Avançamos em nossa caminhada jurisprudencial. Chegou a hora do Informativo nº 827 do STJ COMENTADO. Pra cima dele!
RECURSO ESPECIAL
O art. 1º, § 2º, da Lei n. 9.074/1995, após as modificações operadas pelo art. 26, da Lei n. 10.684/03, o qual prevê que o prazo das concessões e permissões será de vinte e cinco anos, podendo ser prorrogado por dez anos, somente se aplica aos contratos firmados após a publicação da nova lei.
REsp 2.038.245-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/8/2024, DJe 26/8/2024. (Info STJ 827)
MLOG S/A, administradora de portos secos, ajuizou ação requerendo a prorrogação de contrato de permissão de serviço público firmado antes das alterações da Lei n. 10.684/03. Sustenta a possibilidade da prorrogação devido à possibilidade de retroatividade da norma aos contratos vigentes e firmados anteriormente.
Lei n. 9.074/1995:
Art. 1o Sujeitam-se ao regime de concessão ou, quando couber, de permissão, nos termos da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes serviços e obras públicas de competência da União:
IV – vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública;
V – exploração de obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas ou outros dispositivos de transposição hidroviária de níveis, diques, irrigações, precedidas ou não da execução de obras públicas;
VI – estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não instalados em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras públicas.
VII – os serviços postais.
§ 2o O prazo das concessões e permissões de que trata o inciso VI deste artigo será de vinte e cinco anos, podendo ser prorrogado por dez anos.
R: Nooops!!!
A controvérsia consiste em saber se a empresa permissionária de serviço público com contrato administrativo vigente deve ser beneficiada pelas alterações operadas na Lei n. 9.074/1995 de modo a lhe garantir o prazo contratual mínimo de 25 anos, prorrogável por mais 10 anos.
Inicialmente, é válido registrar que os contratos administrativos são, a rigor, regidos pelas normas aplicáveis quando da formalização do negócio jurídico, em respeito à proteção do ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal), sendo certo que, para aplicação de regras supervenientes, deve haver previsão expressa nesse sentido.
A Lei n. 10.684/2003 promoveu alterações nos §§ 2º e 3º do artigo 1º da Lei n. 9.074/1995, mas somente em relação ao §3º deixou expressamente consignado ser aplicável aos contratos firmados anteriormente. Dessa forma, o § 2º, o qual alterou o prazo das concessões e permissões para 25 (vinte e cinco) anos, podendo ser prorrogado por dez anos, se aplica apenas aos contratos firmados após a publicação da nova lei. Por outro lado, o §3º que trata da prorrogação do prazo contratual de dez anos, é aplicável aos contratos firmados anteriormente (como uma espécie de norma de transição), conforme expresso no artigo.
Saliente-se, por fim, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3497, deu interpretação conforme ao art. 1º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.074/1995, acrescidos pelo art. 26 da Lei n. 10.684/2003, definindo, entre outras questões, que “com relação ao referido §3º […] eventual prorrogação observe o prazo máximo (prazo-limite) de 10 (dez) anos, podendo ser realizada, no caso concreto, por prazo menor se assim entender conveniente e oportuno o Administrador Público”.
O art. 1º, § 2º, da Lei n. 9.074/1995, após as modificações operadas pelo art. 26, da Lei n. 10.684/03, o qual prevê que o prazo das concessões e permissões será de vinte e cinco anos, podendo ser prorrogado por dez anos, somente se aplica aos contratos firmados após a publicação da nova lei.
RECURSO ESPECIAL
É legítima a retribuição financeira exigida por concessionária responsável pelos túneis do metrô em face de empresa privada prestadora de serviço de interesse público para a instalação de infraestrutura de telecomunicações, na forma do art. 11 da Lei 8.987/1995.
REsp 1.990.245-SP, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 17/9/2024, DJe 19/9/2024. (Info STJ 827)
TOM S.A. requereu à empresa administradora dos serviços de metrô de uma grande cidade a autorização para instalar a infraestrutura de telecomunicações nos túneis do metrô. A administradora disse que até autorizaria, mas requereu retribuição financeira. Inconformada, TOM alega que os túneis do metrô seriam bens de uso comum do povo.
Lei n. 13.116/2015:
Art. 12. Não será exigida contraprestação em razão do direito de passagem em vias públicas, em faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do povo, ainda que esses bens ou instalações sejam explorados por meio de concessão ou outra forma de delegação, excetuadas aquelas cujos contratos decorram de licitações anteriores à data de promulgação desta Lei.
R: Yeap!!!
Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de cobrança pelo uso do subsolo do Metrô para instalação de infraestrutura de telecomunicações.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 6.482/DF, por meio da qual restou definida a constitucionalidade do art.12, da Lei n. 13.116/2015, afirmou a competência legislativa privativa da União sobre normas gerais que instituam a gratuidade do direito de passagem e reconheceu que a referida norma instituiu verdadeiro ônus real sobre os bens de que trata, relativizando o direito à propriedade pública sobre esses bens, a fim de preservar a prestação de serviços públicos essenciais à coletividade, nos quais se amolda o serviço de telefonia.
O mencionado dispositivo é uma exceção à política estabelecida no art. 11 da Lei n. 8.987/1995, reclamando interpretação restritiva às situações elencadas na lei especial. Dessa forma, não alcança o exercício do direito de passagem aos túneis do Metrô, em virtude da não adequação do bem a qualquer uma das situações dispostas na Lei Geral das Antenas, quais sejam, vias públicas, faixas de domínio e outros bens públicos de uso comum do povo.
Trata-se, em verdade, de bem de uso especial, na forma do art. 99, II, do Código Civil de 2002, que, aliás, define os bens públicos a partir da sua destinação à execução dos serviços públicos e, por isso mesmo, são considerados instrumentos desses serviços, e têm uma finalidade pública permanente.
Falta aos túneis do Metrô de São Paulo característica essencial para que sejam classificados como bem de uso comum: a submissão aos mandamentos da isonomia, da generalidade, da ausência de restrições. Os subsolos do metrô estão afetados ao serviço público de transporte metroviário de passageiros, amoldando-se mais adequadamente à definição de bem de uso especial de uso administrativo externo do que à definição de bem de uso comum do povo, porquanto o seu uso é restrito aos usuários do serviço de transporte subterrâneo.
Também é acertada a conclusão sobre o excesso na função regulamentadora do Decreto n. 10.480/2020, especialmente em seu art. 9º. Isso porque, nas obras indicadas no dispositivo, incluem-se aquelas de “implantação ou ampliação de sistemas de transporte público sobre trilhos ou subterrâneos”, quando o bem não se adequa à definição de nenhum daqueles estabelecidos na lei que regulamenta (vias públicas, faixas de domínio e bens públicos de uso comum do povo).
