Informativo nº 769 do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Os servidores que reúnem as condições, sob a égide do regime anterior (3º da EC 20/1998) podem se aposentar, mesmo que seu vínculo com a Administração tenha cessado antes do pedido de aposentadoria.
RMS 61.411-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023. (Info 769)
Creosvaldo ocupou cargo em comissão por um período antes da EC 20/1998. Enquanto trabalhava no cargo, reuniu as condições para aposentadoria no RPPS, visto que à época havia esta possibilidade.
Pouco antes da vigência da EC em questão, o vínculo foi cessado. Ainda assim, Creosvaldo requereu a concessão do benefício, o que foi inicialmente negado. Inconformado, impetrou mandado de segurança alegando ter direito adquirido.
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
§ 13. Aplica-se ao agente público ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, de outro cargo temporário, inclusive mandato eletivo, ou de emprego público, o Regime Geral de Previdência Social.
R: Yeaph!!!
Até a edição da Emenda Constitucional n. 20/1998, aqueles que ocupavam cargos comissionados poderiam ser aposentar pelo regime próprio; posteriormente, contudo, passaram a se sujeitar ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, a teor do disposto no art. 40, § 13, da Constituição Federal.
O STJ manifesta a compreensão de que o art. 3º da EC n. 20/1998 “preservou os direitos daqueles servidores que reuniram as condições de aposentadoria, sob a égide do ordenamento jurídico que estava sob modificação constitucional“.
A previsão do referido artigo: a) assegurou o direito adquirido daqueles que, ao tempo da mudança, já teriam preenchido os requisitos para se aposentar à luz do regime jurídico anterior; b) estabeleceu que a aposentadoria poderia ser concedida a qualquer tempo; e c) em momento algum criou a condição de que o pedido de aposentação deveria ser apresentado quando o servidor ainda estivesse na ativa e vinculado ao cargo para o qual pretendia se jubilar.
Assim, é irrelevante a informação de que o servidor teve cessado seu vínculo com a Administração antes do pedido de aposentadoria, sob pena de violação, a um só tempo, o art. 5º, XXXVI, da CF e 3º da EC n. 20/1998.
Os servidores que reúnem as condições, sob a égide do regime anterior (3º da EC 20/1998) podem se aposentar, mesmo que seu vínculo com a Administração tenha cessado antes do pedido de aposentadoria.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
É lícito ao órgão de trânsito indeferir o pedido de Carteira Nacional de Habilitação – CNH ao condutor que, portador da Permissão para Dirigir, cometeu infração grave, independentemente dessa infração ser qualificada como de natureza administrativa ou na condução do veículo.
AREsp 584.752-RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 23/3/2023, DJe 29/3/2023. (Info 769)
Geremias, após várias tentativas malsucedidas de fazer balizas na autoescola, conseguiu finalmente sua permissão para dirigir. Ocorre que, pouco mais de seis meses após consegui-la, Geremias deixou de registrar a venda de seu veículo no prazo de trinta dias, o que foi enquadrado como violação administrativa grave.
Em razão disso, o Detran negou a concessão da CNH. Inconformado, Geremias ajuizou ação na qual alegou que tal indeferimento somente seria possível se fosse uma infração de trânsito e não mera infração administrativa.
Lei n. 9.503/1997:
Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN.
§ 3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média.
Art. 233. Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo de trânsito, ocorridas as hipóteses previstas no art. 123:
Infração – média;
Penalidade – multa;
Medida administrativa – remoção do veículo.
R: Yeaph!!!!
Segundo disposto na redação original do artigo 233, da Lei n. 9.503/1997 (CTB) configurava infração grave, sancionada com multa e retenção do veículo, deixar de efetuar o registro de transferência de propriedade no prazo de 30 (trinta) dias junto ao órgão executivo de trânsito, conforme hipótese estabelecida no artigo 123, inciso I.
Assim, a falta de registro da transferência do veículo pelo novo proprietário no órgão competente, em até 30 (trinta) dias, diga-se, infração de natureza administrativa associada à propriedade de bem móvel, era considerada infração de natureza grave à época dos fatos (artigo 233), e impossibilitava o proprietário, como condutor de veículo, adquirir a Carteira Nacional de Habilitação – CNH (artigo 148, § 3º), após o esgotamento do período de permissão para dirigir (148, § 2º), obrigando-o a reiniciar todo o processo de habilitação (artigo 148, § 4º).
A literalidade do § 3º do artigo 148 da Lei n. 9.503/1997, portanto, acaba por impedir o proprietário de veículo que cometeu infração administrativa, associada especificamente ao registro de propriedade de veículo, adquirir a CNH, que é documento vinculado à habilitação para condução de veículos automotores e à segurança no trânsito. Isso denota, em princípio, a ocorrência de tratamento desigual entre condutores-proprietários, já contemplados com a CNH, e condutores-proprietários que possuem somente a Permissão de Dirigir, com validade de um ano, mas que pretendem obter a CNH. É dizer, a omissão do proprietário de veículo em não efetuar o seu registro no órgão executivo de trânsito, ainda que sujeita à sanção de natureza grave à época, não está diretamente associada à conduta do condutor de veículo automotor.
A Corte Especial, por sua vez, apreciou a arguição de inconstitucionalidade do § 3º do artigo 148 da Lei n. 9.503/1997 (CTB), no julgamento do AI no AREsp 641.185/RS, Relator Ministro Og Fernandes, na sessão de 11/2/2021, dando cumprimento à decisão contida no ARE 1.195.532/RS, proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Na oportunidade, foi reconhecida, por unanimidade, a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da norma contida no § 3º do artigo 148 “[…] para excluir sua aplicação à hipótese de infração (grave ou gravíssima) meramente administrativa, ou seja, não cometida na condução de veículo automotor”.
Ocorre que o acórdão da Corte Especial no qual declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do § 3º do artigo 148 do CTB, foi impugnado por meio de recurso extraordinário e os autos ascenderam ao Supremo Tribunal Federal, retornando à relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, que deu provimento ao apelo extremo, sob a compreensão de que a norma contida no § 3º do artigo 148 do CTB é compatível com a Constituição Federal, não havendo ofensa aos princípios da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade. Por fim, em sede de agravo interno, o entendimento do Relator foi mantido pela Primeira Turma da Corte Suprema.
Diante desse novo contexto, diga-se, com a declaração de compatibilidade do § 3º do artigo 148 do CTB com a Constituição Federal feita pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ainda que não se trate de controle de constitucionalidade de norma realizado pelo Plenário da Corte Constitucional, tem-se que o acórdão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça foi cassado.
Logo, faz-se necessário reconhecer que a norma é aplicável, o que equivale dizer que, no caso, é lícito ao Órgão de trânsito indeferir o pedido de Carteira Nacional de Habilitação – CNH ao condutor que, portador da Permissão para Dirigir, cometeu infração grave, independentemente dessa infração ser qualificada como de natureza administrativa ou na condução do veículo.
É lícito ao órgão de trânsito indeferir o pedido de Carteira Nacional de Habilitação – CNH ao condutor que, portador da Permissão para Dirigir, cometeu infração grave, independentemente dessa infração ser qualificada como de natureza administrativa ou na condução do veículo.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL
O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa.
