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RECURSO ESPECIAL
Ainda que se entenda que a verificação ficta da condição exige prova do dolo, por se tratar de fatos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916, não está tal elemento associado a um específico resultado, mas somente à prática intencional dos fatos que deram ensejo à não implementação da condição.
REsp 2.117.094-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 11/3/2024. (Info STJ 803)
Crementina ajuizou ação de cobrança em face de Natura S.A. e Flora Medicina. As partes celebraram contrato na qual Crementina cederia 75% das ações de Flora Medicina para a nova empresa Nova Flora.
As partes, ao combinarem o preço, ajustaram um percentual a mais a ser pago, uma cláusula adicional condicionada aos resultados futuros do negócio. Porém, segundo Crementina, Nova Flora teria desviado parte substancial dos negócios em favor de Natura, impedindo assim os resultados que implicariam no pagamento do adicional.
Por sua vez, as rés alegam que a implementação ficta da condição, nos moldes do art. 130 do Código Civil de 1916, exigiria a demonstração de dolo específico, o que não restou comprovado no caso.
R: Nooopssss!!!!
A controvérsia consiste em saber se a implementação ficta de condição, nos moldes do art. 130 do Código Civil de 1916, exige a demonstração de dolo específico.
O art. 120 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, preceitua o seguinte: “Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição, cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte, a quem desfavorecer.” Norma semelhante foi reproduzida no Código Civil atual, que, em seu art. 129, também conferiu o mesmo tratamento para a situação inversa ao afirmar: “Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.”
De todo modo, ainda que se entenda que a verificação ficta da condição exige prova do dolo, por se tratar de fatos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916, não está tal elemento associado a um resultado específico, mas somente à prática intencional dos fatos que deram ensejo à não implementação da condição, ou à implementação, na hipótese inversa.
Em precedente da Corte Superior assinala-se que “(…) cuida-se de ficção legal, que condena o dolo daquele que impede ou força o implemento da condição em proveito próprio” (REsp 1.337.749/MS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 6/4/2017). No referido julgado, entendeu o colegiado que, na situação hipoteticamente contemplada na referida norma, estaria compreendida “(…) a rescisão unilateral imotivada perpetrada pelo cliente, que configura, por óbvio, obstáculo ao implemento da condição estipulada no contrato de prestação de serviços advocatícios“, ainda que o objetivo do mandante não fosse o de impedir o recebimento da verba honorária pelo mandatário, mas, sim, de promover a rescisão do contrato de prestação de serviços advocatícios.
Nesse sentido, o mesmo raciocínio deve ser empreendido no caso em análise. Ainda que o resultado pretendido pela empresa não fosse impedir o recebimento do valor adicional de R$ 1.500.000,00 pelo autor, foi o seu agir intencional (doloso), conforme apurado pelas instâncias ordinárias, que impediu o cumprimento do business plan no prazo de 3 (três) anos, a ensejar a aplicação do preceito legal em comento para considerar adimplida a condição suspensiva.
Sob tal perspectiva, o direito ao recebimento do valor adicional contratualmente previsto dependia apenas da comprovação de que as condutas atribuídas à ré impediram, de fato, o alcance da condição contratualmente estabelecida (atingimento das metas definidas no business plan), não importando quais eram os seus objetivos, se para evitar o pagamento do bônus ou para outra finalidade qualquer.
Vale também acrescentar que o direito ao recebimento do valor adicional não exige a comprovação de que a condição seria implementada no prazo de 3 (três) anos, mas, sim, de que as diversas condutas a ela atribuídas impediram a consecução dos objetivos traçados no plano de negócios.
Ademais, no caso, o direito ao recebimento do valor adicional não foi reconhecido somente com base na modificação unilateral do business plan, mas em diversos outros aspectos relacionados com a transferência de recursos humanos e operacionais de uma empresa para a outra e com a exclusão do autor da função gerencial e do próprio quadro societário, mesmo sem a comprovação dos fatos ilícitos a ele imputados, tudo isso somado à falta de comprovação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Ainda que se entenda que a verificação ficta da condição exige prova do dolo, por se tratar de fatos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916, não está tal elemento associado a um específico resultado, mas somente à prática intencional dos fatos que deram ensejo à não implementação da condição.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
Nas ações coletivas em que a associação representa seus associados por legitimação ordinária, nos termos do art. 5º, XXI, da CF/88, o entendimento que deve ser aplicado é o firmado no Tema n. 499 do STF.
EREsp 1.367.220-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 6/3/2024. (Info STJ 803)
A Câmara de Dirigentes Lojistas de um município ajuizou ação judicial em face da Eletrobrás por meio da qual requer o pagamento das diferenças de correção monetária incidente sobre o principal, e dos juros remuneratórios dela decorrentes, não devidamente pagos no momento da restituição do empréstimo em valor.
A CDL requer a extensão dos efeitos da decisão coletiva que lhe foi favorável a todos os associados, inclusive àqueles que ainda venham a se associar, enquanto a Eletrobrás sustenta que deve ser aplicada ao caso o que foi definido no julgamento do Tema 499 do STF.
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;
R: Com certeza!!!!
