Na volta das férias de meio de ano do STJ, chegamos ao Informativo nº 819 COMENTADO. Pra cima dele!
RECURSO ESPECIAL
A previsão do art. 5º, V, da Lei n. 12.846/2013 abrange a constituição das chamadas “empresas de fachada” com o fim de frustrar a fiscalização tributária.
REsp 1.808.952-RN, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 11/6/2024, DJe 24/6/2024. (Info STJ 819)
O MPF ajuizou ACP contra Ibaneis S.A. imputando-lhe a conduta descrita no art. 5º, V, da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), por ter integrado uma organização criminosa que conseguiu sonegar tributos.
O Tribunal local manteve a sanção de dissolução compulsória da pessoa jurídica, sob o fundamento de que a recorrente “como mais uma empresa paper company do Grupo Líder, durante toda a sua existência serviu à prática de atos lesivos à Administração Pública, tal como anotado no art. 5º, incisos III e V, da Lei Anticorrupção, haja vista que sua própria existência serviu apenas para dificultar as atividades de investigação e fiscalização tributária da Receita Federal do Brasil, fazendo uso de interpostas pessoas – laranjas”.
Em recurso, a empresa questiona a aplicação da norma às demais empresas do grupo.
Lei 12.846/2013:
Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º , que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
R: Com certeza!!!
Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra pessoa jurídica, imputando-lhe a conduta descrita no art. 5º, V, da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), por ter integrado uma organização criminosa que conseguiu sonegar R$ 527.869.928,06 (quinhentos e vinte e sete milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, e novecentos e vinte e oito reais e seis centavos).
O Tribunal de origem manteve a sanção de dissolução compulsória da pessoa jurídica, sob o fundamento de que a recorrente “como mais uma empresa paper company do Grupo Líder, durante toda a sua existência serviu à prática de atos lesivos à Administração Pública, tal como anotado no art. 5º, incisos III e V, da Lei Anticorrupção, haja vista que sua própria existência serviu apenas para dificultar as atividades de investigação e fiscalização tributária da Receita Federal do Brasil, fazendo uso de interpostas pessoas – laranjas”.
No julgamento do Recurso Especial n. 1.803.585-RN, entendeu-se que a Lei n. 12.846/2013 não condiciona a apuração judicial das infrações nela descritas à prévia instauração de processo administrativo, mas apenas reitera o consagrado princípio da independência das instâncias ao estabelecer em seu art. 18 que “Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial”.
Firmou a Segunda Turma este entendimento: “A previsão do art. 5º, V, da Lei n. 12.846/2013, que caracteriza como ato atentatório contra o patrimônio público nacional a conduta consistente em ‘dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos’, abrange a constituição das chamadas ‘empresas de fachada’ com o fim de frustrar a fiscalização tributária”.
A previsão do art. 5º, V, da Lei n. 12.846/2013 abrange a constituição das chamadas “empresas de fachada” com o fim de frustrar a fiscalização tributária.
RECURSO ESPECIAL
A utilização indevida de imagem e obra musical de artista em campanha político-eleitoral de candidato à Presidência da República por adeptos da campanha eleitoral devidamente identificados e sem a participação ou conhecimento do partido ou do candidato, não gera condenação por danos materiais e morais destes.
REsp 2.093.520-DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 17/5/2024.(Info STJ 819)
Paula Toller promoveu ação em desfavor de Partido dos
Trabalhadores e Fernando Haddad postulando a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais (direitos de intérprete) em decorrência da utilização indevida do direito de imagem e dos direitos autorais da música Pintura Íntima. O Magistrado de primeiro grau julgou procedentes os pedidos para condenar os réus ao pagamento de indenização.
Em recurso, o partido questiona a responsabilização, alegando que quem usava o som da loira do Kid Abelha eram de terceiros (eleitores), não a propagando oficial do partido/candidato.
Código Eleitoral:
Art. 241. Toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos.
Parágrafo único. A solidariedade prevista neste artigo é restrita aos candidatos e aos respectivos partidos, não alcançando outros partidos, mesmo quando integrantes de uma mesma coligação.
R: Negativo!!!
O propósito recursal consiste em definir se há legitimidade passiva do partido político e do candidato em ação que pleiteia o reconhecimento da sua responsabilidade solidária por violação a direitos autorais e de imagem perpetrada por terceiros (adeptos).
A Lei dos Direitos Autorais atribui responsabilidade civil por violação a direitos autorais a quem fraudulentamente reproduz, divulga ou de qualquer forma utiliza obra de titularidade de outrem; a quem editar obra literária, artística ou científica; ou a quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem.
Os jingles utilizados para fins eleitorais também se enquadram na proteção ao direito autoral, sendo imprescindível a prévia e expressa autorização dos titulares do direito para sua utilização, o que não se confunde com a paráfrase ou a paródia da obra musical, pois estas são permitidas e independem de autorização.
Aplica-se às propagandas eleitorais o princípio da responsabilidade pela propaganda, que será sempre atribuída a alguém, que, inicialmente, será o candidato, partido e coligação, ou eventualmente o veículo e o agente da comunicação. O art. 241 do Código Eleitoral prevê que “toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos políticos e por eles paga, imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos”. Essa regra, contudo, tem aplicação direta no processo eleitoral, buscando a sua normalidade e a sua legitimidade, não podendo ser aplicada irrestritamente ao campo de responsabilidade civil, a qual, por sua vez, exige a comprovação de determinados requisitos, tais como a conduta danosa, o nexo de causalidade, o dano e, em alguns casos, o elemento subjetivo.
Não é razoável impor aos partidos e candidatos a responsabilidade por controlar o debate político travado entre os eleitores e a maneira como o proselitismo eleitoral é realizado por seus apoiadores e adeptos, sobretudo no ambiente VIRTUAL.
No caso, a parte autora teria sido surpreendida pela utilização indevida de sua imagem e obra musical em campanha político-eleitoral de candidato à Presidência da República, mediante a divulgação de vídeo com as violações autorais em redes sociais de apoiadores do partido político, adeptos da campanha eleitoral e devidamente identificados, sem, contudo, a participação ou conhecimento do partido ou do candidato, de maneira que não se mostra possível a condenação destes ao pagamento de indenização por danos materiais e morais pela violação aos direitos autorais.
Ainda que se alegue que o candidato ou o partido político tenha se beneficiado dos vídeos cujos conteúdos eram irregulares, mesmo não tendo conhecimento ou controle sobre eles, essa discussão fica restrita ao âmbito do processo eleitoral, com a aplicação da legislação de regência, ao passo que, no campo da responsabilidade civil, o pleito de condenação pelos danos suportados deveria ser dirigido aos reais causadores do prejuízo.
A utilização indevida de imagem e obra musical de artista em campanha político-eleitoral de candidato à Presidência da República por adeptos da campanha eleitoral devidamente identificados e sem a participação ou conhecimento do partido ou do candidato, não gera condenação por danos materiais e morais destes.
RECURSO ESPECIAL
As terapias multidisciplinares prescritas por médico assistente para o tratamento de beneficiário de plano de saúde, executadas em estabelecimento de saúde, por profissional devidamente habilitado, devem ser cobertas pela operadora, sem limites de sessões.
