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Informativo STJ 772 Comentado

Informativo nº 772 do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.      Transformação de área loteada por pousada no Parque Nacional de Jericoacoara e dever de indenizar.

RECURSO ESPECIAL

A transformação da área loteada por pousada no Parque Nacional de Jericoacoara se deu por desapropriação e gera o dever do Estado de indenizar a proprietária do imóvel.

REsp 1.340.335-CE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 18/4/2023, DJe 25/4/2023. (Info 772)

1.1.  Situação FÁTICA.

Creusa, proprietária de uma pousada no Parque Nacional do Jericoacoara, ajuizou ação na qual alega não ter recebido a correspondente indenização por força da edição do Decreto que transformou a Área de Preservação Permanente de Jericoacoara no Parque Nacional de Jericoacoara. Por isso, entende estar caracterizada a ocorrência de desapropriação indireta.

O tribunal local indeferiu os pedidos por entender que, mesmo após a transformação, não houve o esvaziamento econômico do imóvel em foco, uma vez que diversas atividades econômicas ainda eram passíveis de exploração, e consequentemente afastou a ocorrência de desapropriação indireta.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 11.486/2007:

Art. 1o  O Parque Nacional de Jericoacoara, situado nos Municípios de Jijoca de Jericoacoara e Cruz, no Estado do Ceará, criado nos termos do Decreto s/no de 4 de fevereiro de 2002, passa a reger-se pelas disposições desta Lei.

Art. 2o  O Parque Nacional de Jericoacoara tem por objetivos proteger e preservar amostras dos ecossistemas costeiros, assegurar a preservação de seus recursos naturais, possibilitando a realização de pesquisa científica e o desenvolvimento de atividades de educação ambiental e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

1.2.2.     Verifica-se a desapropriação e o dever de indenizar?

R: Com certeza!!!!

A controvérsia em questão trata da transformação de determinada área, inicialmente ocupada por pousada, no Parque Nacional de Jericoacoara (Área de Preservação Permanente de Jericoacoara), e da ocorrência de desapropriação indireta sobre imóvel de propriedade daquela, pela qual pretende indenização.

A autora pleiteou indenização em virtude da transformação da Área de Preservação Permanente de Jericoacoara no Parque Nacional de Jericoacoara. O Tribunal de origem consignou que os imóveis atingidos pela criação deste poderiam ser explorados mediante atividades turísticas, com espeque nos arts. 1º e 2º da Lei n. 11.486/2007, pois “os imóveis que se encontram dentro da área do Parque Nacional de Jericoacoara poderão ser economicamente explorados, desde que, em atividades de turismo ecológico”. Por essa razão pela qual entendeu não ter havido o esvaziamento econômico do imóvel em foco, e consequentemente afastou a ocorrência de desapropriação indireta. A questão foi examinada sob a ótica do grau de esvaziamento econômico da propriedade por força de suposta limitação administrativa.

Contudo, a solução da controvérsia apenas reclama a aplicação da lei em sua literalidade. É que o § 1° do art. 1° da Lei n. 9.985/2000 assevera que “O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei”. Se a própria lei informa que os imóveis de domínio particular devem ser desapropriados para a criação de parques nacionais, é despiciendo sindicar sobre a eventual imposição de limitação administrativa. Assim, é de se concluir que houve desapropriação, razão pela qual o pagamento de justa indenização é medida que se impõe. Ainda que seja permitida a sua visitação para recreação e turismo ecológico, o domínio do particular obrigatoriamente deve ser transferido ao Poder Público.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também reconhece a necessidade de prévia desapropriação para criação de parque nacional, cuja respectiva área seja de domínio particular (AgInt no REsp 2.018.026/AC, Relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 24/11/2022 e REsp 1.724.777/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/4/2018, DJe 8/9/2020).

1.2.3.     Resultado final.

A transformação da área loteada por pousada no Parque Nacional de Jericoacoara se deu por desapropriação e gera o dever do Estado de indenizar a proprietária do imóvel.

DIREITO CIVIL

2.      Prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de decisão liminar posteriormente revogada.

RECURSO ESPECIAL

É de 10 anos o prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de decisão liminar posteriormente revogada, tendo em vista não se tratar de hipótese de enriquecimento sem causa, de prescrição intercorrente ou de responsabilidade civil. O termo a quo do prazo prescricional da pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de decisão liminar posteriormente revogada é a data do trânsito em julgado do provimento jurisdicional em que a confirma, pois esse é o momento em que o credor toma conhecimento de seu direito à restituição, em que não mais será possível a reversão do aresto que revogou a decisão precária.

REsp 1.939.455-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 26/4/2023. (Info 772)

2.1.  Situação FÁTICA.

Crementino ajuizou ação para receber benefícios previdenciários complementares. Foi deferida liminar ordenando o pagamento. Ocorre que, posteriormente, a liminar foi revogada e o plano de previdência resolveu cobrar os valores pagos a Crementino. Em sua defesa, Crementino alega a ocorrência da prescrição trienal, sendo que o prazo prescricional teria iniciado com o início dos pagamentos.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Art. 206. Prescreve:

§ 3 Em três anos:

IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

§ 5º Em cinco anos:

III – a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

Lei n. 8.213/1991:

Art. 103.  O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado:   

I – do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou   

II – do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.   

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. 

Lei Complementar n. 109/2001:

Art. 75. Sem prejuízo do benefício, prescreve em cinco anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes, na forma do Código Civil.

Código de Processo Civil:

Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:

I – a sentença lhe for desfavorável;

II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;

III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;

IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.

2.2.2.     Qual o prazo prescricional aplicável?

R: DECENAL!!!!

ratio decidendi dos EAREsp 738.991/RS, no sentido de que deve ser aplicada a regra geral, disposta no art. 205 do Código Civil, à pretensão de restituição de cobrança indevida, no contexto de uma relação de consumo, pois nessas situações há uma causa, o contrato existente, inexistindo regra específica ao caso, se amolda à hipótese em apreço, justificando o afastamento do prazo prescricional previsto para a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa e a incidência do prazo prescricional geral de 10 (dez) anos na ausência de prazo específico previsto em lei, notadamente tendo em vista que ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio (onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito).

O que se verifica é que, antes do pagamento da complementação de aposentadoria por efeito de decisão liminar, existe um contrato de previdência privada celebrado. Desse modo, os pagamentos excedentes encontram-se inseridos no contexto da relação jurídica previdenciária existente entre as partes, que é fruto de um contrato que lhe serviu de fundamento. Muito embora a decisão que deferiu a tutela de urgência possa ser encarada como causa imediata dos referidos pagamentos, é imperioso observar que, a rigor, a verdadeira causa, isto é, a causa mediata do recebimento da complementação de aposentadoria é o próprio contrato de previdência privada entabulado entre recorrente e recorrida, motivo pelo qual não há que se falar, na espécie, em enriquecimento sem causa.

