Avançamos em nossa caminhada jurisprudencial. Chegou a hora do Informativo nº 833 do STJ COMENTADO. Pra cima dele!
O gestor de banco de dados que disponibiliza para terceiros consulentes o acesso aos dados do cadastrado que somente poderiam ser compartilhados entre bancos de dados deve responder objetivamente pelos danos morais causados.
REsp 2.133.261-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, DJe 10/10/2024 (Info STJ 833)
Creide ajuizou ação na qual alega ter descoberto que a empresa Acerto Ltda teria realizado a comercialização de seus dados pessoais sem a sua autorização ou mesmo comunicação prévia.
Acerto alega a legalidade da comercialização de dados, pois é instituição gestora de banco de dados para formação de histórico de crédito (SCPC), assim autorizada pelo BACEN.
Lei n. 12.414/2011:
Art. 4º O gestor está autorizado, nas condições estabelecidas nesta Lei, a:
I – abrir cadastro em banco de dados com informações de adimplemento de pessoas naturais e jurídicas;
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD:
Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:
X – para a proteção do crédito, inclusive quanto ao disposto na legislação pertinente.
O gestor de banco de dados com a finalidade de proteção do crédito, pode realizar o tratamento de dados pessoais não sensíveis e abrir cadastro com informações de adimplemento de pessoas naturais e jurídicas, sem o consentimento prévio do cadastrado, em observância aos artigos 4º, I, da Lei n. 12.414/2011 e 7º, X, da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD.
Todavia, o gestor de banco de dados regido pela Lei n. 12.414/2011 somente pode disponibilizar a terceiros consulentes (I) o score de crédito (pontuação de crédito), sendo desnecessário o consentimento prévio; e (II) o histórico de crédito, mediante prévia autorização específica do cadastrado (nos moldes do Anexo do Decreto n. 9.936/2019), conforme o art. 4º, IV, a e b da referida lei.
Por outro lado, em observância o inciso III do art. 4º da Lei n. 12.414/2011, as informações cadastrais e de adimplemento armazenadas somente podem ser compartilhadas com outros bancos de dados, que são geridos por instituições devidamente autorizadas para tanto na forma da lei e regulamento.
Portanto, se um terceiro consulente tem interesse em obter as informações cadastrais do cadastrado, ainda que sejam dados pessoais não sensíveis, deve ele obter o prévio e expresso consentimento do titular, com base na autonomia da vontade, pois não há autorização legal para que o gestor de banco de dados disponibilize tais dados aos consulentes.
Em relação à abertura do cadastro pelo gestor de banco de dados, embora não seja exigido o consentimento prévio, é necessária a comunicação ao cadastrado, inclusive quanto aos demais agentes de tratamento, podendo exigir o cancelamento do seu cadastro a qualquer momento, nos termos do art. 4º, I e § 4º, da Lei n. 12.414/2011, além de exercer os demais direitos previstos em lei quanto aos seus dados.
A inobservância dos deveres associados ao tratamento (que inclui a coleta, o armazenamento e a transferência a terceiros) dos dados do titular – dentre os quais se inclui o dever de informar – faz nascer para este a pretensão de indenização pelos danos causados e a de fazer cessar, imediatamente, a ofensa aos direitos da personalidade.
A disponibilização indevida de dados pessoais pelos bancos de dados para terceiros caracteriza dano moral presumido (in re ipsa) ao cadastrado titular dos dados, diante, sobretudo, da forte sensação de insegurança por ele experimentada.
Dessa forma, o gestor de banco de dados que disponibiliza para terceiros consulentes o acesso aos dados do cadastrado que somente poderiam ser compartilhados entre bancos de dados – como as informações cadastrais – deve responder objetivamente pelos danos morais causados ao cadastrado, em observância aos artigos 16 da Lei n. 12.414/2011 e 42 e 43, II, da LGPD.
O gestor de banco de dados que disponibiliza para terceiros consulentes o acesso aos dados do cadastrado que somente poderiam ser compartilhados entre bancos de dados deve responder objetivamente pelos danos morais causados.
