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Informativo STJ 798 Comentado

Informativo nº 798 do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.      Precatórios e natureza das verbas

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA

O art. 100, § 1º, da Constituição Federal traz um rol exemplificativo, de sorte que a definição da natureza alimentar das verbas nele elencadas encontra-se vinculada à destinação precípua de subsistência do credor e de sua família.

RMS 72.481-BA, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 5/12/2023. (Info 798)

1.1.  Situação FÁTICA.

Crementino impetrou mandado de segurança contra o ato de indeferimento do pedido de pagamento superpreferencial. O valor seria decorrente das remunerações não pagas durante o período em que Crementino já deveria estar no rol de inativos, recebendo seus proventos sem qualquer contraprestação laboral.

Em seu entender, tais valores teriam natureza alimentar, mas o TJ local manteve o indeferimento e os considerou como indenizatórios.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.     Questão JURÍDICA.

Constituição Federal:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.               

§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo

1.2.2.     Natureza alimentar?

R: Nooops!!!!

De início, não se olvida que o art. 100, § 1º, da Constituição Federal não encerra um rol taxativo das verbas consideradas de natureza alimentar, mas, antes, tão somente exemplificativo.

Sobre o tema, a Terceira Turma entendeu no julgamento do REsp n. 1.815.055/SP que a definição da natureza alimentar de determinada verba encontra-se vinculada à destinação precípua de subsistência do credor e de sua família.

Nessa linha de ideias, a definição da natureza jurídica de determinada verba deverá ser buscada, tal como assentado pelo STF no julgamento RE n. 470.407/DF, a partir da possibilidade de sua subsunção a uma das categorias elencadas no art. 100, § 1º, da Constituição Federal.

No caso, a hipótese não versa a respeito de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações ou benefícios previdenciários. O precatório em tela refere-se a crédito oriundo de indenização devida pelo Estado da Bahia, em virtude da demora na concessão da aposentadoria do impetrante.

Nesse sentido, o § 1º do art. 100 da Constituição da República não faz remissão a qualquer tipo de indenização fundada em responsabilidade civil, mas especificamente às indenizações por morte ou invalidez, o que, a toda evidência, não é o caso dos autos.

Assim, a indenização devida pelo Estado da Bahia não tem por escopo assegurar a subsistência do recorrente ou de sua família – como é o caso de seus proventos de aposentadoria -, mas única e exclusivamente reparar prejuízos a ele causados em decorrência de ato ilícito praticado pela Administração, situação que também evidencia a natureza COMUM do crédito em análise.

1.2.3.     Resultado final.

O art. 100, § 1º, da Constituição Federal traz um rol exemplificativo, de sorte que a definição da natureza alimentar das verbas nele elencadas encontra-se vinculada à destinação precípua de subsistência do credor e de sua família.

2.      (In)Existência de obrigação de conferir “passe livre” aos Auditores-Fiscais do Trabalho nas praças de pedágios que estão sob administração estadual

RECURSO ESPECIAL

Inexiste obrigação de conferir “passe livre” aos Auditores-Fiscais do Trabalho nas praças de pedágios que estão sob administração estadual.

REsp 1.882.934-SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por maioria, julgado em 5/12/2023. (Info 798)

2.1.  Situação FÁTICA.

O Departamento de Estradas de Rodagem Estadual ajuizou ação em face da União com o objetivo de obter declaração de inexistência de obrigação de conferir “passe livre” aos Auditores-Fiscais do Trabalho nas praças de pedágios que estão sob administração estadual.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 10.593/2002;

Art. 11. Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:

Parágrafo único. O Poder Executivo regulamentará as atribuições privativas previstas neste artigo, podendo cometer aos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho outras atribuições, desde que compatíveis com atividades de auditoria e fiscalização.

Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 630. Nenhum agente da inspeção poderá exercer as atribuições do seu cargo sem exibir a carteira de identidade fiscal, devidamente autenticada, fornecida pela autoridade competente.

§ 5º – No território do exercício de sua função, o agente da inspeção gozará de passe livre nas emprêsas de transportes, públicas ou privadas, mediante a apresentação da carteira de identidade fiscal

2.2.2.     Passe livre?

R: Nada!!!!

Na origem, foi proposta ação pelo Departamento de Estradas de Rodagem Estadual em face da União com o objetivo de obter declaração de inexistência de obrigação de conferir “passe livre” aos Auditores-Fiscais do Trabalho nas praças de pedágios que estão sob administração estadual.

Quanto ao mérito, a controvérsia reside, essencialmente, na aplicação do art. 34 do Decreto n. 4.552/2002 (que aprova o Regulamento da Inspeção do Trabalho), in verbis: “Art. 34. As empresas de transportes de qualquer natureza, inclusive as exploradas pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios, bem como as concessionárias de rodovias que cobram pedágio para o trânsito concederão passe livre aos Auditores-Fiscais do Trabalho e aos Agentes de Higiene e Segurança do Trabalho, no território nacional em conformidade com o disposto no art. 630, § 5º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mediante a apresentação da Carteira de Identidade Fiscal.”

Ocorre que os argumentos apresentados pela União não se mostram suficientes para levar à improcedência dos pedidos formulados na inicial, pois o art. 34 do Decreto n. 4.552/2002 concedeu passe livre aos Auditores-Fiscais do Trabalho nas praças de pedágio sem que houvesse previsão legal nesse sentido. Ora, o art. 11, parágrafo único, da Lei n. 10.593/2002 (vigente à época dos fatos da causa) e art. 630, § 5º, da Consolidação das Leis do Trabalho não contêm previsão expressa a respeito do livre trânsito nas vias concedidas à exploração da iniciativa privada, onde há cobrança de pedágio.

Nessas circunstâncias, sob pena de chancelar indevida exorbitância do poder regulamentar, mostra-se descabida interpretação extensiva que iguale passe livre nas empresas de transporte com livre passagem nas praças de pedágios. Tais ações – usar o transporte coletivo ou cruzar uma praça de pedágio -, embora tenham como objetivo final verificar o cumprimento da legislação trabalhista, são completamente diferentes entre si.

Ademais, não se antevê dificuldades para a administração pública firmar convênio com as empresas que exploram rodovias concedidas para que permitam livre passagem aos veículos de serviço destinados à fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista; ou então, indenizar o Auditor-Fiscal que eventualmente tenha que usar veículo particular passar por praças de pedágio no exercício de seu cargo, mediante procedimento administrativo de baixa complexidade.

