meio de comunicação, mas ao fato de ter usado o símbolo desenhado pelo autor, ou sequer que tenham sido incrementados pelo valor inerente ao símbolo.
Não há aqui que se buscar danos materiais pelo fato de a empresa ter continuado a usar seu próprio logotipo, que simboliza a empresa, após a demissão do autor.
Portanto, quanto a esses danos materiais por ele haver desenhado o símbolo foram pagos durante a relação de emprego, ou seja, se não tivesse sido pago para criar o símbolo, ele mereceria uma remuneração por haver feito esse desenho, mas não danos materiais pelo uso ao longo dos anos, porque, feito licitamente o desenho durante a relação de emprego, a empresa continua a usar seu próprio símbolo.
Registra-se que a hipótese é em tudo diversa de outros tipos de obras intelectuais que possam ser realizadas, ou concebidas, ou criadas por empregado no âmbito de uma relação de emprego. Por exemplo, se fosse empregado de um grupo empresarial dedicado à educação e tivesse feito apostilas didáticas; se ele saísse da empresa, fosse demitido e a empresa continuasse a usar aquele material de ensino para as próximas turmas de estudantes, penso que haveria frutos decorrentes da continuidade de uso daquele material didático.
Se, em outro exemplo, ele tivesse inventado uma máquina ou equipamento qualquer ou desenvolvido uma tecnologia que fosse utilizada na capacidade produtiva da empresa, teria direito autoral e também estaria contribuindo com frutos obtidos pela empresa. A empresa continuaria usando, após a saída dele, esse invento, o qual poderia ser usado por ele também caso desenvolvesse o próprio negócio. Mesmo exemplo das apostilas: ele poderia fazer uso daquelas apostilas em outro tipo de negócio ou empresa. Mas não é o caso aqui; o que temos é um símbolo. Seria ilegítimo e ilegal que ele, pelo mero fato de ter desenhado esse símbolo, uma vez rompido o contrato de trabalho, fosse usá-lo para desenvolver qualquer outro negócio, já que ele não integra e nem se confunde com a empresa.
Deste modo, não configura dano material o fato de a pessoa jurídica ter continuado a usar o logotipo após a demissão do autor do desenho.
Não configura dano material o fato de a pessoa jurídica ter continuado a usar o logotipo após a demissão do autor do desenho.
RECURSO ESPECIAL
É imprescindível a intimação pessoal para fins de constituição do devedor, assistido pela Defensoria, como depositário fiel da penhora de bem imóvel realizada por termo nos autos.
REsp 1.331.719-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, DJ 03/08/2021. (Info 704)
Trata-se de Recurso Especial no qual se discute a validade da intimação dirigida à Defensoria Pública, para fins de constituição do devedor assistido como depositário fiel da penhora realizada por termo nos autos.
CPC/1973:
Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
Parágrafo único. A procuração pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica.
Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 5 o Nos casos do § 4 o , quando apresentada certidão da respectiva matrícula, a penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, será realizada por termo nos autos, do qual será intimado o executado, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado, e por este ato constituído depositário.
Lei n. 1.060/1950:
Art. 16. Se o advogado, ao comparecer em juízo, não exibir o instrumento do mandato outorgado pelo assistido, o juiz determinará que se exarem na ata da audiência os termos da referida outorga.
Parágrafo único. O instrumento de mandato não será exigido, quando a parte for representada em juízo por advogado integrante de entidade de direito público incumbido na forma da lei, de prestação de assistência judiciária gratuita, ressalvados: (Incluído pela Lei nº 6.248, de 1975)
a) os atos previstos no art. 38 do Código de Processo Civil;
CPC/15:
Art. 161. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada, mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo.
Parágrafo único. O depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça.
Súmula n. 319/STJ:
O encargo de depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado.
R: Yeaph!!!
Vale destacar que as reformas introduzidas no processo executivo e na fase de cumprimento de sentença (notadamente pelas Leis n. 10.444/2002 e 11.382/2006) visaram à SIMPLIFICAÇÃO E EFETIVIDADE dos procedimentos previstos pelo antigo Código, a fim de alcançar atividade satisfativa jurisdicional célere e eficaz, dentre elas se destacando a possibilidade de intimar o executado “na pessoa de seu advogado”, para fins de constituí-lo como depositário.