O mencionado Decreto, por sua própria natureza, deve ser analisado conforme os contornos determinados na Lei n. 13.116/2015, não podendo ampliar o que está disposto na lei, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp: 231.652 PR 2012/0196057-6, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 7/3/2017, T1 – Primeira Turma, Data de Publicação: DJe de 21/3/2017).
Por fim, é legítima a retribuição financeira exigida por concessionária em face de outra empresa privada prestadora de serviço de interesse público, a fim de obter rendimentos alternativos, complementares, acessórios ou de projetos associados, na forma do art. 11 da Lei n. 8.987/1995, desde que haja previsão contratual, diante dos impactos para a promoção de modicidade tarifária e do favorecimento à melhor satisfação do interesse público.
É legítima a retribuição financeira exigida por concessionária responsável pelos túneis do metrô em face de empresa privada prestadora de serviço de interesse público para a instalação de infraestrutura de telecomunicações, na forma do art. 11 da Lei 8.987/1995.
RECURSO ESPECIAL
A imposição de multa aduaneira, regida pelo rito do processo administrativo fiscal previsto no Decreto n. 70.235/1972, não se submete ao prazo prescricional intercorrente previsto no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999.
REsp 2.120.479-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por maioria, julgado em 27/8/2024. (Info STJ 827)
AirWay, empresa atuante na área de logística, ajuizou ação requerendo o reconhecimento da prescrição da multa aduaneira arbitrada com base no Decreto n. 70.235/1972, após a paralisação do processo administrativo por mais de três anos.
Por sua vez, a Fazenda Nacional sustenta que a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, §1º da Lei 9.873/99 não se aplicaria às infrações aduaneiras, pois estas são tratadas no âmbito do processo administrativo fiscal.
Lei n. 9.873/1999:
Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§ 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
R: Negativo!!!!
Cinge-se a controvérsia acerca da aplicação do prazo prescricional intercorrente previsto no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 ao processo administrativo fiscal regido pelo Decreto n. 70.235/1972, na hipótese de imposição de multa aduaneira.
A discussão deve ser dirimida não pela ótica da natureza jurídica da penalidade aduaneira, mas pelo rito do procedimento da imposição da multa e do processo administrativo fiscal. A penalidade, fundamentada no art. 107, IV, e, do Decreto-Lei n. 37/1966, bem como no art. 37 da Instrução Normativa SRF n. 28/1994, independentemente de sua natureza jurídica, deve ser apurada e discutida de acordo com os trâmites estabelecidos pelo Decreto n. 70.235/1972.
A submissão da imposição da multa aduaneira ao rito do processo administrativo fiscal e sua discussão na seara administrativa decorre do fato de a matéria estar intimamente relacionada ao direito tributário, inclusive sujeita à fiscalização e controle pelo Ministério da Fazenda, tal como determinado pelo art. 237 da Constituição Federal. Contudo, tal característica não altera a natureza jurídica da multa.
Nesse diapasão, o disposto no art. 1º, § 1º da Lei n. 9.873/1999 não é aplicável aos processos e procedimentos de natureza tributária, dada a previsão contida no art. 5º do mesmo diploma legal. É desnecessária uma interpretação ampliativa da redação legal para abarcar as hipóteses de discussão de multa de natureza administrativa submetidas ao rito do procedimento fiscal, pois a determinação é clara no sentido de afastar a lei quanto aos processos e procedimentos de natureza tributária (ou seja, fiscal), e não que o objeto de discussão se refira à obrigação tributária.
Somado a isso, não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão legal que determine prazo de prescrição intercorrente na situação em debate, de modo a concluir que, até o presente momento, trata-se de uma escolha do legislador.
Ademais, o art. 129 do Decreto-lei n. 37/1966, nos moldes do art. 151, III, do Código Tributário Nacional – CTN, atribui efeito suspensivo às reclamações e aos recursos cabíveis no contencioso administrativo fiscal envolvendo multa aduaneira, não podendo a prescrição ser configurada, seja ela ordinária ou intercorrente, enquanto a obrigação discutida estiver com a exigibilidade suspensa. Nesse sentido, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF consolidou posicionamento por meio da Súmula Vinculante n. 11, afastando a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.
A imposição de multa aduaneira, regida pelo rito do processo administrativo fiscal previsto no Decreto n. 70.235/1972, não se submete ao prazo prescricional intercorrente previsto no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999.
RECURSO ESPECIAL
A mera circunstância de um signo ser constituído, dentre outros elementos, por expressão de propaganda, é insuficiente para conduzir, automaticamente, à conclusão de que o sinal não preencha os pressupostos necessários para exercer a função de marca.
REsp 2.105.557-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/8/2024, DJe 15/8/2024. (Info STJ 827)
GoodSkin ajuizou ação declaratória de nulidade em face do INPI com a finalidade de obter o registro de marca mista (negado pela autarquia). O pedido fora negado administrativamente em razão de a expressão “harmonia na pele” ter sido interpretada como mera propaganda, o que atrairia a vedação do prevista inciso VII do artigo 124 da Lei nº 9.279/96.
Em recurso a empresa argumenta que, para fins de registro, a marca deve ser apreciada em seu conjunto, dentro de seu aspecto global.
LPI:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
VII – sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda;
R: Não é bem assim…
Segundo a legislação de regência, “São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais” (art. 122 da LPI). No art. 124 da citada lei, encontram-se previstas as hipóteses em que o registro de marcas é vedado, destacando-se o que dispõe o inciso VII: não é registrável como marca “sinal ou a expressão empregada apenas como meio de propaganda”.
A doutrina esclarece que, na proibição legal, recai a legenda, o anúncio, a palavra e/ou combinação de palavras, desenhos, gravuras, originais e característicos, destinados exclusivamente à publicidade com o objetivo de atrair usuários.
O Manual de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI estabelece que “a aplicação do inciso VII do art. 124 da Lei de Propriedade Industrial – LPI deve ser criteriosa, sendo aplicada apenas quando o caráter exclusivo de propaganda do sinal estiver evidenciado”.
O exame da distintividade do sinal, para fins de ser franqueado o registro de marca, deve considerar, segundo orientação da autarquia competente, “a impressão gerada pelo conjunto marcário, em suas dimensões fonética, gráfica e ideológica, bem como a função exercida pelos diversos elementos que o compõem e seu grau de integração”.
Destarte, a mera circunstância de um signo ser constituído, dentre outros elementos, por expressão de propaganda é insuficiente para conduzir, automaticamente, à conclusão de que o sinal, como um todo, não preencha os pressupostos necessários para exercer a função de marca.
No particular, o que se verifica dos pedidos de registro é que, apesar de o conjunto marcário conter, de fato, elemento com finalidade publicitária, este não se revela determinante para caracterizar a marca em questão apenas como sinal de propaganda, sobretudo em razão da presença de outros elementos nominativos e figurativos que lhe asseguram a distintividade exigida pela LPI.