AgInt no REsp 2.024.133-ES, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 13/3/2023, DJe 16/3/2023. (Info 769)
A ANTT aplicou uma pena à Transportadora Horse. Ocorre que, posteriormente, a conduta que motivou a aplicação da pena teve seu dispositivo legal alterado para prever uma pena mais branda.
A transportadora então ajuizou ação requerendo o abrandamento da pena conforme a nova lei, tese da qual discorda a ANTT, que sustenta a aplicação conforme a lei da época em que houve a infração.
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
R: Yeaph!!!!
É possível extrair do art. 5º, XL, da Constituição Federal princípio implícito do Direito Sancionatório, qual seja: a lei mais benéfica retroage. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições, a Lei Maior determina a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa.
Nessa linha: […] “O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa.” (AgInt no REsp 1.602.122/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 7/8/2018, DJe de 14/8/2018).
O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa.
RECURSO ESPECIAL
Até 1/7/2022, data da vigência da Resolução Normativa n. 539/2022 da ANS, é devido o reembolso integral de tratamento multidisciplinar para beneficiário portador de transtorno do espectro autista realizado fora da rede credenciada, inclusive às sessões de musicoterapia, na hipótese de inobservância de prestação assumida no contrato ou se ficar demonstrado o descumprimento de ordem judicial.
REsp 2.043.003-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023. (Info 769)
Creitinho, representado por sua mãe Creide, ajuizou ação em face do plano de Saúde Amol pretendendo a cobertura ilimitada de tratamento multidisciplinar prescrito para o transtorno do espectro autista, bem como o reembolso integral das despesas realizadas. O pedido foi deferido.
Inconformado, o plano de saúde interpôs recursos alegando que as terapias pleiteadas não estão previstas no contrato originário e nem na Resolução Normativa RN no 465/21 e que a existência, por si só, das limitações não importaria em cláusulas abusivas.
R: Temos de observar o marco de 01/07/2022!!!
O propósito recursal é decidir sobre a obrigação de reembolso integral das despesas assumidas pelo beneficiário com o custeio do tratamento realizado fora da rede credenciada.
Embora fixando a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, a Segunda Seção negou provimento ao EREsp 1.889.704/SP da operadora do plano de saúde, para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapias especializadas prescritas para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA).
Ao julgamento realizado pela Segunda Seção, sobrevieram diversas manifestações da ANS, no sentido de reafirmar a importância das terapias multidisciplinares para os portadores de transtornos globais do desenvolvimento, dentre os quais se inclui o transtorno do espectro autista, e de favorecer, por conseguinte, o seu tratamento integral e ilimitado.
A musicoterapia foi incluída à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde, que visa à prevenção de agravos e à promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde (Portaria n. 849, de 27 de março de 2017, do Ministério da Saúde), sendo de cobertura obrigatória no tratamento multidisciplinar, prescrito pelo médico assistente e realizado por profissional de saúde especializado para tanto, do beneficiário portador de transtorno do espectro autista.
Segundo a jurisprudência, o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento, e, nessas circunstâncias, poderá ser limitado aos preços e às tabelas efetivamente contratados com o plano de saúde.
Distinguem-se, da hipótese tratada na orientação jurisprudencial sobre o reembolso nos limites do contrato, as situações em que se caracteriza a inexecução do contrato pela operadora, causadora de danos materiais ao beneficiário, a ensejar o direito ao reembolso integral das despesas realizadas por este, a saber: inobservância de prestação assumida no contrato, descumprimento de ordem judicial que determina a cobertura do tratamento ou violação de atos normativos da ANS.
No caso, conquanto a Resolução Normativa 469/2021 da ANS tenha estabelecido a cobertura obrigatória de número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, para o tratamento/manejo do transtorno do espectro autista (TEA), inclusive com orientação acerca da possibilidade de aplicação do método ABA, não havia, à época, determinação expressa no rol de procedimentos e eventos em saúde que obrigasse as operadoras a custeá-lo.
No âmbito judicial, até o julgamento, pela Segunda Seção, do EREsp 1.889.704/SP, em 8/6/2022 (DJe de 3/8/2022), havia divergência no STJ sobre a obrigatoriedade de cobertura de procedimentos e eventos não listados no rol da ANS, considerando que a Terceira Turma entendia se tratar de rol exemplificativo, enquanto a Quarta Turma defendia a sua natureza taxativa.
A reboque desse precedente, a ANS publicou a Resolução Normativa 539/2022, com vigência a partir de 1/7/2022, que tornou obrigatória a cobertura para qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o tratamento do paciente portador de transtorno global do desenvolvimento, e logo expediu o Comunicado n. 95, de 23/6/2022 (DOU 24/6/2022), por meio do qual impôs a todas as operadoras de planos de saúde que, por determinação judicial ou por mera liberalidade, estivessem atendendo aos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento em determinada técnica/método/abordagem indicado pelo médico assistente, tal como a ABA, o dever de manutenção do tratamento, estabelecendo, expressamente, que a sua suspensão configuraria negativa indevida de cobertura.
Assim, até 1/7/2022, data da vigência da Resolução Normativa 539/2022, havia dúvida razoável quanto à cobertura obrigatória das terapias multidisciplinares pelo método ABA ou outras terapias assemelhadas prescritas para os portadores de transtornos globais do desenvolvimento, sendo certo que, desde 24/6/2022 (data da publicação do Comunicado n. 95 da ANS), as operadoras de planos de saúde já estavam proibidas de suspender os tratamentos em curso.
Do exposto se pode inferir que, enquanto amparada em cláusula contratual redigida com base nas normas editadas pela agência reguladora, a recusa da operadora não caracteriza a inexecução do contrato apta a justificar o reembolso integral. Noutro ângulo, a inobservância de prestação assumida no contrato, o descumprimento de ordem judicial que determina a cobertura ou a violação de atos normativos da ANS pela operadora podem gerar o dever de indenizar, mediante o reembolso integral, ante a caracterização da negativa indevida de cobertura.
Com efeito, sendo as decisões anteriores a 1/7/2022, o reembolso integral pretendido será devido apenas se demonstrado o descumprimento da ordem judicial que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela. Do contrário, eventual reembolso de despesas assumidas pelo beneficiário com tratamento realizado fora da rede assistencial se dará nos limites do contrato.
Até 1/7/2022, data da vigência da Resolução Normativa n. 539/2022 da ANS, é devido o reembolso integral de tratamento multidisciplinar para beneficiário portador de transtorno do espectro autista realizado fora da rede credenciada, inclusive às sessões de musicoterapia, na hipótese de inobservância de prestação assumida no contrato ou se ficar demonstrado o descumprimento de ordem judicial.
RECURSO ESPECIAL
Cabe à autoridade judiciária brasileira processar e julgar a ação de rescisão contratual em que os autores pactuaram contrato de adesão de prestação de serviços hoteleiros – sendo os aderentes consumidores finais – com sociedade empresária domiciliada em território estrangeiro e os autores domiciliados no Brasil.