Com efeito, se não existisse o referido contrato de previdência complementar, não haveria como se deferir a tutela de urgência cuja revogação ora se discute, motivo pelo qual não incide na espécie o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, mas, sim, o prazo prescricional geral de dez anos previsto no art. 205 do mesmo Diploma legal.

Também não são aplicáveis ao caso os prazos previstos no parágrafo único do art. 103 da Lei n. 8.213/1991, no art. 75 da Lei Complementar n. 109/2001 e nas Súmulas 291 e 427 do Superior Tribunal de Justiça, que referem-se às pretensões dos beneficiários em face da entidade de previdência para cobrar valores que entendem devidos em virtude, diretamente, da relação jurídica previdenciária estabelecida entre as partes. Não há referência alguma a possíveis pretensões titularizadas pela entidade previdenciária em face do beneficiário na específica hipótese de revogação de decisão liminar outrora deferida. A pretensão do autor, deduzida na inicial, é eficácia do contrato de previdência complementar. É com base no contrato que o autor veicula sua pretensão na exordial. Por outro lado, a pretensão de ressarcimento do réu é eficácia da revogação da tutela de urgência outrora deferida. São pretensões distintas, titularizadas por sujeitos diversos e que representam a eficácia de fatos jurídicos igualmente distintos. Não há aqui nenhuma simetria, motivo pelo qual, rogando as mais respeitosas vênias, não há que se falar em prescrição intercorrente.

Por sua vez, a doutrina aponta que o inciso III do § 5º do art. 206 do Código Civil, por sua vez, trata apenas da pretensão de ressarcimento das verbas que a parte vencedora despendeu em juízo em virtude do processo, abarcando custas, diligências de oficiais de justiça, preparos, honorários de perito, etc, não guardando, portanto, sequer similitude com a hipótese em apreço.

Especificamente no que diz respeito ao art. 75 da Lei Complementar n. 109/2001, no julgamento do REsp 1803627/SP, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afastou-se expressamente a sua incidência, ao fundamento de que se trataria de previsão legal de aplicação restrita à pretensão de recebimento de parcelas não pagas de benefício de previdência complementar.

Não se pode olvidar, ademais, que, em matéria de prescrição, a interpretação há de ser restritiva, tendo em vista se tratar do encobrimento da eficácia da pretensão pelo decurso do tempo, representando verdadeira restrição à esfera jurídica dos sujeitos de direito. Há evidente prejuízo à segurança jurídica ao se interpretar elasticamente as normas atinentes à prescrição com base em princípios jurídicos, como o da simetria.

Outra questão fundamental para o deslinde da controvérsia diz respeito à determinação do alcance interpretativo do art. 302 do Código de Processo Civil. O que se discute, verdadeiramente, portanto, é se o simples dever de restituir valores recebidos por força de tutela antecipada decorre ou não de responsabilidade civil. O fato jurídico que dá origem ao dever de restituir é o ato jurídico processual, praticado pelo juiz, de julgar improcedentes os pedidos, confirmando a revogação da liminar. Ao julgar improcedentes os pedidos, confirmando a revogação da liminar, nasce para aquele que foi beneficiado pela tutela antecipada o dever de restituir aquilo que recebeu, pois a tutela provisória é, por sua própria natureza, precária. Não se trata, portanto, propriamente, de responsabilidade civil, mas de simples restituição.

A distinção é sútil: uma coisa é o dever de restituir os valores despendidos para cumprir a tutela antecipada deferida; outra, é o dever de indenizar os danos causados pelo deferimento da tutela. Em síntese, indenizam-se os danos causados pelo deferimento da tutela antecipada quando se observa, na hipótese concreta, que a simples restituição do que se recebeu não é suficiente para o restabelecimento do status quo ante. Nessa hipótese, ao lado da restituição, haverá indenização.

Em síntese, tendo em vista não se tratar de hipótese de enriquecimento sem causa, de prescrição intercorrente ou de responsabilidade civil, incide, na ausência de prazo específico previsto em lei, o prazo prescricional geral de dez anos disposto no art. 205 do Código Civil.

2.2.3.     E qual o termo inicial a ser considerado????

R: A data do trânsito em julgado que confirma a revogação da liminar!!!

A determinação do termo inicial dos prazos prescricionais demanda que se estabeleça a distinção entre os conceitos de direito subjetivo e de pretensão.

A pretensão, posição jurídica de direito material encoberta pela prescrição, é “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa”. Trata-se do chamado grau de exigibilidade do direito, nascendo, portanto, tão logo este se torne exigível.

Pode-se observar que, antes do advento da pretensão, já existe direito e dever, mas em situação estática. Especificamente no âmbito das relações jurídicas obrigacionais, por exemplo, antes mesmo do nascimento da pretensão, já há crédito (direito) e débito (dever) e, portanto, credor e devedor.

A dinamicidade surge, tão somente, com o nascimento da pretensão, que pode ser, ou não, concomitante ao surgimento do próprio direito subjetivo. Somente a partir desse momento, o titular do direito poderá exigir do devedor que cumpra aquilo a que está obrigado.

Assim, visando ao encobrimento da eficácia da pretensão, a prescrição, como consequência lógica, possui como termo inicial do transcurso de seu prazo o nascimento dessa posição jurídica (pretensão).

Daí a tão propalada teoria da actio nata, segundo a qual os prazos prescricionais se iniciariam no exato momento do surgimento da pretensão. De fato, somente a partir do instante em que o titular do direito pode exigir a sua satisfação é que se revela lógico imputar-lhe eventual inércia em ver satisfeito o seu interesse.

A jurisprudência do STJ, passou a admitir que, em determinadas hipóteses, o início dos prazos prescricionais deveria ocorrer a partir da ciência do nascimento da pretensão por seu titular, no que ficou conhecido como o viés subjetivo da teoria da actio nata.

Na hipótese dos autos, em que se discute o prazo prescricional da pretensão restitutória fruto da revogação de tutela provisória outrora deferida, importa consignar que o termo inicial do prazo prescricional é, em regra, a data em que o credor tem conhecimento da pretensão que lhe compete e da pessoa do responsável, aplicando-se, portanto, o viés subjetivo da teoria da actio nata.