2.2.3.     Resultado final.

Inexiste obrigação de conferir “passe livre” aos Auditores-Fiscais do Trabalho nas praças de pedágios que estão sob administração estadual.

3.      Aplicabilidade da redação atual do art. 1º-F da Lei n. 9.494/2007 no tocante à correção monetária

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

A redação atual do art. 1º-F da Lei n. 9.494/2007 é inaplicável no tocante à correção monetária.

AgInt no AREsp 638.541-MA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 21/11/2023, DJe 24/11/2023(Info 798)

3.1.  Situação FÁTICA.

Presto Serviços Ltda ajuizou ação em face do Estado do Maranhão para cobrar valores não pagos decorrentes de contrato administrativo. O Estado foi condenado, mas a decisão teria a deixado de aplicar o artigo 1°-F da Lei n° 9.494/97, modificado pela Lei n° 11.960/2009, que disciplina a aplicação dos juros de mora nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, razão pela qual a empresa interpôs sucessivos recursos.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.494/2007:

Art. 1o-F.  Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

3.2.2.     Aplicável a redação atual?

R: Noopss!!!

Na decisão agravada, em consideração do que firmado pela Primeira Seção no julgamento do Tema Repetitivo n. 905 (REsp n. 1.495.144/RS), foi conhecido do agravo para conhecer em parte do recurso especial do Estado para, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento, para que o seu débito seja pago nos seguintes termos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei n. 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei n. 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.

A propósito da correção monetária, no entanto, conforme estabelecido no julgamento do repetitivo acima referido, inaplicável a atual redação do art. 1º-F da Lei n. 9.494/2007, por isso o regime da tabela utilizada pelo Tribunal de Justiça local deve ser aplicado relativamente ao período até a entrad a em vigor do Código Civil de 2002 e também quanto ao período posterior à entrada em vigor da Lei n. 11.960/2009.

3.2.3.     Resultado final.

A redação atual do art. 1º-F da Lei n. 9.494/2007 é inaplicável no tocante à correção monetária.

DIREITO CIVIL

4.      Juros remuneratórios devidos na devolução de diferenças de correção monetária relativas a Certificados de Depósito Bancário, quando resultantes de expurgos inflacionários

RECURSO ESPECIAL

Na devolução de diferenças de correção monetária relativas a Certificados de Depósito Bancário, resultantes de expurgos inflacionários, os juros remuneratórios somente são devidos até o vencimento da obrigação.

REsp 1.601.788-MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/11/2023, DJe 6/12/2023. (Info 798)                           

4.1.  Situação FÁTICA.

Banco City foi condenado a pagar diferenças de atualização monetária no resgate de Certificados de Depósito Bancário (CDBs), resultantes dos denominados expurgos inflacionários. Os embargos opostos pelo banco foram julgados improcedente e determinado que a correção monetária deveria refletir a variação do IPC/IBGE até fevereiro de 1991 e, após, a variação do IPC/FGV, e que os juros compensatórios seriam devidos até o efetivo pagamento das diferenças devidas.

A questão chegou ao STJ em recurso especial, no qual o Banco sustenta correta a aplicação exclusiva da Taxa Selic a título de correção monetária e juros moratórios a partir de janeiro de 2003.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Os juros são devidos até quando?

R: Até o VENCIMENTO da obrigação!!!

Na origem, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973 e antes das alterações promovidas pela Lei n. 11.232/2005, instituição financeira foi condenada a pagar diferenças de atualização monetária no resgate de Certificados de Depósito Bancário (CDBs), resultantes dos expurgos inflacionários relativos ao Plano Verão.

Hipótese em que o título judicial exequendo determinou a incidência dos juros remuneratórios “em total cumprimento do contrato”, expressão que deve ser interpretada no sentido de que tais consectários somente são devidos até a data de vencimento das obrigações.

O Superior Tribunal de Justiça entende que, tanto para os Certificados de Depósito Bancário (CDBs) quanto para os depósitos efetuados em caderneta de poupança os juros remuneratórios somente são devidos até o vencimento ou, no segundo caso, até o encerramento da conta-poupança, porque a incidência desses consectários decorre de expressa previsão contratual.

Ainda, ao determinar que as diferenças devidas fossem apuradas pela variação do “IPC”, e que fosse realizada a correção monetária dos valores encontrados em liquidação de sentença, o título exequendo não estipulou índice específico a incidir até o efetivo pagamento.

E ainda que o tivesse feito, é cediço que a substituição de um índice extinto por outro equivalente não implica violação da coisa julgada, tampouco inobservância do princípio da fidelidade ao título, já tendo o STJ decidido, em inúmeros julgados, que, após a extinção do IPC/IBGE em fevereiro de 1991, o índice que melhor passou a refletir a perda do poder econômico, corroído pelo processo inflacionário, é o INPC, calculado pela mesma instituição.

4.2.2.     Resultado final.

Na devolução de diferenças de correção monetária relativas a Certificados de Depósito Bancário, resultantes de expurgos inflacionários, os juros remuneratórios somente são devidos até o vencimento da obrigação.

5.      Obrigatoriedade da cobertura, pela operadora do plano de saúde, de cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual

RECURSO ESPECIAL

É obrigatória a cobertura, pela operadora do plano de saúde, de cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual.

REsp 2.097.812-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/11/2023, DJe 23/11/2023. (Info 798)

5.1.  Situação FÁTICA.

Laurete, mulher transsexual, ajuizou ação em face da operadora de seu plano de saúde, Unimais, pretendendo a cobertura de cirurgias de transgenitalização e de inclusão de próteses mamárias.

Unimais contesta o pedido e recorre da condenação sob o argumento de que o procedimento de mudança de sexo seria experimental, sendo, inclusive, disponibilizado pelo SUS em caráter experimental, bem como que a cirurgia plástica mamária possuiria cobertura somente para tratamento de câncer – o que não é o caso em tela, em que Laurete apenas pleiteia o implante de prótese mamaria estética. Por fim, sustenta que o procedimento não está previsto no rol da ANS, que tem natureza taxativa.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.656/1998:

Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (

I – tratamento clínico ou cirúrgico experimental; 

II – procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;

III – inseminação artificial;

 IV – tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética;

V – fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;

VI – fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;     

VII – fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico; 

IX – tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes;

X – casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente.