REsp 1.797.109-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 24/3/2023. (Info 769)
Nirso e Nirse ajuizaram ação em face de Melia Brasil Hotéis. Os autores pactuaram contrato de prestação de serviços hoteleiros com sociedade empresária domiciliada em território estrangeiro, para utilização de Clube/Resort sediado em Cancun, no México. Houve a celebração de contrato de adesão, sendo os aderentes consumidores finais, com residência e domicílio no Brasil.
O pedido foi julgado procedente e a rede hoteleira condenada a restituir o montante pago pela futura hospedagem. Inconformada, Melia interpôs recurso no qual alega a incompetência da justiça brasileira para julgar e processar a demanda.
CPC/2015:
Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que:
II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.
Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:
II – decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;
Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.
Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.
§ 3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.
R: Cabe à autoridade judiciária tupiniquim!!!!
A controvérsia resume-se a saber se a Justiça brasileira é competente para processar e julgar a ação de rescisão de contrato de negócio jurídico celebrado em território mexicano para ali produzir os seus efeitos, tendo como contratadas pessoas físicas domiciliadas no Brasil.
O art. 22, II, do CPC/2015 contém norma específica acerca da competência da autoridade judiciária brasileira para conhecer de demandas decorrentes das relações de consumo, desde que o consumidor tenha domicílio ou residência no Brasil.
Eis, por oportuno, a transcrição do referido dispositivo: “Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações: (…) II – decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil”.
No caso, observa-se que os autores celebraram negócio jurídico com a Sol Meliá VC México S.A. que tem por objetivo o uso das instalações do Hotel Paradisus Cancun em temporadas expressamente previstas no contrato, mediante o pagamento de cotas de manutenção.
É notório que as partes pactuaram contrato de adesão, haja vista que as cláusulas foram unilateralmente elaboradas pela rede hoteleira sem que os aderentes pudessem discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo.
A própria natureza do negócio, evidencia a sua natureza de adesão.
Em outras palavras, o aderente apenas tem a faculdade de escolher o plano a ser contratado, mas não tem ingerência sobre as cláusulas que irão reger as relações entre as partes negociantes.
Além do mais, os aderentes são nitidamente consumidores finais dos produtos e dos serviços ofertados pelo Resort/Hotel, enquanto a Sol Meliá VC México S.A. figura na condição de prestadora dos serviços de hospedagem e fornecedora outros serviços ofertados pelo clube, o que traz a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Idêntica conclusão pode ser extraída do julgamento do REsp 1.378.284/PB, no qual a Quarta Turma do STJ entendeu pela aplicação do CDC a caso análogo envolvendo o Clube de Turismo Bancorbrás.
Acrescenta-se que os autores têm domicílio no Brasil, motivo pelo qual a Justiça brasileira é competente para conhecer da demanda, nos termos da norma prevista no já citado art. 22, II, do CPC/2015.
Nesse contexto, conforme previsão contratual, o negócio jurídico foi realizado em território estrangeiro e teve por objeto a utilização do Hotel Paradisus Cancun, no México. Desse modo, fica clara a inaplicabilidade dos incisos II e III do art. 21 do CPC/2015, pois a obrigação, em linha de princípio, deveria ter cumprimento no México, por fato e ato ali ocorrido e praticado.
Quanto à existência de cláusula de eleição de foro estrangeiro em contrato consumerista internacional, o art. 25 do CPC/2015 afasta a competência da autoridade judiciária brasileira para o processamento e julgamento da ação. Porém, o CDC, em seus arts. 6º, VIII, e 51, I, prescreve como garantia do consumidor a facilitação da defesa dos seus direitos, permitindo ao juiz a declaração de nulidade de cláusulas consideradas abusivas. Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça orienta no sentido da nulidade de cláusula de eleição de foro a partir da demonstração do prejuízo ao direito de defesa e de acesso ao judiciário.
Nessa linha de raciocínio,nada impede que, em contrato consumerista, o magistrado declare nulo o foro de eleição diante do prejuízo e da dificuldade de o consumidor acionar a justiça estrangeira para fazer valer o seu direito. Se assim não fosse, restaria esvaziado o conteúdo normativo do art. 22, II, do CPC/2015, já que, em sua ampla maioria, os contratos de (ou por) adesão possuem cláusula que estabelece o foro competente para dirimir eventuais conflitos.
Ademais, essa permissão de afastar o foro eleito não necessita de esforço retórico ou argumentativo, nem do uso da principiologia do microssistema consumerista, tendo em vista que art. 25, § 2º, do CPC/2015 prevê a aplicação do art. 63 do CPC/2015, que, em seu § 3º, determina que, “antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu”.
Cabe à autoridade judiciária brasileira processar e julgar a ação de rescisão contratual em que os autores pactuaram contrato de adesão de prestação de serviços hoteleiros – sendo os aderentes consumidores finais – com sociedade empresária domiciliada em território estrangeiro e os autores domiciliados no Brasil.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL
As alterações introduzidas pela Lei n. 14.195/2021 no art. 8º da Lei n. 12.514/2011 tem aplicação imediata nas ações em trâmite.
AgInt no REsp 2.037.876-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 6/3/2023, DJe 13/3/2023. (Info 769)
Em 2019, o Conselho Regional de Educação Física ajuizou ação para cobrança de crédito de valor inferior a cinco vezes o valor previsto na Lei 12.514/2011. A justiça determinou o arquivamento da execução fiscal com fundamento na Lei n. 12.514/2011 por entender que as alterações introduzidas pela Lei n. 14.195/2021 aplicam-se aos processos em curso.
Lei n. 12.514/2011:
Art. 6º As anuidades cobradas pelo conselho serão no valor de:
I – para profissionais de nível superior: até R$ 500,00 (quinhentos reais);
Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º.
R: Yeaph!!!!
Trata-se, na origem, de execução ajuizada por Conselho de Fiscalização Profissional em 21/5/2019 para cobrança de crédito de valor inferior a cinco vezes o valor previsto no inciso I do art. 6º da Lei n. 12.514/2011.
Nos termos da jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, as regras processuais têm aplicação imediata aos processos em curso.
Com base nessa jurisprudência, a Segunda Turma, no julgamento do REsp 2.009.763/RS, relator Ministro Herman Benjamin, firmou o entendimento segundo a qual se aplica a nova regra disciplinada pelo art. 8º da Lei n. 12.514/2011, com as alterações da Lei n. 14.195/2021, às ações em trâmite porquanto “se a lei estabelece valor mínimo como condição para a instauração do processo executivo e, por norma legal superveniente, altera-se o patamar do respectivo valor, com a determinação de arquivamento das execuções com valor inferior, sem baixa na distribuição, não há como entender pela não observância da imposição legal em razão de a execução ter sido ajuizada anteriormente ao início de vigência da lei modificadora, porquanto regras processuais têm aplicação imediata aos processos em curso“.
As alterações introduzidas pela Lei n. 14.195/2021 no art. 8º da Lei n. 12.514/2011 tem aplicação imediata nas ações em trâmite.