Desse modo, é forçoso concluir que, na específica hipótese de revogação de decisão liminar, o termo a quo do prazo prescricional é a data do trânsito em julgado do provimento jurisdicional em que se confirma a revogação da liminar, pois esse é o momento em que o credor toma conhecimento de seu direito à restituição, pois não mais será possível a reversão do aresto que revogou a decisão precária.

É imprescindível aguardar-se o trânsito em julgado, pois, se a tutela provisória concedida ao autor for revogada, mas a pretensão autoral for, ao final, julgada procedente, nada haverá que ser restituído, uma vez que aquilo que foi pago a título precário revelou-se, ao final, realmente devido. Em síntese, se nada deve ser restituído, sequer seria necessário discutir acerca da prescrição da pretensão restitutória.

2.2.4.     Resultado final.

É de 10 anos o prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de decisão liminar posteriormente revogada, tendo em vista não se tratar de hipótese de enriquecimento sem causa, de prescrição intercorrente ou de responsabilidade civil.

O termo a quo do prazo prescricional da pretensão de restituição de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de decisão liminar posteriormente revogada é a data do trânsito em julgado do provimento jurisdicional em que a confirma, pois esse é o momento em que o credor toma conhecimento de seu direito à restituição, em que não mais será possível a reversão do aresto que revogou a decisão precária.

3.      (Ir)Retroatividade dos efeitos da modificação do regime de separação total para o de comunhão universal de bens, na constância do casamento.

PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA

Os efeitos da modificação do regime de separação total para o de comunhão universal de bens, na constância do casamento, retroagem à data do matrimônio (eficácia ex tunc).

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023. (Info 772)

3.1.  Situação FÁTICA.

Nirso e Nirse casaram-se pelo regime da separação eletiva de bens e, valendo-se da Nirso e Nirse casaram-se pelo regime da separação eletiva de bens e, valendo-se da autonomia de vontade, optaram por alterar o regime para a comunhão universal de bens. Manifestaram, expressamente, a intenção de comunicar todo o patrimônio. Ocorre que um dos credores de Nirso se insurgiu contra a alteração, por entender que esta lhe traria prejuízos e que eventual alteração não poderia retroagir para atingir dívidas passadas — firmadas antes da traquinagem.

* Processo sob segredo de justiça. Caso imaginado.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil:

Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

§ 2 É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

3.2.2.     Vale a alteração? Conta de quando?

R: Tá valendooo! Retroage paro o início da relação matrimonial.

A modificação do regime de bens foi admitida pelo Código Civil de 2002, especialmente no seu art. 1.639, § 2º. Nos termos da literalidade da norma, a alteração do regime de bens não poderá prejudicar os direitos de terceiros. Constata-se, assim, a preocupação de se proteger a boa-fé objetiva, em desprestígio da má-fé, de modo que a alteração do regime não poderá ser utilizada para fraude em prejuízo de terceiros, inclusive de ordem tributária. Assim, em qualquer hipótese, havendo prejuízo para terceiros de boa-fé, a alteração do regime de bens deve ser reconhecida como ineficaz em relação a esses, o que não prejudica a sua validade e eficácia entre as partes e de modo geral.

Na hipótese do presente recurso, as partes casaram-se pelo regime da separação eletiva de bens e, valendo-se da autonomia de vontade, optaram por alterá-lo para o regime da comunhão universal de bens (o que supera, portanto, a comunhão parcial), manifestando, expressamente, a intenção de comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração.

Nesse caso, a retroatividade (efeitos ex tunc) não teria o condão de gerar prejuízos a terceiros, porque todo o patrimônio titulado pelos recorrentes continuaria respondendo, em sua integralidade, por eventuais dívidas, conforme inteligência do art. 1.667 do Código Civil de 2002, que dispõe que o regime da comunhão universal de bens importa a comunhão de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas. Com efeito, na hipótese de alteração do regime de bens para o da comunhão universal o próprio casamento se fortalece, os vínculos do casal se ampliam e a eficácia ex tunc decorre da própria natureza do referido regime.

Nessa linha, é possível que os interessados requeiram ao juiz que estabeleça a retroação dos efeitos da sentença, optando pelos efeitos ex tunc. No que tange à esfera jurídica de interesses de terceiros, a lei já ressalva os direitos de terceiros que eventualmente se considerem prejudicados, de modo que a modificação do regime de bens será considerada ineficaz em relação a eles.

A vedação, em caráter absoluto, à retroatividade implicaria inadmissível engessamento, retardando os benefícios que adviriam de um regime presumivelmente mais vantajoso para as partes e terceiros. O que não se pode fazer é retroagir para prejudicar, para alterar uma situação do passado em prejuízo da sociedade. Ao contrário, se a retroatividade é benéfica para a coletividade, se não viola o patrimônio individual, nem prejudica terceiros, ou seja, se o retroagir não produz desequilíbrio jurídico-social, deve ser admitido.

Havendo alteração da separação eletiva de bens para a comunhão universal, só haveria de fato uma comunhão “universal” se os bens já existentes se comunicarem. Sendo o regime primitivo o da separação de bens, com a alteração para comunhão universal, todos os bens presentes e futuros devem entrar para a comunhão. Como a própria lei já ressalva os direitos de terceiros (a alteração do regime de bens será ineficaz perante eles) não há por que o Estado-juiz criar embaraços à livre decisão do casal acerca do que melhor atende a seus interesses.

É difícil também imaginar algum prejuízo aos credores, visto que esses, com a alteração do regime para comunhão universal, terão mais bens disponíveis para garantir a cobrança de valores. Independentemente de constar na decisão judicial, o patrimônio continuará respondendo pelas dívidas existentes. Quanto a eventual credor prejudicado, vale a ressalva feita pela lei que diz respeito à ineficácia em relação a direito de algum terceiro que venha a alegar prejuízo.

Como regra, a mudança de regime de bens valerá apenas para o futuro, não prejudicando os atos jurídicos perfeitos. Mas a modificação poderá alcançar os atos passados se o regime adotado (exemplo: alteração de separação convencional para comunhão parcial ou universal) beneficiar terceiro credor pela ampliação das garantias patrimoniais. Aceitável, portanto, a retroação decorrente de explícita manifestação de vontade dos cônjuges.

A mutabilidade do regime de bens nada mais é do que a livre disposição patrimonial dos cônjuges, senhores que são de suas coisas. Não há sentido proibir a retroatividade à data da celebração do matrimônio livremente manifestada pelos cônjuges de comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração do regime de bens, especialmente no caso em que a retroatividade é corolário lógico da mudança para a comunhão universal.