Em se tratando, todavia, de parte representada pela Defensoria Pública, algumas peculiaridades merecem maior aprofundamento, notadamente as relacionadas ao tipo de intimação, aos seus ônus e às características da assistência/representação realizada pela Defensoria Pública.
Nessa senda, imperioso pontuar a distinção existente entre o defensor constituído pela parte e o Defensor Público, atuando em razão de múnus público legalmente atribuído, em que não há escolha ou relação prévia de confiança entre assistido e representante.
Nesse contexto, a representação da parte em juízo, justamente por ser constituída legalmente, dispensa a apresentação de mandato, possuindo o defensor apenas os poderes relacionados à procuração geral para o foro, visto que o exercício de poderes especiais demanda mandato com cláusula expressa, conforme o disposto nos artigos 38, caput, do CPC/1973 e 16, parágrafo único, “a”, da Lei n. 1.060/1950.
Ademais, percebe-se que o legislador fez clara distinção entre os atos puramente processuais e aqueles materiais, que demandam ação positiva pessoal do assistido.
Nesse ponto, a doutrina preceitua que a intimação é essencial à garantia constitucional do contraditório, de modo que a distinção dos destinatários da intimação, a própria parte ou o advogado na qualidade de defensor dessa, é feita a partir da natureza dos atos a se realizar.
Pertinente, ainda, apontar que, segundo o art. 666, §3º do CPC/73, “a prisão do depositário infiel será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito”. No CPC/15, dispõe o artigo 161, parágrafo único, que “o depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça
Dessa forma, a constituição do devedor como depositário do bem penhorado não pode ser considerada, sob qualquer aspecto, como ato de natureza puramente processual, justamente em razão das consequências civis e penais que o descumprimento do mister pode acarretar. Entendimento diverso implicaria a atribuição ao Defensor Público de responsabilidade DESPROPORCIONAL pelo cumprimento e respeito do comando judicial por parte do assistido que, muitas das vezes, sequer mantém ou atualiza o contato junto à instituição.
Observa-se que a intimação pessoal é pressuposto lógico da adequada observância do comando contido na consolidada Súmula n. 319/STJ, que prevê que “o encargo de depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado.”
Com efeito, a possibilidade de recusa expressa do encargo de depositário de bens somente é respeitada caso seja oportunizada à parte, previamente, a opção de fazê-lo, de forma pessoal, não sendo preservado o direito do devedor-depositário pela circunstância de poder, ulteriormente, requerer ao Juízo que preside o feito sua exoneração. Isso porque as situações caracterizadoras de responsabilidade civil e criminal do depositário já podem estar, inclusive, concretizadas em razão da ausência de ciência pessoal do devedor do encargo, que já pode ter alienado ou instituído gravame sobre o bem penhorado.
Assim sendo, apesar de o antigo CPC/1973 não prever de forma expressa a necessidade de intimação pessoal da parte quando assistida pela Defensoria Pública, o que pode ser justificado também em razão de o citado órgão ter adquirido estatura constitucional somente quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, e a Defensoria ter sido dotada de autonomia funcional e administrativa apenas por força da EC 45/2004, o novo CPC, atento às necessidades verificadas na prática forense e às críticas acadêmicas, foi explícito em diversos artigos a respeito da obrigatoriedade de intimação pessoal do devedor representado pela Defensoria Pública.
Evidencia-se, portanto, que há clara diferença entre a relação representante-representado quando o advogado é designado e não constituído voluntária e pessoalmente pela parte.
Dessa forma, há a necessidade de intimação pessoal do devedor assistido pela Defensoria Pública para que seja constituído como depositário fiel do bem imóvel penhorado por termo nos autos, seja em virtude de o ato possuir conteúdo de direito material e demandar comportamento positivo da parte, b) seja em razão de o Defensor Público, na condição de defensor nomeado e não constituído pela parte, exercer múnus público que impede o seu enquadramento no conceito de “advogado” para os fins previstos no artigo 659, § 5°, do CPC/1973, possuindo apenas, via de regra, poderes gerais para o foro.