A mera circunstância de um signo ser constituído, dentre outros elementos, por expressão de propaganda, é insuficiente para conduzir, automaticamente, à conclusão de que o sinal não preencha os pressupostos necessários para exercer a função de marca.
RECURSO ESPECIAL
Para a extinção do patrimônio de afetação é necessária a quitação das obrigações constituídas perante o agente financiador do empreendimento imobiliário.
REsp 1.862.274-PR, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/9/2024. (Info STJ 827)
FMM Construções teve sua recuperação judicial concedida, sendo a CEF sua principal credora. A FMM atuava no setor de incorporação e construção imobiliária e, na data do pedido de recuperação judicial, possuía seis empreendimentos habitacionais financiados pela CEF, cujas incorporações imobiliárias estavam sob o regime de patrimônio de afetação.
Algum tempo depois, o juiz cível converteu a recuperação judicial em falência, devido ao descumprimento do Plano de Recuperação Judicial, tendo ressaltado que “o patrimônio de afetação deverá ser separado/diferenciado da massa falida até o advento do respectivo termo ou cumprimento de sua finalidade. O Administrador Judicial peticionou ao Juízo argumentando que o patrimônio de afetação já teria sido extinto muito antes, quando concedido o habite-se.
Lei n. 4.591/1964:
Art. 31-E. O patrimônio de afetação extinguir-se-á pela:
I – averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento;
R: Na quitação das obrigações!!
O patrimônio de afetação é uma universalidade de direito criada para propósito específico, sujeitando-se ao regime de incomunicabilidade e vinculação de receitas, com responsabilidade limitada às suas próprias obrigações.
Após o cumprimento de sua finalidade e a quitação das obrigações associadas, o conjunto de direitos e deveres que o compõem é desafetado. O que restar é reincorporado ao patrimônio geral do instituidor, livre das restrições que o vinculavam ao propósito inicial.
Nos termos do art. 31-E, I, da Lei n. 4.591/1964, incluído pela Lei n. 10.931/2004, a extinção do patrimônio de afetação pressupõe, entre outras condições cumulativas, a comprovação da quitação integral do débito relacionado ao financiamento da obra perante a instituição financeira.
Assim, para a desconstituição do patrimônio de afetação, que visa a assegurar a conclusão do empreendimento e proteger os adquirentes, é indispensável que todos os débitos financeiros assumidos para a execução da obra estejam plenamente liquidados.
O patrimônio de afetação, conforme estabelecido pela referida lei, funciona como proteção jurídica que assegura que os recursos destinados à construção de um empreendimento imobiliário sejam utilizados exclusivamente para esse fim, afastando o risco de desvio de verbas para outros projetos ou finalidades. Dessa forma, a exigência de quitação do financiamento busca não apenas garantir a integridade financeira do projeto, mas também proteger os direitos dos adquirentes que confiaram na viabilidade econômica e jurídica da obra.
Para a extinção do patrimônio de afetação é necessária a quitação das obrigações constituídas perante o agente financiador do empreendimento imobiliário.
PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA
O prêmio de loteria auferido por viúva casada sob o regime de separação legal obrigatória, antecedido de longo relacionamento em união estável, é bem adquirido por fato eventual (CC/2002, art. 1.660, II), reconhecido como patrimônio comum do casal, devendo ser partilhado segundo os valores existentes na data do falecimento, independentemente da avaliação sobre esforço comum.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/9/2024. (Info STJ 827)
Creide era casada com Creiton, sendo que o regime de bens era a separação legal obrigatória, formalizado após longo relacionamento em união estável. Pouco antes do falecimento de Creiton, Creide ganhou uma bolada na loteria. Após a viuvez, os herdeiros de Creiton ajuizaram ação na qual sustentam que o falecido teria direito ao valor da meação do prêmio, o que seria incluído na herança.
CC/2002:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
R: Do casal!!!!
Cinge-se a controvérsia a saber se o de cujus tem direito à meação de prêmio de loteria auferido pela sua então esposa na vigência do casamento e antes do falecimento, haja vista que o regime de bens que regia o casamento era a separação legal obrigatória, formalizado após longo relacionamento em união estável.
A razão de ser da previsão legal que impõe a separação de bens ao idoso consiste na preservação de seu patrimônio em vista de casamentos realizados por exclusivo interesse financeiro. Tem-se opção legislativa objeto de severas críticas da doutrina, visto que afasta a autonomia privada e induz presunção de incapacidade do nubente sexagenário – atualmente, o septuagenário (CC/2002, art. 1.641, II) – para decidir sobre o regime de bens de seu casamento e o destino de seu patrimônio.
Bem por esse motivo que o STF decidiu pela interpretação conforme do art. 1.641, II, do CC/2002, “atribuindo-lhe o sentido de norma dispositiva, que deve prevalecer à falta de convenção das partes em sentido diverso, mas que pode ser afastada por vontade dos nubentes, dos cônjuges ou dos companheiros. Ou seja: trata-se de regime legal facultativo e não cogente” (Tema n. 1.236 da Repercussão Geral).
Consigne-se que o casamento entre o de cujus e a recorrida deu-se após longo relacionamento em união estável, não se afigurando razoável que a mera formalização do vínculo matrimonial, em momento ulterior, torne mais rigoroso o regime de bens existente entre os cônjuges – porque desnecessária a proteção de qualquer dos nubentes nesse contexto e, sobretudo, sem que tenham manifestado de forma expressa o interesse em disciplinar o regime de bens de forma diversa daquela que até então vigorava – a comunhão parcial.
Conforme orientação firmada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, “o prêmio de loteria é bem comum que ingressa na comunhão do casal sob a rubrica de ‘bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior’ (CC/1916, art. 271, II; CC/2002, art. 1.660, II)” (REsp n. 1.689.152/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017), solução aplicável ao regime da separação legal de bens (CC/1916, art. 258, § único, II; CC/2002, art. 1.641, inciso II).
No entendimento do STJ, portanto, em se tratando de bem comum, porque adquirido por fato eventual, o exame sobre a participação de ambos os cônjuges para sua obtenção (esforço comum) é desnecessário.
Dessa forma, necessário reconhecer a comunhão entre os cônjuges do prêmio de loteria obtido pela recorrida, cujos recursos – e os bens com eles adquiridos – devem integrar o monte partível, à situação verificada na data em que falecido o de cujus.
O prêmio de loteria auferido por viúva casada sob o regime de separação legal obrigatória, antecedido de longo relacionamento em união estável, é bem adquirido por fato eventual (CC/2002, art. 1.660, II), reconhecido como patrimônio comum do casal, devendo ser partilhado segundo os valores existentes na data do falecimento, independentemente da avaliação sobre esforço comum.
RECURSO ESPECIAL
Nos termos do art. 535, § 8º, do CPC, é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13/5/2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69/STF – Repercussão Geral.