3.2.3.     Resultado final.

Os efeitos da modificação do regime de separação total para o de comunhão universal de bens, na constância do casamento, retroagem à data do matrimônio (eficácia ex tunc).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

4.      Tema 505/STJ e afastamento da incidência de IR e CSLL sobre a taxa SELIC quando aplicada à repetição de indébito tributário

RECURSO ESPECIAL

Em adequação da jurisprudência do STJ ao que foi julgado pelo STF no Tema 962 da Repercussão Geral (RE 1.063.187/SC), modifica-se a tese referente ao Tema 505/STJ para afastar a incidência de IR e CSLL sobre a taxa SELIC quando aplicada à repetição de indébito tributário, preservando-se a tese referente ao Tema 504/STJ e demais teses já aprovadas no Tema 878/STJ, reconhecendo a modulação dos efeitos estabelecido no EDcl no RE 1.063.187/SC pelo STF.

REsp 1.138.695-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/4/2023 (Tema 505) (Info 772)

4.1.  Situação FÁTICA.

Em julgado proferido no RE 1.063.187/SC, o STF, apreciando o Tema n. 962 da repercussão geral (apreciação de valores atinentes à taxa SELIC recebidos em razão de repetição de indébito tributário), deu interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 3º, § 1º, da Lei n. 7.713/1988; ao art. 17 do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e ao art. 43, II e § 1º, do CTN para excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do IR e da CSLL sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário.

Fixou-se, então, a seguinte tese: Tema n. 962 da Repercussão Geral: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”.

Ocorre que o STJ tinha entendimento oposto e o manifestou ao julgar o tema Tema 505/STJ…

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Questão JURÍDICA.

CC/2002:

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

4.2.2.     Afasta-se o IR e CSLL sobre a taxa SELIC?

R: Manda quem pode… (obedece que tem juízo)

Em julgado proferido no RE 1.063.187/SC (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 27/9/2021), o Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 962 da repercussão geral (apreciação de valores atinentes à taxa SELIC recebidos em razão de repetição de indébito tributário), deu interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 3º, § 1º, da Lei n. 7.713/1988; ao art. 17 do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e ao art. 43, II e § 1º, do CTN para excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do IR e da CSLL sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário.

Fixou-se, então, a seguinte tese: Tema n. 962 da Repercussão Geral: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”.

ratio decidendi da causa em questão versa apenas sobre a taxa SELIC percebida em razão da repetição de indébito tributário que, excepcionalmente, não possui natureza de lucros cessantes. No precedente, o STF acabou por trazer para o conceito de indenização o tecnicamente chamado “dano remoto” (ou dano indireto) – aquele dano decorrente dos compromissos feitos pelo credor em seu próprio prejuízo durante a mora do devedor e que não estavam no contrato e não eram previsíveis pelo devedor.

O conceito de “dano emergente” existe em oposição ao de “dano remoto”. O art. 403 do CC/2002, dispõe que “as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela (inexecução) direto e imediato”. Dessa forma, invocar eventuais prejuízos que o credor vier a sofrer ao tomar dinheiro emprestado para saldar suas obrigações porque o devedor está em mora com ele, significa trazer para o conceito de “dano emergente” situações típicas de “dano remoto”. De todo modo, essa constatação, a de que se invocou de forma casuística o “dano remoto”, apenas corrobora a excepcionalidade do argumento utilizado pelo STF.

Posteriormente, o entendimento foi confirmado mais adiante com o julgamento dos embargos de declaração no mesmo RE n. 1.063.187/SC (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 2.5.2022). No julgado, foi prestado o esclarecimento de que o acórdão se aplica apenas nas hipóteses em que há o acréscimo de juros moratórios mediante a taxa SELIC na repetição de indébito tributário (inclusive na realizada por meio de compensação), seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial, não se aplicando nas situações em que a SELIC incide a título de juros remuneratórios, de depósitos judiciais ou nas situações de juros de mora pagos no contexto de contrato entre particulares.

A delimitação feita pelo Supremo Tribunal Federal é extremamente relevante. Embora signifique uma superação da tese repetitiva adotada pelo STJ no Tema 505/STJ, significa também que todas as demais teses repetitivas adotadas pelo STJ no que diz respeito à incidência do IR e da CSLL sobre juros de mora restam preservadas. Assim, embora o Tema 505/STJ deva sofrer modificação para ser adaptado ao Tema n. 962 da Repercussão Geral, continuam em pleno vigor o Tema 504/STJ e o Tema 878/STJ.

Outro ponto de relevo é que no julgamento dos Edcl no RE 1.063.187/SC (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 2.5.2022) o STF acolheu pedido de modulação de efeitos estabelecendo que a tese aprovada produza efeitos ex nunc a partir de 30/9/2021 (data da publicação da ata de julgamento do mérito), ficando ressalvados: a) as ações ajuizadas até 17/9/2021 (data do início do julgamento do mérito); e b) os fatos geradores anteriores a 30/9/2021 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral.

Fica estabelecido:
(a) a Fazenda Nacional não poderá mais cobrar IR ou CSLL incidentes sobre juros SELIC na repetição de indébito tributário;
(b) quem não pagou IR ou CSLL incidentes sobre juros SELIC na repetição de indébito tributário não poderá mais ser obrigado a pagar;
(c) quem já pagou e tem ações novas ajuizadas (ações ajuizadas depois de 17/9/2021) não receberá a repetição; e
(d) quem já pagou e tem ações antigas ajuizadas (ações ajuizadas até 17/9/2021) receberá a repetição correspondente.

Essa mesma modulação, por fazer parte da repercussão geral, também é vinculante para este Superior Tribunal de Justiça tanto quanto a tese principal acolhida no Tema n. 962 da Repercussão Geral e aqui deve ser reproduzida, de modo que a tese firmada no TEMA 505/STJ deve ser por ela integrada, prevalecendo a tese em sua redação anterior para as situações excluídas pela modulação.

Por fim, os temas enfrentados no presente repetitivo já incluída a superação realizada pelo STF recebem as seguintes teses: Tema 504/STJ: “Os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais possuem natureza remuneratória e não escapam à tributação pelo IRPJ e pela CSLL”; e Tema 505/STJ: “Os juros SELIC incidentes na repetição do indébito tributário se encontram fora da base de cálculo do IR e da CSLL, havendo que ser observada a modulação prevista no Tema n. 962 da Repercussão Geral do STF – Precedentes: RE 1.063.187/SC e Edcl no RE 1.063.187/SC”.