A colenda Segunda Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.362.022-SP, delimitando os legitimados ativos para a execução individual de sentença coletiva, estabeleceu a seguinte distinção entre: (a) a legitimidade ativa de associado para executar individualmente sentença prolatada em ação coletiva ordinária proposta por associação expressamente autorizada pelos associados (legitimação ordinária), agindo com base na representação prevista no art. 5º, XXI, da Constituição Federal; e (b) a legitimidade ativa de beneficiário consumidor para executar individualmente sentença prolatada em ação coletiva substitutiva proposta por associação, mediante legitimação constitucional extraordinária (p. ex., CF, art. 5º, LXX) ou legitimação legal extraordinária, com arrimo, especialmente, nos arts. 81, 82 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (ação civil pública substitutiva ou ação coletiva de consumo).
No primeiro caso, os efeitos da sentença de procedência da ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcançará os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador. Há eficácia subjetiva e territorial restrita. No segundo caso, os efeitos da sentença de procedência da ação coletiva substitutiva não estarão circunscritos aos limites geográficos do órgão prolator da decisão, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, de maneira que beneficiarão os consumidores prejudicados e seus sucessores, legitimando-os à liquidação e à execução, independentemente de serem filiados à associação promovente.
Nessa diferenciação é que residem os Temas n. 499 e 1.075 do egrégio Supremo Tribunal Federal. Quanto ao Tema n. 499/STF, tem-se que: “A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento.” (RE n. 612.043, Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. em 10/5/2017).
Quanto ao Tema n. 1.075/STF, o Pretório Excelso declarou a inconstitucionalidade da redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, dada pela Lei 9.494/1997, determinando a repristinação de sua redação original; concluindo que os efeitos e a eficácia da sentença coletiva não estão circunscritos aos limites geográficos do órgão prolator da decisão, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido (RE n. 1.101.937, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, j. em 08/4/2021).
Nessa mesma toada, já havia se pronunciado a Corte de Justiça, no julgamento de recurso especial representativo de controvérsia, no qual firmou entendimento de que: “a liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo” (REsp n. 1.243.887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 12/12/2011).
O caso, está circunscrito à ação coletiva movida sob o rito ordinário, em que a associação, sob invocação da norma constitucional do inciso XXI do art. 5º, representou em juízo seus associados, agindo por legitimação ordinária (ação coletiva representativa). Desse modo, o entendimento que deve ser aplicado, na espécie, é o firmado em repercussão geral pelo eg. Supremo Tribunal Federal, no Tema n. 499/STF, com as ressalvas feitas no voto quanto à impossibilidade de reformatio in pejus.
Quanto ao pedido sucessivo apresentado, no sentido de que “os efeitos da coisa julgada se estendam aos associados da Embargante que possuam domicílio no âmbito da competência da Corte Federal Regional da Quarta Região”, há de prevalecer a orientação firmada no julgamento do REsp n. 1.856.644-SC, para que seja reconhecida, no caso concreto, a abrangência dos efeitos da sentença coletiva aos associados da entidade que possuam domicílio no âmbito da competência territorial do TRF da Quarta Região, prolator da última decisão de mérito, em apelação, observado o princípio da non reformatio em pejus.
Nas ações coletivas em que a associação representa seus associados por legitimação ordinária, nos termos do art. 5º, XXI, da CF/88, o entendimento que deve ser aplicado é o firmado no Tema n. 499 do STF.
RECURSO ESPECIAL
Cabe recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento do IRDR para tratar de debate acerca da aplicação, em concreto, das regras processuais previstas para a admissão e o julgamento do IRDR. O CPC estabeleceu, como regra, a sistemática da causa-piloto para o julgamento do IRDR.
REsp 2.023.892-AP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024. (Info STJ 803)
Trata-se de acórdão recorrido que foi proferido em IRDR instaurado no Tribunal de origem como procedimento-modelo, ou seja, sem que houvesse uma causa-piloto, um caso concreto a ser discutido. A parte vencida esperneia pela necessidade de causa-piloto — o tribunal não poderia ter decidido a matéria em abstrato.
Constituição Federal:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
CPC:
Art. 978. O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
Parágrafo único. O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.
R: Com certeza!!!
O acórdão recorrido foi proferido em IRDR instaurado no Tribunal de origem como procedimento-modelo, ou seja, sem que houvesse uma causa-piloto que lhe subsidiasse. Portanto, houve a fixação de tese abstrata sem o julgamento concomitante de um caso concreto.
No entanto, o CPC estabeleceu, como regra, a sistemática da causa-piloto para o julgamento do IRDR, que nada mais é do que um incidente instaurado em um processo já em curso no Tribunal para resolver questões de direito oriundas de demandas de massa.
A adoção da sistemática da causa-modelo não é de livre escolha do Tribunal. Pelo contrário, o Código de Processo Civil a permite em apenas duas hipóteses: quando houver desistência das partes que tiveram seus processos selecionados como representativos da controvérsia multitudinária, nos termos do art. 976, § 1º, do CPC; e quando se tratar de “pedido de revisão da tese jurídica fixada no IRDR, o qual equivaleria ao pedido de instauração do incidente (art. 986 do CPC), [caso em que] o Órgão Julgador apenas analisa a manutenção das teses jurídicas fixadas em abstrato, sem qualquer vinculação a qualquer caso concreto” (REsp 1.798.374/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe de 21.6.2022).