REsp 2.054.759-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Rel. para o acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por maioria, julgado em 11/9/2024. (Tema 1245). (Info STJ 827)
Trata-se de recurso sob o rito dos repetitivos para decidir acerca da admissibilidade de ação rescisória para adequar julgado à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, na qual restou fixada a seguinte tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS.”
Código de Processo Civil de 2015:
Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:
I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;
II – ilegitimidade de parte;
III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
IV – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
V – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VI – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes ao trânsito em julgado da sentença.
§ 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
§ 8º Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
R: Yeap!!!!
Cinge-se a controvérsia acerca da admissibilidade de ação rescisória para adequar julgado à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal.
A solução da controvérsia deve se iniciar e se pautar pela interpretação do art. 535, §§ 5º e 8º do Código de Processo Civil de 2015, o qual estabelece uma hipótese específica para a ação rescisória, admitindo seu cabimento em casos nos quais há uma decisão transitada em julgado que acabe contrariando a posição vinculante que venha a prevalecer posteriormente no STF.
O dispositivo tem o objetivo de permitir a revisão de decisões que, embora tenham seguido entendimento consolidado à época, ficaram em descompasso com novas orientações fixadas pelo Supremo no âmbito do controle de constitucionalidade (concentrado ou difuso). O § 5º do art. 535 assegura que as decisões judiciais estejam alinhadas aos entendimentos atuais e vinculantes do STF, evitando o conflito entre coisas julgadas e a autoridade das decisões da Suprema Corte.
Observe-se que o artigo em discussão não limita o cabimento da rescisória aos casos em que o STF declara a inconstitucionalidade de determinada norma, mas abrange espectro mais amplo. Tanto é que no Tema 360 do STF restou decidido que são consideradas decisões com vícios de inconstitucionalidade qualificados: (a) a sentença exequenda fundada em norma reconhecidamente inconstitucional, seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com sentidos inconstitucionais; (b) a sentença exequenda que tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional.
Na espécie, a decisão que se pretende rescindir está revestida com o supracitado vício (de inconstitucionalidade qualificada), na medida em que não está em harmonia com parte dos efeitos produzidos pelo Tema 69/STF, especificamente no tocante à modulação operada (posteriormente) pelo próprio Supremo.
Ainda, são inaplicáveis a Súmula 343 e o Tema 136, ambos do STF, uma vez que disciplinam as hipóteses de cabimento da rescisória com fundamento (equiparado) no art. 966, V, do CPC, e não com amparo no art. 535, §§5º e 8º, do CPC, o qual é, inclusive, posterior às referidas orientações. O contexto no qual o STF firmou tais entendimentos esteve associado à tradicional hipótese de cabimento da rescisória por ofensa à “literal disposição de lei” (antigo 485, V, do CPC/1973, atualmente “violar manifestamente norma jurídica”), e não à hipótese de rescisão por coisa julgada inconstitucional.
Nos termos do art. 535, § 8º, do CPC, é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13/5/2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69/STF – Repercussão Geral.
EMBARGOS DE DIVERGENCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
O novo CPC não alterou o entendimento de que a multa diária, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.
EAREsp 1.883.876-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por maioria, julgado em 23/11/2023, DJe 7/8/2024. (Info STJ 827)
Crementino, ex-bancário, ajuizou ação de cobrança de diferença de benefícios em face da FUNCEF. Em determinado momento, foi fixada multa cominatória em antecipação de tutela. Crementino buscou executar a multa desde logo, mas a FUNCEF interpôs recurso no qual alega que não seria lícito o cumprimento provisório de astreintes sem a sua confirmação por sentença de mérito.
R: Sim, até a confirmação em sentença de mérito…
O objetivo dos embargos de divergência é dizer se, à luz do Código de Processo Civil em vigor, admite-se a execução provisória de astreintes fixadas em tutela antecipada, decisão, por sua vez, ainda não confirmada por sentença de mérito.
O tema da eficácia e da exequibilidade das astreintes gera divergência doutrinária, mesmo após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, sendo que as opiniões na doutrina se dividem sobre a partir de que momento a parte, no processo em que fora beneficiada com a imposição da multa, poderá receber o crédito gerado.
Segundo uma parcela da doutrina, a multa é exigível a partir do momento no qual a decisão que a fixou torna-se eficaz, seja porque transitou em julgado, seja em razão de que não foi interposto recurso com efeito suspensivo. De acordo com esse entendimento, garante-se a pressão psicológica ao devedor, sendo que a capacidade coercitiva da multa ficaria enfraquecida se fosse preciso esperar o trânsito em julgado da ação para que a exigibilidade fosse reconhecida.
Outra parcela da doutrina pátria, no entanto, defende a posição de que é necessário aguardar o trânsito em julgado para que o crédito decorrente da multa seja exigível, seja porque a decisão poderá ser reformada na sentença, seja porque a finalidade coercitiva não necessariamente remete à cobrança imediata da multa, mas apenas a possível cobrança futura, ou, ainda, porquanto apenas a possibilidade da eficácia já é bastante para convencer o réu a adimplir a obrigação constante da decisão.
No julgamento do REsp n. 1.200.856/RS, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, se assentou a seguinte tese jurídica: A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.
O processo foi julgado na vigência do CPC de 1973, fazendo remissão ao artigo 475-N.
Por sua vez, o atual CPC incluiu, no rol dos títulos executivos, “as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa” (art. 515, I).
O legislador especificou serem exigíveis as decisões que “reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia”, sendo inviável entender exigível uma obrigação que carece de confirmação por provimento final, uma obrigação condicional.
Assim, o novo Código de Processo Civil não dispensou a confirmação da multa (obrigação condicional) pelo provimento final (art. 515, I). Não houve modificação do entendimento da Corte Especial com o advento do novo Código de Processo Civil.
No julgamento dos acórdãos paradigmas – REsp n. 1.958.679/GO e AREsp n. 2.079.649/MA -, ficou preconizado respectivamente: “à luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito”, nos termos do art. 537, § 3º, do CPC/2015; “não há mais respaldo legal para a exigência de confirmação em sentença de mérito para que haja a execução provisória da multa cominatória, conforme a redação do art. 537, § 3º, CPC/2015”.
O art. 537, § 3º, do CPC dispõe: “A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.”
Todavia, o referido artigo não retirou a necessidade de que sobrevenha sentença confirmando a decisão liminar. Apenas estabeleceu que o levantamento do valor somente pode ser feito após o trânsito em julgado.
Dessa forma, os paradigmas apontados não são suficientes para modificar o entendimento firmado no repetitivo, na medida em que as alterações havidas no CPC não desnaturaram a natureza jurídica das astreintes, nem deixaram de exigir a confirmação por sentença.
A subsistência da multa, segundo a jurisprudência deste Tribunal, está vinculada ao êxito da demanda na qual se busca a obrigação principal ou o direito material deduzido em Juízo, significando dizer que a multa fixada incidentalmente fica pendente de condição resolutiva.