Assim, em juízo de retratação modifica-se a redação do Tema 505/STJ, mantendo a tese referente ao Tema 504/STJ e demais teses já aprovadas no Tema 878/STJ.

4.2.3.     Resultado final.

Em adequação da jurisprudência do STJ ao que foi julgado pelo STF no Tema 962 da Repercussão Geral (RE 1.063.187/SC), modifica-se a tese referente ao Tema 505/STJ para afastar a incidência de IR e CSLL sobre a taxa SELIC quando aplicada à repetição de indébito tributário, preservando-se a tese referente ao Tema 504/STJ e demais teses já aprovadas no Tema 878/STJ, reconhecendo a modulação dos efeitos estabelecido no EDcl no RE 1.063.187/SC pelo STF.

5.      Princípio da não surpresa e impossibilidade do julgador decidir com base em fundamentos jurídicos não submetidos ao contraditório no decorrer do processo

RECURSO ESPECIAL

Em respeito ao princípio da não surpresa, é vedado ao julgador decidir com base em fundamentos jurídicos não submetidos ao contraditório no decorrer do processo.

REsp 2.049.725-PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023. (Info 772)

5.1.  Situação FÁTICA.

Em uma ação que tratava da legalidade de um Decreto Municipal que deu denominação a uma área de proteção ambiental, Creiton, proprietário de parte da área, alega que esse negócio de mera denominação é balela e que houve, na verdade, desapropriação indireta.

Segundo o Creiton, o processo não andou direito, tendo havido lesão ao princípio da não-surpresa. Por quê? Ora, não se teria conferido a ele a possibilidade questionar o ato (deu denominação à área de proteção ambiental) e demandar a ponderação do argumento e construção de contra-argumento no pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Teria havido decisão com base em argumento não submetido ao contraditório.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPC:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Art. 933. Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.

5.2.2.     Houve violação ao princípio da não surpresa?

R: E como…

O argumento fático novo apresentado em sustentação oral, em segunda instância, foi a alegação de que a Lei municipal n. 17.337/2017, ato administrativo concreto, com roupagem de lei formal, que tão somente deu uma denominação a uma área de proteção ambiental, significou reconhecimento municipal da ocorrência da desapropriação indireta.

Vê-se, então, que não foi apenas a alegação em plenário de fundamento legal novo, mas sim de construção argumentativa com conclusão de postura municipal de reconhecimento administrativo de realização de desapropriação indireta, tudo com base em fato jurídico apresentado de forma surpreendente, sem prévia possibilidade, com antecedência devida, de ponderação do argumento e construção de contra-argumento no pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.

Tal lei em sentido material configura, de forma inequívoca, um ato administrativo que apenas deu nova denominação à área de proteção ambiental em epígrafe, com característica essencialmente individual, referindo-se a imóvel específico e determinado, não regulamentando, assim, eventuais e futuras relações jurídicas de forma geral e impessoal, particularidades essenciais para caracterizá-lo como fundamento legal.

Dessarte, de acordo com o art. 933, em sintonia com o art. 10, todos do CPC, veda-se a decisão-surpresa no âmbito dos tribunais, tendo decidido de forma acertada, o Tribunal de origem, no sentido de abrir vista às partes para que possam manifestar-se, em respeito ao devido processo legal.

Nesse diapasão, o entendimento jurídico adotado no STJ é no sentido de respeito ao princípio da não surpresa, o qual ensina que é vedado ao julgador decidir com base em fundamentos jurídicos não submetidos ao contraditório no decorrer do processo, com fulcro no art. 10 do CPC.

Dessa forma, é necessária a observância da cooperação processual nas relações endoprocessuais e do direito à legítima confiança de que o resultado do processo seja decorrente de fundamentos previamente conhecidos e debatidos pelas partes litigantes.

5.2.3.     Resultado final.

Em respeito ao princípio da não surpresa, é vedado ao julgador decidir com base em fundamentos jurídicos não submetidos ao contraditório no decorrer do processo.

6.      Ônus do ajuizamento da ação de conhecimento em inventário

RECURSO ESPECIAL

É ônus do credor não admitido no inventário o ajuizamento da ação de conhecimento, não competindo ao juiz a conversão do pedido de habilitação de crédito em ação de cobrança, em substituição às partes.

REsp 2.045.640-GO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023, DJe 28/4/2023. (Info 772)

6.1.  Situação FÁTICA.

Crementino requereu a habilitação de crédito no inventário de Craudio, alegando que ao pagar o débito contra ele executado na condição de avalista e devedor solidário, se sub-rogou nos direitos do credor. Foi prolatada sentença na qual se determinou a conversão da habilitação de crédito em inventário em ação de cobrança, com reserva de bens. Para dar efetividade ao decidido, o juizão ainda declarou nula de pleno direito a escritura pública de inventário e partilha extrajudicial celebrada.

Inconformados, os herdeiros interpuseram recurso no qual alegam a impossibilidade da conversão da habilitação de crédito no inventário em ação de cobrança.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código de Processo Civil:

Art. 612. O juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas.

Art. 642. Antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis.

 Art. 643. Não havendo concordância de todas as partes sobre o pedido de pagamento feito pelo credor, será o pedido remetido às vias ordinárias.

Parágrafo único. O juiz mandará, porém, reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o credor quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação.

Código Civil:

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.

6.2.2.     Possível a conversão?

R: Nana-nina-NÃO!!!!

Cinge-se a controvérsia a definir a possibilidade de conversão, de ofício, de pedido de habilitação de crédito em inventário em ação de cobrança.

Dessume-se da leitura dos arts. 1.017 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), 642 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) e 1.997 do Código Civil (CC) que, concordando as partes interessadas (credores e herdeiros) com o pedido, o juiz, ao declarar habilitado o credor, mandará que se faça a separação de dinheiro ou, em sua falta, de bens suficientes para o seu pagamento, determinando, em seguida, a sua alienação ou, caso requeira o credor, lhe sejam adjudicados os bens já reservados para o seu pagamento, em vez do recebimento em dinheiro, desde que a esse respeito concordem todas as partes (arts. 1.017, §§ 2º ao 4º, do CPC/1973; e 642, §§ 2º ao 4º, do CPC/2015).

Havendo discordância de alguma parte quanto ao crédito, será o credor remetido às vias ordinárias, afigurando-se possível ao juiz, na oportunidade, a reserva, em poder do inventariante, de bens suficientes para pagar o credor quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação, nos termos dos arts. 1.018 do CPC/1973 e 643 do CPC/2015.