REsp 2.061.135-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/6/2024, DJe 14/6/2024.(Info STJ 819)
Creide, representada por sua genitora, ajuizou ação em face de AMIL Saúde, alegando a negativa de cobertura, pela operadora do plano de saúde, das terapias multidisciplinares prescritas para o tratamento da menor, portador de distrofia muscular congênita.
Em recurso, a empresa sustenta que, não constando do ROL da ANS as terapias solicitadas, não se pode exigir sua cobertura integral, pois as estipulações contratuais que preveem os parâmetros para custeio de tratamentos, procedimentos e medicamentos estão redigidas em total conformidade com a Lei dos Planos de Saúde.
R: É por aí…
De acordo com as normas regulamentares e manifestações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as sessões com fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas são ilimitadas para todos os beneficiários, independentemente da doença que os acomete; e a operadora deverá garantir a realização do procedimento previsto no rol e indicado pelo profissional assistente, cabendo ao prestador apto a executá-lo a escolha da técnica, método, terapia, abordagem ou manejo empregado.
A ausência de previsão no rol da ANS de determinada técnica, método, terapia, abordagem ou manejo a ser utilizado pelo profissional habilitado a realizar o procedimento previsto no rol e indicado pelo médico assistente, em conformidade com a legislação específica sobre as profissões de saúde e a regulamentação de seus respectivos conselhos, não afasta a obrigação de cobertura pela operadora; não justifica, por si só, a recusa de atendimento.
É dizer, se a operadora tem a obrigação de cobrir consulta/avaliação com fisioterapeuta, deverá custear as sessões de fisioterapia indicadas pelo profissional assistente, independentemente da técnica, método, terapia, abordagem ou manejo que o fisioterapeuta venha a utilizar; se a operadora tem a obrigação de cobrir consulta/avaliação com terapeuta ocupacional, deverá custear as sessões de terapia ocupacional indicadas pelo profissional assistente, independentemente da técnica, método, terapia, abordagem ou manejo que o terapeuta ocupacional venha a utilizar; e assim também com relação ao fonoaudiólogo e demais profissionais de saúde.
A fisioterapia neuromuscular, motora e respiratória, a terapia ocupacional neuromuscular, a hidroterapia com fisioterapia neuromuscular, assim como a fonoterapia voltada à reabilitação de doença neuromuscular, constituem técnicas, métodos, terapias, abordagens ou manejos a serem utilizados pelo profissional habilitado a realizar o procedimento previsto no rol – sessões com fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo – e indicado pelo médico assistente, em conformidade com a legislação específica sobre as profissões de saúde e a regulamentação de seus respectivos conselhos, sem limites do número de sessões.
Assim, as terapias multidisciplinares prescritas pelo médico assistente para o tratamento do beneficiário, executadas em estabelecimento de saúde, por profissional devidamente habilitado, devem ser cobertas pela operadora, sem limites de sessões.
As terapias multidisciplinares prescritas por médico assistente para o tratamento de beneficiário de plano de saúde, executadas em estabelecimento de saúde, por profissional devidamente habilitado, devem ser cobertas pela operadora, sem limites de sessões.
SUSPENSÃO DE LIMINAR E SENTENÇA
Não há se falar em Suspensão de Liminar e de Sentença quando inexiste nos autos qualquer tipo de documento que evidencie concretamente o risco iminente, concreto e injustificável de grave lesão à ordem econômica.
SLS 2.480-PR, Rel. Ministra Presidente do STJ, Rel. para o acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/6/2024.(Info STJ 819)
Na origem, trata-se de Ação Civil Pública que teve por objeto o procedimento de licenciamento da Faixa de Infraestrutura de Pontal do Paraná. O TRF4 deu proferiu uma liminar suspendendo o procedimento. A parte prejudicada apresentou pedido de Suspensão de Liminar e de Sentença no STJ, instruindo-o exclusivamente com cópia da decisão proferida pelo TRF4 e da petição inicial da ACP ajuizada pelo Parquet estadual.
Passou-se a decidir se caberia SLS quando inexistente nos autos qualquer tipo de documento que evidencie concretamente o risco iminente.
Lei n. 8.347/1992:
Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
R: Yeap!!!
Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de suspensão de decisão que, baseando-se no potencial efeito danoso sobre a economia pública, suspendeu liminar a qual, por sua vez, impediu a continuidade de procedimento de licenciamento ambiental e instalação de empreendimento.
No caso, foi proposta Ação Civil Pública que teve por objeto o procedimento de licenciamento da Faixa de Infraestrutura de Pontal do Paraná. No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) foi proferida liminar suspendendo o referido procedimento. Na sequência, foi apresentado o pedido de Suspensão de Liminar e de Sentença perante o Superior Tribunal de Justiça, instruído exclusivamente com cópia da decisão proferida pelo Tribunal de origem e da petição inicial da Ação Civil Pública ajuizada pelo Parquet estadual.
Com efeito, a Suspensão de Liminar não pode ser utilizada como sucedâneo recursal para exame do acerto ou do desacerto da decisão impugnada (art. 4º da Lei n. 8.347/1992). A lesão “ao bem jurídico deve ser grave e iminente, devendo o requerente demonstrar, de modo cabal e preciso, tal aspecto da medida impugnada (STF, SS n. 1.185/PA, relator Ministro Celso de Mello, DJ de 4/8/1998; STJ, AgRg na SLS n. 845/PE, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJe de 23/6/2008”).
Assim sendo, a documentação acostada no pedido não se presta a comprovar as hipóteses de cabimento da Suspensão de Liminar e de Sentença, mas viabiliza, no máximo, o cotejo entre os seus próprios argumentos e os fundamentos utilizados pelas partes e os adotados no Tribunal de origem. Tal tipo de juízo valorativo é próprio da via recursal, pois relaciona-se com o mérito da questão litigiosa.
Deste modo, qualquer manifestação judicial no STJ, a respeito da lesão à ordem econômica, estará amparada em juízo de natureza abstrata, por simples presunção, dado que não há acervo probatório documental que o ampare. Inexistindo, portanto, qualquer tipo de documento que evidencie concretamente o risco iminente, concreto e injustificável de lesão à ordem econômica, não há que se falar em Suspensão de Liminar.
Entendimento contrário implicaria estabelecimento de tese genérica segundo a qual a mera alegação do ente público, relacionada à dimensão econômica da obra cuja continuidade se pretende restabelecer, é suficiente para ensejar a Suspensão de Liminar e de Sentença.
No mesmo sentido o precedente da Corte Especial do STJ (AgRg na SLS 1.100/PR, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 4/3/2010) para aduzir que é insuficiente a mera alegação da ocorrência das situações descritas no art. 4º da Lei 8.437/1992, sendo necessária a comprovação efetiva do dano.
Não há se falar em Suspensão de Liminar e de Sentença quando inexiste nos autos qualquer tipo de documento que evidencie concretamente o risco iminente, concreto e injustificável de grave lesão à ordem econômica.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
Ao defensor dativo não se aplica a obrigatoriedade de recolhimento do preparo do recurso que verse apenas sobre os honorários sucumbenciais.
EREsp 1.832.063-SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Rel. para o acórdão Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por maioria, julgado em 14/12/2023, DJe 8/5/2024.(Info STJ 819)
Creiton, defensor dativo, interpôs recurso por meio da qual questionava os valores arbitrados como honorários sucumbenciais. No entanto, o recurso não foi conhecido em razão da falta de recolhimento do preparo.