Em síntese, o novo CPC não alterou a necessidade de confirmação da tutela provisória em provimento final com trânsito em julgado, requisito para o cumprimento das astreintes eventualmente arbitradas.
O novo CPC não alterou o entendimento de que a multa diária, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.
RECURSO ESPECIAL
Ainda que a parte ré seja vitoriosa com o reconhecimento da decadência do direito, persiste seu interesse na adequação do valor da causa.
REsp 1.857.194-MT, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 17/9/2024. (Info STJ 827)
Em uma ação declaratória de nulidade de negócio jurídico, foi reconhecida a decadência do direito em favor da parte ré. Porém, o juízo entendeu que uma vez acolhida a prejudicial de mérito (decadência), não haveria que se falar em alteração do valor da causa, que deveria ser mantida, no valor indicado pelos autores na inicial, pois suplantada a questão.
Inconformada, a parte ré interpôs recurso no qual alega que o valor da causa seria de matéria preliminar, cuja análise deve preceder a apreciação do mérito da demanda.
CPC/2015:
Art. 293. O réu poderá impugnar, em preliminar da contestação, o valor atribuído à causa pelo autor, sob pena de preclusão, e o juiz decidirá a respeito, impondo, se for o caso, a complementação das custas.
Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:
III – incorreção do valor da causa;
§ 5º Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo.
R: Obviamente!!!!
Segundo dispõem os artigos 293 e 337, III, § 5º, do CPC/2015, o réu pode, antes de discutir o mérito, impugnar o valor da causa indicado pelo autor na petição inicial.
A impugnação ao valor da causa é questão processual que envolve a adequação do valor atribuído à demanda, com reflexos na fixação dos honorários advocatícios, das custas judiciais e na determinação da competência do juízo.
Trata-se, portanto, de matéria preliminar, cuja análise deve preceder a apreciação do mérito da demanda.
Por outro lado, a decadência diz respeito à perda do direito potestativo pela falta de seu exercício no respectivo prazo. É matéria de mérito, que demanda análise mais aprofundada dos fatos e do direito aplicável ao caso, devendo ser apreciada em momento subsequente ao das questões processuais preliminares.
Observe-se que, malgrado a parte ré seja vitoriosa com o reconhecimento da decadência do direito, mesmo assim persiste seu interesse na adequação do valor da causa.
Assim, por configurar matéria preliminar à análise do mérito, a correção do valor da causa pelo magistrado, seja em resposta à provocação da parte, por meio de impugnação (CPC/2015, art. 293), ou ainda de ofício (CPC/2015, art. 292, § 3º), somente pode ocorrer até o momento da sentença.
Ainda que a parte ré seja vitoriosa com o reconhecimento da decadência do direito, persiste seu interesse na adequação do valor da causa.
Se a dívida originária à qual está atrelada a carta de fiança é anterior ao pedido de recuperação judicial, o crédito está submetido aos seus efeitos, não importando a data em que se tornou exigível.
EREsp 2.123.959-GO, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 13/8/2024, DJe 28/8/2024. (Info STJ 827)
Em uma recuperação judicial, o Grupo Setemac apresentou impugnação para incluir seu crédito no quadro geral de credores, na classe III, dos créditos quirografários. O crédito teria origem em 2 (duas) cartas de fiança: a carta de fiança FINEP e a carta de fiança BRDE.
O administrador-judicial manifestou-se no sentido de que o crédito não se submete aos efeitos da recuperação judicial, porquanto o contrato só serão exigíveis após a data do pedido da recuperação.
R: Nooopss!!!
A questão controvertida resume-se a definir qual o fato gerador do crédito titularizado pelo fiador sub-rogado para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial.
Nos termos da iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a data de existência do crédito para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial é a data de seu fato gerador, isto é, a data em que foi realizada a atividade negocial e não a data em que os valores se tornaram exigíveis.
A relação jurídica de garantia nasce com a assinatura das cartas de fiança, momento em que se estabelece o vínculo jurídico e, portanto, a atividade negocial que liga o devedor originário ao fiador, sendo irrelevante, o momento em que realizado o pagamento para o fim de submissão do crédito do fiador aos efeitos da recuperação judicial.
Com a sub-rogação, o direito de crédito é repassado ao sub-rogado com todos os seus defeitos e qualidades. Se o credor originário tinha um crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial, é isso o que ele tem a transferir ao fiador que pagou a dívida.
Se a dívida originária à qual está atrelada a carta de fiança é anterior ao pedido de recuperação judicial, o crédito está submetido aos seus efeitos, não importando a data em que se tornou exigível.
RECURSO ESPECIAL
É obrigatória a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, afastar circunstância judicial negativa reconhecida na sentença. Todavia, não implicam reformatio in pejus a mera correção da classificação de um fato já valorado negativamente pela sentença para enquadrá-lo como outra circunstância judicial, nem o simples reforço de fundamentação para manter a valoração negativa de circunstância já reputada desfavorável na sentença.
REsp 2.058.971-MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 28/8/2024, DJe 12/9/2024. (Tema 1214). (Info STJ 827)
Trata-se de recurso sob o rito dos repetitivos para definir se é obrigatória a redução proporcional da pena-base, quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, decotar circunstância judicial negativada na sentença condenatória, sob pena de, ao não fazê-lo, incorrer em violação da disposição contida no art. 617 do Código de Processo Penal (princípio ne reformatio in pejus).
No caso concreto, Craudião foi condenado pelo crime de furto qualificado (rompimento de obstáculo e escalada). No julgamento da apelação defensiva, o Tribunal de Justiça mineiro afastou a valoração negativa da conduta social, sem promover a redução proporcional da pena na primeira fase da dosimetria.
Código de Processo Penal:
Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.
CP:
Fixação da pena
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível
R: Commmm certeza!!!!
A controvérsia cinge-se a definir se é obrigatória a redução proporcional da pena-base, quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, decotar circunstância judicial negativada na sentença condenatória, sob pena de, ao não fazê-lo, incorrer em violação da disposição contida no art. 617 do Código de Processo Penal (princípio ne reformatio in pejus).
Sobre o tema, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do EREsp 1.826.799/RS, firmou o entendimento no sentido de ser imperiosa a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida no édito condenatório.
Nesse julgamento ficou assentado que “a proibição de reforma para pior não admite, em caso de recurso exclusivo da defesa, seja agravada a situação do recorrente, direta ou indiretamente. Nos termos do art. 617 do Código de Processo Penal, essa reforma prejudicial somente poderá ocorrer na hipótese de previsão legal de recurso de ofício, em que se devolve ao Tribunal de Justiça todo o conhecimento da matéria, assim como nas situações em que houver recurso da acusação.”