5.2.2.     Cobertura obrigatória?

R: Aparentemente, SIM!!!

Os procedimentos de afirmação de gênero do masculino para o feminino são reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e foram também incorporados ao SUS, com indicação para o processo transexualizador, constando, inclusive, na tabela de procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais do SUS, vinculados ao CID 10 F640 – transexualismo (atual CID 11 HA60 – incongruência de gênero), não se tratando, pois, de procedimentos experimentais.

Os procedimentos que integram a redesignação sexual no sexo masculino e a plástica mamária incluindo prótese, descritos na Portaria 2.803/2013 do Ministério da Saúde, constam do anexo I do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS (Resolução ANS 465/2021), sem diretrizes de utilização, a saber: orquiectomia, amputação total do pênis, neovagina, reconstrução da mama com prótese, dentre outros.

No processo transexualizador, a cirurgia plástica mamária reconstrutiva bilateral incluindo prótese mamária de silicone é procedimento que, muito antes de melhorar a aparência, visa à afirmação do próprio gênero, incluída no conceito de saúde integral do ser humano, enquanto medida de prevenção ao adoecimento decorrente do sofrimento causado pela incongruência de gênero, pelo preconceito e pelo estigma social vivido por quem experiencia a inadequação de um corpo masculino à sua identidade feminina.

Tratando-se de procedimentos cirúrgicos prescritos pelo médico assistente, que não se enquadram nas exceções do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, que são reconhecidos pelo CFM e foram incorporados ao SUS para a mesma indicação clínica (CID 10 F640 – transexualismo, atual CID 11 HA60 – incongruência de gênero), e que estão listados no rol da ANS sem diretrizes de utilização, encontram-se satisfeitos os pressupostos que impõem à operadora do plano de saúde a obrigação de sua cobertura, conforme preconizado no projeto terapêutico singular norteado por protocolos e diretrizes vigentes para o processo transexualizador.

A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o descumprimento contratual por parte da operadora de saúde, que culmina em negativa de cobertura para procedimento médico-hospitalar, enseja compensação por dano moral quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico ou prejuízos à saúde já debilitada da paciente.

5.2.3.     Resultado final.

É obrigatória a cobertura, pela operadora do plano de saúde, de cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

6.      Responsabilidade do exequente pela reparação de eventuais prejuízos causados ao executado, tendo em vista o risco da execução

RECURSO ESPECIAL

O exequente responde objetivamente pela reparação de eventuais prejuízos causados ao executado, tendo em vista o risco da execução.

REsp 1.931.620-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 5/12/2023. (Info 798)

6.1.  Situação FÁTICA.

CobroMesmo ajuizou ação de execução em face de Coitadeza Ltda. A executada se viu obrigada a realizar contratação de carta de fiança para segurança de juízo, a fim de exercer o contraditório e evitar excussão patrimonial, que lhe seria ainda mais gravosa, com a inevitável penhora de valor de grande monta – o valor executado era a “ninharia” de R$ 34.2 mião (trinta e quatro milhões e duzentos mil reais).

Ocorre que a execução foi posteriormente extinta, razão pela qual Coitadeza então requereu a responsabilização do exequente pelos prejuízos por ela sofridos.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPC:

Art. 520. O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime:

I – corre por iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

Art. 776. O exequente ressarcirá ao executado os danos que este sofreu, quando a sentença, transitada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que ensejou a execução.

6.2.2.     O exequente responde?

R: OBJETIVAMENTE!!!

Cinge-se a controvérsia à análise atinente ao cumprimento dos requisitos previstos no art. 776 do CPC para viabilizar a responsabilização do exequente pelos danos provocados ao executado na hipótese de extinção da execução.

O exequente é responsável pelos prejuízos que acarretar ao executado, quando buscar em juízo a satisfação de dívida inexistente ou inexequível, seja pela via executiva, seja pela via do cumprimento de sentença. Essa expressa responsabilização do exequente encontra-se prevista no sistema processual vigente, cujas normas dos arts. 520, I, e 776 do CPC apenas reproduzem as normas extraídas dos arts. 475-O e 574 do CPC/1973, não se tratando, pois, de inovação legislativa.

A leitura do texto legal evidencia a irrelevância do elemento subjetivo do exequente para fins de atribuição de sua responsabilidade, razão por que pode-se afirmar, em regra, a adoção da modalidade objetiva para responsabilização do exequente.

Esse entendimento no sentido da responsabilidade objetiva do exequente vem sendo acolhido pacificamente pelo STJ quando se está diante de cumprimento provisório de sentença, bem como nas hipóteses de execução de título extrajudicial. Também no que tange à responsabilização do exequente em hipóteses de cumprimento definitivo da sentença, tem-se admitido doutrinariamente a dispensa de perquirição de culpa.

A questão da extinção da execução encontra-se superada, em virtude da imutabilidade da decisão que efetivamente extinguiu o cumprimento de sentença arbitral. É fato consumado – albergado pela coisa julgada – a extinção do cumprimento da sentença arbitral, que se deu sob o fundamento de ausência dos requisitos de exequibilidade do título (certeza, liquidez e exigibilidade).

Nesse cenário, deve prevalecer a imputação da responsabilidade civil objetiva do exequente, que deverá suportar o ônus da extinção definitiva da execução, compreendendo a reparação dos prejuízos concretos experimentados pela parte executada, ora recorrida, nos termos do art. 776 do CPC.

Outrossim, no caso, a contratação de carta de fiança foi necessária para segurança de juízo, a fim de ensejar o contraditório e resguardar o executado da excussão patrimonial, que lhe seria ainda mais gravosa, com a inevitável penhora de valor de grande monta – valor executado de R$ 34.200.000,00 (trinta e quatro milhões e duzentos mil reais). Os custos comprovados dessa contratação, portanto, enquadram-se no conceito jurídico de prejuízo, sendo passível de ressarcimento, em hipóteses de extinção da demanda executiva.

6.2.3.     Resultado final.

O exequente responde objetivamente pela reparação de eventuais prejuízos causados ao executado, tendo em vista o risco da execução.