O simples fato de o neto, concebido por inseminação artificial, coabitar residência com mãe e o avô materno e reconhecê-lo como pai, não é suficiente para afastar a proibição prevista no art. 42, § 1º, do ECA, que veda a adoção por avós.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 7/11/2024. (Info STJ 833)
Creitinho, neto concebido por inseminação artificial, coabita com a mãe e o avô materno, o qual ajuizou ação para tentar adotar o menino.
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA:
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
A Constituição Federal, em seu art. 226, § 4º, reconhece como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, denominada família “monoparental”, que deve ser prestigiada, mormente quando da escolha por essa modalidade de família por pessoa que opta pela realização de inseminação artificial.
Conquanto a regra do art. 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, vede expressamente a adoção dos netos pelos avós, fato é que o referido dispositivo legal tem sofrido flexibilizações no STJ, sempre excepcionais, por razões humanitárias e sociais, bem como para preservar situações de fato consolidadas.
A Quarta Turma do STJ no julgamento do REsp 1.587.477/SC, publicado em 27/8/2020, fixou requisitos para a adoção avoenga: que “(i) o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando”.
Dessa forma, nos termos da jurisprudência do STJ, não é suficiente que a criança reconheça o avô como pai para superar o expresso óbice legal – em especial quando os demais requisitos para superação do art. 42, §1º no ECA estão ausentes. Ademais, no caso, se verifica que a mãe exerce plenamente a maternidade, sem qualquer óbice ou incapacidade, tendo inclusive desejado e planejado a gestação por técnica de reprodução assistida por inseminação artificial.
O simples fato de o neto, concebido por inseminação artificial, coabitar residência com mãe e o avô materno e reconhecê-lo como pai, não é suficiente para afastar a proibição prevista no art. 42, § 1º, do ECA, que veda a adoção por avós.
É ônus do executado provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade.
REsp 2.080.023-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 6/11/2024, DJe 11/11/2024. (Tema 1234). (Info STJ 833)
Terrena Negócios ajuizou ação de execução extrajudicial em face de Tadeu. O pedido de penhora da propriedade de Tadeu foi indeferido em razão da falta de comprovação de que não há exploração familiar da terra.
Em recurso, Terrena alega que Tadeu não demonstrou que o imóvel penhorado é trabalhado por ele e tampouco que dele retira o seu sustento.
CPC:
Art. 833. São impenhoráveis:
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
Cinge-se a controvérsia, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, em “definir sobre qual das partes recai o ônus de provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade” (Tema 1234/STJ).
Para reconhecer a impenhorabilidade, nos termos do art. 833, VIII, do CPC, é imperiosa a satisfação de dois requisitos: (i) que o imóvel se qualifique como pequena propriedade rural, nos termos da lei, e (ii) que seja explorado pela família.
Quanto ao primeiro requisito, considerando a lacuna legislativa acerca do conceito de “pequena propriedade rural” para fins de impenhorabilidade, a jurisprudência tem tomado emprestado aquele estabelecido na Lei n. 8.629/1993, a qual regulamenta as normas constitucionais relativas à reforma agrária. No art. 4º, II, alínea a, da referida legislação, atualizada pela Lei n. 13.465/2017, consta que se enquadra como pequena propriedade rural o imóvel rural “de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento”.
Essa interpretação se encontra em harmonia com o Tema n. 961/STF, segundo o qual “é impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização” (DJe 21/12/2020).
A Segunda Seção do STJ decidiu que, para o reconhecimento da impenhorabilidade, o devedor (executado) tem o ônus de comprovar que além de se enquadrar dentro do conceito de pequena, a propriedade rural se destina à exploração familiar (REsp n. 1.913.234/SP, Segunda Seção, DJe 7/3/2023).
Como regra geral, a parte que alega tem o ônus de demonstrar a veracidade desse fato (art. 373 do CPC) e, sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado.
O art. 833, VIII, do CPC é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar.
Nesse sentido, isentar o executado de comprovar o cumprimento desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor (exequente) importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação da norma – de assegurar os meios para a efetiva manutenção da subsistência do executado e de sua família.
Assim, fixa-se a seguinte tese jurídica: “É ônus do executado provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade”.
É ônus do executado provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade.
O delito previsto no art. 54, caput, primeira parte, da Lei n. 9.605/1998 prescinde de prova pericial para constatação de poluição que possa resultar em danos à saúde humana.