A peculiaridade deste caso é que nenhuma dessas duas hipóteses se fez presente, mas mesmo assim a Corte local decidiu julgar uma causa-modelo.
No Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, a regra é a participação das partes dos recursos selecionados como representativos da controvérsia, que constitui núcleo duro do princípio do contraditório, na perspectiva da representatividade adequada. O CPC/2015, sem prejuízo da participação dos amici curiae e MP no incidente, imputou à parte da causa-piloto a condição de representante dos eventuais afetados pela decisão, pois fala em juízo em nome de todos e em razão da identidade de interesses, de modo que a Corte a quo tem o dever de garantir que tal representação seja efetivamente exercida de forma adequada.
Pode-se afirmar que a garantia e a fiscalização, pela Corte, da efetiva participação das partes é ainda mais imperativa no IRDR, se comparado aos processos coletivos que visam tutelar direitos individuais homogêneos. Nestes, a decisão desfavorável ao grupo não prejudica seus membros, em razão da regra da extensão da coisa julgada secundum eventum litis. No IRDR, por outro lado, a decisão desfavorável será a todos aplicada, por constituir precedente qualificado (art. 927, III, CPC). E é regra elementar do due process que aquele que não participou do processo – ainda que por intermédio de representante adequado – não pode ser por ele prejudicado.
Logo, o Tribunal de origem não pode avocar o julgamento de determinadas questões de direito de forma desvinculada de uma causa que esteja sob sua apreciação. O relator de uma das causas pendentes de julgamento poderia tomar essa iniciativa, selecionando processos que melhor atendessem a exigência da representatividade adequada para julgá-los como causa-piloto, respeitando o contraditório e a ampla defesa, e permitindo a participação dos atores relevantes do litígio massificado.
Não se trata de admitir, indistintamente, a participação de todos os particulares que tiveram seus processos suspensos; isso certamente inviabilizaria o julgamento do Incidente. O ordenamento jurídico, todavia, impõe a efetiva participação, no mínimo, daqueles que tiveram seus processos indicados como causas representativas da controvérsia multitudinária, pois são, indiscutivelmente, partes interessadas no Incidente. O IRDR não pode ser interpretado de forma a dar origem a uma espécie de “justiça de cidadãos sem rosto e sem fala”.
Ao adotar o sistema da causa-piloto, a tese repetitiva, da qual surtirão os efeitos externos (erga omnes), deve ser apreciada conjuntamente com o caso concreto, do qual surtirão os efeitos internos (inter partes), como se depreende do parágrafo único do art. 978 do CPC: “O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente”. Se as partes autoras dos processos selecionados não os abandonaram ou deles desistiram, sua efetiva participação é imposição do princípio do contraditório e da norma do art. 978, parágrafo único, do CPC.
Assim sendo, tenho como patente a violação do art. 978, parágrafo único, do CPC, na medida em que foi admitido o IRDR de forma autônoma, sem vinculação a um processo pendente, o que inviabiliza a exigência de julgamento concomitante de recurso, remessa necessária ou processo de competência originária que lhe pudesse dar origem.
Cabe recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento do IRDR para tratar de debate acerca da aplicação, em concreto, das regras processuais previstas para a admissão e o julgamento do IRDR. O CPC estabeleceu, como regra, a sistemática da causa-piloto para o julgamento do IRDR.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.
EAREsp 1.501.756-SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 21/2/2024. (Info STJ 803)
Gertrudes ajuizou ação de cobrança em face do Banco Pagonada. Alega que o banco teria cometido o ato ilícito objeto do pedido de restituição em dobro decorrente da conduta de fazer lançamentos em sua conta para pagamento de dívida alheia (cheques e parcelas de empréstimo).
Por sua vez, o banco sustenta que, para a condenação em dobro, seria necessária além da cobrança indevida, a configuração de má-fé, que não teria restado comprovada no caso.
CDC:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
R: Nooopsss!!!!
Em harmonia com os ditames maiores do Estado Social de Direito, na tutela de sujeitos vulneráveis, assim como de bens, interesses e direitos supraindividuais, ao administrador e ao juiz incumbem exercitar o diálogo das fontes, de modo a – fieis ao espírito, ratio e princípios do microssistema ou da norma – realizarem material e não apenas formalmente os objetivos cogentes, mesmo que implícitos, abonados pelo texto legal.
Nesse sentido, a interpretação e integração de preceitos legais e regulamentares de proteção do consumidor, codificados ou não, submetem-se a postulado hermenêutico de ordem pública, segundo o qual, em caso de dúvida ou lacuna, o entendimento administrativo e o judicial devem expressar o posicionamento mais favorável à real superação da vulnerabilidade ou mais condutivo à tutela efetiva dos bens, interesses e direitos em questão. Em síntese, não pode “ser aceita interpretação que contradiga as diretrizes do próprio Código, baseado nos princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e da facilitação de sua defesa em juízo.” (REsp 1.243.887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe 12/12/2011).