RECURSO ESPECIAL
É possível a substituição da penhora em dinheiro por seguro garantia judicial, observados os requisitos do art. 835, § 2º, do CPC/2015, independentemente da discordância da parte exequente, ressalvados os casos de insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida.
REsp 2.034.482-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023. (Info 769)
Banco Bandeira ajuizou execução em face de Rádio AMFM. Em determinado momento do processo, o juiz deferiu a substituição da constrição de ativos financeiros da rádio por seguro garantia judicial.
Inconformado, o banco interpôs agravo de instrumento contra a decisão, por entender que a penhora deve ocorrer, preferencialmente, sobre dinheiro e, apenas de maneira excepcional, seria admitida a substituição por fiança bancária ou seguro garantia judicial.
Código de Processo Civil:
Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
§ 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.
R: Segue o jogo!!!!
O seguro-garantia pode ser definido como o contrato pelo qual a seguradora presta garantia de proteção aos interesses do credor (segurado) relativos ao adimplemento de uma obrigação (legal ou contratual) do devedor, nos limites da apólice. Nessa espécie contratual, o devedor é o tomador da garantia junto à seguradora, com a indicação de seu credor como segurado e beneficiário direto da prestação ou indenização a ser implementada pela seguradora, se o sinistro, ou seja, o inadimplemento, se concretizar.
No Código de Processo Civil de 2015, o legislador, ao dispor sobre a ordem preferencial de bens e a substituição da penhora, expressamente equiparou a fiança bancária e o seguro-garantia judicial ao dinheiro, nos seguintes termos: “para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento” (art. 835, § 2º, do CPC/15).
Assim, nesse novo cenário, dada a equiparação legal da fiança bancária e do seguro garantia judicial ao dinheiro, o anterior entendimento do STJ não mais sustenta, haja vista que estes três instrumentos agora precedem, lado a lado, quaisquer outros bens na ordem estabelecida nos incisos do art. 835 para a constrição judicial.
Em outras palavras, a circunstância de a penhora em dinheiro ser prioritária em relação a outros bens de menor liquidez não constitui, por si só, fundamento hábil para não admitir a fiança bancária e o seguro garantia judicial como meios válidos de garantia no processo executivo, ante a opção expressamente feita pelo legislador.
A respeito da equiparação, a doutrina esclarece que se trata de técnica utilizada pelo legislador quando pretende tratar de forma igual elementos que a princípio guardam diferenças entre si, essenciais ou secundárias. Desse modo, em que pese institutos distintos, passam a ser considerados, mediante uma técnica material de assimilação, iguais para fins de direito, com vistas a um melhor rendimento do sistema jurídico.
Sob essa perspectiva, entende-se que, pretendeu o legislador equiparar o seguro garantia judicial com a penhora em dinheiro – apesar das diferenças essenciais entre esses institutos -, cabe ao intérprete conferir a máxima uniformidade possível no tratamento jurídico de ambos, aproximando os seus efeitos no processo de execução civil.
A propósito, a Terceira Turma, em precedente de Relatoria do e. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, manifestou-se acerca da viabilidade, e, até mesmo, conveniência, da substituição da penhora em dinheiro pelo seguro garantia judicial (REsp 1.691.748/PR, Terceira Turma, DJe 17/11/2017).
Na ocasião, destacou o e. Relator que “dentro do sistema de execução, a fiança bancária e o seguro garantia judicial produzem os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro para fins de garantir o juízo, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida”.
De fato, o seguro garantia judicial constitui, na atualidade, importante instrumento de preservação do capital circulante das sociedades empresárias, que, em um ambiente de mercado competitivo, muitas vezes não podem correr o risco de imobilização de seus ativos financeiros durante um processo de execução.
Ademais, esse modo de garantia da execução se apresenta interessante ao credor/exequente, pois lhe é assegurado, com considerável grau de confiança, o recebimento do valor devido, haja vista a integridade patrimonial das sociedades seguradoras, inclusive com fiscalização por parte da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.
É possível a substituição da penhora em dinheiro por seguro garantia judicial, observados os requisitos do art. 835, § 2º, do CPC/2015, independentemente da discordância da parte exequente, ressalvados os casos de insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida.
RECURSO ESPECIAL
No procedimento da consolidação da propriedade fiduciária pelo Decreto n. 911/1969, compete ao credor fiduciário, após a consolidação da propriedade decorrente da mora do devedor, o ônus de comprovar a venda do bem e o valor auferido com a alienação.
REsp 1.742.102-MG, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/3/2023. (Info 769)
Banco Cobromesmo ajuizou ação de busca e apreensão amparada no Decreto-Lei nº 911/69, objetivando a consolidação da propriedade fiduciária sobre um veículo dado em garantia. O veículo foi apreendido e leiloado.
A ré então peticionou sustentando que o valor que sobejou decorrente da venda do bem e restante da dívida não teria sido depositado em seu favor. Aí começou a discussão a respeito de a quem caberia comprovar o valor da venda e se este está de acordo com o que reza o figurino.
Decreto-Lei n. 911/1969:
Art. 2o No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.
R: Compete ao CREDOR fiduciário!!!!
Após a retomada do bem pelo credor fiduciário, a venda (judicial ou extrajudicialmente) é premissa básica, constituindo essa uma obrigação estabelecida por lei, razão pela qual a mercancia do bem e a aplicação do preço auferido no pagamento do crédito e nas despesas de cobrança, é algo certo.
Com a entrada em vigor da Lei n. 13.043/2014, o dispositivo específico do Decreto-Lei n. 911/1969 (artigo 2º) foi acrescido da obrigatoriedade do credor fiduciário promover a devida prestação de contas: “No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas”.
Como se vê, a administração de interesse de terceiro decorre do comando normativo que exige destinação específica do quantum e a entrega de eventual saldo ao devedor, principalmente após a entrada em vigor da Lei n. 13.043/2014, que alterou o art. 2° do Decreto-Lei n. 911/1969, a qual estabeleceu, expressamente, ser do proprietário fiduciário o dever de prestar contas.
Obviamente, não é o devedor fiduciário quem deve promover a devida prestação de contas – não se presta contas de débito, notadamente quando não mais está na administração de interesses alheios – sendo tal obrigação do credor fiduciário, afinal foi esse quem retomou o bem e consolidou a propriedade fiduciária e tem o encargo de promover a sua venda e o devido abatimento dos custos da operação e da dívida, para, em havendo saldo, realizar a entrega ao devedor.
Também não constitui ônus da devedora fiduciária apurar qual o valor/o preço obtido com a alienação, bem como das despesas relativas à cobrança do crédito, isso porque não foi ela quem promoveu a mercancia do produto (judicial ou extrajudicialmente), não tendo como lhe ser transferida uma obrigação alheia.
No procedimento da consolidação da propriedade fiduciária pelo Decreto n. 911/1969, compete ao credor fiduciário, após a consolidação da propriedade decorrente da mora do devedor, o ônus de comprovar a venda do bem e o valor auferido com a alienação.