É imprescindível a intimação pessoal para fins de constituição do devedor, assistido pela Defensoria, como depositário fiel da penhora de bem imóvel realizada por termo nos autos.
RECURSO ESPECIAL
É cabível dano moral pelo defeito na prestação de serviço de transporte aéreo com a entrega de passageiro menor desacompanhado, após horas de atraso, em cidade diversa da previamente contratada.
REsp 1.733.136-RO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/09/2021, DJe 24/09/2021. (Info 711)
Cleidson, adolescente de 15 anos, programou passar um período de férias com seu pai Craudiomiro, residente em Roraima. Ocorre que, por motivos de atraso no voo, Cleidson não só perdeu sua conexão, como teve de aguardar por mais de 9 horas sozinho no aeroporto, por outro voo que o levaria, NÃO ao seu destino final, mas sim até uma cidade a aproximadamente 100 km do seu destino original.
Inconformado e devidamente representado, Cleidson ajuizou ação em face da companhia aérea por meio da qual requereu a condenação desta ao pagamento de indenização por danos morais.
R: Com certeza!!!
Trata-se, no caso, de companhia aérea contratada para o transporte de um adolescente, que, com 15 anos de idade, viajava sozinho. Do inadimplemento incontroverso não resultara apenas um atraso dentro de um lapso médio razoável após o horário previsto no seu destino, senão dali adveio uma espera de 9 horas por um menor de idade, em cidade desconhecida, sem a proteção de qualquer dos seus responsáveis, sujeito a toda sorte de acontecimentos e violência.
A maximizar ainda a incerteza e insegurança, tem-se que o menor, após este longo período de espera, sequer fora deixado na cidade de destino, mas em uma cidade novamente desconhecida e a 100 km de onde estaria seu pai/responsável.
Sequer comprovou-se a efetiva oferta de transporte ao menor, mas isto acaba sendo, mesmo, de menor importância, pois é claro que o pai não confiaria na empresa que tanto já havia demonstrado descumprir com as suas obrigações, deixando o seu filho à espera de transporte por quase metade de um dia e, no último trecho (que sequer estava previsto quando da contratação), submetendo-o, durante a madrugada, a transporte por uma van para levá-lo para a cidade de destino, com um motorista desconhecido, não se sabe se com outros passageiros ou não, nas nada seguras rodovias brasileiras.
O fato de a companhia aérea ter garantido alimentação e hospedagem para o menor não impressiona, pois era o MÍNIMO a ser feito. Aliás, era o exigido pelas normas estabelecidas pela ANAC. Do contrário, o que se veria, na verdade, seria algo parecido com a tortura, relegando-se um menor de idade à sua sorte, em lugar desconhecido, com fome e no desconforto de uma cadeira de aeroporto por 9 horas seguidas.
O STJ já indicara alguns parâmetros para o reconhecimento do dano moral quando do atraso de voos e deixara claro que na hipótese de se verificar situação EXCEPCIONAL, o caso será, sim, de reconhecimento do direito à indenização.
Não há dúvidas que o direito brasileiro experimentou um período de banalização da indenização pelos danos morais, reconhecendo-se o direito a toda sorte de situações, muitas delas em que efetivamente não se estava a lidar com violações a interesses ligados à esfera da dignidade humana.
Não se pode descurar, no entanto, que, quando presentes os elementos a evidenciar mais do que mero aborrecimento em ficar em um hotel, alimentado, no aguardo de um voo, é devida a indenização pelos danos morais.
Esse é o caso quando se expõe os pais de um infante e o próprio menor, a horas de total insegurança e – certamente para alguns não poucos indivíduos de desespero – acerca da sorte dos seus filhos, e, ainda, os reflexos alcançaram a vida profissional do pai do menor, que é médico, tendo ele de reagendar cirurgia por força da aflição experimentada e, ainda, da alteração dos horários de chegada do filho, o que evidencia o direito à indenização.
É cabível dano moral pelo defeito na prestação de serviço de transporte aéreo com a entrega de passageiro menor desacompanhado, após horas de atraso, em cidade diversa da previamente contratada.
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