In casu, o ato ilícito objeto do pedido de restituição em dobro decorreu da conduta da parte de fazer lançamentos a débito na conta da autora para pagamento de dívida alheia (cheques e parcelas de empréstimo). A presente controvérsia deve ser solucionada à luz do princípio da vulnerabilidade e do princípio da boa-fé objetiva, inarredável diretriz dual de hermenêutica e implementação de todo o CDC e de qualquer norma de proteção do consumidor.
O art. 42, parágrafo único, do CDC, dispõe que o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Ou seja, demonstrado na relação de consumo o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, ressalvado se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável.
A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor, quando este cobra e recebe valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo. Assim, a justificabilidade (ou legitimidade) do engano, para afastar a devolução em dobro, insere-se no domínio da causalidade, e não no domínio da culpabilidade, pois esta se resolve, sem apelo ao elemento volitivo, pelo prisma da boa-fé objetiva.
A Corte Especial do STJ definiu a questão no EAREsp 600.663/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021, fixando a seguinte tese: “A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.
Dessa forma, a regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. No caso em análise, contudo, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ, qual seja, o fato de o referido precedente ter modulado os efeitos da aplicação de sua tese, ficando estabelecido que, não obstante a regra geral, o entendimento fixado se aplica aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação do acórdão em 30.3.2021.
A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.
RECURSO ESPECIAL
O montante, antes utilizado para as deduções de IRPJ e CSLL e, posteriormente, objeto de repetição de indébito, compõe as bases de cálculo desses tributos, por constituir acréscimo patrimonial.
REsp 1.516.593-PE, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024, DJe 9/2/2024. (Info STJ 803)
Totó Alimentos obtivera êxito em ação judicial para declarar não existente exações tributárias referentes ao IRPJ e CSLL. Qual foi sua surpresa quando o Fisco decidiu que uma vez realizadas as deduções, tais valores então deveriam compor as bases de cálculo desses tributos, por constituir acréscimo patrimonial. Totó impetrou segurança em face da Fazenda Nacional para tentar afastar tais cobranças.
R: Pague-se!!!!
A discussão se refere ao Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ, apurado pela sistemática do lucro real, e à tributação reflexa a título de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
Controverte-se acerca da legalidade de ato normativo emanado da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, o qual estabelece que os valores restituídos a título de tributo pago indevidamente serão tributados pelo IRPJ e pela CSLL, se, em períodos anteriores, tiverem sido computados como despesas dedutíveis do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
O art. 1º do apontado normativo – Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 25/2003 – dispõe que: “Os valores restituídos a título de tributo pago indevidamente serão tributados pelo Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), se, em períodos anteriores, tiverem sido computados como despesas dedutíveis do lucro real e da base de cálculo da CSLL”.
Com efeito, não há, de um lado, ilegalidade em restaurar a base de cálculo dos tributos em tela com o montante que havia sido objeto de deduções, porquanto o evento que ensejou o abatimento – pagamento de tributo – não subsiste em razão do êxito obtido em demanda judicial.
Ao recompor o patrimônio da pessoa jurídica, a soma antes utilizada para as deduções de IRPJ e CSLL e, posteriormente, objeto de repetição de indébito deve, indubitavelmente, compor as bases de cálculo desses tributos por constituir acréscimo patrimonial, considerado o patrimônio preexistente, exatamente o relativo ao momento das deduções.
Tal sistemática, por outro lado, não traduz burla ao prazo decadencial, porque a disponibilidade dos valores ocorre com a efetiva recomposição do patrimônio, não havendo ampliação do prazo decadencial para a constituição do IRPJ e da CSLL. Nesse sentido: REsp n. 1.385.860/CE, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/5/2015, DJe de 19/5/2015 e REsp n. 1.466.501/CE, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 26.5.2015, DJe 1º.6.2015.
Cabe anotar, outrossim, que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, em 2010 e à unanimidade, confirmou a tributação do montante concernente ao indébito tributário que “[…] em períodos anteriores houverem sido computados como despesas dedutíveis do lucro real e da base de cálculo da CSLL” (Primeira Turma ordinária, 3ª Câmara, Acórdão n. 1301-00.263, Processo n. 10835.002737/2005-11, Rel. Conselheiro Waldir Veiga Rocha, j. 28.1.2010).
O montante, antes utilizado para as deduções de IRPJ e CSLL e, posteriormente, objeto de repetição de indébito, compõe as bases de cálculo desses tributos, por constituir acréscimo patrimonial.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
A Portaria n. 931/2005 do Ministério da Defesa, que alterou a fórmula de cálculo do auxílio-invalidez para os servidores militares, está em harmonia com os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimento.
AgRg no REsp 1.125.429-RS, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024. (Info STJ 803)
Craudio, servidor militar, teve o valor de seu auxílio-invalidez significativamente reduzido pela Portaria 931/2005 do Ministério da Defesa. Inconformado, ajuizou ação por meio da qual questiona a norma sob o prisma da legalidade e da irredutibilidade dos vencimentos.