CPC:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça.
§ 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade.
Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.
§ 2º A requerimento da Defensoria Pública, o juiz determinará a intimação pessoal da parte patrocinada quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada.
§ 3º O disposto no caput aplica-se aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública.
R: Negativo!!!
Cinge-se a controvérsia a definir se a regra segundo a qual é indispensável o preparo do recurso que verse exclusivamente sobre honorários sucumbenciais nas causas em que concedido o benefício da gratuidade judiciária à parte, salvo se o próprio advogado demonstrar que faz jus à gratuidade, aplica-se também ao defensor dativo.
Embora a interpretação literal das regras do art. 99, §§ 4º e 5º, CPC, pudesse induzir à conclusão de que ao advogado dativo, no que se refere ao preparo, aplicar-se-iam as mesmas regras do advogado particular, exigindo-se a comprovação de que ele próprio faz jus à gratuidade judiciária, é preciso examinar a possibilidade de adoção de outros métodos hermenêuticos que melhor se amoldem à resolução da questão controvertida.
O exame sistemático do conjunto das regras que disciplinam as nobres funções desempenhadas pelos advogados dativos e pela Defensoria Pública revelam que, em vez de diferenças, eles possuem muito mais semelhanças, de modo que é possível afirmar que ambas as figuras se complementam e compõem um microssistema de tutela dos vulneráveis.
O exame desses elementos de aproximação se inicia com o art. 186, caput e § 3º, do CPC/15, segundo o qual não apenas a Defensoria Pública gozará de prazo em dobro, mas, de igual modo, também os escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito e as entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios com a Defensoria Pública, tudo de modo a claramente permitir o mais amplo e irrestrito acesso à justiça pelos hipossuficientes e pelos vulneráveis.
Outro elemento de aproximação está no art. 341, parágrafo único, do CPC/15, que, repetindo a regra do art. 302, parágrafo único, do CPC/73, mantém o entendimento segundo o qual o ônus da impugnação específica dos fatos não se aplica ao defensor público e nem tampouco ao advogado dativo.
De outro lado, por compreender que as mesmas dificuldades de comunicação que existem entre a parte e a Defensoria Pública também se verificam na comunicação entre a parte e o advogado dativo, o STJ firmou entendimento no sentido de que a regra do art. 186, § 2º, do CPC/15, que prevê a possibilidade de intimação pessoal da parte quando o ato depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada, também se aplica à advocacia dativa, a despeito de a regra contemplar expressamente apenas a Defensoria Pública (RMS n. 64.894/SP, Terceira Turma, DJe 9/8/2021).
Nesse contexto, impor ao advogado dativo que recolha o preparo ou que comprove, ele próprio, que faz jus à gratuidade em recurso que trate exclusivamente do valor de seus honorários advocatícios implicará em um inevitável desestímulo ao exercício dessa nobre função, com seríssimos efeitos colaterais aos jurisdicionados, especialmente porque a advocacia dativa, embora seja exercício regular e remunerado da advocacia, possui caráter altruístico, irmanado e suplementar à Defensoria Pública.
Assim, quer seja pela interpretação conjugada do art. 99, §4º e §5º, do CPC/2015, quer seja pelo próprio espírito quase altruísta que norteia a atuação dos defensores dativos, indispensáveis à garantia de efetivo e amplo acesso à justiça, quer seja pela existência de justificativa plausível para o tratamento diferenciado em relação ao advogado particular e de existência de justificativa plausível para o tratamento igualitário em relação à Defensoria Pública, deve-se concluir que ao defensor dativo não se aplica a obrigatoriedade de recolhimento do preparo do recurso que verse apenas sobre os honorários sucumbenciais.
Ao defensor dativo não se aplica a obrigatoriedade de recolhimento do preparo do recurso que verse apenas sobre os honorários sucumbenciais.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Compete à Justiça Federal decidir as causas de interesse do Conselho Curador de Honorários Advocatícios, órgão que não detém personalidade jurídica própria e está expressamente vinculado à Advocacia-Geral da União.
CC 199.358-RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 24/4/2024, DJe 21/6/2024.(Info STJ 819)
Craudete, procuradora federal aposentada, ajuizou ação ordinária contra a União e o Conselho Curador de Honorários Advocatícios, questionando a distribuição distinta de honorários advocatícios devidos entre membros ativos e aposentados.
O Juízo federal declinou da competência, determinando o encaminhamento dos autos à Justiça estadual, que, por sua vez, suscitou o conflito de competência.
Lei n. 13.327/2016:
Art. 33. É criado o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), vinculado à Advocacia-Geral da União, composto por 1 (um) representante de cada uma das carreiras mencionadas nos incisos I a IV do art. 27.
§ 1º Cada conselheiro terá 1 (um) suplente.
§ 2º Os conselheiros e seus suplentes serão eleitos pelos ocupantes dos cargos das respectivas carreiras, para mandato de 2 (dois) anos, permitida 1 (uma) recondução.
§ 3º A eleição de que trata o § 2º será promovida pelo Advogado-Geral da União no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias contado da entrada em vigor desta Lei.
§ 4º A participação no CCHA será considerada serviço público relevante e não será remunerada.
Art. 34. Compete ao CCHA:
I – editar normas para operacionalizar o crédito e a distribuição dos valores de que trata o art. 30;
II – fiscalizar a correta destinação dos honorários advocatícios, conforme o disposto neste Capítulo;
III – adotar as providências necessárias para que os honorários advocatícios discriminados no art. 30 sejam creditados pontualmente;
IV – requisitar dos órgãos e das entidades públicas federais responsáveis as informações cadastrais, contábeis e financeiras necessárias à apuração, ao crédito dos valores referidos no art. 29 e à identificação das pessoas beneficiárias dos honorários;
V – contratar instituição financeira oficial para gerir, processar e distribuir os recursos a que se refere este Capítulo;
VI – editar seu regimento interno.
R: Justiça FEDERAL!!!
A Lei n. 13.327/2016 criou o Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA) e estabeleceu a sua competência nos termos dos arts. 33 e 34, denotando que este não detém personalidade jurídica própria, pois é um órgão que está expressamente vinculado à Advocacia Geral da União (AGU), também integrante da União.
Embora a Portaria n. 99/2023 da AGU tenha definido o CCHA como ente privado sem fins lucrativos, além de dispor que “submete-se ao regime jurídico das pessoas jurídicas de direito privado”, a natureza jurídica da entidade em questão deve ser extraída da própria lei que a criou e não de eventual ato interno formal que classifique o Conselho como pessoa jurídica privada. No mesmo sentido foi a orientação do Tribunal de Contas da União quando teve a oportunidade de se pronunciar sobre o tema. (Acórdão n. 311/2021-TCU-Plenário, de 24/2/2021 e Acórdão n. 523/2023-TCU-Plenário, de 22/3/2023).