RECURSO ESPECIAL
Sempre que a apreciação do excesso de execução ou da inexigibilidade da obrigação exigir dilação probatória que vá além do simples documento, a observância do procedimento da ação incidental de embargos se tornará obrigatória.
REsp 1.987.774-CE, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023. (Info 769)
Durante uma execução, a parte executada Pagonada peticionou alegando excesso de execução. Ocorre que a tese da executada demandava dilação probatória que vai além do campo documental. Em razão disso, discute-se no recurso a necessidade de observância do procedimento da ação incidental de embargos.
Código de Processo Civil:
Art. 798. Ao propor a execução, incumbe ao exequente:
I – instruir a petição inicial com:
b) o demonstrativo do débito atualizado até a data de propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa;
Art. 917. Nos embargos à execução, o executado poderá alegar:
§ 3º Quando alegar que o exequente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à do título, o embargante declarará na petição inicial o valor que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado de seu cálculo.
R: Yeaph!!!!
Apesar da força executiva que caracteriza o título executivo extrajudicial, capaz de viabilizar a execução forçada independentemente de acertamento judicial do crédito, fato é que não se pode falar em “imutabilidade” como atributo daquele documento, próprio do título judicial passado em julgado.
E, como leciona a doutrina, justamente por essa “variabilidade” do título extrajudicial, o ordenamento permite ao executado sejam refutadas questões ligadas aos pressupostos e condições da execução, assim como quaisquer defesas que lhe seria lícito opor ao credor num processo de conhecimento.
Dessa forma, os embargos à execução revelam-se como verdadeiro “juízo incidental cognitivo”, que, no regime do Código de Processo Civil atual, é amplo e “pode atingir tanto os fatos anteriores à formação do título (a causa debendi) como os posteriores, que possam provocar a modificação ou extinção do crédito ou o impedimento à sua exigibilidade”.
Nas execuções por quantia certa, o diploma processual incumbe ao credor o dever de instruir a petição inicial com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação (art. 798, I, b). De maneira simétrica, o art. 917, em seu § 3º, “imputa igual ônus ao executado, quando seus embargos fundarem-se na arguição de excesso de execução. E, sob pena de não serem conhecidos os embargos de tal natureza, o executado deverá juntar à inicial a memória de cálculo do débito que entende correto”.
Entretanto, haverá casos em que a apuração do excesso alegado pode ficar comprometido pela necessidade de conhecimento técnico contábil, do qual não disponha a parte. Nessas hipóteses, jurisprudência e doutrina têm admitido a mitigação daquela previsão legal, tornando mesmo imperativa a dilação probatória para se alcançar o valor realmente devido, evitando-se, assim, cerceamento de defesa.
Assim, em situações como a referida, reconhece-se que, ainda com mais acerto, o devedor deve se valer dos embargos à execução, meio de oposição à pretensão do credor por excelência, mormente pela viabilidade do contraditório, excepcional no expediente executório.
Sempre que a apreciação do excesso de execução ou da inexigibilidade da obrigação exigir dilação probatória que vá além do simples documento, a observância do procedimento da ação incidental de embargos se tornará obrigatória.
RECURSO ESPECIAL
A base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS.
REsp 1.916.376-RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023. (Info 769)
Construmais ajuizou ação por meio da qual requereu a exclusão do material empregado em suas obras de concretagem da base de cálculo do ISS, com a devida restituição do indébito.
Alega que faz jus à dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre a prestação de serviços de concretagem.
R: Nooops!!!!
O STJ há muito consolidou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS.
O Supremo Tribunal Federal, ao proferir o primeiro julgamento do RE 603.497/MG (Tema n. 247 do STF), em 31/8/2010 (DJ 16/9/2010), decidiu reformar acórdão do STJ com fundamento no entendimento do Pretório Excelso sobre a “possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil”. A partir desse momento, o STJ, buscando alinhar a sua jurisprudência à referida decisão da Suprema Corte, começou a decidir naquele mesmo sentido.
Entretanto, mais recentemente, em 3/7/2020 (publicação da ata de julgamento em 13/7/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do art. 9º, § 2º, do DL n. 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da possibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil.
Diante desse último pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do Tema n. 247 do STF, há de voltar a ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema.
A base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS.
RECURSO ESPECIAL
Não incide imposto de renda sobre a compensação pela limitação decorrente da instalação de linhas de alta tensão na propriedade privada – servidão administrativa.
REsp 1.992.514-CE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023. (Info 769)
Creiton teve parte de seu imóvel ocupado por servidão administrativa para instalação de linhas de alta tensão. O ente indenizou Creiton, mas, para sua surpresa, parte do valor da indenização foi retido a título de IR.
Inconformado, ajuizou ação de repetição de indébito com o intuito de reaver os valores. Em recurso, a Fazenda Nacional sustenta a incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos a título de servidão administrativa, porquanto estes constituiriam acréscimo patrimonial.
CTN:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
R: Nooops!!!!
Conforme disposto no art. 43, I e II, do CTN, a tributação, a título de imposto de renda, incide sobre o acréscimo patrimonial experimentado pelo contribuinte. No entanto, os valores pagos a título de compensação por servidão administrativa não configuram acréscimo patrimonial.
A servidão administrativa se dá quando o Poder Público intervém no direito de propriedade do particular, fixando condições e limites ao seu livre exercício sem, contudo, privá-lo por completo. Nesse sentido, a compensação pela limitação decorrente da instalação de linhas de alta tensão na propriedade privada possui nítido caráter INDENIZATÓRIO, cujo valor tem por finalidade RECOMPOR o patrimônio, não gerando, contudo, acréscimo patrimonial do proprietário do imóvel.
Não incide imposto de renda sobre a compensação pela limitação decorrente da instalação de linhas de alta tensão na propriedade privada – servidão administrativa.
RECURSO ESPECIAL
No âmbito da repetição do indébito tributário, os valores da Taxa SELIC (correção monetária e juros de mora) integram a base de cálculo do PIS e da COFINS, entendimento que não sofreu alteração em virtude do julgamento do Tema n. 962/STF.
REsp 2.019.133-PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023. (Info 769)
A empresa Office ajuizou ação de repetição do indébito tributário pretendendo ver reconhecida a ilegalidade da exigência do recolhimento do PIS e do COFINS sobre os valores percebidos a título de taxa SELIC (correção monetária e juros moratórios) decorrentes da repetição de tributos indevidamente recolhidos, com a declaração do direito de restituição/compensação.
R: Yeaph!!!!