DIREITO TRIBUTÁRIO

7.      (Im)Possibilidade de dedução dos valores pagos a diretores contratados sob o regime celetista, a título de gratificações ou participações nos lucros e resultados, do lucro real, para fins de estabelecer a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA

Os valores pagos a diretores contratados sob o regime celetista, a título de gratificações ou participações nos lucros e resultados, não podem ser deduzidos do lucro real, para fins de estabelecer a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Processo sob segredo de justiça, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Rel. para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 5/12/2023. (Info 798)

7.1.  Situação FÁTICA.

Caravaggio, empresa de grande porte, paga significativos valores aos seus diretores contratados sob o regime celetista, a título de gratificações ou participações nos lucros e resultados, razão pela qual ajuizou ação por meio da qual pretende ter reconhecido o direito à dedução desses valores para fins de estabelecer a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 10.101/2000:

Art. 3o  A participação de que trata o art. 2o não substitui ou complementa a remuneração devida a qualquer empregado, nem constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista, não se lhe aplicando o princípio da habitualidade.

§ 1o  Para efeito de apuração do lucro real, a pessoa jurídica poderá deduzir como despesa operacional as participações atribuídas aos empregados nos lucros ou resultados, nos termos da presente Lei, dentro do próprio exercício de sua constituição.

7.2.2.     Possível a dedução?

R: Nooops!!!

De início, destaca-se que a materialidade do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL deve estar relacionada ao acréscimo patrimonial e à aplicação das regras gerais de dedutibilidade do IRPJ à CSLL, observado o disposto no art. 13 da Lei n. 9.245/1995. Salienta-se, também, a tese sobre a “desnecessidade de a lei prever a dedutibilidade daquilo que, aprioristicamente, não se compatibiliza com a própria materialidade do tributo”. De fato, a dedutibilidade de custos e despesas da contribuinte do lucro real para fins de incidência da IRPJ e da CSLL é a regra, que dispensa a previsão legal.

Contudo, se a indedutibilidade deve estar expressa na lei, ela deve ser observada quando presente essa condição (de previsão expressa). Com efeito, extrai-se do art. 303, do Decreto n. 3.000/1999, vigente à época da atuação, bem como dos arts. 45, § 3º, da Lei n. 4.506/1964 e 58, parágrafo único, do Decreto-Lei n. 1.598/1977, que as gratificações ou participações nos lucros ou resultados pagas aos diretores, enquanto dirigentes de pessoa jurídica, devem ser adicionados ao lucro líquido do exercício, para efeito de estabelecer o lucro real, base imponível da CSLL e do IRPJ.

A lei não faz distinção entre dirigentes ou administradores contratados sob o regime celetista ou estatutário, não cabendo ao poder judiciário se imiscuir na competência do poder legislativo, devendo se ter deferência pela escolha legislativa. Ora, a concessão da participação nos lucros ou resultados decorre de negociação entre os empregados e a empresa, não sendo possível conceber que diretores executivos, com amplos poderes de representação legal, possam ser enquadrados no mesmo polo reconhecido aos empregados.

No caso, a pretensão dos contribuintes parte da ideia de que eles estariam inseridos na previsão dos arts. 359 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR e 3º, § 1º, da Lei n. 10.101/2000, que tratam da dedutibilidade da participação dos lucros nos casos de empregados. Todavia, segundo se extrai da origem, nem sequer é possível ter certeza que estariam presentes as características próprias de uma relação de emprego propriamente dita, porque ausente um dos requisitos fundamentais para a caracterização desse liame, qual seja, a subordinação.

Então, com suporte na interpretação sistemática da Lei n. 10.101/2000, a regra de dedução preconizada no art. 3º, § 1º aplica-se apenas às despesas relativas ao Pagamento de Participação dos Trabalhadores nos Lucros ou Resultados – PLR aos empregados, excluídos, assim, os valores pagos a tal título a diretores executivos e administradores, mesmo que contratados sob o regime celetista.

Diante desse panorama, os arts. 45, § 3º, da Lei n. 4.506/1964 e 58, parágrafo único, do Decreto-Lei n. 1.598/1977 obstam a dedução das gratificações ou participações nos lucros ou resultados pagas ao diretor empregado do lucro real, base imponível do IRPJ e da CSLL.

7.2.3.     Resultado final.

Os valores pagos a diretores contratados sob o regime celetista, a título de gratificações ou participações nos lucros e resultados, não podem ser deduzidos do lucro real, para fins de estabelecer a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

DIREITO PENAL

8.      Decisões proferidas pelo Superior Tribunal Justiça, em recurso interposto contra o acórdão confirmatório da pronúncia, como causa interruptiva da prescrição.

HABEAS CORPUS

As decisões proferidas pelo Superior Tribunal Justiça, em recurso interposto contra o acórdão confirmatório da pronúncia, não se inserem no conceito do art. 117, inciso III, do Código Penal como causa interruptiva da prescrição.

HC 826.977-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Rel. para acórdão Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por maioria, julgado em 5/12/2023. (Info 798)

8.1.  Situação FÁTICA.

Creosvaldo, acusado de ter cometido crime de homicídio, teve concedida ordem para afastara interrupção da prescrição. O crime ocorreu em 2001; a denúncia em 2003; a pronúncia em 2010; a confirmação pelo TJ local, em 2012 e a decisão do STJ em 2020.

Inconformado, o MP recorreu sustentando que as decisões do STJ, em recurso confirmatório da pronúncia, poderiam ser consideradas causas interruptivas da prescrição.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Penal:

Causas impeditivas da prescrição

Art. 116 – Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: 

I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; 

II – enquanto o agente cumpre pena no exterior;              

III – na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e             

IV – enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal.             

Parágrafo único – Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.

Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se: 

III – pela decisão confirmatória da pronúncia;

IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;

8.2.2.     Causa interruptiva da prescrição?

R: Nana-nina-NÃO!!!!

A controvérsia se refere à inclusão ou não das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça no conceito de decisão confirmatória da pronúncia, constante no art. 117, inciso III, do Código Penal.