Nessa situação, o credor excluído deverá ajuizar a ação ordinária cabível (cobrança, monitória, execução etc), no prazo de 30 (trinta) dias contados da data em que foi intimado da decisão (arts. 1.039, I, do CPC/1973; e 668, I, do CPC/2015), sob pena de perda de eficácia da reserva de bens eventualmente decretada pelo magistrado.

Entretanto, no que concerne à habilitação de crédito em que haja impugnação, não recai essa regra da universalidade, pois, com base em expressa disposição legal (arts. 1.018 do CPC/1973 e 643 do CPC/2015), deve o pleito ser remetido às vias ordinárias e sujeito à competência do juízo cível da ação de cobrança, monitória ou de execução, conforme o caso — “basta a discordância, ainda que o fundamento não seja adequado, constituindo-se, portanto, regra especial”.

É de se registrar que a impugnação ao pedido de habilitação de crédito por alguma parte interessada, a ensejar a remessa aos meios processuais ordinários e a possível concessão pelo juiz da reserva de bens do espólio em favor do habilitante, confere feição contenciosa ao incidente, consistindo em verdadeira “medida cautelar que o juiz toma, ex officio, em defesa do interesse do credor que não detém sucesso na habilitação: se o crédito estiver suficientemente comprovado por documento e a impugnação não se fundar em quitação, o magistrado mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o credor, enquanto se aguarda a solução da cobrança contenciosa”.

É consabido que o foro sucessório é universal, afigurando-se competente o juízo do inventário para conhecer e decidir “todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas” (art. 984 do CPC/1973, equivalente ao art. 612 do CPC/2015).

Entretanto, no que concerne à habilitação de crédito em que haja impugnação, não recai essa regra da universalidade, pois, com base em expressa disposição legal (arts. 1.018 do CPC/1973 e 643 do CPC/2015), para que o pleito seja remetido às vias ordinárias e sujeito à competência do juízo cível da ação de cobrança, monitória ou de execução, conforme o caso, “basta a discordância, ainda que o fundamento não seja adequado, constituindo-se, portanto, regra especial”.

De acordo com a doutrina, “não cabe nesse incidente um juízo de valor do juiz do inventário sobre a questão posta, não constituindo ela uma daquelas a respeito da qual ele estaria autorizado a decidir em caso de conflito (art. 612 do CPC). Todavia, o juiz, de ofício, desde que entenda que o documento apresentado pelo credor requerente comprove suficientemente a obrigação e, ainda, desde que a alegação de qualquer das partes do inventário não seja fundada em pagamento, e esteja acompanhada de prova valiosa, poderá determinar a reserva em poder do inventariante de bens suficientes para pagar o credor, se vitorioso na ação a ser proposta”.

Logo, conclui-se que, havendo impugnação, por alguma parte interessada, à habilitação de crédito em inventário, impõe-se ao juízo do inventário a remessa das partes às vias ordinárias, ainda que sobre o mesmo juízo recaia a competência para o inventário e para as demandas ordinárias (tal como ocorre nos juízos de Vara única), pois, nos termos dos fundamentos apresentados, constitui ônus do credor excluído o ajuizamento da respectiva ação ordinária, não competindo ao juiz a conversão do pedido de habilitação na demanda a ser proposta pela parte.

6.2.3.     Resultado final.

É ônus do credor não admitido no inventário o ajuizamento da ação de conhecimento, não competindo ao juiz a conversão do pedido de habilitação de crédito em ação de cobrança, em substituição às partes.

DIREITO TRIBUTÁRIO

7.      Incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre auxílio-alimentação pago em pecúnia

RECURSO ESPECIAL

Incide a contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o auxílio-alimentação pago em pecúnia.

REsp 1.995.437-CE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/4/2023. (Tema 1164) (Info 772)

7.1.  Situação FÁTICA.

A Construtora Lego paga aos seus empregados uma verba denominada “auxílio-alimentação”. Tal pagamento ocorre em dinheiro. O fisco notificou e cobrou da construtora o valor que entendia devido em contribuições sociais sobre tal verba.

Inconformada, a Construtora impetrou MS no qual sustenta a não incidência de contribuições sociais, tese acolhida pelo tribunal local. Em recurso especial, a Fazenda Nacional alega que independentemente da natureza da verba, a contribuição previdenciária deve incidir sobre os ganhos habituais do empregado.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Questão JURÍDICA.

Constituição Federal:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:     

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:         

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;  

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:    

§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.  

CLT:

Art. 457 – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.                    

§ 2o  As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.   

7.2.2.     Incide contribuição social?

R: Pra variar…

A questão submetida refere-se à possibilidade de incidência da contribuição previdenciária devida pelo empregador sobre os valores pagos em pecúnia aos empregados a título de auxílio-alimentação, ou seja, se essa verba se enquadra no conceito de salário para que possa compor a base de cálculo do referido tributo.

De início, ressalta-se que a contribuição previdenciária devida pelo empregador é uma das espécies de contribuições para o custeio da seguridade social e encontra-se prevista na alínea “a” do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. É necessário considerar, também, o disposto no art. 201, § 11, da Constituição Federal, que traz o conceito constitucional de salário para fins de contribuição previdenciária: “Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.

O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 565.160/SC (de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, julgado sob o rito da repercussão geral – Tema n. 20), enfrentou questão relacionada à interpretação da expressão “folha de salários”, para fins de incidência da contribuição previdenciária devida pelo empregador e fixou a seguinte tese jurídica: “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, a qualquer título, quer anteriores, quer posteriores à Emenda Constitucional n. 20/1998 – inteligência dos artigos 195, inciso I, e 201, § 11, da Constituição Federal“.

Dos votos proferidos pelos Ministros do STF, é possível extrair dois requisitos para que determinada verba componha a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal: (I) habitualidade; (II) caráter salarial. A habitualidade constitui pressuposto constitucional expresso no art. 201, § 11, da Constituição Federal, enquanto a definição da natureza salarial ou indenizatória da verba paga ao empregado está afeta à esfera infraconstitucional.

Por sua vez, o auxílio-alimentação é parcela que constitui benefício concedido aos empregados para custear despesas com alimentação (necessidade essa que deve ser suprimida diariamente) sendo, portanto, inerente à sua natureza a habitualidade. Assim, fica claro que o requisito constitucional para a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador está cumprido.