Ressalta-se, por oportuno, que o instituto da “personalidade judiciária” ou “formal” (autorização para figurar na relação jurídica [processual] como se pessoa jurídica fosse) não poderia ser aplicado ao caso. Isso se deve ao fato de o referido instituto ser conferido apenas aos órgãos de estatura constitucional e mesmo assim para permitir a defesa de suas prerrogativas institucionais mais caras, normalmente postas em xeque pelo conflito com a própria pessoa jurídica a qual (o órgão) pertence, sendo que ambas as condições não se encontram presentes na espécie. Esse foi o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no MS n. 37.331 AgR, Relator(a): Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 27/4/2021, Processo Eletrônico, DJe-096 Divulg. 19/5/2021 Public. 20/5/2021.
Assim, considerando que o CCHA é órgão vinculado à AGU e que esta integra o Ente federal, conclui-se que a União é o titular passivo da relação jurídica discutida, de modo que tal ente deve necessariamente estar presente na lide, o que faz com que a competência para decidir a causa seja da Justiça Federal.
Compete à Justiça Federal decidir as causas de interesse do Conselho Curador de Honorários Advocatícios, órgão que não detém personalidade jurídica própria e está expressamente vinculado à Advocacia-Geral da União.
RECLAMAÇÃO
Configura usurpação da competência do STJ quando o Tribunal de origem não conhece do pedido de reconsideração como agravo em recurso especial, a despeito de pedido subsidiário expresso.
Rcl 46.756-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 18/4/2024, DJe 25/4/2024.(Info STJ 819)
Em uma ação, Crementino interpôs recurso especial que teve seu seguimento negado pelo TJ em razão da diferença faltante no recolhimento da GRU (deserto). Inconformado, Crementino apresentou pedido de reconsideração, pugnando ainda que, em caso de não acolhimento, fosse este recebido como agravo em recurso especial dirigido a ao STJ.
O tribunal local indeferiu o pedido, o que ensejou a oposição de embargos de declaração, alegando omissão quanto ao pedido de processamento do pedido como agravo em recurso especial.
CPC/2015:
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.
Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.
Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão.
§ 5º Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias.
Art. 1.070. É de 15 (quinze) dias o prazo para a interposição de qualquer agravo, previsto em lei ou em regimento interno de tribunal, contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal.
R: Yeap!!!!
Cinge-se a controvérsia acerca da definição se há usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça pela Presidência do Tribunal de origem que não conhece do pedido de reconsideração como agravo em recurso especial, a despeito de pedido subsidiário expresso com amparo no princípio da fungibilidade.
A competência do STJ para o julgamento do agravo em recurso especial advém, indiretamente, do próprio texto constitucional, que de forma expressa lhe atribui a competência para o julgamento do recurso especial – lastreado nas hipóteses do inciso III do art. 105 da Carta Magna – que lhe antecede.
Assim sendo, a jurisprudência do STJ tem entendido que será admissível o ajuizamento da reclamação quando a Corte de origem usurpa da competência do STJ e não conhece de agravo em recurso especial corretamente interposto.
A inadmissibilidade do recurso especial pela Presidência do Tribunal a quo abre a oportunidade para a interposição do agravo do art. 1.042 do CPC/2015, que tem o propósito exclusivo de ascensão do correlato recurso especial ao STJ e cuja competência para julgamento é exclusiva do STJ.
Embora o STJ já tenha adotado o entendimento no sentido de se mitigar a regra da impossibilidade de se negar trânsito ao recurso de competência do tribunal hierarquicamente superior, sem que isso configure usurpação de competência, tal possibilidade só ocorre quando constatado o seu manifesto descabimento, a caracterizar a existência de erro grosseiro.
Não há, portanto, que se cogitar de um juízo de admissibilidade do agravo do art. 1.042 do CPC/2015, por ausência de previsão expressa e constatação de silêncio eloquente (intencional) do legislador. Há tão somente de um juízo de retratação, que, caso positivo, ocasionará a admissão do recurso especial anteriormente denegado e a consequente submissão do feito ao STJ.
A subida do agravo em recurso especial ao STJ independe de estarem demonstrados os seus pressupostos recursais, deliberação esta que se reserva exclusivamente a esta Corte Superior.
A previsão do juízo de retratação quanto à decisão de inadmissibilidade do recurso especial permite concluir que o agravo em recurso especial possui efeito regressivo, assim como o agravo interno, de maneira que, segundo a jurisprudência do STJ, em homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas, da fungibilidade e da economia processual, é possível o recebimento do pedido de reconsideração como agravo interno, principalmente se levado em consideração o teor da sua impugnação e em razão de terem sido observados os prazos recursais dos arts. 219, 1.003, § 5º, e 1.070 do CPC/2015.
Logo, vê-se que o pedido de reconsideração apresentado perante a Presidência da Corte de origem pode ser admitido como agravo em recurso especial, sobretudo quando há pedido subsidiário nesse sentido, sendo de competência exclusiva o seu processamento e julgamento, de modo que a decisão pelo seu não conhecimento acaba por usurpar a competência do STJ.
Configura usurpação da competência do STJ quando o Tribunal de origem não conhece do pedido de reconsideração como agravo em recurso especial, a despeito de pedido subsidiário expresso.
RECURSO ESPECIAL
A partir da vigência do CPC/2015, é cabível ação autônoma para cobrança e definição de honorários advocatícios quando a decisão transitada em julgado for omissa. Na hipótese de exclusão de litisconsorte por ilegitimidade ad causam, em decisão interlocutória, é cabível a condenação da contraparte ao pagamento de honorários proporcionais, podendo ser fixados em quantum inferior ao percentual mínimo previsto pelo art. 85, § 2º, do CPC/2015.
REsp 2.098.934-RO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 7/3/2024.(Info STJ 819)
Lemos Advocacia ajuizou ação de estipulação e cobrança de honorários advocatícios em face de Genésio. Em razão da atuação do advogado, o juízo de primeiro grau determinou a exclusão do litisconsorte Tadeu do polo ativo, sem arbitrar condenação em honorários advocatícios. Segundo a parte, ninguém recorreu contra tal decisão para não prejudicar o trâmite processual. Passado algum tempo, Lemos Advocacia ajuizou a ação autônoma discutindo a questão.
CPC/2015:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.
R: Tá valendo!!!
Sob a égide do Código de Processo Civil (CPC/1973), editou-se a Súmula n. 453/STJ, cujo enunciado estabelece que “os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”.
Destarte, quando ausente condenação em honorários advocatícios na decisão judicial, a parte deveria opor embargos de declaração a fim de sanar tal omissão. Lado oposto, após o trânsito em julgado da decisão, caberia somente ação rescisória por violação literal do art. 20 do CPC/1973, sendo descabida a cobrança de honorários em execução ou ação autônoma.
Nada obstante, a matéria foi significativamente alterada pelo CPC/2015, o qual estabeleceu em seu art. 85, §18, o cabimento de ação autônoma para definição e cobrança de honorários quando a decisão transitada em julgado for omissa.
Em razão da alteração legislativa, a doutrina leciona que houve a superação parcial da Súmula n. 453/STJ, apenas no tocante à (im)possibilidade de ajuizamento de ação autônoma.
Devidos honorários quando da hipótese de exclusão de litisconsorte por ilegitimidade ad causam???
Com certeza!!!!