AgRg no REsp 2.130.764-MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 16/9/2024, DJe 18/9/2024 (Info STJ 833)
Crementino foi denunciado pelo delito de poluição sonora. A sua defesa alega que o tipo exige prova material concreta por meio de perícia oficial de risco de danos à saúde humana. Destaca que as medições feitas pela polícia militar e pelos fiscais municipais não avaliam se o nível de ruídos resultou ou poderia resultar em danos à saúde pública.
Lei n. 9.605/1998:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
O Tribunal estadual desclassificou a conduta do art. 54, caput, da Lei n. 9.605/1998 (poluição sonora) para a prevista no art. 42 do Decreto Lei n. 3.688/1941 (contravenção de perturbação) essencialmente porque não realizada prova técnica para comprovação do dano ou da probabilidade do dano à saúde dos moradores locais, embora constatado que houve elevação sonora acima da fixada em regulamentação específica.
Contudo, referido entendimento não encontra amparo na jurisprudência do STJ, pois o crime do art. 54, caput, da Lei n. 9.605/1998, primeira parte, se trata de crime formal, de perigo abstrato, prescindindo de prova pericial para constatação de poluição que possa resultar em danos à saúde humana diante do desrespeito às regras de emissão sonora.
Nessa linha, nos termos do entendimento do STF, “1. A emissão de som, quando em desacordo com os padrões estabelecidos, provocará a degradação da qualidade ambiental. 2. A conduta narrada na denúncia mostra-se plenamente adequada à descrição típica constante no art. 54, caput, e § 2º, I, da Lei n. 9.605/1998, c/c o art. 3º, III, da Lei n. 6.938/1981, pois descreve a emissão pela pessoa jurídica de ruídos acima dos padrões estabelecidos pela NBR 10.151, causando, por conseguinte, prejuízos à saúde humana, consoante preconiza a Resolução do Conama n. 01/1990.” (AgRg no REsp 1.442.333/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 27/6/2016).
Desse modo, no caso, diante do comprovado desrespeito às regras de emissão sonora constatado pelas instâncias ordinárias em decorrência de levantamento de ruídos ambiental, indevida a desclassificação operada pelo Tribunal a quo com fundamento na falta de realização de prova técnica para comprovação do dano ou da probabilidade do dano à saúde dos moradores locais.
O delito previsto no art. 54, caput, primeira parte, da Lei n. 9.605/1998 prescinde de prova pericial para constatação de poluição que possa resultar em danos à saúde humana.
Não é possível a dedução de despesas com ágio interno da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, relacionadas a operações societárias realizadas antes do advento da Lei n. 12.973/2014, nas hipóteses em que constatada a criação de pessoa jurídica, sem correspondência econômica, para servir como transmissora de ágio meramente contábil no contexto de incorporação reversa.
REsp 2.152.642-RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 11/11/2024. (Info STJ 833)
Viação Dark realizou a incorporação de sociedade integrante do grupo societário, sem o envolvimento de terceiros (partes independentes) e tampouco efetivo desembolso financeiro.
Ciente do negócio, o Fisco passou a exigir o IRPJ e a CSLL vinculados à amortização do ágio gerado na operação societária, ao argumento de que a empresa incorporada foi criada e utilizada meramente como veículo para transporte de ágio gerado artificialmente. A demandante insiste que inexiste vedação legal à amortização do ágio interno.
Lei n. 9.532/1997:
Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977:
I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “a” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa;
II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “c” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização;
III – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “b” do § 2° do art. 20 do Decreto-lei n° 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração;
IV – deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “b” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados durante os cinco anos-calendários subseqüentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no mínimo, para cada mês do período de apuração.
A controvérsia cinge-se em saber se o ordenamento jurídico vigente à época dos fatos, em especial os artigos 7º e 8º da Lei n. 9.532/1997, permitia que organizações societárias criassem pessoas jurídicas apenas com a finalidade de produzir ágio artificial destinado a reduzir as bases tributáveis do IRPJ e da CSLL.