O inciso III do art. 117 do Código Penal dispõe que “o curso da prescrição interrompe-se: […] pela decisão confirmatória da pronúncia”. No entanto, não é possível considerar que a generalidade do vocábulo autoriza a interrupção da prescrição a cada decisão proferida após a pronúncia, sob pena de se desvirtuar a própria sistemática trazida no referido dispositivo legal. De fato, as causas interruptivas da prescrição da pretensão punitiva listadas no referido dispositivo legal guardam íntima relação com o curso da ação penal em primeira e segunda instâncias, que são as instâncias nas quais, em regra, é formada a culpa.

Relevante anotar, no ponto, que o único pronunciamento do STJ que pode ser considerado, na hipótese, como marco interruptivo da prescrição, é aquele que restabelece a pronúncia, nas hipóteses em que o réu é despronunciado pela Corte local. Isso se deve ao fato de que o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas se torna possível após a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Dessa forma, não é possível desconsiderar referida decisão como marco interruptivo da prescrição.

No entanto, já tendo a pronúncia sido confirmada pelo Tribunal de Justiça, autorizando, inclusive, o julgamento pelo Conselho de Sentença, conforme jurisprudência uníssona desta Corte Superior e do STF, não há se falar em nova confirmação da decisão de pronúncia, no julgamento dos recursos manejados para as instâncias extraordinárias.

De fato, “‘a preclusão da decisão de pronúncia, dada a ausência de efeito suspensivo aos recursos de natureza extraordinária (recursos especial e extraordinário – art. 637 do CPP), coincide com o exaurimento da matéria em recursos inerentes ao procedimento do Júri apreciados pelas instâncias ordinárias. A interposição de recursos especial ou extraordinário contra acórdão confirmatório da decisão de pronúncia não obstaculiza a realização do julgamento pelo Tribunal do Júri’ (AgR no HC 118.357/PE, Primeira Turma, Relª. Ministra. Rosa Weber, DJe 27/10/2017)”. (EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 1.027.534/BA, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 22/11/2017).

De igual sorte, acaso o réu seja impronunciado em primeiro grau e pronunciado em segundo grau, o recurso especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça também não poderia ser considerado como decisão que confirma a pronúncia, haja vista as limitações inerentes à sua natureza. Com efeito, como é de conhecimento, não é possível o reexame de fatos e provas em recurso especial.

No que diz respeito à lógica interpretativa adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 176.473/RR, verifica-se que o Pretório Excelso, ao analisar a extensão do significado dos vocábulos constantes do inciso IV do art. 117 do Código Penal, considerou que, sistematicamente, não haveria justificativa para tratamentos díspares entre acórdão condenatório e acórdão confirmatório, sendo ambos pronunciamentos do Tribunal Estadual a demonstrar a ausência de inércia estatal.

Contudo, em nenhum momento o STF avançou no tema para considerar que as decisões proferidas pelo STJ, também deveriam ser considerados acórdão condenatório ou confirmatório recorrível. De fato, a discussão se limitou aos pronunciamentos judiciais de primeiro e segundo graus, destacando-se que a alteração legislativa apenas confirmou a jurisprudência do Pretório Excelso no sentido de que o anterior vocábulo “decisão” já albergava as espécies sentença e acórdão (HC 92.340/SC, DJe 8/8/2008).

Assim, não obstante a decisão proferida por esta Corte Superior revelar “pleno exercício da jurisdição penal”, tem-se que as decisões proferidas pelos Tribunais Superiores não foram contempladas como causas interruptivas da prescrição, mas apenas as decisões proferidas pelas instâncias ordinárias. Trata-se de opção política-legislativa que, a meu ver, não pode ser desconsiderada por meio de interpretação extensiva em matéria que deve ser interpretada restritivamente.

Relevante ponderar, por fim, que houve recente alteração legislativa no art. 116 do Código Penal, por meio da Lei n. 13.964/2019, para incluir causa suspensiva da prescrição, consistente na pendência de “recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis”. Utilizou-se de nomenclatura específica para determinar a suspensão do prazo prescricional, com o objetivo de se evitar a utilização de recursos para os Tribunais Superiores de forma protelatória.

Desse modo, não é possível nem recomendável inserir, como regra, as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça como marcos interruptivos da prescrição, quer no inciso III quer no inciso IV do art. 117 do Código Penal, haja vista se tratar de dispositivos legais que devem ser interpretados restritivamente e que guardam estreita relação com a formação da culpa, a qual não é propriamente examinada nos recursos para os Tribunais Superiores.

8.2.3.     Resultado final.

As decisões proferidas pelo Superior Tribunal Justiça, em recurso interposto contra o acórdão confirmatório da pronúncia, não se inserem no conceito do art. 117, inciso III, do Código Penal como causa interruptiva da prescrição.

9.      (In)Compatibilidade entre o efeito de perda do cargo previsto no art. 92, I, do Código Penal e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

Não há incompatibilidade entre o efeito de perda do cargo previsto no art. 92, I, do Código Penal e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

AgRg no REsp 2.060.059-MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 30/11/2023, DJe 6/12/2023. (Info 798)

9.1.  Situação FÁTICA.

Creide, oficial de justiça, foi condenada por falsidade ideológica a pena superior a 1 ano, por crime praticado com violação de dever funcional, uma vez que a abençoada inseriu declarações falsas em mandados judiciais de intimação com a finalidade de omitir o descumprimento de seu dever funcional. A moça reiteradamente deixava de executar as diligências determinadas nos mandados em tempo hábil, frustrando a realização de audiência e/ou retardando a prática de atos processuais.

Na condenação, o TJ local não aplicou o efeito de perda do cargo público, consoante o disposto no art. 92, I, a, do CP, ao argumento de que seria situação mais gravosa do que a pena que lhe restou substituída. O MP então recorreu da decisão e, em decisão monocrática, o ministro do STJ deu provimento ao recurso especial para decretar a perda do cargo.

Inconformada, Creide interpôs agravo regimental no qual sustenta que as penas impostas foram duas restritivas de direitos, sendo que os efeitos específicos da condenação, previstos no art. 92, I, do CP, seriam muito mais gravosos que a sanção principal.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.     Questão JURÍDICA.

CP:

Art. 92 – São também efeitos da condenação:        

I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:         

 a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

9.2.2.     Efeitos incompatíveis?

R: Não necessariamente!!!