CPC:
Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
II – o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;
R: Segue o jogo!!!!
No caso, foi delimitado no acórdão que julgou o agravo interno interposto contra decisão que conheceu em parte do recurso especial e, nessa extensão, negou-lhe provimento, submetido ao juízo de retratação que: “O ato administrativo editado com base na Portaria 931/MD-2005, do Ministro de Estado da Defesa, reduziu o valor do auxílio-invalidez do militar reformado, sem pagar-lhe a diferença correspondente à repercussão desse ato sobre a totalidade de seus proventos, violando os princípios constitucionais da irredutibilidade de vencimentos e legalidade.
Sobre a controvérsia, no julgamento do Tema n. 465 pelo Supremo Tribunal Federal, foi fixada a seguinte tese: “A Portaria n. 931/2005 do Ministério da Defesa, que alterou a fórmula de cálculo do auxílio-invalidez para os servidores militares, está em harmonia com os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos”.
À vista da contrariedade do julgado sob exame, com a orientação paradigma, dá-se provimento ao agravo interno, em juízo de retratação positivo (art. 1.040, II, do CPC).
A Portaria n. 931/2005 do Ministério da Defesa, que alterou a fórmula de cálculo do auxílio-invalidez para os servidores militares, está em harmonia com os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimento.
RECURSO ESPECIAL
O espólio faz jus ao recebimento dos valores revertidos pela entidade fechada de previdência complementar, após a morte da beneficiária, por força dos superávits apurados nos exercícios anteriores a sua morte.
REsp 2.013.177-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024. (Info STJ 803)
Creide aderiu ao plano de previdência privada Centrus, para o qual contribuiu até o evento de sua morte em 2016. Até o ano de 2012, Creide recebia valores decorrentes do superávit do plano. Algum tempo depois do óbito, o espólio de Creide ajuizou ação por meio da qual requereu o pagamento dos valores correspondentes ao superávit dos anos entre 2013 e a data do óbito.
Por sua vez, Centrus sustenta que o direito ao recebimento do superávit só nasce depois de implementados todos os requisitos que autorizam a reversão dos valores da reserva especial em favor dos participantes, assistidos e patrocinado, havendo, assim, mera expectativa de direito da falecida.
R: Com certeza!!!!
O propósito recursal é decidir sobre o direito do espólio ao recebimento dos valores da reserva especial revertidos pela entidade fechada de previdência complementar, após a morte da beneficiária, por força dos superávits apurados nos exercícios anteriores a sua morte.
Como a reserva especial é constituída pelo que excede ao necessário para a garantia dos benefícios contratados, a descaracterizar, portanto, a sua natureza previdenciária, a devolução desse valor excedente, quando cabível, deve ser feita aos que efetivamente contribuíram e na proporção do quanto contribuíram para a sua formação, em respeito ao seu direito acumulado.
Conclui-se, a partir da noção de acumulação ínsita à apuração do superávit do plano de benefícios, que o direito à reversão dos valores correspondentes à reserva especial se incorpora, gradualmente, ao patrimônio jurídico de quem contribuiu para o resultado superavitário, à medida em que há o decurso do tempo e se concretizam as demais exigências para a sua aquisição plena.
Hipótese em que, tendo a assistida contribuído para o superávit apurado e para a formação da reserva especial correspondente, faz jus, em respeito ao seu direito acumulado, à devolução, agora para o seu espólio, da fração que lhe correspondia dos valores efetivamente revertidos aos participantes/assistidos e ao patrocinador, após a revisão obrigatória do plano de benefícios aprovada pela Previc, a ser apurada em liquidação de sentença.
O espólio faz jus ao recebimento dos valores revertidos pela entidade fechada de previdência complementar, após a morte da beneficiária, por força dos superávits apurados nos exercícios anteriores a sua morte.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
A orientação mais condizente com o espírito da Lei n. 11.340/2006 é no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, sendo desnecessária a demonstração da motivação de gênero para que incida o sistema protetivo da Lei Maria da Penha e a competência da vara especializada.
AgRg no REsp 2.080.317-GO, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 4/3/2024, DJe 6/3/2024. (Info STJ 803)
Creiton foi acusado de cometer agressão física contra sua irmã Creide. O juiz rechaçou a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como a incidência da Lei Maria da Penha, sob o fundamento de que não teria sido constatada relação de dominação ou poder do acusado sobre a vítima, o que afastaria, por conseguinte, a motivação de gênero na ação delituosa.
A defesa de Creiton sustenta que a agressão ocorreu em razão de embriaguez e outros motivos familiares e não por motivação de gênero. Sustenta que a vulnerabilidade da mulher não pode ser presumida, mas deve ser demonstrada, assim como a motivação de gênero.
Lei n. 11.340/2006:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 40-A. Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida.
R: Aparentemente, SIM!!!
O Tribunal de origem, diante de uma situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, praticada por irmão contra irmã, rechaçou a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como a incidência da Lei Maria da Penha, sob o fundamento de que não teria sido constatada relação de dominação ou poder do acusado sobre a vítima, o que afastaria, por conseguinte, a motivação de gênero na ação delituosa.