O ordenamento jurídico brasileiro passou a tratar da figura do ágio por meio do Decreto-Lei n. 1.598/1977, podendo ser conceituado como preço adicional ao custo de aquisição de participação societária, representado pela diferença positiva entre o custo de aquisição e o valor contábil do investimento adquirido, justificada pela perspectiva de obtenção de receitas futuras. Em outras palavras, a empresa adquirente aceita pagar pela aquisição valor superior ao contabilizado no patrimônio líquido da empresa adquirida, considerando a expectativa de auferimento de lucros, que necessariamente deve ser justificada mediante demonstração contábil.
Sob as perspectivas contábil e societária, o ágio é passível de amortização na apuração de resultado da empresa investidora, impedindo o reconhecimento de ganhos inexistentes. Ou seja, a rentabilidade da sociedade adquirida não constituirá lucro da sociedade investidora até o montante equivalente ao ágio pago. Uma vez que, sendo neutralizado o ágio, os resultados positivos da empresa investida refletem no aumento do patrimônio da investidora.
Entretanto, sob a perspectiva fiscal, o ágio é tratado de forma distinta, uma vez que a legislação tributária impõe que todo ágio ou deságio contabilmente amortizado deve ter seus efeitos fiscais anulados perante o IRPJ e CSLL, enquanto não houver a alienação ou liquidação do investimento adquirido. Paralelamente a isso, o registro contábil é preservado para futuro aproveitamento quando da alienação, momento em que é autorizada a integração do ágio ao custo de aquisição para apuração do ganho de capital. Exceção à regra ocorre apenas na hipótese em que a empresa investida é incorporada pela investidora, porque não mais subsiste a possibilidade de sua alienação, impossibilitando a recuperação fiscal do ágio em face dos itens patrimoniais da investida se fundirem e se confundirem com os da própria investidora.
A Lei n. 9.532/1997 estabeleceu um caminho natural em que determinada empresa, adquirindo participação societária com ágio, ao incorporar a empresa coligada ou controlada, poderia amortizar esse valor de rentabilidade futura na base de cálculo do IRPJ e da CSLL devidos. Tudo isso com o objetivo específico de afastar da tributação o eventual ganho futuro que, em verdade, somente poderia ser aferido em posterior venda, frustrada pela extinção da empresa adquirida.
No caso específico do ágio interno, ou ágio próprio, ou ágio de si mesmo, uma característica necessária é a inexistência de qualquer relação jurídica com membros que não fazem parte do mesmo grupo societário. É dizer, todas as operações acontecem entre partes vinculadas. Outro ponto indispensável para se caracterizar o ágio de si mesmo é a completa ausência de operação societária envolvendo a efetiva transferência de recursos financeiros.
Finalmente, e este é um evento havido no caso concreto, o ágio interno pode ser gerado por meio de uma chamada “empresa veículo”, cuja existência no mundo jurídico somente se justifica para criar a mais valia para o grupo societário. Cuida-se de sociedade completamente desprovida de propósito negocial em absoluto descompasso com o regime do direito societário. Não há “empresa” nos termos definidos pelo Código Civil, porque não há exercício de atividade econômica organizada para a circulação de bens ou serviços, e, exatamente neste ponto, pode-se identificar o abuso de direito caracterizado pelo abuso da personalidade jurídica.
Sobre o ágio interno e sua relação com o abuso de direito, é importante mencionar que este abuso, para que seja considerado antijurídico, demanda, para além da utilização de um instituto para fins aos quais o ordenamento não o destina, que esta utilização afete direito de terceiros, ainda que não haja a intenção de prejudicar por parte daquele que o exerce. A inexistência de direitos absolutos e a limitação destes direitos a partir do momento em que outros direitos ou prerrogativas são atingidos é lugar comum em assertivas gerais e abstratas, mas que encerram dificuldades quando é necessária a aplicação destas premissas nos casos concretos.
Sob essas lentes, não são admissíveis as conclusões de que se admite que a liberdade de auto-organização comporta a construção de estruturas artificiais para a economia de tributos. É evidente que não se está a defender o argumento pueril de que a economia de tributos só pode acontecer de maneira “casual”. O contribuinte pode sim organizar seus negócios de maneira a escolher o caminho menos oneroso tributariamente, desde que as estruturas jurídicas utilizadas se compatibilizem com o ordenamento jurídico, exatamente porque a liberdade contratual se limita aos termos em que o constituinte concebeu esta e outras prerrogativas.