Destaque-se que a controvérsia jurídica em apreciação não abrange a hipótese em que o Tribunal a quo, ao se deparar com fundamentação inidônea na valoração negativa de vetorial na primeira fase, mantém a negativação, mas com base em fundamento distinto daquele circunstanciado na sentença, valendo-se do efeito devolutivo próprio da apelação. Isso, a jurisprudência do STJ tem admitido.
Desse modo, fixa-se a seguinte tese: É obrigatória a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, afastar circunstância judicial negativa reconhecida na sentença. Todavia, não implicam reformatio in pejus a mera correção da classificação de um fato já valorado negativamente pela sentença para enquadrá-lo como outra circunstância judicial, nem o simples reforço de fundamentação para manter a valoração negativa de circunstância já reputada desfavorável na sentença.
É obrigatória a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, afastar circunstância judicial negativa reconhecida na sentença. Todavia, não implicam reformatio in pejus a mera correção da classificação de um fato já valorado negativamente pela sentença para enquadrá-lo como outra circunstância judicial, nem o simples reforço de fundamentação para manter a valoração negativa de circunstância já reputada desfavorável na sentença.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Os desígnios autônomos que caracterizam o concurso formal impróprio referem-se a qualquer forma de dolo, direto ou eventual.
AgRg no AREsp 2.521.343-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 17/9/2024, DJe 24/9/2024. (Info STJ 827)
Cerso estava conduzindo veículo sob o efeito de álcool. Acabou se envolvendo em acidente que ceifou a vida do seu caroneiro e de pessoa em outro veículo. Acabou denunciado pelos crimes de homicídio consumado em concurso com homicídio tentado – ambos em dolo eventual.
Em recurso, Nerso alega que houve somente uma ação delitiva com pluralidade de vítimas, caracterizando o concurso formal próprio. Não bastasse, só haveria que falar em “desígnio autônomo” no dolo direito; o dolo é eventual não admitiria tal modalidade.
Código Penal:
Concurso formal
Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
Parágrafo único – Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código
R: Desígnio, intento, propósito!!!
O Tribunal de origem reconheceu o concurso formal impróprio de infrações, porquanto o réu, ao assumir a produção do resultado morte, em relação às duas vítimas, ainda que o tenha feito mediante uma única ação, agiu com desígnios autônomos, devendo assim ser as penas de cada crime somadas, nos termos do artigo 70, segunda parte, do Código Penal.
Isso porque, no caso, embora caracterizado o dolo eventual quanto a ambas as vítimas, uma delas estava no veículo conduzido pelo acusado, havendo, relativamente a esta, desígnio autônomo em relação à vítima que transitava no outro automóvel. É dizer, o acusado assumiu o risco de ocasionar a morte ou lesão grave de sua passageira e, ciente da possibilidade do segundo resultado em relação a terceiros, aceitou-o.
De fato, “a expressão ‘desígnios autônomos’ refere-se a qualquer forma de dolo, seja ele direto ou eventual. Vale dizer, o dolo eventual também representa o endereçamento da vontade do agente, pois ele, embora vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não o desejando diretamente, mas admitindo-o, aceita-o” (HC 191.490/RJ, Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 9/10/2012).
Não se ignora que parte da doutrina defende ser possível o concurso formal próprio mesmo entre crimes dolosos caso pelo menos um deles tenha sido praticado com dolo eventual, ao argumento de que somente há desígnio autônomo no dolo direto e de que somente este é capaz de traduzir a necessidade de tratamento equivalente ao concurso material, com o cúmulo de penas.
No entanto, prevalece no STJ o entendimento no sentido de que o concurso formal próprio ou perfeito somente é possível se os crimes forem todos culposos, ou se um for doloso e o outro culposo. Assim, se o agente pretende alcançar mais de um resultado ou anui com tal possibilidade, como na situação em análise, configura-se o concurso formal impróprio ou imperfeito, pois caracterizados os desígnios autônomos.
Os desígnios autônomos que caracterizam o concurso formal impróprio referem-se a qualquer forma de dolo, direto ou eventual.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
A confissão do acusado quanto à traficância em momento anterior, para ser beneficiado com a formalização de acordo de não persecução penal, não impede o reconhecimento do tráfico privilegiado.
AgRg no HC 895.165-SP, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024, DJe 9/8/2024. (Info STJ 827)
Creitinho foi apreendido com certa quantidade de drogas pela segunda vez. O MP percebeu que na prisão anterior Creitinho havia confessado que já estava na lida (na traficância) fazia algum tempo. Essa confissão levou à formalização de acordo de não persecução penal.
O parquet alega que ainda que a transação penal acerca do crime de uso de drogas não possa ser sopesada para demonstrar que o paciente dedica-se à atividade da traficância, o Acordo de Não Persecução Penal realizado em ação penal que trata de crime semelhante não pode ser ignorado, de forma a tratar o réu como um traficante iniciante.
Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo.
R: S2
O acordo de não persecução penal tem por finalidade imprimir celeridade e racionalidade ao sistema judicial, permitindo que o órgão acusador se ocupe da persecução de crimes de maior gravidade e que o beneficiário evite os efeitos deletérios de uma condenação criminal.
Sob um enfoque mais amplo, o instituto surge como valiosa alternativa ao problema do encarceramento em massa, em especial após o Supremo Tribunal Federal ter declarado a existência de estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro (ADPF n. 347).
Nesse contexto, o emprego das vias alternativas, tais como os atos negociais penais, geram efeitos positivos e práticos na atuação punitiva estatal, dotando o sistema penal e processual penal de indiscutível economicidade, além de representar a expansão da Justiça consensual no Brasil.
Registre-se que o § 12 do art. 28-A do Código de Processo Penal prevê, textualmente, que a celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º do mesmo artigo.
Observa-se, dessa forma, que a própria legislação foi clara ao estatuir que o acordo de não persecução penal não pode ser utilizado com outra finalidade senão aquela já prevista na parte final do mencionado dispositivo legal, o que deve, em atenção ao princípio “favor rei”, ser interpretado de maneira ampla, a vedar interpretações segundo as quais o ANPP possa ser indicativo de envolvimento do seu beneficiário com atividades criminosas.
Portanto, a confissão do acusado quanto à traficância em momento anterior, para ser beneficiado com a formalização de acordo de não persecução penal, não tem o condão de figurar como óbice ao reconhecimento do tráfico privilegiado, já que não sucedido de condenação definitiva a pena de reclusão.
A confissão do acusado quanto à traficância em momento anterior, para ser beneficiado com a formalização de acordo de não persecução penal, não impede o reconhecimento do tráfico privilegiado.
RECURSO ESPECIAL
A recusa injustificada ou ilegalmente motivada do Ministério Público em oferecer o acordo de não persecução penal autoriza à rejeição da denúncia, por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal.