A imposição da pena de perda do cargo, emprego ou função pública, deve ser adequadamente fundamentada, sendo uma consequência administrativa da condenação imposta. Exigindo-se, para tanto, apenas o preenchimento dos requisitos objetivos para sua aplicação, quais sejam: pena privativa de liberdade igual ou superior a 1 ano, nos casos de crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública ou pena privativa de liberdade igual ou superior a 4 anos, nos demais crimes.

No caso, o Tribunal estadual manteve a condenação por falsidade ideológica à pena superior a 1 ano, por crime praticado com violação de dever funcional, uma vez que a acusada inseriu declarações falsas em mandados judiciais de intimação, por quatro vezes distintas, com a finalidade de omitir o descumprimento de seu dever funcional, tendo, por motivo injustificado, deixado de executar as diligências determinadas nos mandados em tempo hábil, frustrando a realização de audiência e/ou retardando a prática de atos processuais.

Contudo, não aplicou o efeito de perda do cargo público, consoante o disposto no art. 92, I, a, do CP, ao argumento de que seria situação mais gravosa do que a pena que lhe restou substituída. Nesse aspecto, nada impede que, baseando-se na própria fundamentação do acórdão, o STJ reveja as consequências jurídicas dela decorrentes, o que corresponde à revaloração de provas.

Assim, o entendimento majoritário da Tribunal a quo não encontra amparo na jurisprudência do STJ, pois, de fato, não há incompatibilidade entre o efeito de perda do cargo previsto no art. 92, inciso I, do Código Penal e a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (AgRg no AREsp 2.010.695/DF, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 10/6/2022).

9.2.3.     Resultado final.

Não há incompatibilidade entre o efeito de perda do cargo previsto no art. 92, I, do Código Penal e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

10.  (Im)Possibilidade do enquadramento do galpão destinado para atividades comerciais no conceito de domicílio

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS

O galpão destinado para atividades comerciais não se enquadra no conceito de domicílio, ainda que por extensão.

AgRg no HC 845.545-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2023, DJe 20/10/2023. (Info 798)

10.1.                   Situação FÁTICA.

Creiton foi condenado pelo crime de tráfico de drogas, uma vez que em seu galpão comercial foram encontradas várias papeletas de cocaína. Sua defesa então impetrou HC no qual sustenta a nulidade das provas, uma vez que entende tratar-se de domicílio por extensão, já que o local da apreensão das drogas, apesar de ser local destinado ao comércio, não possuía qualquer sorte de circulação de pessoas, tampouco permanecia aberto para a entrada de qualquer indivíduo que assim desejasse.

10.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; 

10.2.2. Domicílio?

R: Nem a pau!!!

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 603.616/RO, apreciando o Tema n. 280 da Repercussão Geral, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, firmou a tese de que o ingresso em domicílio sem mandado judicial, tanto durante o dia quanto no período noturno, somente é legítimo se baseado em fundadas razões, devidamente amparadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem situação de flagrante no interior da residência.

Por sua vez, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no HC 598.051/SP, estabeleceu diretrizes e parâmetros a fim de que seja reconhecida a existência de fundada suspeita de flagrante delito e, portanto, se tenha como devidamente justificado e aceitável juridicamente o ingresso de forças policiais na residência de cidadãos, abarcando, ainda, as hipóteses em que existe a alegação que houve consentimento expresso e voluntário.

No caso, as instâncias ordinárias salientaram que o local seria um galpão utilizado para atividade comercial. Desse modo, como se trata de estabelecimento comercial aberto ao público, não se vislumbra o enquadramento no conceito de domicílio, ainda que por extensão. Assim, não é abarcada, na hipótese, pela proteção constitucional prevista no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal.

Além disso, foi ressaltado a realização de diligências durante vários dias, tendo sido observada movimentação atípica, bem como o fato de que “na delegacia, assistido por advogado, o acusado nada mencionou sobre invasão dos policiais à empresa ou eventual excesso em suas condutas, ao contrário, disse que, após ter sido devidamente cientificado da diligência, autorizou o ingresso e, de pronto, confessou que havia drogas em algumas placas”.

No mesmo sentido, “o estabelecimento comercial – em funcionamento e aberto ao público – não pode receber a proteção que a Constituição Federal confere à casa. Assim, não há violação à garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, a caracterizar a ocorrência de constrangimento ilegal” (AgRg nos EDcl no HC 704.252/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Parciornik, Quinta Turma, julgado em 29/3/2022, DJe 4/4/2022).

10.2.3. Resultado final.

O galpão destinado para atividades comerciais não se enquadra no conceito de domicílio, ainda que por extensão.

11.  (Im)Possibilidade de desconsideração pelo juiz no tocante à cronologia das etapas da valoração das provas

RECURSO ESPECIAL

O juiz não pode desconsiderar a cronologia das etapas da valoração das provas, devendo primeiro avaliar as provas que sustentam a hipótese acusatória e, somente depois, e apenas nos casos em que se verifique que a hipótese acusatória tem efetivo suporte, analisar as provas que que sustentam as teses defensivas.

REsp 2.042.215-PE, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 3/10/2023, DJe 25/10/2023. (Info 798)

11.1.                   Situação FÁTICA.

Em uma ação criminal, o Juiz deu pouca importância à declaração de duas testemunhas: uma que, em juízo, ofereceu retratação; outra que afirmou que o réu não teria qualquer envolvimento com o incêndio criminoso pelo qual foi acusado porque, durante todo o dia, esteve na casa de sua genitora (onde foi visitá-lo).

A defesa, em revisão criminal, alega que não foi aplicada a mesma lógica para a valoração dessas declarações se comparadas àquelas proferidas pelos desafetos do acusado. Isto porque, enquanto essas duas testemunhas tiveram seus relatos automaticamente descartados, as declarações oferecidas por seus inimigos teriam sido recebidas como se fossem o fiel reflexo da verdade dos fatos.

11.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

CPP:

Art. 621.  A revisão dos processos findos será admitida:

I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

11.2.2. Como deve agir o juiz?

R: Com estrita observância à cronologia

das etapas da valoração das provas!!!

Com o objetivo de sustar os efeitos secundários da condenação, o sentenciado ajuizou revisão criminal com fundamento no art. 621, I e II, do CPP no Tribunal de origem. Segundo a defesa, a sentença condenatória contrariou a evidência dos autos (inciso I) ao se fundar em depoimentos comprovadamente falsos (inciso II). Afirmando que a pretensão era o mero reexame de provas, a Corte a quo negou provimento ao pedido de revisão criminal. No entanto, diferentemente do que o Tribunal regional compreendeu, não se pode manter uma condenação cujo único fundamento sejam testemunhos oferecidos por desafetos do acusado.