O abuso de direito perpetrado com a criação de estruturas artificiais para aproveitamento do ágio e pagamento a menor de tributos agride a juridicidade do ordenamento. Para além do reconhecimento legal como ato ilícito previsto no art. 187 do Código Civil, o abuso de direito no caso encerra violação dos primados da capacidade contributiva, em sua condição de corolário da própria isonomia. Por esse motivo, o abuso de direito materializado na amortização de ágio gerado em operações internas, sem nenhum propósito negocial, desrespeitou o ordenamento jurídico vigente, ensejando a neutralização dos efeitos do ato abusivo pela autoridade fiscal.
Não é possível a dedução de despesas com ágio interno da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, relacionadas a operações societárias realizadas antes do advento da Lei n. 12.973/2014, nas hipóteses em que constatada a criação de pessoa jurídica, sem correspondência econômica, para servir como transmissora de ágio meramente contábil no contexto de incorporação reversa.
A nova redação do art. 51 do Código Penal não retirou o caráter penal da multa, de modo que, embora se apliquem as causas suspensivas da prescrição previstas na Lei n. 6.830/1980 e as causas interruptivas disciplinadas no art. 174 do Código Tributário Nacional, o prazo prescricional continua regido pelo art. 114, II, do Código Penal, inclusive quanto ao prazo de prescrição intercorrente.
REsp 2.173.858-RN, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 11/11/2024. (Info STJ 833)
Joãzinho foi condenado a pena privativa de liberdade cumulada com multa. Quando a execução fiscal foi proposta, o juizão extinguiu a execução ao argumento de prescrição intercorrente.
Inconformada, a União alega que o objeto da dívida se trata de multa criminal, e que sua cobrança por meio de execução fiscal não transmuda sua natureza jurídica, devendo ser aplicado, desta forma, o prazo previsto em direito material, qual seja o previsto nos arts. 109 e 110 do Código Penal.
Código Penal:
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Art. 114 – A prescrição da pena de multa ocorrerá: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
II – no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.
No caso, trata-se de execução fiscal visando à cobrança de dívida ativa não-tributária referente à multa penal cominada cumulativamente com pena privativa de liberdade.
O Tribunal de origem entendeu que a conversão da pena de multa em dívida de valor, na forma prevista no art. 51 do Código Penal, transmudaria sua natureza jurídica de sanção penal para dívida de caráter extrapenal. Por conseguinte, concluiu que seria aplicável o prazo de prescrição intercorrente estabelecido no art. 40 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal – LEF), de modo a declarar extinta a execução fiscal.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.340.553/PR (Tema 566/STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos, em voto-vista da Ministra Assusete Magalhães, deixou assentado que o prazo de duração da prescrição intercorrente depende da natureza da dívida ativa, de modo que, embora a dívida ativa tributária tenha prazo quinquenal, há dívidas não tributárias, que são objeto de execução fiscal, com prazos prescricionais diversos, consoante os seguintes precedentes: REsp 1.117.903/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe de 1/2/2010; REsp 1.373.292/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 4/8/2015.
No julgamento do aludido REsp 1.340.553/PR, o Ministro Herman Benjamin, em voto-vista, consignou ainda que o prazo da prescrição intercorrente não será, necessariamente, quinquenal. Para os créditos de natureza não tributária, o prazo da prescrição intercorrente será idêntico ao da prescrição ordinária, estabelecido em legislação específica – ou, na inexistência desta, aquele disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
Quanto ao prazo de prescrição aplicável à execução de multa penal, a jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que a nova redação do art. 51 do Código Penal não retirou o caráter penal da multa. Assim, embora se apliquem as causas suspensivas da prescrição previstas na Lei n. 6.830/1980 e as causas interruptivas disciplinadas no art. 174 do Código Tributário Nacional, o prazo prescricional continua regido pelo art. 114, II, do Código Penal.
A nova redação do art. 51 do Código Penal não retirou o caráter penal da multa, de modo que, embora se apliquem as causas suspensivas da prescrição previstas na Lei n. 6.830/1980 e as causas interruptivas disciplinadas no art. 174 do Código Tributário Nacional, o prazo prescricional continua regido pelo art. 114, II, do Código Penal, inclusive quanto ao prazo de prescrição intercorrente.