Contudo, a orientação mais condizente com o espírito protetivo da Lei n. 11.340/2006, que restou evidenciada pela inovação legislativa promovida pela Lei n. 14.550/2023 e abraçada pelos precedentes mais recentes do STJ, é no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, em todas as relações previstas no seu art. 5º, ou seja, no âmbito das relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto.
Nesse sentido, o novel art. 40-A da Lei Maria da Penha passou a prever que o diploma protetivo será aplicado “a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida “.
Na mesma toada, “[o] Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir” (AgRg na MPUMP 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 20/5/2022).
Assim, no contexto em que o irmão, “segundo as declarações da ofendida, atacou-a pelas costas com socos, enquanto ela lavava louça e, depois, apossou-se de uma faca com a intenção de feri-la”, denota-se existir situação de violência doméstica e familiar contra a mulher a ser apurada no caso, apta a justificar a incidência do diploma protetivo pertinente e a competência da vara especializada, nos termos do art. 5º, I e II, da Lei n. 11.340/2006.
A orientação mais condizente com o espírito da Lei n. 11.340/2006 é no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, sendo desnecessária a demonstração da motivação de gênero para que incida o sistema protetivo da Lei Maria da Penha e a competência da vara especializada.
PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA
A constituição de família não exclui, per se, a punibilidade do crime de estupro de vulnerável.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 6/3/2024. (Info STJ 803)
Geremias, rapaz de 20 anos, manteve relação sexual com Simoninha, menina de 13 anos. Após a denúncia por estupro de vulnerável, a defesa do rapaz sustenta que houve constituição de família após a gravidez de Simoninha, o que seria suficiente para excluir a punibilidade do crime de estupro de vulnerável.
Processo em segredo de justiça. Caso imaginado.
Súmula n. 593 do STJ:
“O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.”
CP:
Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada:
III – de metade a 2/3 (dois terços), se do crime resulta gravidez;
R: Nooooopssss!!!
Para a caracterização do delito de estupro de vulnerável é irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o réu, haja vista a presunção absoluta da violência em casos da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos, conforme a Súmula n. 593 do STJ.
Na espécie, a ofendida, à época com 13 anos de idade, foi submetida à prática de conjunção carnal. O réu, naquele tempo, contava 20 anos de idade.
A gravidez da vítima, em decorrência do conúbio sexual e o nascimento de uma criança dessa relação não diminuem a responsabilidade penal; ao contrário, por força de lei, incrementa a reprovabilidade da ação, atraindo mesmo uma causa de aumento de pena (art. 234-A, III, do CP).
A constituição de família não exclui, per se, a punibilidade da conduta, pois, no caso, além de o réu não haver registrado a criança, o seu relacionamento com a vítima não subsiste.
A constituição de família não exclui, per se, a punibilidade do crime de estupro de vulnerável.
RECURSO ESPECIAL
O inadimplemento da pena de multa, mesmo após o cumprimento da pena de prisão ou da pena restritiva de direitos, não impede a extinção da punibilidade, desde que o condenado alegue hipossuficiência, salvo se o juiz competente, em decisão devidamente fundamentada, entenda de forma diferente, indicando especificamente a capacidade de pagamento da penalidade pecuniária.
REsp 2.090.454-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 28/02/2024, DJe 1/3/2024 (Revisão do Tema 931). (Info STJ 803)
Crotilde foi condenada à pena de reclusão e multa. Cumpriu o período determinado de privação de liberdade, mas, em razão de suas parcas condições financeiras, deixou de pagar a multa.
Quando o MP tentou executar a multa, o juiz indeferiu de plano a inicial por entender que se tratava de pessoa necessitada, ou seja, cuja situação econômica não lhe permitiria pagar a multa sem prejuízo do próprio sustento ou dos que dele dependam. Atiçado, o juiz ainda declarou extinta a punibilidade Crotilde.
O MP alega que a pena não pode ser extinta antes de cumprida, o que inclui a multa.
Código Penal:
Conversão da Multa e revogação
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Art. 64 – Para efeito de reincidência: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;
Constituição da República de 1988:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
R: Mói e tritura!!!!
A Terceira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia 1.519.777/SP, assentou a tese de que “nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.
Ao apreciar a ADI 3.150, o STF firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, pela Lei n. 13.964/2019.
Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa no artigo 51 do Código Penal, o STJ reviu a tese anteriormente aventada no Tema n. 931, para assentar que, “na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade” (Recursos Especiais Representativos da Controvérsia 1.785.383/SP e 1.785.861/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe 21/9/2021).
De toda sorte, é razoável inferir que referida decisão do STF se dirige àqueles condenados que possuam condições econômicas de adimplir a sanção pecuniária, geralmente relacionados a crimes de colarinho branco, de modo a impedir que o descumprimento da decisão judicial resulte em sensação de impunidade. Demonstra-o também a decisão do Pleno da Suprema Corte, ao julgar o Agravo Regimental na Progressão de Regime na Execução Penal 12/DF, a respeito da exigência de reparação do dano para obtenção do benefício da progressão de regime. Na ocasião, salientou-se que, “especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública – como também nos crimes de colarinho branco em geral -, a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, há de ser a de natureza pecuniária. Esta, sim, tem o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvam apropriação de recursos públicos” (Rel. Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 18/3/2015).