REsp 2.038.947-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/9/2024. (Info STJ 827)
Creitinho (sempre ele), foi condenado à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão, mais multa, pela prática do crime previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. O MP deixou de oferecer o acordo de não persecução penal, razão pela qual a defesa do rapaz alega que o recebimento da denúncia não pode ser invocado para impedir a incidência do instituto do ANPP.
Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.
R: Exatamente!!!!
A aplicação das ferramentas de barganha penal observa uma discricionariedade regrada ou juridicamente vinculada do Ministério Público em propor ao investigado ou denunciado uma alternativa consensual de solução do conflito. Não se pode confundir, porém, discricionariedade regrada com arbitrariedade, pois é sob o prisma do poder-dever (ou melhor, do dever-poder), e não da mera faculdade, que ela deve ser analisada.
A margem discricionária de atuação do Ministério Público quanto ao oferecimento de acordo diz respeito apenas à análise do preenchimento dos requisitos legais, sobretudo daqueles que envolvem conceitos jurídicos indeterminados. É o que ocorre, principalmente, com a exigência contida no art. 28-A, caput, do CPP, de que o acordo só poderá ser oferecido se for “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, expressão dotada de vagueza semântica que gera significativa controvérsia sobre a sua interpretação.
Vale dizer, não é dado ao Ministério Público, se presentes os requisitos legais, recusar-se a oferecer um acordo ao averiguado por critérios de conveniência e oportunidade. Na verdade, o que o Ministério Público pode fazer – de forma excepcional e concretamente fundamentada – é avaliar se o acordo é necessário e suficiente à prevenção e reprovação do crime, o que é, em si mesmo, um requisito legal.
O Ministério Público tem o dever legal (art. 43, III, da Lei Orgânica do Ministério Público – Lei n. 8.625/1993) e constitucional (art. 129, VIII, da CF) de fundamentar suas manifestações e, embora não haja direito subjetivo à entabulação de um acordo, há direito subjetivo a uma manifestação idoneamente fundamentada do Ministério Público. E cabe ao Judiciário, em sua indeclinável, indelegável e inafastável função de “dizer o direito” (juris dictio), decidir se os fundamentos empregados pelo Parquet se enquadram ou não nas balizas do ordenamento jurídico.
Assim, não cabe ao Ministério Público nem ao Poder Judiciário, salvo excepcionalmente em caso de inconstitucionalidade – como, por exemplo, reconheceu a Segunda Turma do STF em relação aos crimes raciais -, deixar de aplicar mecanismos consensuais legalmente previstos em favor do averiguado com base, apenas, na natureza abstrata do delito ou em seu caráter hediondo. Isso significaria criar, em prejuízo do investigado, novas vedações não previstas pelo legislador, o qual já fez a escolha das infrações incompatíveis com a formalização de acordo.
No caso, o Ministério Público recusou-se a oferecer acordo de não persecução penal sob o único fundamento de que o tráfico de drogas era crime hediondo. A defesa requereu a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, o que foi negado pelo Magistrado, com o argumento de que houve apreensão de dois tipos de drogas e dinheiro. No entanto, em alegações finais, o próprio Ministério Público requereu a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o que foi acolhido na sentença, na fração máxima, sem recurso ministerial.
A modalidade privilegiada contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 tem o potencial de reduzir a pena mínima abaixo de 4 anos de reclusão, o que permite a aplicação do ANPP, segundo o art. 28-A, § 1º, do CPP, e ainda afasta a natureza hedionda do delito, conforme previsão legal do art. 112, § 5º, da Lei de Execução Penal e entendimento pacífico dos tribunais superiores. Nada impede, portanto, ao menos em abstrato, a aplicação de acordo de não persecução penal no crime de tráfico de drogas.
Isso não se altera pelo fato de a referida causa de diminuição ter frações variáveis e só ser aplicada na terceira fase da dosimetria da pena, pois não retira do Ministério Público o dever de analisar o seu potencial cabimento já no momento de oferecer denúncia, a teor do art. 28-A, § 1º, do CPP. Por se tratar o ANPP de instituto balizado pela pena mínima cominada ao delito, devem-se considerar as causas de diminuição aplicáveis na maior fração abstratamente possível para verificar se o referido requisito legal é preenchido.
Para oferecer denúncia, o Ministério Público deve justificar de maneira concreta e idônea o não cabimento do acordo de não persecução penal. No caso do tráfico de drogas, isso significa demonstrar, em juízo de probabilidade, com base nos elementos do inquérito e naquilo que se projeta para produzir na instrução, que o investigado não merecerá a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 ou, pelo menos, que, mesmo se a merecer, a gravidade concreta do delito é tamanha que o acordo não é “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.
Caso contrário, a recusa injustificada ou ilegalmente motivada do Parquet em oferecer o acordo deve levar à rejeição da denúncia, por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal, nas modalidades necessidade e utilidade (art. 395, II, do CPP). Deveras, conforme já assentou o STJ “o não oferecimento tempestivo do ANPP desacompanhado de motivação idônea constitui nulidade absoluta”, de modo que, “Presentes os requisitos para a propositura do ANPP, bem como ausentes as razões pelas quais essa não ocorreu, a denúncia não poderia ter sido ofertada e muito menos recebida” (AgRg no HC 762.049/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 17/3/2023).
Não altera essa conclusão o fato de o art. 28, § 14, do CPP estabelecer que “No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código”. Com efeito, se o acusado faz jus a uma manifestação idoneamente fundamentada do Parquet, não há como afastar o controle judicial de legalidade dessa manifestação (art. 5º, XXXV, CF), ainda que também submetida a revisão interna corporis do Ministério Público.
Assim, mostra-se configurada a violação do art. 28-A, caput e § 14, do CPP tanto pela inidoneidade da fundamentação usada pelo membro do Ministério Público para se recusar a oferecer o ANPP quanto pela ausência de remessa dos autos pelo Magistrado à instância revisora do Parquet, a qual só pode ser negada se evidente a ausência de requisito objetivo, o que não era o caso.
A recusa injustificada ou ilegalmente motivada do Ministério Público em oferecer o acordo de não persecução penal autoriza à rejeição da denúncia, por falta de interesse de agir para o exercício da ação penal.
HABEAS CORPUS
A vedação da progressão especial prevista no inciso V do § 3º do art. 112 da Lei de Execução Penal deve se restringir aos casos em houve condenação por crime associativo, não servindo como óbice ao benefício o mero afastamento da minorante do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
HC 888.336-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/8/2024, DJe 15/8/2024(Info STJ 827)
Crementina teve e progressão especial prevista no inciso V do § 3º do art. 112 da Lei de Execução Penal negada pelo juízo da execução. Quando de sua condenação por tráfico de drogas, não foi reconhecida a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006.
Sua defesa impetrou HC no qual alega que a paciente é mãe de quatro menores de idade, primária, não cometeu crime com violência ou grave ameaça à pessoa, possui bom comportamento, estuda e trabalha dentro da unidade carcerária.