Não cabe a concessão de indulto ao condenado por crimes patrimoniais que, nos termos do art. 2º, XV, do Decreto Presidencial n. 11.846/2023, deixa de reparar o dano ou não comprova a impossibilidade econômica de fazê-lo.
AgRg no HC 935.027-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 30/9/2024, DJe 4/10/2024. (Info STJ 833)
Creiton, reincidente em delitos de furtos qualificados, que resultaram em prejuízo às vítimas, requereu a concessão do indulto previsto no art. 2º, I, do Decreto Presidencial n. 11.843/2023. O Tribunal local confirmou o indeferimento do benefício, com base no inciso XV do art. 2º do mencionado decreto, ao considerar que esse dispositivo é regra específica para os condenados exclusivamente por crimes patrimoniais e que não houve a reparação do dano ou a comprovação da absoluta incapacidade de fazê-lo.
Inconformado, o rapaz alega inviável a aplicação do princípio da especialidade para negar o direito ao indulto, porquanto o inciso I do artigo 2º traz norma diversa, com requisito mais gravoso para concessão do benefício.
Constituição Federal:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;
O indulto natalino é um instrumento de política criminal e carcerária adotada pelo Executivo, com amparo em competência constitucional, que encontra restrições apenas na própria Constituição da República, que veda a concessão de anistia, graça ou indulto aos crimes de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e aos classificados como hediondos.
Ademais, “a interpretação extensiva das restrições contidas no decreto concessivo de comutação/indulto de penas consiste, nos termos do art. 84, XII, da Constituição Federal, em invasão à competência exclusiva do Presidente da República, motivo pelo qual, preenchidos os requisitos estabelecidos na norma legal, o benefício deve ser concedido por meio de sentença – a qual possui natureza meramente declaratória -, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade” (AgRg no REsp 1.902.850/GO, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, DJe de 20/4/2023).
No caso, o condenado, reincidente em delitos de furtos qualificados, que resultaram em prejuízo às vítimas, requereu a concessão do indulto previsto no art. 2º, I, do Decreto Presidencial n. 11.843/2023. O Tribunal de origem confirmou o indeferimento do benefício, com base no inciso XV do art. 2º do mencionado decreto, ao considerar que esse dispositivo é regra específica para os condenados exclusivamente por crimes patrimoniais e que não houve a reparação do dano ou a comprovação da absoluta incapacidade de fazê-lo.
Note-se que o inciso I do referido decreto se refere aos crimes praticados sem violência ou grave ameaça, enquanto o inciso XV especificamente se refere aos condenados por crime contra o patrimônio, cometido sem grave ameaça ou violência a pessoa.
Exigíveis, pois, os requisitos objetivos mínimos de cumprimento de pena e de comprovação da reparação do dano ou a impossibilidade econômica de fazê-lo para a concessão do indulto natalino. Desse modo, a ausência de comprovação acarreta a negativa do benefício.
Não cabe a concessão de indulto ao condenado por crimes patrimoniais que, nos termos do art. 2º, XV, do Decreto Presidencial n. 11.846/2023, deixa de reparar o dano ou não comprova a impossibilidade econômica de fazê-lo.
A conclusão do ensino superior antes do início de cumprimento da reprimenda não impede a remição da pena pelo estudo ao reeducando que obtém aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
REsp 2.156.059-MS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024. (Info STJ 833)
Creitinho estava parado exercendo sua malemolência em conhecido local de tráfico de drogas, avistou a viatura e teria demonstrado nervosismo, momento em que foi abordado por guardas civis municipais, que em busca pessoal encontraram drogas com o rapaz.
A defesa alega a nulidade da apreensão, uma vez que a abordagem decorreu de investida dos agentes municipais nas funções de natureza policial e investigativa, o que a eles não seria permitido. Alega que tal atribuição, consistente na preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, está reservada às polícias federal, militar, civil e corpo de bombeiros.
Lei de Execução Penal:
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de concessão da remição pela aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ao apenado que já ostenta diploma de nível superior.