Assim, mesmo aqueles que cumpriram integralmente suas penas, ainda precisam enfrentar a desproporcionalidade e a crueldade do sistema, já que são obrigados a pagar multas que foram fixadas quando condenados. A depender do perfil do réu, essas multas acabam aprofundando ainda mais a desigualdade econômica e social existente na população apenada, uma vez que após a saída da prisão retornam com frequência para a situação anterior a sua prisão, agora sobreposta com o estigma de ex-preso.
É oportuno lembrar que, entre outros efeitos secundários, a condenação criminal transitada em julgado retira direitos políticos do condenado, nos termos do art. 15, III, da Constituição da República de 1988. Como consequência, uma série de benefícios sociais – inclusive empréstimos e adesão a programas de inclusão e de complementação de renda – lhe serão negados enquanto pendente dívida pecuniária decorrente da condenação.
Ainda na seara dos malefícios oriundos do não reconhecimento da extinção da punibilidade, o art. 64, I, do Código Penal determina que, “para efeito de reincidência: […] não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”, o que implica dizer que continuará o condenado a ostentar a condição de potencial reincidente enquanto inadimplida a sanção pecuniária.
Não se mostra, portanto, compatível com os objetivos e fundamentos do Estado Democrático de Direito – destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça” (Preâmbulo da Constituição da República) – que se perpetue uma situação que tem representado uma sobrepunição dos condenados notoriamente incapacitados de, já expiada a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, solver uma dívida que, a despeito de legalmente imposta – com a incidência formal do Direito Penal – não se apresenta, no momento de sua execução, em punição estatal.
Além disso, não se trata de generalizado perdão da dívida de valor ou sua isenção, porquanto se o Ministério Público, a quem compete, especialmente, a fiscalização da execução penal, vislumbrar a possibilidade de que o condenado não se encontra nessa situação de miserabilidade que o isente do adimplemento da multa, poderá produzir prova em sentido contrário. É dizer, presume-se a pobreza do condenado que sai do sistema penitenciário – porque amparada na realidade visível, crua e escancarada – permitindo-se prova em sentido contrário. E, por se tratar de decisão judicial, poderá o juiz competente, ao analisar o pleito de extinção da punibilidade, indeferi-lo se, mediante concreta motivação, indicar evidências de que o condenado possui recursos que lhe permitam, ao contrário do que declarou, pagar a multa.
De mais a mais, resta ainda a possibilidade, nos termos do art. 51 do Código Penal, de a multa poder ser executada como dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. A execução da sanção pecuniária – sempre sujeita, evidentemente, à capacidade de pagar do devedor – poderá ser implementada pelo Ministério Público, prioritariamente, ou pela Fazenda Pública, subsidiariamente.
A propósito, o Decreto Presidencial de indulto natalino, n. 11.846/2023, abrangeu pessoas “condenadas a pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou do juízo em que se encontre, aplicada isolada ou cumulativamente com pena privativa de liberdade, desde que não supere o valor mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda, ou que não tenham capacidade econômica de quitá-la, ainda que supere o referido valor”. Isso equivale a dizer que, para o Poder Executivo, é melhor perdoar a dívida pecuniária de quem já cumpriu a integralidade da pena privativa de liberdade e deseja – sem a obrigatoriedade de pagar uma pena de multa até um valor que o Estado costuma renunciar à cobrança de seus créditos fiscais – reconquistar um patamar civilizatório de que até então eram tolhidos em virtude do não pagamento da multa.
No caso, a Corte de origem procedeu ao exame das condições socioeconômicas a que submetido o apenado, a fim de averiguar a possibilidade de incidência da tese firmada no Tema 931, o que levou o Tribunal a concluir pela vulnerabilidade econômica do recorrido. O Tribunal a quo, não obstante haver reconhecido a legitimidade da cobrança da pena de multa pelo Ministério Público, alicerçou sua compreensão na patente hipossuficiência do executado, conjuntura que não foi desconstituída pelo órgão ministerial.
A presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência, a fim de permitir a concessão da gratuidade de justiça, possui amparo no art. 99, § 3º, do Código de Processo Civil, segundo o qual “presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”, podendo ser elidida caso esteja demonstrada a capacidade econômica do reeducando.
Desse modo, conclui-se que o inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária.
O inadimplemento da pena de multa, mesmo após o cumprimento da pena de prisão ou da pena restritiva de direitos, não impede a extinção da punibilidade, desde que o condenado alegue hipossuficiência, salvo se o juiz competente, em decisão devidamente fundamentada, entenda de forma diferente, indicando especificamente a capacidade de pagamento da penalidade pecuniária.