A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, no âmbito da repetição do indébito tributário, os valores da Taxa SELIC (correção monetária e juros de mora) integram a base de cálculo do Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, entendimento que não sofreu alteração em virtude do julgamento do Tema n. 962/STF. In verbis:
“(…) 2. O STJ entende que se incluem na base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins os valores recebidos a título de juros moratórios e correção monetária (taxa Selic) na repetição de indébito. Precedentes: AgInt no REsp 1.938.511/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 14.10.2021; e AgInt nos EDcl no REsp 1.848.930/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11.2.2021. 3. Ademais, esta Corte Superior já decidiu que é irrelevante para o desfecho da causa o julgamento dos Temas n. 808 e 962 da Repercussão Geral do STF, os quais conferiram a natureza de indenização por danos emergentes aos juros moratórios, já que essa condição afeta o conceito de renda (base de cálculo do Imposto de Renda), mas não o de receita (base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e Cofins). Nesse sentido: “A argumentação da CONTRIBUINTE ao aludir à riqueza nova confunde os conceitos de renda e receita. Renda precisa ser riqueza nova, receita não: o conceito de receita comporta quaisquer ressarcimentos e indenizações. O relevo está em que renda é a base de cálculo do Imposto de Renda e receita é a base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS, ora em debate. Ressarcimento é receita, muito embora possa não ser renda. Nessa toada, não é possível invocar o precedente que trata do IRPJ e da CSLL que afasta determinada verba do conceito de renda para afastar a incidência das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS que se dá sobre a receita – conceito mais largo que o de renda. A leitura do precedente REsp 1.089.720/RS está condicionada a esses parâmetros, posto que construído para o IRPJ e CSLL.” (EDcl no AgInt no REsp 1.920.034/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17/2/2022) 4. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp 1.960.914/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9/5/2022, DJe de 23/6/2022)”.
“(…) 2. A jurisprudência desta Corte Superior é uníssona no sentido de que, no âmbito da repetição do indébito tributário, os valores da Taxa Selic (correção monetária e juros) integram a base de cálculo do PIS e da COFINS. Precedentes. 3. O entendimento firmado no âmbito do Supremo Tribunal Federal no Tema n. 962, que definiu a tese de que “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”, não se aplica à presente hipótese. 4. ” […] A base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS é a Receita Bruta e a base de cálculo do IRPJ é o Lucro Real (conceito bem mais restrito que o de Receita Bruta). Sendo assim, retirar os juros da base de cálculo do IRPJ não significa retirá-los da base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS, contudo, reconhecer os juros como integrantes da base de cálculo do IRPJ significa sim os incluir na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS (AgInt no REsp 1.944.055/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 28/3/2022) 5. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1.899.938/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 24/6/2022)”.
No âmbito da repetição do indébito tributário, os valores da Taxa SELIC (correção monetária e juros de mora) integram a base de cálculo do PIS e da COFINS, entendimento que não sofreu alteração em virtude do julgamento do Tema n. 962/STF.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL
O excesso de velocidade e a não utilização de cinto de segurança, em acidente automobilístico com resultado morte, são elementos que conduzem ao reconhecimento da culpa concorrente da vítima.
AgInt no REsp 1.651.663-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/3/2023. (Info 769)
A família do cantor sertanejo João Paulo, da dupla João Paulo e Daniel, ajuizou ação em face da BMW pleiteando indenização por danos materiais e morais, pensão vitalícia e lucros cessantes, decorrentes do acidente de trânsito que causou a morte do cantor.
O laudo do acidente constatou que houve esvaziamento repentino de um dos pneus do automóvel, além do excesso de velocidade e não uso de cinto de segurança pelo condutor.
A montadora foi condenada em primeiro grau ao pagamento de indenização e pensão, mas recorreu sustentando a inexistência de defeito no veículo e culpa exclusiva da vítima.
Código de Defesa do Consumidor:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Código Civil:
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
R: Yeaph!!!!
A culpa concorrente da vítima, mesmo nas relações de consumo, atenua a responsabilidade do construtor, do produtor ou do importador.
No caso, a Corte local concluiu, principalmente com amparo no laudo do Instituto de Criminalística e no laudo do perito judicial, pela existência de excesso de velocidade do veículo e a ausência de utilização do cinto de segurança.
A velocidade excessiva deve ser considerada, neste caso em que o acidente consistiu em perda do controle do veículo ao realizar a curva, como concausa para o acidente, pois, provavelmente, seu condutor, se o conduzisse respeitando o limite máximo de velocidade indicado na sinalização de trânsito, 100 km/h, teria conseguido pará-lo, sem ocasionar seu capotamento, mesmo diante do esvaziamento súbito de seu pneu dianteiro direito.
A não utilização do cinto de segurança, é certo, não teve relevância para a ocorrência do acidente, mas concorreu, sem qualquer dúvida, pela consequência danosa do acidente.
Há que se considerar, neste caso, que as duas condutas culposas concorrentes da vítima, somadas, foram mais intensas que a hipótese, remota, mas não afastada, do esvaziamento súbito do pneu por defeito de fabricação para a ocorrência do acidente e de sua morte.
Nesse aspecto, a culpa concorrente da vítima, mesmo nas relações de consumo, atenua a responsabilidade do construtor, do produtor ou do importador.
O artigo 12, § 3°, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor ao catalogar a culpa exclusiva do consumidor entre as excludentes da responsabilidade do construtor, do produtor ou do importador pelos danos causados aos consumidores decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos e de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e risco, não enseja a ilação sobre a irrelevância de sua culpa concorrente como causa redutora da responsabilidade daqueles.
A culpa concorrente da vítima não é excludente da responsabilidade civil, matéria disciplinada nesse dispositivo do CDC, mas, sim, atenuante dessa responsabilidade.
Quanto ao mais, o disposto no artigo 12, parágrafo 3°, inciso III, da Lei n. 8.078/1990 deve ser interpretado sistematicamente com o disposto no artigo 945 do Código Civil, para atenuar a responsabilidade do fornecedor em caso de culpa concorrente da vítima (consumidor), conforme o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no Ag 852.683/RJ, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 15/2/2011).
Assim, a responsabilidade da fabricante e da importadora do veículo deve ser atenuada pela culpa concorrente da vítima.
O excesso de velocidade e a não utilização de cinto de segurança, em acidente automobilístico com resultado morte, são elementos que conduzem ao reconhecimento da culpa concorrente da vítima.
RECURSO ESPECIAL
O silêncio intencional do legislador na Lei n. 11.638/2007 afasta a obrigatoriedade de as sociedades limitadas de grande porte publicarem suas demonstrações contábeis.
REsp 1.824.891-RJ, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023. (Info 769)
Kirin LTDA impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro, Seu Zé, pretendendo que a autoridade se abstenha de publicar as informações contábeis da empresa em Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação.
Sustenta que ela deveria se aplicar o regime das sociedades grande porte, com a dispensa da publicação das suas demonstrações financeiras. Salienta a falta de competência normativa das juntas comerciais para estabelecer exigências ou medidas restritivas de direito não impostas pela lei.
Lei n. 11.638/2007:
Art. 3o Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários.
Parágrafo único. Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais)
R: Pisa do freio Zé (breca)!!!!
A Lei n. 11.638/2007 estabeleceu expressamente que seriam aplicadas as disposições da Lei n. 6.404/1976 às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedade por ações, no que se refere a escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Tendo em vista que não houve menção explícita sobre a publicação das demonstrações financeiras, surgiu a discussão sobre a obrigatoriedade das sociedades de grande porte assim fazer. Esse debate tomou grande proporções entre os diferentes órgãos estatais, tendo em vista que algumas instituições se posicionaram a favor da publicação das demonstrações financeiras por esse novo tipo societário, o que não foi seguido por outras entidades.