Efetivamente, cabe questionar se justamente para se resolver o punctum saliens acaso não seria fundamental compreender o contexto sócio-político em que os fatos se deram. Curiosamente, este que foi considerado “desimportante” pelo julgador de piso pode ser de compreensão fundamental da dinâmica fática ocorrida. A desconsideração do contexto de rivalidade étnico-territorial entre os xucurus de Ororubá e os xucurus de Cimbres haveria sido o ponto de partida de uma incorreta atribuição de credibilidade a testemunhos que, ao contrário, seriam merecedores de recepção mais crítica (testemunhos inidôneos).

Valorar racionalmente provas de tipo testemunhal é desafio composto por critérios, como o denominado ausência de incredibilidade subjetiva, o qual diz respeito a motivos escusos que a testemunha possa ter para oferecer declarações que não condizem com o ocorrido. Entre os motivos escusos, podem ser listados “a presença de elementos de intimidação, o desejo de vingança, estar sob a influência de outras pessoas, etc”. Logo, ao valorar um testemunho buscando decidir se se justifica ou não tê-lo como útil à reconstrução dos fatos, o juiz não se pode eximir de avaliar eventual existência dessas outras motivações.

Além disso, buscando sistematizar os desafios da atividade de valoração da prova, a doutrina explica que a hipótese fática oferecida pela acusação deverá passar por diversas etapas: i) a confirmação, ii) a falsificação e iii) a comparação entre ela e a(s) hipótese(s) adversária(s). A relação entre tais etapas é de prejudicialidade. Ou seja: uma hipótese fática primeiro deve ser confirmada, para, só depois, ser submetida à falsificação; finalmente, apenas depois de sua falsificação é que se sua comparação com as hipóteses alternativas que também pretendam reconstruir historicamente o caso individual.

Na cronologia da atividade probatória, antes devem ser analisadas – individual e coletivamente – todas as provas que sustentam a hipótese acusatória; depois, e apenas nos casos em que se verifique que a hipótese acusatória tem efetivo suporte de provas dignas de confiança epistêmica, é que se abre o caminho para, enfim, proceder-se à análise das provas que prestariam sustento às hipóteses defensivas (isto é, daquelas que se prestam à falsificação da hipótese acusatória).

Hipóteses acusatórias que nem sequer foram confirmadas (porque a valoração individual indica que as provas que lhe ofereceriam suporte, em realidade, carecem de confiabilidade epistêmica) não precisam ser refutadas pela defesa. O juiz não pode desconsiderar a cronologia dessas etapas, sob pena de facilitar verdadeira inversão do ônus da prova no caso concreto, exigindo da defesa o que primeiro caberia à acusação. Nessas situações, não há que se falar em comparação de hipóteses acusatória e defensiva, já que a acusatória não satisfez condição imprescindível para que pudesse ser considerada provada.

Sendo assim, é fundamental ter-se em mente que uma revaloração – ou metavaloração, isto é, valoração da valoração – por vezes, pode-se mostrar necessária. Nessas situações, a conclusão sobre os fatos a que o juiz chegou não estaria lógica e racionalmente autorizada pelas provas que constam do conjunto. Em outras palavras, determinadas situações evidenciam a necessidade de se reconhecer que o raciocínio probatório de primeira instância se sujeita a um juízo posterior quanto à sua correção lógica.

Nenhum magistrado está livre de cometer erros e, em que pese a revisão criminal seja de fato expediente a ser utilizado excepcionalmente, sobre o Tribunal pende o dever de conservar a sensibilidade necessária à identificação da exceção, quando seus juízes tiverem uma, bem diante de suas vistas. Na hipótese, verifica-se erro inferencial que se deveu à omissão valorativa de algumas provas que deixaram de ser valoradas como deveriam pelo Juízo de primeira instância.

O sério compromisso de se evitar erros sobre os fatos impõe controle epistêmico sobre a qualidade de cada um dos elementos probatórios, não devendo o julgador se deixar impressionar por narrativas persuasivas, porém falsas. Sendo assim, proceder à combinação de valoração probatória individual e em conjunto na reconstrução dos fatos é fundamental cautela epistêmica. Do contrário, o raciocínio probatório não estaria infenso a conclusões, em realidade, precipitadas.

No caso, o Juiz singular deixou de dar a devida importância à declaração de duas testemunhas: uma que, em juízo, ofereceu retratação; outra que afirmou que o recorrente não teria qualquer envolvimento com o incêndio criminoso porque, durante todo o dia, esteve na casa de sua genitora (onde foi visitá-lo), medicado e em repouso. Ao que tudo indica, não foi aplicada a mesma lógica para a valoração dessas declarações se comparadas àquelas proferidas pelos desafetos do recorrente. Isto porque, enquanto essas duas testemunhas tiveram seus relatos automaticamente descartados, as declarações oferecidas por seus inimigos foram recebidas como se fossem o fiel reflexo da verdade dos fatos.

Haveria sido mais do que bem-vinda redobrada atenção do julgador quanto à presença de motivos escusos capazes de animar narrativas não correspondentes à realidade dos fatos. Era esperado que o Juiz houvesse levado em consideração que, aos olhos daquelas pessoas, a condenação do recorrente representava horizonte extremamente vantajoso. Impende constatar que o déficit de corroboração da hipótese acusatória por elementos probatórios externos e independentes deixou caminho aberto à conclusão de que haveria prova da autoria delitiva acusado.

Trata-se de conclusão apressada porque, conquanto seja precisa a interpretação do Magistrado no que respeita ao extremo grau de violência de que as multidões são capazes, são epistemicamente frágeis as evidências de que ele se valeu para creditar ao réu a autoria dos fatos. Considerando que a notícia da morte rapidamente se difundiu, não deixa de ser plausível que os indígenas xucurus de Ororubá, diante da perda de seu líder, hajam se decidido, em um ímpeto de raiva e vingança, pelas ações que acabaram sendo perpetradas. E, se essa é uma hipótese razoável, ainda que a oferecida pela acusação também o possa ser, o processo penal ordena institucionalmente que se priorize a primeira em detrimento da segunda.

standard de prova próprio do processo penal prescreve que, enquanto haja dúvida razoável acerca da inocência do acusado, pesa sobre o juiz a obrigação de absolvê-lo. Efetivamente, somente se superada – com argumentos convincentes e explicitados pelo juiz – a dúvida sobre a autoria delitiva, tem-se como válido o juízo condenatório.