Quanto à legislação federal que trata da base de cálculo da contribuição previdenciária e da natureza das parcelas recebidas em decorrência de relação de emprego, elenca-se a Lei n. 8.212/1991 (Lei Orgânica da Seguridade Social) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A interpretação sistemática dos arts. 22, I, 28, I, da Lei n. 8.212/1991 e 457, § 2º, da CLT (a partir da vigência da Lei n. 13.467/2017 – Reforma Trabalhista) revela que o auxílio-alimentação pago em dinheiro ao empregado possui natureza salarial.

Extrai-se desses dispositivos que há uma correspondência entre a base de cálculo da contribuição previdenciária devida pelo empregador e a base de cálculo do benefício previdenciário a ser recebido pelo empregado, sendo certo que ambas levam em consideração a natureza salarial das verbas pagas. Em outras palavras: a parcela paga ao empregado com caráter salarial manterá essa natureza para fins de incidência de contribuição previdenciária patronal e, também, de apuração do benefício previdenciário.

Dito isso, vale ressaltar que o STJ, ao julgar o REsp 1.358.281/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos, explicitou no que consiste o caráter salarial e o indenizatório das verbas pagas aos empregados para definir sua exclusão ou inclusão na base de cálculo da contribuição previdenciária.

Ademais, cabe aqui esclarecer que a presente controvérsia envolve o auxílio-alimentação pago em dinheiro ao empregado, que pode ser usado para quaisquer outras finalidades que não sejam a de arcar com os gastos com sua alimentação. Não se discute, nesse precedente, a natureza dos valores contidos em cartões pré-pagos, fornecidos pelos empregadores, de empresas como “Ticket”, “Alelo” e “VR Benefícios”, cuja utilização depende da aceitação em estabelecimentos credenciados, como supermercados, restaurantes e padarias.

7.2.3.     Resultado final.

Incide a contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o auxílio-alimentação pago em pecúnia.

8.      Benefícios fiscais e efeitos no ICMS

RECURSO ESPECIAL

1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10 da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30 da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado nos ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei n. 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

REsp 1.945.110-RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/4/2023. (Tema 1182) (Info 772)

8.1.  Situação FÁTICA.

Trata-se de RESP no qual se discute se seria possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei Complementar n. 160/2017:

Art. 10.  O disposto nos §§ 4o e 5o do art. 30 da Lei no 12.973, de 13 de maio de 2014, aplica-se inclusive aos incentivos e aos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais de ICMS instituídos em desacordo com o disposto na alínea ‘g’ do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal por legislação estadual publicada até a data de início de produção de efeitos desta Lei Complementar, desde que atendidas as respectivas exigências de registro e depósito, nos termos do art. 3o desta Lei Complementar.    

Lei n. 12.973/2014:

Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para: 

I – absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou

II – aumento do capital social.

§ 1º Na hipótese do inciso I do caput , a pessoa jurídica deverá recompor a reserva à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.

§ 2º As doações e subvenções de que trata o caput serão tributadas caso não seja observado o disposto no § 1º ou seja dada destinação diversa da que está prevista no caput , inclusive nas hipóteses de:

I – capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou subvenções governamentais para investimentos;

II – restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da doação ou da subvenção, com posterior capitalização do valor da doação ou da subvenção, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitada ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou de subvenções governamentais para investimentos; ou

III – integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios.

§ 3º Se, no período de apuração, a pessoa jurídica apurar prejuízo contábil ou lucro líquido contábil inferior à parcela decorrente de doações e de subvenções governamentais e, nesse caso, não puder ser constituída como parcela de lucros nos termos do caput , esta deverá ocorrer à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.

§ 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo. 

§ 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados

8.2.2.     Resultado final.

1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10 da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30 da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado nos ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei n. 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

DIREITO PENAL

9.      Requisitos para reexame dos fundamentos utilizados na dosimetria da pena em revisão criminal

REVISÃO CRIMINAL

Os fundamentos utilizados na dosimetria da pena somente devem ser reexaminados se evidenciado, previamente, o cabimento do pedido revisional.

RvCr 5.247-DF, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Rel. para acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, por maioria, julgado em 22/3/2023, DJe 14/4/2023. (Info 772)

9.1.  Situação FÁTICA.

Creitinho foi condenado por tráfico de drogas. Sua defesa ajuizou revisão criminal na qual alega que a pena a ele imposta foi majorada de forma excessiva e desproporcional, levando-se em consideração, na primeira fase, a culpabilidade, os motivos do crime e a personalidade do agente.

A revisão criminal foi ajuizada com base no art. 621, III, parte final, do Código de Processo Penal relativa à descoberta de novas provas após a sentença.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código de Processo Penal:

Art. 621.  A revisão dos processos findos será admitida:

I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

CF:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

9.2.2.     Possível rever os critérios da dosimetria?

R: Só se restar evidenciado o cabimento da revisional!!!!!

O STJ entende que “embora seja possível rever a dosimetria da pena em revisão criminal, a utilização do pleito revisional é prática excepcional, somente justificada quando houver contrariedade ao texto expresso da lei ou à evidência dos autos” (AgRg no AREsp 734.052/MS, Quinta Turma, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 16/12/2015).

No caso, o pedido revisional direciona-se contra a exasperação da pena, sob o argumento de terem sido desproporcionais tanto o aumento imposto à pena-base como o aplicado na segunda fase, em razão da agravante da reincidência. A revisão criminal foi ajuizada com base no art. 621, III, parte final, do Código de Processo Penal relativa à descoberta de novas provas após a sentença.

Porém, limitou-se o requerente a afirmar que, na fixação da pena, “não se levou em conta os princípios da individualização da pena, da proporcionalidadee da razoabilidade, autorizando assim a reforma da condenação pois que há circunstância que autorize diminuição especial de pena”. Não foram indicadas as novas provas a que faz alusão o inciso III do art. 621 do Código de Processo Penal, ônus inafastável e apto a legitimar a utilização da revisão criminal.

Os fundamentos utilizados na dosimetria da pena somente devem ser examinados se evidenciado, previamente, o cabimento do pedido revisional, porquanto a revisão criminal não se qualifica como simples instrumento a serviço do inconformismo da parte. Portanto, examiná-la, no caso, significaria autorizar a revisão dos critérios de discricionariedade utilizados pelo STJ para manter a pena aplicada pela instância ordinária, desvirtuando por completo a essência do instituto.

Ademais, conforme recentemente advertiu a Terceira Seção, “apenas a ofensa manifesta ao texto legal permite a revisão da sentença protegida pelo trânsito em julgado, diante da necessidade de ponderar as garantias constitucionais da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CF) e do devido processo legal (art. 5º, inciso LVI, da CF)” – RvCr 4.890/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 26/5/2021, DJe 2/6/2021.