Além disso, posicionamentos diversos entre os Tribunais e doutrinadores também ganharam espaço no cenário jurídico, sendo a questão trazida para julgamento a este E. Superior Tribunal de Justiça, responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil.
É incontestável que a redação da Lei n. 11.638/2007 não trouxe a obrigação expressa de as sociedades de grande porte publicarem suas demonstrações financeiras, limitando seu texto a estender as disposições relativas à escrituração e elaboração. É certo que o Projeto de Lei n. 3.741/2000, que mais tarde foi transformado na Lei Ordinária 11.638/2007, apresentou inicialmente texto estabelecendo que as disposições referentes a elaboração e publicação das demonstrações financeiras, previstas na lei de sociedade por ações, relativamente às companhias abertas, seriam aplicadas às sociedades de grande porte, mesmo quando não constituídas sob a forma de sociedade por ações.
Todavia, assim não foi aprovado. O texto final da Lei n. 11.638/2007, em seu artigo 3º, “caput”, somente alude sobre a obrigatoriedade da ESCRITURAÇÃO e elaboração das demonstrações financeiras, excluindo expressamente a palavra “publicação” incluída no projeto de lei. Após um amplo debate no Congresso Nacional acerca do texto apresentado originalmente, não há como entender que a palavra “publicação” passou despercebida pelos parlamentares.
É possível, portanto, concluir que houve um silêncio INTENCIONAL do legislador para excluir a obrigatoriedade das empresas de grande porte fazerem publicar suas demonstrações contábeis. Em atenção ao princípio da legalidade ou da reserva legal, compreendido como base do Estado Democrático de Direito, somente as leis podem criar obrigações às pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas.
Considerando que a relação posta em julgamento é entre particulares, não há como estender a exigência de escrituração e elaboração, expressamente escrita na lei, à publicação das contas, propositalmente excluída do projeto de lei. A doutrina leciona que: “Nenhuma outra exigência reservada pela lei às sociedade anônimas se estende às limitadas de grande porte, em razão de sua classificação nessa categoria. A publicação das demonstrações financeiras ou o seu registro na Junta Comercial, por exemplo, não é legalmente exigida das sociedades limitadas, nem mesmo quando classificadas como ‘de grande porte’. A exemplo do regime jurídico aplicável à generalidade das sociedades limitadas, as demonstrações contábeis são documentos internos, destinados exclusivamente aos sócios”.
No mesmo sentido, em outra literatura doutrinária, tem-se que: “Conquanto as sociedades de grande porte estejam obrigadas a proceder à escrituração e à elaboração de suas demonstrações financeiras de acordo com os preceitos da Lei n. 6.404/1976, não há previsão legal de sua obrigatória publicação, ficando essa medida de transparência reservada ou à discrição de seus membros ou a exigência legal ou regulamentar autônoma; não resulta do disposto no art. 3º da Lei n. 11.638/2007”.
Nem mesmo o fato de a ementa da Lei n. 11.638/2007 afirmar que ela “estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras”, é capaz de mudar a sorte do caso. Isso porque, a ementa da lei é apenas o preâmbulo que resume o seu conteúdo, sem nenhuma força normativa.
Apesar do dever da ementa guardar estreita relação com a ideia central da lei, não há como ignorar que a subordinação dos seus preceitos está associada diretamente com o seu conteúdo, que, no caso, está estampado no artigo 3º da Lei n. 11.638/2007.
Desse modo, considerando que referido artigo foi expresso ao aplicar às sociedades de grande porte apenas as disposições da Lei n. 6.404/1976 sobre a escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, não há como estender o conceito de publicação e divulgação, ainda que este último tenha sido mencionado, mas apenas, na ementa da Lei n. 11.638/2007.
O silêncio intencional do legislador na Lei n. 11.638/2007 afasta a obrigatoriedade de as sociedades limitadas de grande porte publicarem suas demonstrações contábeis.
RECURSO ESPECIAL
Marcas compostas por elementos descritivos, evocativos ou sugestivos podem ser obrigadas a coexistir com outras de denominação semelhante.
REsp 1.929.811-RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023, DJe 21/3/2023. (Info 769)
A rede de supermercados Extra ajuizou ação para anular marcas que fazem uso da expressão EXTRABOM e EXTRABOM SUPERMERCADOS ao argumento de que colidem com o nome comercial e as marcas da autora, que fazem uso da expressão EXTRA e com registros antecedentes.
As marcas acionadas sustentaram a possibilidade coexistência das empresas litigantes, mas a tese não foi vencedora no tribunal local. Inconformadas, interpuseram recurso no qual sustentaram a manutenção dos registros de marca regularmente concedidos pelo INPI e o reconhecimento da possibilidade de convivência das marcas, o que já ocorreria há quase vinte anos.
Lei n. 9.279/1996:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
R: Yeaph!!!!
A questão litigiosa cinge-se a definir se há nulidade no registro das marcas “EXTRABOM” e “EXTRABOM SUPERMERCADOS”, por semelhança com a marca de titularidade da autora (supermercados “Extra”), a fim de evitar confusão do consumidor, favorecendo, por conseguinte, o aproveitamento parasitário, ante a notoriedade da marca “EXTRA” no ramo de supermercado.
Conforme dispõe o art. 124, XIX, da Lei n. 9.279/1996, não são registráveis como marca a “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia”.
A Lei de Propriedade Industrial visa, dessa forma, a garantir a observância do disposto no art. 5º, XXIX, da Constituição Federal, segundo o qual, “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.
O STJ possui o entendimento de que marcas compostas por elementos descritivos, evocativos ou sugestivos podem ser obrigadas a coexistir com outras de denominação semelhante.
No caso do vocábulo “extra”, tem-se a forma reduzida do adjetivo “extraordinário”, e indica o que é incomum, que vai além das expectativas. O termo proporciona, portanto, uma ideia positiva, acresce uma qualidade superior ao substantivo ou adjetivo que o segue. A par desse aspecto, é possível encontrar no mercado uma grande quantidade de marcas com a palavra inicial “extra”.
Ao adotar como marca um prefixo evocativo, no caso sugestivo de algo que vai além do ordinário, indicativo de serviço ou produto com grandeza superior, o titular sujeita-se ao risco de conviver com outras marcas semelhantes, tendo em conta seu franco cunho FANTASIOSO, desprovido de originalidade, não sendo possível, por conseguinte, a apropriação, com exclusividade, da expressão “extra”.
O Ministro Luis Felipe Salomão ressaltou que “a questão acerca da confusão ou associação de marcas deve ser analisada, em regra, sob a perspectiva do homem médio (homus medius), ou seja, naquilo que o magistrado imagina da figura do ser humano dotado de inteligência e perspicácia inerente à maioria das pessoas integrantes da sociedade” (REsp n. 1.342.741/RJ, Quarta Turma, julgado em 05/5/2016, DJe 22/6/2016).
Não obstante a semelhança na designação, a escrita e a fonética se diferenciam em razão do acréscimo do adjetivo “BOM”, constante no fim da marca da recorrente, ocasionando uma sonoridade perceptivelmente distinta entre ambas, o que dificulta a indução do homem médio a erro.