RECURSO ESPECIAL
A quebra da cadeia de custódia, em razão da falta de numeração individualizada do material objeto da perícia definitiva, que resulte na impossibilidade de se distinguir, com segurança, se a reconhecida inconsistência de parte da perícia, relativa a natureza entorpecente do material apreendido, referia-se às substâncias apreendidas por ocasião da busca pessoal ou das provas declaradas ilícitas por desrespeito à inviolabilidade domiciliar, acarreta a absolvição do acusado por falta de materialidade delitiva.
REsp 2.024.992-SP, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024. (Info STJ 803)
Creitinho foi abordado pela polícia e com ele foram encontrados três pacotes de maconha. Segundo a polícia, o rapaz teria ainda admitido ter mais drogas em sua casa e autorizado os policiais ao ingresso no local, ocasião em que foram encontrados mais cinco pacotes com conteúdo semelhante. A perícia restou inconclusiva quanto a dois dos pacotes, não se podendo afirmar que continham maconha.
A defesa de Creitinho alegou a nulidade das provas pelo ingresso no domicílio sem a comprovação do consentimento e ainda interpôs recurso alegando a quebra da cadeia de custódia, uma vez que todas as substâncias foram identificadas com a mesma numeração de lacre e as amostras conservadas para perícia definitiva têm massas idênticas, de forma que não seria possível distinguir se as substâncias em relação às quais a perícia foi inconsistente.
Código de Processo Penal:
Art. 158-D. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determinado pela natureza do material.
§ 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte.
R: Quebrô quebrado!!!!
A Sexta Turma do STJ tem sedimentado entendimento no sentido de que é inverossímil a suposta confissão informal do réu sobre armazenamento de drogas no interior do imóvel, seguida de autorização para ingresso dos policiais, quando não há comprovação do consentimento do morador, como ocorreu no caso em análise. Assim, deve ser declarada a nulidade das provas obtidas a partir do ingresso dos policiais na residência do acusado.
No entanto, observa-se que o acervo probatório não está composto exclusivamente pela prova declarada ilícita e suas derivações, havendo outros elementos probatórios, quais sejam: apreensão prévia de drogas durante a busca pessoal e prova testemunhal.
Nessa situação, o desfecho comumente aplicado pela jurisprudência da Sexta Turma seria no sentido de se anular a condenação, determinando ao Juízo de origem que, após desentranhar a prova ilícita e as dela derivadas, realizasse um novo julgamento da ação penal. Porém, no caso, há ainda outra nulidade a ser examinada, qual seja, a suposta violação da cadeia de custódia, aduzida, indistintamente, quanto a todos os entorpecentes apreendidos, inclusive aqueles encontrados durante a busca pessoal.
Sobre a materialidade delitiva, o Tribunal a quo consignou, quanto ao Laudo Definitivo, que “apenas os itens nºs 01 e 05 foram inconsistentes quanto ao resultado, tendo todos os outros itens e, portanto, todas as outras amostras, detectado a presença da substância Tetrahidrocannabinol (THC)”. Porém, da simples leitura do Laudo Definitivo, constata-se que, diferentemente do que ocorrera no Laudo Provisório, todas as substâncias foram identificadas com a mesma numeração de lacre e as amostras conservadas para perícia definitiva têm massas idênticas, de forma que não é possível distinguir se as substâncias em relação às quais a perícia foi inconsistente – inconsistência essa já reconhecida pela Jurisdição ordinária – são as drogas apreendidas na residência do recorrente ou durante a busca pessoal.
Nessa conjuntura, evidencia-se que não foi observada a norma disposta no art. 158-D, § 1º, do Código de Processo Penal, segundo a qual “[t]odos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte”.
Não se está a dizer que a mera inobservância do procedimento descrito no art. 158-D, § 1º, do Código de Processo Penal acarrete, automaticamente, a imprestabilidade das provas, mesmo porque, conforme orientação jurisprudencial desta Sexta Turma, a consequência processual concreta de eventual desconformidade com as regras previstas no Código de Processo Penal para as etapas de rastreamento dos vestígios (158-A a 158-F) dependerá do cotejo com os demais elementos de prova constantes dos autos.
Ocorre que, na hipótese, a quebra da cadeia de custódia resultou na impossibilidade de se distinguir, com segurança, se a reconhecida inconsistência de parte da perícia referia-se às substâncias apreendidas por ocasião da busca pessoal ou do ingresso domiciliar.
Assim, embora, em princípio, nem todas as provas sejam ilícitas por desrespeito à inviolabilidade domiciliar, de todo modo, em razão da falta de numeração individualizada do material objeto da perícia definitiva, não é possível comprovar, com segurança, a natureza entorpecente das substâncias encontradas na posse do agente, quando de sua abordagem em via pública, de forma que o acusado deve ser absolvido por falta de materialidade delitiva na forma do art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal.
A quebra da cadeia de custódia, em razão da falta de numeração individualizada do material objeto da perícia definitiva, que resulte na impossibilidade de se distinguir, com segurança, se a reconhecida inconsistência de parte da perícia, relativa a natureza entorpecente do material apreendido, referia-se às substâncias apreendidas por ocasião da busca pessoal ou das provas declaradas ilícitas por desrespeito à inviolabilidade domiciliar, acarreta a absolvição do acusado por falta de materialidade delitiva.
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