Nos termos do art. 1.015, VII, do Código de Processo Civil (CPC/2015), o pronunciamento do juiz que determina a exclusão de litisconsorte corresponde à decisão interlocutória. Nessas hipóteses, acolhida a preliminar de ilegitimidade ativa ou passiva do litisconsorte, o processo será extinto sem julgamento do mérito apenas em relação ao sujeito ilegítimo, nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015.
Quanto ao ponto, a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de ser cabível, diante da exclusão do litisconsorte, a condenação da contraparte ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.
Com efeito, o fundamento para a condenação do vencido ao pagamento das despesas e honorários está em evitar que o vencedor seja compelido a arcar com os gastos de um processo para cuja formação não deu causa. Tal fundamento está umbilicalmente ligado ao princípio da sucumbência, norteado pelo princípio da causalidade, como conteúdo epistêmico da ciência processual a ser observado na instauração dos litígios judiciais.
A peculiaridade dos honorários decorrentes da exclusão de litisconsorte reside, todavia, no quantum arbitrado. Isso porque o legislador do art. 85, § 2º, do CPC/2015 – ao estabelecer percentual mínimo de 10% sobre o valor da condenação, causa ou proveito econômico – tomou como referencial as decisões judiciais que, com ou sem julgamento de mérito, abrangem a totalidade das questões submetidas ao juízo. Trata-se de situação indubitavelmente diversa das decisões parciais, as quais decidem apenas parcela da questão sujeita à apreciação do Judiciário.
Tendo em vista essa particularidade, esta Terceira Turma tem decidido que, na hipótese de exclusão de litisconsorte, os honorários devem ser arbitrados de maneira proporcional à parcela do pedido efetivamente apreciada, sendo que o juiz não está obrigado a fixar, em benefício do advogado da parte excluída, honorários advocatícios sucumbenciais mínimos de 10% sobre o valor da causa.
Acrescente-se que o arbitramento de honorários aquém do previsto no art. 85, § 2º, do CPC/2015 sequer é inovação puramente jurisprudencial, visto que art. 338, parágrafo único, do CPC/2015 estabelece que, acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva do réu, “o autor reembolsará as despesas e pagará os honorários ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, § 8º”.
Logo, na hipótese de exclusão de litisconsorte por ilegitimidade ad causam, em decisão parcial sem resolução do mérito, é cabível a condenação da contraparte ao pagamento de honorários proporcionais, podendo ser fixados em quantum inferior ao percentual mínimo previsto pelo art. 85, § 2º, do CPC/2015.
A partir da vigência do CPC/2015, é cabível ação autônoma para cobrança e definição de honorários advocatícios quando a decisão transitada em julgado for omissa. Na hipótese de exclusão de litisconsorte por ilegitimidade ad causam, em decisão interlocutória, é cabível a condenação da contraparte ao pagamento de honorários proporcionais, podendo ser fixados em quantum inferior ao percentual mínimo previsto pelo art. 85, § 2º, do CPC/2015.
RECURSO ESPECIAL
A responsabilidade pelos ônus sucumbenciais nos embargos de terceiros, quando extintos sem julgamento de mérito, em razão da perda superveniente de seu objeto, deve ser de quem deu causa aos embargos.
REsp 2.131.651-PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024, DJe 24/5/2024.(Info STJ 819)
Em uma execução, Gertrude interpôs embargos de terceiro insurgindo-se contra a constrição judicial que recaiu sobre bem alegadamente de sua titularidade. Ela portanto defende a sua meação na execução promovida pelo banco em face de seu cônjuge.
Os embargos acabaram extintos porque propostos após a execução já ter sido extinta em decorrência do reconhecimento da prescrição intercorrente. E, diante da sucumbência, Gertrude foi condenada ao pagamento das custas processuais, bem como honorários advocatícios sobre o valor atualizado da ação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
CPC:
Art. 921. Suspende-se a execução:
§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes.
R: Exatamente!!!
A controvérsia consiste em definir a quem incumbe arcar, nos embargos de terceiro, com os ônus sucumbenciais.
A hipótese é peculiar (o que explica a ausência de precedente pontual do STJ) já que se tem, de um lado, uma ação execução frustrada pelo reconhecimento da prescrição intercorrente (o que haveria de pressupor justamente a ausência de bens penhoráveis) e, de outro, o manejo de embargos de terceiro (que impugnava justamente a constrição judicial de bem imóvel ali efetivada), que restaram prejudicados, pois, pela extinção do feito executivo.
O desfecho da ação executiva – reconhecimento da prescrição intercorrente da pretensão executiva -, a repercutir, naturalmente, no modo como os ônus sucumbenciais foram distribuídos às partes ali litigantes, não influi na definição da responsabilidade pelos ônus sucumbenciais nos subjacentes embargos de terceiro – feito distinto daquele -, extintos pela perda de objeto, a considerar o tratamento legal específico para cada hipótese.
Em atenção à alteração legislativa promovida pela Lei n. 14.195/2021, que introduziu o § 5º ao art. 921 do CPC, a Terceira Turma do STJ adotou a compreensão de que “nas hipótese em que extinto o processo [executivo] com resolução do mérito, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, é de ser reconhecida a ausência de ônus às partes, a importar condenação nenhuma em custas e honorários advocatícios”, observado o marco temporal para a aplicação das novas regras sucumbenciais que é a data da prolação da sentença” (REsp n. 2.025.303/DF, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 11/11/2022).
Por sua vez, a responsabilidade pelos ônus sucumbenciais nos embargos de terceiros, que devem ser extintos, sem julgamento de mérito, em razão da perda superveniente de seu objeto (no caso, ante a insubsistência da constrição judicial realizada no feito executivo, extinto em decorrência do reconhecimento da prescrição intercorrente), é regulada pelo § 10 do art. 85 do Código de Processo Civil, o qual impõe àquele que deu causa ao processo a responsabilidade pelo pagamento da verba honorária.
Especificamente no caso dos embargos de terceiro – em que se busca impedir ou afastar a constrição judicial reputada indevida sobre bens de titularidade de pessoa que não faz parte da relação jurídico-processual -, cabe ao julgador examinar, sob a égide do princípio da causalidade, se a constrição apresentou-se, em tese, indevida e, em sendo, quem a ela deu causa (a teor do enunciado n. 303 da Súmula do STJ, in verbis: em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios) ou, não sendo este o caso, num juízo de prognose, aferir qual dos litigantes seria sucumbente se a ação tivesse, de fato, sido julgada.
No caso, é de se reconhecer que os subjacentes embargos de terceiro consubstanciaram medida processual absolutamente inidônea aos fins alegadamente perseguidos, pelo simples fato de que o ato constritivo impugnado, quando de seu ajuizamento, há muito não subsistia. A constrição judicial – objeto de impugnação dos subjacentes embargos de terceiro – foi tornada sem efeito em razão da prolação de decisão proferida pelo Juízo da execução que reconheceu justamente impenhorabilidade do imóvel rural constrito, não havendo nenhuma insurgência por parte do Banco exequente. Tudo a ensejar a conclusão de que foi a parte embargante quem deu causa aos infundados embargos de terceiro, devendo, por isso, responder pela verba sucumbencial.
A responsabilidade pelos ônus sucumbenciais nos embargos de terceiros, quando extintos sem julgamento de mérito, em razão da perda superveniente de seu objeto, deve ser de quem deu causa à constrição indevida.