9.2.3.     Resultado final.

Os fundamentos utilizados na dosimetria da pena somente devem ser reexaminados se evidenciado, previamente, o cabimento do pedido revisional.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

10.  Natureza da ação penal relativa ao delito de registro não autorizado da intimidade sexual

PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA

O delito de registro não autorizado da intimidade sexual (art. 216-B do CP) possui a natureza de ação penal pública incondicionada.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023. (Info 772)

10.1.                   Situação FÁTICA.

Josefino manteve relacionamento com Creide. E não é que o rapaz gravava as relações sexuais sem a ciência da Creide?! E daí deu no que deu… Quando o relacionamento acabou, Josefino passou a exibir as imagens aos amigos, fato do qual tomou conhecimento Creide. O Problema é que apenas após um ano da ciência das gravações é que Creide tomou providência para “denunciar” o ex-namorado.

A defesa de Josefino, mais ligeira que rato perseguido por gato, sustenta que houve decadência, pois que, mesmo tomando conhecimento da gravação ilegal, a vítima Creide apenas teria representado após o prazo de 6 meses conferido pelo art. 38 do CPP.

10.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

Código Penal:

Art. 216-B.  Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:  

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.

Ação penal

Art. 225.  Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. 

CPP:

Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei. 

10.2.2. Ação penal pública incondicionada?

R: Yeaph!!!!

A Lei n. 13.718/2018 converteu a ação penal de todos os crimes contra a dignidade sexual em pública incondicionada (art. 225 do Código Penal). Posteriormente, a Lei n. 13.772/2018 criou um novo capítulo no Código Penal, o Capítulo I-A, e dentro dele o delito do art. 216-B (Registro não autorizado da intimidade sexual). Ao criar esse novo capítulo, no entanto, deixou-se de acrescentar sua menção no art. 225 do Código Penal, o qual se referia aos capítulos existentes à época da sua redação (Capítulos I e II).

No caso, a defesa alega a existência de constrangimento ilegal decorrente do ato de recebimento da denúncia, uma vez que o crime encontra-se prescrito e decaído, pois, mesmo tomando conhecimento da gravação ilegal, a vítima apenas teria representado após o prazo de 6 meses conferido pelo art. 38 do CPP.

Todavia, compreende-se que tal omissão legislativa não prejudica o posicionamento de que o crime de registro não autorizado da intimidade sexual se trata de ação penal pública incondicionada. Isso porque, inexistindo menção expressa (seja no capítulo I-A, seja no art. 216-B) de que se trata de ação privada ou pública condicionada, aplica-se a regra geral do Código Penal: no silêncio da lei, deve-se considerar a ação penal como pública incondicionada.

No mesmo sentido, referencia-se o entendimento do Tribunal de origem no sentido de que “A interpretação deve ser, em tais hipóteses, necessariamente restritiva, pelo que é forçoso reconhecer não estar referido “Capítulo I-A” abrangido na previsão expressa de mencionado art. 225 do CP. Não se pode, contudo, perder de vista que a regra geral da legislação criminal é a ação penal pública ser incondicionada, sendo pública condicionada, ou privada, apenas se houver previsão expressa nesse sentido pelo legislador”.

Dessa forma, ao se considerar o delito de registro não autorizado da intimidade sexual como delito de ação penal pública incondicionada, inexiste a alegada decadência do direito de representação.

10.2.3. Resultado final.

O delito de registro não autorizado da intimidade sexual (art. 216-B do CP) possui a natureza de ação penal pública incondicionada.

11.  Cabimento do ANPP nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, e, ainda, em situações em que houver a desclassificação do delito

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

Nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, e, ainda, em situações em que houver a desclassificação do delito – seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o Acordo de Não Persecução Penal, torna-se cabível o instituto negocial.

AgRg no REsp 2.016.905-SP, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 14/4/2023. (Info 772)

11.1.                   Situação FÁTICA.

Creosvalda foi condenada pelo crime de falsidade ideológica por sete vezes. Em apelação, foi provido o recurso para reconhecer a continuidade delitiva dos atos e o redimensionamento da pena para menos de dois anos.

A defesa então requereu a remessa do feito ao MP, para que avaliasse a possibilidade de celebração de ANPP, o que foi negado pelo tribunal sob a alegação de que não se poderia discutir a composição após a condenação.

11.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

CP:

Falsidade ideológica

Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.     

Parágrafo único – Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

11.2.2. Cabível o ANPP?

R: SIM!!!!

No caso, houve uma relevante alteração do quadro fático-jurídico, tornando-se potencialmente cabível o instituto negocial do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP. Afinal, o Tribunal a quo, ao julgar o recurso de apelação interposto pela defesa, deu-lhe parcial provimento, a fim de reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299), tornando, assim, objetivamente viável a realização do referido acordo, em razão do novo patamar de apenamento – pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos.

Trata-se, mutatis mutandis, de raciocínio similar àquele constante da Súmula n. 337 do STJ, a saber: “É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva”.

De fato, ao longo da ação penal até a prolação da sentença condenatória, o ANPP não era cabível, seja porque a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) entrou em vigor em 23/1/2020, após o oferecimento da denúncia (26/4/2019), seja porque o crime imputado – falsidade ideológica, por sete vezes, em concurso material – não tornava viável o referido acordo, tendo em vista que a pena mínima cominada era superior a 4 (quatro) anos, em razão do concurso material de crimes.

Ocorre que o Tribunal de origem, já na vigência da Lei n. 13.964/2019, deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa para reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica, afastando, assim, o concurso material.

Essa modificação do quadro fático-jurídico não somente resultou numa considerável redução da pena, mas também tornou objetivamente cabível a formulação de acordo de não persecução penal, ao menos sob o aspecto referente ao requisito da pena mínima cominada ser inferior a 4 (quatro) anos, conforme previsto no art. 28-A do CPP.

Assim, nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, como no caso em questão, e ainda em situações em que houver a desclassificação do delito – seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o ANPP, torna-se cabível o instituto negocial.

Cabe salientar, ainda, que, no caso, não se faz necessária a discussão acerca da questão da retroatividade do ANPP, mas, sim, unicamente a circunstância de que a alteração do quadro fático-jurídico tornou potencialmente cabível o instituto negocial, de maneira que o entendimento externado na presente decisão não entra em confronto com a jurisprudência do STJ.

11.2.3. Resultado final.

Nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, e, ainda, em situações em que houver a desclassificação do delito – seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o Acordo de Não Persecução Penal, torna-se cabível o instituto negocial.

Jean Vilbert

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