Lei de Execução Penal:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
V – não ter integrado organização criminosa.
R: Somente se houve condenação por crime associativo!!!
A controvérsia diz respeito à amplitude interpretativa do inciso V do § 3º do art. 112 da Lei de Execução Penal, especialmente, os limites da expressão “não ter integrado organização criminosa”.
Inicialmente, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça interpretou o dispositivo estritamente para restringir a progressão especial aos casos em que a ré tivesse sido condenada pelo delito descrito na Lei n. 12.850/2013. No entanto, a jurisprudência evoluiu para admitir interpretação extensiva da norma, impondo como óbice à progressão especial a condenação por delitos associativos, como a associação para o tráfico.
No caso, a instância local deu amplitude ainda maior ao dispositivo, considerando suficiente a fundamentação utilizada para afastar a incidência do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Entre as outras vedações à incidência da causa de diminuição da pena prevista no referido dispositivo encontra-se a não dedicação a atividades criminosas e o fato de não integrar organização criminosa.
Esse dispositivo permite afastar a minorante em casos nos quais não há acusação ou prova da prática de crime associativo, associação para o tráfico (art. 35 da Lei n. 11.343/2006), organização criminosa (2º da Lei n. 12.850/2013) ou mesmo associação criminosa (art. 288 do Código Penal). Trata-se de hipótese cujos elementos, insuficientes para tipificação, mostram-se suficientes para afastar uma causa de diminuição da pena.
Considerando o princípio da legalidade no âmbito da execução, as apenadas podem ter limitados seus direitos apenas pelo expressamente previsto na lei e na sentença condenatória. Já pelo princípio da individualização da pena, deve ser evitada a padronização da reprimenda, que deve ser adequada a cada reeducanda, considerando sua personalidade, seu histórico prisional e sua evolução carcerária.
Na espécie, os fundamentos utilizados para não aplicar a minorante nem sequer indicam que a sentenciada integra organização criminosa, mas apenas que se dedica a atividades criminosas, o que, efetivamente, extrapola os limites do princípio da legalidade e da individualização da pena. Na prática, admitida a interpretação dada pela origem, toda condenada por tráfico, gestante ou mãe, que tivesse a causa de diminuição afastada, não poderia progredir de regime, nos termos do § 3º do art. 112 da Lei de Execução Penal.
Portanto, a vedação da progressão especial pela via interpretativa para todas as condenadas por tráfico de drogas sem incidência da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 não encontra aporte legal, devendo se restringir a vedação do inciso V do § 3º do art. 112 da Lei de Execução Penal aos casos em que houve condenação por crime associativo.
A vedação da progressão especial prevista no inciso V do § 3º do art. 112 da Lei de Execução Penal deve se restringir aos casos em houve condenação por crime associativo, não servindo como óbice ao benefício o mero afastamento da minorante do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
HABEAS CORPUS
O § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, com a redação da Lei n. 14.843/2024, torna mais restritiva a execução da pena, restringindo o gozo das saídas temporárias aos condenados por crimes hediondos ou cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, não pode ser aplicado retroativamente a fatos ocorridos antes de sua vigência, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
HC 932.864-SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024. (Info STJ 827)
Creosvaldo, apenado, teve seu pedido de saída temporária negado, em que pese a data dos fatos objeto de a condenação ser anterior à Lei n. 14.843/2024, entendeu-se pela aplicação retroativa do dispositivo legal para obstar o direito à saída temporária.
Em HC, sua defesa sustenta a irretroatividade da lei posterior mais gravosa.
Lei de Execução Penal:
Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I – (revogado);
II – freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;
III – (revogado).
§ 2º Não terá direito à saída temporária de que trata o caput deste artigo ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa.
R: Negativo!!!!
A questão em discussão consiste em verificar a possibilidade de aplicação retroativa do § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, com redação dada pela Lei n. 14.843/2024, que torna mais gravosa a execução da pena, pois veda o gozo das saídas temporárias.
A Lei n. 14.843/2024, ao modificar o § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, recrudesce a execução da pena ao vedar a concessão de saídas temporárias para condenados por crimes hediondos ou cometidos com violência ou grave ameaça contra pessoa.
A aplicação retroativa dessa norma constitui novatio legis in pejus, vedada pela Constituição Federal (art. 5º, XL) e pelo Código Penal (art. 2º).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento de que normas mais gravosas não podem retroagir para prejudicar o executado, conforme a Súmula n. 471/STJ e precedentes correlatos.
No caso concreto, os crimes pelos quais o paciente foi condenado ocorreram antes da vigência da Lei n. 14.843/2024, o que impede a aplicação retroativa das novas restrições à saída temporária.
O § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, com a redação da Lei n. 14.843/2024, torna mais restritiva a execução da pena, restringindo o gozo das saídas temporárias aos condenados por crimes hediondos ou cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, não pode ser aplicado retroativamente a fatos ocorridos antes de sua vigência, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
É possível a anulação de julgamento realizado pelo Tribunal do Júri quando o réu ficar sentado de costas para os jurados durante a sessão.
AgRg no HC 768.422-SP, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024. (Info STJ 827)
Creiton foi submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença e ficou de costas durante o ato. Antes do início do interrogatório do réu, pelo Advogado foi requerido que o rapaz fizesse o depoimento virado de frente para os jurados sob a alegação de que eles precisariam ter contato visual com o réu para julgar o processo de forma adequada. O juiz indeferiu o requerimento tendo em vista a ausência de previsão legal a respeito, justificando que o mero fato da disposição física dos jurados dentro do plenário do júri não tem o condão de ter qualquer reflexo sobre o julgamento.
R: Morro e não vejo tudo…
No caso, o paciente foi submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença e ficou de costas, situação inadmissível devido ao tratamento oposto ao princípio da presunção de inocência.
Quanto ao ponto, é inconcebível que o Ministério Público sustente não existir previsão legal para que o paciente seja julgado com dignidade, valor garantido pela Constituição Federal a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros, ignorando assim vários princípios e direitos assegurados pela Constituição da República e os tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário.
O julgamento do Tribunal do Júri pode se estender por muitas horas e, durante esse período, os jurados dedicam atenção a todos os ritos, aos advogados e, principalmente, ao acusado, que permanece exposto a análises até a decisão final. Desse modo, o local em que ele fica, a roupa que usa e a utilização de algemas, por exemplo, são fatores simbólicos observáveis e ponderados pelos jurados.
O prejuízo no caso concreto é constatado pelo desrespeito ao princípio da dignidade humana, uma vez que o poder judiciário tolheu do paciente a possibilidade de ser visto por seus julgadores, bem como pela condenação que suportou após a deliberação do Conselho de Sentença.
É possível a anulação de julgamento realizado pelo Tribunal do Júri quando o réu ficar sentado de costas para os jurados durante a sessão.
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