EMBARGOS EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Deve ser admitida a inclusão posterior do dependente direto como beneficiário do ex-participante de previdência privada, desde que isso não acarrete prejuízo ao fundo de pensão.
EAREsp 925.908-SE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 22/5/2024, DJe 7/6/2024.(Info STJ 819)
Crementina ajuizou ação de concessão de suplementação de pensão por morte, em face de Petros, devido à recusa administrativa da entidade em pagar o benefício, após o falecimento do marido, participante de plano de previdência privada complementar.
A sentença julgou procedente o pedido, para condenar a ré ao pagamento da suplementação de pensão por morte, desde a data do óbito do participante. Em recurso, a Petros sustenta que benefício de suplementação de pensão por morte deve ser deferido em favor da ex-companheira/esposa do participante, somente quando esta tenha sido designada como beneficiária.
Lei 8.213/1991:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
R: Com certeza!!!
A previdência privada, qualificada pela doutrina como um braço da seguridade social e negócio jurídico privado concretizador dos ideais constitucionais de solidariedade e justiça social, tem como finalidade suprir a necessidade de renda adicional do participante, por ocasião de sua aposentadoria ou superveniente incapacidade, bem como dos seus beneficiários, por ocasião de sua morte.
Diferentemente do regime geral de previdência social, o legislador não fixou os beneficiários do participante vinculado a plano de previdência privada, de modo que, salvo previsão contratual em contrário, é admitida a indicação de qualquer pessoa física.
A função social do contrato previdenciário se cumpre a partir da concessão de benefício a quem o legislador presume depender economicamente do participante falecido, como, estabelece o art. 16, I e § 4º, da Lei 8.213/1991.
Ademais, verifica-se que a própria Resolução 49/1997 da PETROS, em que se apoia a entidade, não veda a inclusão de novos beneficiários na fase de inatividade do participante, mas apenas exige, para tanto, a contrapartida da entrada dos recursos correspondentes, mediante o pagamento de contribuição adicional, de modo a evitar o desequilíbrio ao plano de custeio.
Nessa linha, atenta à função social do contrato previdenciário, sem descurar da necessidade de manutenção do equilíbrio do plano de custeio, a Terceira Turma, em hipótese assemelhada a dos autos, também relativa a PETROS, admitiu a inclusão posterior do dependente direto como beneficiário, desde que não acarretasse prejuízo ao fundo de pensão.
Assim, deve ser admitida a inclusão posterior do dependente direto como beneficiário de participante falecido, desde que isso não acarrete prejuízo ao fundo de pensão.
Deve ser admitida a inclusão posterior do dependente direto como beneficiário do ex-participante de previdência privada, desde que isso não acarrete prejuízo ao fundo de pensão.
QUEIXA-CRIME
Expressões eventualmente contumeliosas, quando proferidas em momento de exaltação, bem assim no exercício do direito de crítica ou de censura profissional, ainda que veementes, atuam como fatores de descaracterização do elemento subjetivo peculiar aos tipos penais definidores dos crimes contra a honra.
QC 6-DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 10/6/2024, DJe 26/6/2024.
Nilton ofertou queixa-crime em face do Governador do RJ, Claudio Castro. Narra que, em certa data, participou de uma manifestação pública e pacífica realizada por policiais e bombeiros militares ativos, veteranos e pensionistas da Polícia e Bombeiro Militares do Estado do Rio de Janeiro, em um evento de inauguração da obra do mirante da Prainha, em Arraial do Cabo, onde estavam presentes o Governador, o Prefeito, diversos deputados federais e estaduais, autoridades públicas em geral, e um público de aproximadamente 300 pessoas.
Segundo Nilton, o governador o teria chamado de “mau-caráter” na frente de todos os ali presentes. A Defesa sustentou que o fato genérico, desprovido de dolo específico, seria manifestamente atípico.
Código Penal:
Difamação
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Exceção da verdade
Parágrafo único – A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
Injúria
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
R: Aparentemente, SIM!!!
Trata-se, na origem, de alegação de prática de crimes contra a honra supostamente praticados por Governador de Estado em evento de inauguração de obra pública. A animosidade entre as partes teria advindo de embate político a respeito da remuneração de Policiais Militares.
No palanque da inauguração, o Governador teria chamado o suposto ofendido por mais de uma vez de “mau-caráter”, e teria se utilizado das expressões “o mau-caráter do Da Silva que está ali” e “gente igual a esse mau-caráter”, motivo pelo qual foi acusado de incidir no delito de injúria previsto no art. 140 do Código Penal (CP).
No mesmo contexto, o Governador teria dito que “essas pessoas aqui não tinham salário, (…) por causa de gente igual a esse mau caráter, não tinham salário”, o que evidenciaria o intento positivo e deliberado de ofender a honra alheia, incidindo no delito de difamação, previsto no art. 139 do CP.
São elementos comuns nos crimes contra a honra o agente proceder com dolo de dano, isto é, propor-se a ofender a honra alheia, e não simplesmente o perigo de ofensa.
Dessa forma, a acusação, para os tipos penais de difamação e injúria, não reúne mínimas condições de admissibilidade, isso porque as palavras lançadas pelo Governador não podem ser consideradas criminosas ante a constatação de ausência no dolo de difamar ou de injuriar.
No embate entre personagens políticos é usual que, no enfrentamento de ideias, se tenha divergência sobre os rumos das opções na administração do ente Federativo e, no acirramento dos ânimos, surjam adjetivações que não guardam, necessariamente, similitude com o propósito de ofender pessoalmente o adversário.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça publicou Jurisprudência em Teses (edição 130) e divulgou 13 enunciados da Corte sobre posicionamentos consolidados a respeito dos crimes contra a honra. Entre eles está a Tese n. 1, que prevê que, “Para a configuração dos crimes contra a honra, exige-se a demonstração mínima do intento positivo e deliberado de ofender a honra alheia (dolo específico), o denominado ‘animus caluniandi, diffamandi vel injuriandi’.
Aliado a isso também ao caso concreto é pertinente mencionar o enunciado 7, cuja proposição é de que: “Expressões eventualmente contumeliosas, quando proferidas em momento de exaltação, bem assim no exercício do direito de crítica ou de censura profissional, ainda que veementes, atuam como fatores de descaracterização do elemento subjetivo peculiar aos tipos penais definidores dos crimes contra a honra”.
Assim, sendo, não evidenciado minimamente o dolo especial de ofender a honra de outrem, deve ser rejeitada a queixa-crime quanto aos delitos de difamação e injúria.
Expressões eventualmente contumeliosas, quando proferidas em momento de exaltação, bem assim no exercício do direito de crítica ou de censura profissional, ainda que veementes, atuam como fatores de descaracterização do elemento subjetivo peculiar aos tipos penais definidores dos crimes contra a honra.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
I) A confissão judicial, em princípio, é, obviamente, lícita. Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP. II) A confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu). III) A confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.
AREsp 2.123.334-MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 2/7/2024.(Info STJ 819)
Creitinho foi condenado pela prática do crime de furto simples, tendo como únicos elementos de prova (I) a confissão informal, extraída pelos policiais no momento da prisão, e (II) o reconhecimento fotográfico. O bem furtado não foi encontrado em sua posse, e um vídeo de câmera de segurança que registrava o momento do crime não foi juntado ao inquérito ou ao processo por inércia da polícia, perdendo-se ao final.