O art. 126 da Lei de Execução Penal determina que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. Como resultado de uma interpretação analógica in bonam partem da referida norma, segundo jurisprudência desta Corte, é possível hipóteses de abreviação da reprimenda em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal.
Nessa linha, a Resolução CNJ n. 391/2021 prevê que faz jus à remição o apenado que, embora não esteja vinculado a atividades regulares de ensino, realiza estudos por conta própria e obtém aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental ou médio. Quanto à abrangência dessa hipótese, a Terceira Seção do STJ, no julgamento dos EREsp 1.979.591/SP, decidiu que é possível a remição da pena por aprovação no ENEM ainda que o reeducando já tenha concluído o ensino médio anteriormente ao início do resgate da reprimenda.
De fato, as normas da execução penal, notadamente aquela relacionada à remição pelos estudos, deve ser interpretada de modo mais favorável ao réu, especialmente em razão de inexistir, na regra contida no art. 126 da LEP, restrição à concessão do referido direito àqueles que já tenham concluído o ensino médio ou superior.
É esse caminho interpretativo que o Superior Tribunal de Justiça tem adotado nas controvérsias relacionadas ao tema, porquanto vem considerando devidas benesses executórias que, apesar de não terem expressa previsão legal, prestigiam a ressocialização do recluso, como na espécie.
Ademais, não se trata de se conferir espécie de crédito contra a justiça, porquanto a remição não é concedida pelo simples fato de o apenado já ter formação superior, mas, sim, por ele ter obtido êxito na aprovação do Exame Nacional do Ensino Médio por meio de conhecimentos por ele adquiridos.
A conclusão do ensino superior antes do início de cumprimento da reprimenda não impede a remição da pena pelo estudo ao reeducando que obtém aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Não há falar em ilegalidade na busca pessoal realizada por guardas civis municipais motivada pela atitude suspeita do réu, que, em local conhecido como de traficância, ficou nervoso ao avistar a viatura e escondeu algo na cintura.
AgRg no REsp 2.108.571-SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 8/11/2024.(Info STJ 833)
Creitinho estava parado exercendo sua malemolência em conhecido local de tráfico de drogas, avistou a viatura e teria demonstrado nervosismo, quando foi abordado por guardas civis municipais, que em busca pessoal encontraram drogas com o rapaz.
A defesa alega a nulidade da apreensão, uma vez que esta decorreu de investida dos agentes municipais nas funções de natureza policial e investigativa, o que a eles não é permitido, vez que tal atribuição, consistente na preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, está reservada às polícias federal, militar, civil e corpo de bombeiros.
Ao julgar o REsp n. 1.977.119/SP, a Sexta Turma do STJ, conferindo nova interpretação ao disposto no art. 244 do CPP, decidiu que as Guardas Municipais “podem realizar patrulhamento preventivo na cidade, mas sempre vinculados à finalidade específica de tutelar os bens, serviços e instalações municipais, e não de reprimir a criminalidade urbana ordinária, função esta cabível apenas às polícias, tal como ocorre, na maioria das vezes, com o tráfico de drogas”.
Foi destacado que “não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais”.
Por fim, concluiu-se que “só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se houver, além de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse de corpo de delito), relação clara, direta e imediata com a necessidade de proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, o que não se confunde com permissão para realizarem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária” (REsp n. 1.977.119/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 23/8/2022).
Todavia, “conforme jurisprudência consolidada desta Corte Superior, não há falar em ilegalidade na prisão em flagrante realizada por guardas civis municipais. Consoante disposto no art. 301 do CPP, ‘qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito'” (AgRg no HC n. 748.019/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022).
No caso, a situação não se assemelhou àquela que ensejou o provimento do REsp n. 1.977.119/SP. Consoante consignado pelo Tribunal de origem, o “local era conhecido como de traficância e a atitude suspeita do réu, ficando nervoso ao avistar a viatura e escondendo algo na cintura, motivaram os guardas a procederem a abordagem, na qual foram encontrados com o réu as drogas”. Nesse contexto, a atuação da Guarda Municipal não se mostrou ilegal.
Não há falar em ilegalidade na busca pessoal realizada por guardas civis municipais motivada pela atitude suspeita do réu, que, em local conhecido como de traficância, ficou nervoso ao avistar a viatura e escondeu algo na cintura.
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