Assim, por entender que o caso apresenta manifesta falha epistêmica na valoração de provas relevantes constantes de seu acervo probatório, houve sim, violação do art. 621 do Código de Processo Penal, especificamente da hipótese de que trata seu inciso I. A condenação é contrária à evidência dos autos, porque as evidências dos autos não permitiam uma segura condenação do recorrente, além da dúvida razoável exigida para uma decisão condenatória.

11.2.3. Resultado final.

O juiz não pode desconsiderar a cronologia das etapas da valoração das provas, sob pena de facilitar verdadeira inversão do ônus da prova no caso concreto, exigindo da defesa o que primeiro caberia à acusação.

12.  Imediata privação de liberdade nos termos do acordo de colaboração premiada e ofensa à CF ou lei de regência.

PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA

Enquanto sanção premial atípica, a imediata privação da liberdade, nos termos do acordo de colaboração premiada, condicionada à homologação judicial, não ofende a Constituição ou a lei de regência.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por maioria, julgado em 23/11/2023. (Info 798)

12.1.                   Situação FÁTICA.

Crementino firmou acordo de colaboração premiada, condicionado à homologação judicial. Após o ato, foi determinada a imediata privação de liberdade, conforme previsto no acordo.

Ocorre que a defesa de Crementino entende que tal privação antes da conclusão do processo incorreria em ofensa à CF/88.

Processo sob segredo de justiça. Caso imaginado.

12.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 12.850/2013:

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

12.2.2. Verifica-se ofensa à CF?

R: Nooopss!!!!!

A controvérsia consiste em analisar a possibilidade de se obstar o cumprimento da pena privativa de liberdade até que haja sentença penal condenatória transitada em julgado em desfavor do apenado.

A colaboração premiada, meio de obtenção de provas, possui a natureza jurídica de negócio jurídico e, como tal, garante às partes razoável margem de definição do conteúdo da avença, abrangendo os deveres assumidos e as vantagens alcançáveis, mas não sem limites.

Conforme entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (Pet 13.974/DF), é legítima a fixação de sanções premiais atípicas no bojo do acordo de colaboração premiada, não estando as partes limitadas aos benefícios do art. 4º, caput, da Lei n. 12.850/2013, desde que não haja “violação à Constituição (pena de caráter perpétuo – art. 5º, XLVII, ‘b’) ou ao ordenamento jurídico (obrigação de levantamento de sigilo de dados de terceiros), bem como à moral e à ordem pública (penas vexatórias)”.

Dentre tais sanções premiais atípicas admitidas pelo ordenamento jurídico figura o pronto cumprimento, após a necessária homologação judicial do acordo, da privação da liberdade nos benéficos termos pactuados, em regime diferenciado, domiciliar, independentemente do quantitativo da pena previsto no tipo e com progressão de regime em termos mais vantajosos do que aqueles previstos na Lei n. 7.210/1984.

A privação de liberdade pactuada, oriunda do acordo de colaboração premiada, sequer equivale à prisão-pena, visto que oriunda da livre negociação das partes, ausente a formação judicial da culpa, sendo efeito do eventual descumprimento ou da recusa dos termos do regime não o retorno coercitivo à prisão, mas sim apenas a rescisão do acordo, com o oferecimento da denúncia e a perda dos benefícios outrora assegurados.

No caso, o colaborador não foi denunciado, havendo o parágrafo único da cláusula 6ª previsto que, em relação aos fatos objeto do acordo e desde que cumprida a avença, tal providência processual não será adotada. Em consequência – nos diversos casos em que a colaboração premiada envolve o não oferecimento da denúncia -, a tese proposta pela divergência levaria a situações insustentáveis, nas quais o benefício auferido pelo colaborador não encontraria correspondência em qualquer medida restritiva, seja a multa, sejam as restrições de direitos (v.g., prestação de serviços à comunidade) ou a limitação da liberdade em regime diferenciado, tendo em vista que nunca sobrevirá sentença condenatória.

E, mesmo nos casos em que existir denúncia, não se pode argumentar que apenas a execução imediata da restrição à liberdade estaria alijada dos acordos de colaboração premiada, permitindo-se – independentemente de sentença penal condenatória transitada em julgado – a aplicação de outras medidas menos gravosas, em especial as restritivas de direitos ou a multa. Na realidade, apenas o reconhecimento de que não se está a tratar de pena – mas sim de condição do acordo, sujeita ao controle do magistrado responsável pela homologação – é capaz de garantir utilidade prática ao instituto da colaboração premiada.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já homologou acordos de colaboração premiada nos quais prevista a execução das medidas restritivas antes da prolação de qualquer sentença (Pet 6.138 e Pet 6.049). Nesse sentido, ao contrário do pontuado no voto divergente, o fato de os acordos de colaboração mencionados precederem o julgamento das ADCs n. 43, 44 e 54 não é elemento decisivo, pois o entendimento então vigente no STF apontava ser possível, sem mácula ao princípio constitucional da presunção de inocência, o início da execução da pena somente após a prolação do acórdão condenatório em segundo grau (HC 126.292, Ministro Teori Zavascki, julgado em 17/2/2016).

Portanto, a execução imediata das condições fixadas no acordo de colaboração premiada ocorria, desde antes, como exceção à então exigível decisão condenatória em segundo grau de jurisdição, a demonstrar que o diferencial repousava no caráter negocial da medida, a afastar o momento a partir de quando as medidas seriam, caso fossem pena, executáveis.

Por fim, caso o colaborador opte por não mais continuar recolhido nos estritos termos do regime diferenciado pactuado, estará o Ministério Público autorizado a considerar rescindido o acordo, com a adoção das medidas processuais daí decorrentes.

12.2.3. Resultado final.

Enquanto sanção premial atípica, a imediata privação da liberdade, nos termos do acordo de colaboração premiada, condicionada à homologação judicial, não ofende a Constituição ou a lei de regência.

Jean Vilbert

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