Na audiência de instrução e julgamento realizada, primeira oportunidade de efetivo contato com o réu, a defesa argumentou que a confissão informal foi extraída pelos policiais mediante tortura.
Código de Processo Penal:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.
Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.
R: Não é bem assim!!!!
O Código de Processo Penal trouxe poucas regras específicas para a valoração da confissão, em dois dispositivos: os arts. 197 e 200. No primeiro, diz a lei que a confissão será valorada pelos critérios (também não identificados pelo Código) aplicáveis às demais provas, cabendo ao juiz confrontá-las entre si para verificar se “entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”.
O art. 200, por sua vez, traz as regras da divisibilidade e retratabilidade da confissão, repetindo que o juiz pode valorá-la a partir de seu livre convencimento, “fundado no exame das provas em conjunto”.
Esses dois artigos geraram certa uniformidade doutrinária no sentido de que a condenação não pode se lastrear unicamente na confissão, sendo necessário que esta se encontre em harmonia com as demais provas dos autos. Nenhum dos dois dispositivos, entretanto, estabeleceu qual o nível de compatibilidade ou harmonia que deve existir entre a confissão e as outras provas, nem como ocorre o exame da retratação. Mesmo assim, o juiz é obrigado a avaliar esses pontos, utilizando-se de algum standard e de regras de valoração da prova – ainda que não as declare explicitamente.
O sistema de livre apreciação instituído no art. 155 do CPP convive com o estabelecimento de critérios gerais de racionalidade probatória que, conquanto não descritos na lei, precisam ser aplicados pelo julgador (até pela vedação ao non liquet), e exige do magistrado que suas conclusões sobre a prova derivem de um raciocínio intersubjetivamente justificável.
Cumprindo a função que se espera da jurisdição superior, propõe-se que o STJ elucide quais são esses parâmetros racionais, tornando mais objetivo e previsível o julgamento criminal e fornecendo aos próprios juízes um instrumental dogmático claro para o exame da confissão.
Dentre a vasta produção doutrinária internacional sobre a valoração racional da prova, dois critérios principais têm especial aplicação ao exame da confissão (sem prejuízo, é claro, de outras regras de racionalidade): (I) o da corroboração e (II) o da completude, ambos enquadráveis nos arts. 197 e 200 do CPP.
Por corroboração, refere-se ao grau de existência de elementos de prova independentes capazes de dar sustento a uma afirmação, de modo que uma hipótese restará mais ou menos corroborada em direta proporção com a quantidade e qualidade das provas que se encaixam em suas predições.
O critério da completude, por outro lado, diz respeito à abrangência da coleta de provas e seu ingresso nos autos processuais, referindo-se à proporção entre as provas produzidas pela acusação e aquelas que seriam em tese relevantes e pertinentes.
É possível acontecer que diante de um conjunto probatório pobre, as poucas provas existentes podem fornecer alguma corroboração a determinada hipótese; todavia, com o aporte de mais provas de diversas espécies, produzindo um conjunto mais completo, pode-se perceber que a hipótese inicial perdeu força, já que as novas provas a desmentiram ou apontaram em sentido contrário.
Os múltiplos riscos epistêmicos de confissões, mesmo daquelas admissíveis, permitem classificá-la como uma prova de baixa segurança independente. É no campo da completude (e sua irmã, a corroboração), então, que se deve buscar um direcionamento para o exame racional da confissão, o que coloca sobre a acusação o ônus de buscar provas múltiplas e diversas capazes de dar suporte a sua hipótese.
Os conceitos valorativos até aqui trabalhados se relacionam de maneira dinâmica: ao perder a chance de apresentar provas que corroborem independentemente sua tese, a acusação gera uma incompletude no conjunto probatório que priva o Judiciário e a sociedade da melhor prova possível para o esclarecimento do crime. Isso aumenta desproporcionalmente o grau de incerteza ínsito a toda decisão sobre fatos passados, de uma maneira capaz de criar dúvida objetiva quanto a qualquer decreto condenatório e impor, como consequência, a absolvição do réu.
A fixação das forças policiais com a confissão enquanto “rainha das provas” gera um campo fértil para a ocorrência desse fenômeno.
A jurisdição criminal justa precisa, pois, de uma investigação criminal eficiente, competente e profissional para que possa ser exercida, sob pena de se elevar o risco de condenações de pessoas inocentes – que, com as atuais práticas da polícia e do Ministério Público brasileiros, certamente é altíssimo. Isso é o que requer o próprio art. 6º do CPP, quando institui para o delegado, dentre outras, as obrigações funcionais de resguardar o corpo de delito (inciso II) e arrecadar “todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato” (inciso III).
Nenhuma dessas providências foi tomada no presente caso, e a certeza da polícia de que a confissão informal do acusado (extraída em circunstâncias desconhecidas) bastaria para gerar sua condenação é certamente um fator de estímulo à situação generalizada de inércia policial. Elevar o standard a ser vencido pela acusação no exame de confissões terá, assim, o efeito benéfico de incentivar um maior profissionalismo na atuação policial e ministerial, com condenações mais seguras e justas.
Dessa forma, a confissão judicial, em princípio, é lícita. Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP.
A confissão extrajudicial deve ser formalizada???
Com certeza!!!
Não são incomuns casos em que, ausentes provas sólidas, a confissão extrajudicial do acusado, ainda que retratada em juízo, é o principal fundamento da condenação (mesmo que o juiz tente acrescer-lhe outras provas menos importantes ou que valore a “coerência” da própria retratação, como forma de escapar à vedação do art. 155 do CPP). Neles, assim como na hipótese deste autos, tem me chamado a atenção o fato de que a confissão comumente é feita de maneira informal, fora de uma delegacia ou estabelecimento governamental, sem a assistência de defensor, sem um registro documental preciso dos atos investigatórios e na completa ausência de provas.
No caso analisado, a confissão na qual se embasou o juízo sentenciante para condenar o acusado foi colhida no momento de sua prisão, fora de uma delegacia, muito antes do primeiro contato do réu com seu defensor (que somente ocorreu na audiência de instrução e julgamento) ou de uma audiência de custódia (que nem chegou a ser realizada), sem nenhum registro formal desse primeiro interrogatório nas mãos da polícia militar.
Por vezes, a coação (ou mesmo a tortura) por policiais é apontada pela defesa como um dos fatores determinantes da confissão viciada, em regra sem nenhuma consideração por parte do Judiciário; em outras, não há explicação formal para essa mudança de postura do acusado.
O risco de tortura-prova é, assim, inversamente proporcional ao grau de formalidade da fase em que se encontra o conjunto de ritos da investigação e persecução criminal: é nos momentos iniciais da apuração de um crime que o preso está mais vulnerável à tortura-prova, diminuindo esse risco à medida em que o processo avança e ganha mais camadas de formalidade e segurança.
Quando o preso já foi adequadamente registrado no sistema de custódia e recebeu a orientação jurídica adequada para, aí sim, ser ouvido pela autoridade policial civil, torna-se mais difícil que a polícia o torture para obter alguma informação, porque nesse momento já há um status de maior formalidade procedimental cujo contorno, embora não seja impossível, é mais oneroso para um policial mal-intencionado. Mais segura ainda é a confissão judicial, feita pelo réu perante o julgador na própria audiência de instrução: nessa situação, o acusado já está obrigatoriamente assistido por seu defensor e colocado diante de um magistrado e um membro do Ministério Público, incidindo, nesse momento, controles por instituições diversas da própria polícia.
A tortura, é claro, será possível mesmo nessa etapa processual, mormente se o réu estiver preso preventivamente e souber que, se não confessar, poderá estar sujeito a represálias no interior presídio. Veja-se, porém, que esse cenário já é um pouco menos provável, por exigir um concerto mais complexo entre diversos órgãos de persecução penal (ao menos a polícia judiciária e a polícia penal), o que dificulta a ocorrência da específica modalidade de tortura prova.
O momento de maior fragilidade pessoal e jurídica do investigado é quando acontece sua prisão, longe dos olhares de qualquer instituição estatal – a não ser aquela própria que efetuou sua prisão – e à míngua de mecanismos reais de controle. Nessa hora, o preso está inteiramente nas mãos dos policiais (geralmente militares) que o prenderam, e apenas a sorte o ajudará. Se os agentes forem, como a maioria de nossos policiais, probos e cumpridores da lei, provavelmente nada de ilícito haverá em seu procedimento; se, todavia, tiverem alguma disposição à brutalidade e à tortura – o que corresponde a uma parcela que não pode ser ignorada, segundo os estudos já mencionados -, o preso estará sujeito a um grande risco de tortura e, caso esta aconteça, jamais logrará comprová-la. Ao contrário, será condenado pelo suposto crime que gerou sua prisão e tido por mentiroso pela polícia, pelo Ministério Público, pelo Judiciário e pela sociedade ao narrar o tormento sofrido.
Para que a confissão extrajudicial seja admitida no processo penal, é necessária a adoção de cautelas institucionais que neutralizem os riscos ora tratados, de modo a tornar a prova mais confiável quanto ao seu conteúdo e modo de extração. Caso contrário – e pensando de forma puramente objetiva -, não será possível considerar, com a segurança exigida pelo processo penal, que a confissão foi voluntária e confiável o suficiente a fim de receber algum tipo de eficácia jurídica. Sem salvaguardas e enquanto o Brasil for tão profundamente marcado pela violência policial, sempre permanecerá uma indefinição sobre a voluntariedade da confissão extrajudicial – indefinição esta que se busca, aqui, diminuir.
São duas as exigências para a admissibilidade desse tipo de confissão: (I) o ato deverá ser formal e (II) realizado dentro de um estabelecimento estatal oficial. Atendidos esses requisitos, a confissão será admissível, podendo integrar os elementos de informação do inquérito; se descumprido algum deles, a consequência é a inadmissibilidade da confissão.
O que se propõe ao estabelecer estes condicionantes à validade epistêmica da confissão extrajudicial é que tais critérios sejam definidos de forma expressa e racional pelo STJ, a quem cabe unificar a interpretação da legislação federal pertinente.
Assim, quanto à formalidade e ao local do ato, a colheita de uma confissão extrajudicial deve ser tratada pela autoridade policial como um ato formal, segundo o mandamento do art. 199 do CPP, feito na própria delegacia de polícia ou outro estabelecimento integrante da estrutura estatal, com a informação ao investigado de seus direitos constitucionais e a lavratura do termo respectivo. Realizado o ato em tais circunstâncias, há mais olhares de agentes públicos sobre o procedimento, o que por si só já exerce um efeito dissuasório maior do que aquele (in)existente na extração de uma confissão no próprio ato de prisão, na rua e longe do controle estatal. Estabelecimentos oficiais são conhecidos por todo o povo, passíveis de controle externo pelo Ministério Público (art. 129, VII, da Constituição Federal) e pelos Tribunais de Contas (arts. 70 e 75 da Constituição Federal), e são de livre ingresso pelos advogados (art. 7º, VI, “b” e “c”, da Lei n. 8.906/1994); tudo isso constitui um plexo de garantias que torna a tortura-prova um pouco menos provável em tais locais do que em um beco deserto, um matagal remoto, um centro secreto de detenção.
Qual o valor da confissão???
Depende…
Admitida a confissão – seja ela judicial ou extrajudicial -, isso não significa necessariamente que o réu deverá ser condenado, pois ainda é necessário que o juiz valore todas as provas para verificar se a hipótese acusatória está comprovada em um nível que atenda aos standards do processo penal.
Assim, passa-se ao exame da força probatória da confissão, considerando novamente os mais atuais estudos sobre o tema, com vistas a aferir se condenações como a que foi proferida nestes autos se justificam racionalmente.
O reconhecimento das falsas confissões é uma certeza científica internacional e recebe atenção bastante detalhada da jurisprudência comparada, no afã de prevenir a condenação de pessoas inocentes.
O fato de o tema não ter destaque nos Tribunais brasileiros até hoje não é justificativa para que a interpretação do direito pátrio permaneça alheia à sua ocorrência. É possível, e mesmo desejável, que consideremos a experiência de outros países em seu tratamento e, naquilo que for cabível de acordo com a legislação nacional, sigamos as lições históricas que nos podem oferecer, a fim de evitar o cometimento dos mesmos erros.
É incorreto atribuir força probatória suprema à confissão, prova que está no centro de uma quantidade não desprezível de condenações injustas. Torna-se necessário, por isso, detalhar regras de valoração racional para esclarecer o real peso da confissão e mitigar o risco de condenações de inocentes que, por qualquer razão, tenham confessado falsamente a autoria de delitos.
A eficácia probatória da confissão extrajudicial limita-se, então, ao trabalho das autoridades policiais e acusadoras. Embora não seja essa a técnica investigativa mais desejável, a confissão pode indicar à autoridade policial possíveis fontes de prova nos crimes de apuração mais difícil, servindo, assim, como meio de obtenção de prova, a exemplo do que acontece com a colaboração premiada, nos termos do art. 3º-A da Lei 12.850/2013.
Uma vez narrada pelo investigado a forma em que supostamente cometido o delito, a autoridade policial poderá descobrir onde e como encontrar indícios ou mesmo possíveis elementos de prova que confirmem a confissão, na linha do que já se pratica no âmbito das colaborações. Consequentemente, no campo da valoração probatória, a confissão extrajudicial não tem nenhum lugar numa sentença condenatória, para a qual interessa a confissão colhida em juízo no momento do interrogatório do réu.
Em outras etapas da persecução penal, a confissão extrajudicial pode ter sua utilidade; é o caso, por exemplo, da decisão que defere medidas probatórias (v.g., a quebra de sigilo bancário ou a busca e apreensão), que pode em tese indicar a confissão extrajudicial como um de seus fundamentos, até como forma de permitir a descoberta de provas que a corroborem. Afinal, se o réu confessa o crime em delegacia, e o acesso a determinadas fontes de prova está protegido pela reserva de jurisdição, sua confissão deve ser valorada racionalmente pelo juiz na análise do requerimento probatório.
Para a sentença, diversamente, o próprio art. 155 do CPP proíbe que a confissão extrajudicial justifique a condenação.
Nesse contexto, a confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.
A confissão judicial, em princípio, é, obviamente, lícita. Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP. A confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu). A confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.
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