Por tudo isso, considerando não ser a autora proprietária exclusiva do prefixo “extra”, nem haver circunstância apta a provocar erro por parte do público consumidor, deve ser mantido o registro no INPI das marcas “SUPERMERCADO EXTRABOM” e “EXTRABOM”.
Marcas compostas por elementos descritivos, evocativos ou sugestivos podem ser obrigadas a coexistir com outras de denominação semelhante.
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
Não se admite o distinguishing realizado no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722/SP – caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar – nas hipóteses em que não há consentimento dos responsáveis legais somado ao fato do acusado possuir gritante diferença de idade da vítima – o que invalida qualquer relativização da presunção de vulnerabilidade do menor de 14 anos no crime de estupro de vulnerável.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023, DJe 17/3/2023. (Info 769)
Um cidadão de meia idade foi denunciado pelo crime de estupro de vulnerável em razão de manter relacionamento sexual com menor de 14 anos. A defesa do acusado sustenta que deveria ser relativizada a vulnerabilidade da vítima, nos moldes do que realizado no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722/SP – caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar.
Ocorre que no presente caso, não havia aprovação dos pais da vítima e a diferença de idade é de 36 anos.
*Processo sob segredo de justiça. Caso imaginado.
Súmula n. 593/STJ:
O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente
R: Nooops!!!!
De início, reitera-se que, nos termos da Súmula n. 593/STJ, o consentimento da vítima menor de 14 anos e o seu namoro com o acusado não afastam a existência do delito de estupro de vulnerável.
Nessa linha de intelecção, a jurisprudência do STJ tem sistematicamente rejeitado a tese de que a presunção de violência – termo que nem é mais utilizado na atual redação do CP – no estupro de vulnerável pode ser relativizada à luz do caso concreto (AgRg no REsp 1.934.812-TO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 20/9/2021).
Na hipótese, conforme fundamentadamente apontado pela Corte local, o caso não se amolda ao distinguishing realizado no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722-SP, de minha relatoria – caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar – tendo em vista que a relação amorosa não foi consentida pela genitora da vítima, tanto que, ao tomar conhecimento de que sua filha estava se relacionando com o paciente, acionou o Conselho Tutelar e registrou os fatos na Delegacia de Polícia.
Ademais, a genitora da menor relatou que sua filha, após se relacionar com o acusado, apresentou comportamento agressivo, além de reprovar de ano na escola, tendo de ser submetida a tratamento psicológico. Somado a isso, conforme foi consignado pelo magistrado de primeiro grau, que se encontra mais próximo dos fatos, a vítima e o acusado tinham a gritante diferença de 36 (trinta e seis) anos. Apontou que a própria vítima e a sua genitora mencionaram espontaneamente que as relações aconteciam na chácara do acusado, localizada em área rural. Assim, mesmo ciente da tenra idade da vítima e do não consentimento de sua responsável legal, o acusado manteve relação sexual com a menor.
São, portanto, plenamente válidas a Súmula n. 593 do Superior Tribunal de Justiça e a tese do REsp repetitivo 1.480.881/PI (Tema 1121) sobre a impossibilidade de relativização da presunção de vulnerabilidade da vítima.
Não se admite o distinguishing realizado no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722/SP – caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar – nas hipóteses em que não há consentimento dos responsáveis legais somado ao fato do acusado possuir gritante diferença de idade da vítima – o que invalida qualquer relativização da presunção de vulnerabilidade do menor de 14 anos no crime de estupro de vulnerável.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS
Apesar da pactuação de cláusulas gravosas, o acordo de colaboração premiada deve ser visto na sua integralidade, como um corpo único, e passa a configurar, a partir de sua homologação, um título executivo judicial.
AgRg no RHC 163.224-RJ, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023, DJe 17/3/2023. (Info 769)
Tadeu realizou acordo de colaboração premiada com o MP. Após a homologação e início de cumprimento da pena, a defesa de Tadeu impetrou HC alegando que uma das cláusulas constantes no acordo, que prevê “período de prova de 10 anos”, mesmo após o cumprimento das penas corporais e pecuniárias, configuraria constrangimento ilegal, ao entendimento, também, de que o referido lapso seria uma inovação contratual, ou seja, uma condição que não estaria prevista na delação celebrada.
Lei 12.850/2013:
Art. 3º-A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos.
R: É por aí….
A Lei 12.850/2013, estatui que o acordo de colaboração premiada constitui negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova (art. 3º-A), isto é, uma vontade de resultados que estabelece termos, encargos, condições e cláusulas as mais diversas, correspondentes aos seus objetivos e interesses.
No caso, o acordo firmado pelo investigado previa, em suma, que nas investigações criminais já instauradas, nas ações penais já propostas ou nos feitos que no futuro venham a ser iniciados em decorrência dos fatos revelados pela delação premiada, o MPF proporá, diante de todas essas situações jurídicas, o benefício de unificação de pena até um limite de 10 anos, reprimenda essa que seria substituída por: 90 dias de pena privativa de liberdade, em regime fechado; prisão domiciliar de 12 meses, sem monitoração eletrônica, e prestação de serviços à comunidade por 18 meses, nos termos da cláusula 6ª.
O acordo de colaboração premiada celebrado pelo investigado e o Ministério Público Federal, após aceito, deve ser visto na sua integralidade, como um corpo único, e passa a configurar, a partir de sua homologação, um título executivo judicial. |
Dele consta, na sua cláusula 6ª, que, nas investigações criminais já instauradas, nas ações penais já propostas ou nos feitos que no futuro venham a ser iniciados em decorrência dos fatos revelados pela delação premiada, o MPF proporia, diante de todas essas situações jurídicas, o benefício de unificação de pena até um limite de 10 anos, reprimenda que seria substituída por 90 dias de pena privativa de liberdade, em regime fechado; prisão domiciliar de 12 meses, sem monitoração eletrônica; e prestação de serviços à comunidade por 18 meses.
Já a cláusula 7ª, totalmente imbricada com a cláusula 6ª, estabelece que, ao se atingir o teto máximo de condenação (10 anos), o MPF proporia a suspensão de ações penais, inquéritos policiais e procedimentos investigatórios criminais em face do colaborador que estivessem em curso, bem como a suspensão dos respectivos prazos prescricionais pelo lapso temporal de 10 anos, a partir da homologação da avença.
Assim, a alegação da defesa de que o “período de prova de 10 anos” seria inovação contratual ou de que este não estaria na delação, não condiz com a realidade dos autos, mesmo porque trata-se de questão da COERCITIVIDADE, de a Justiça ter um instrumento de coercitividade para que o paciente se sinta compelido a respeitar as condições às quais ele mesmo se submeteu.
Apesar da pactuação de cláusulas gravosas, o acordo de colaboração premiada deve ser visto na sua integralidade, como um corpo único, e passa a configurar, a partir de sua homologação, um título executivo judicial.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
Somente têm legitimidade para requerer pedido de extensão os corréus (na hipótese de concurso de agentes), pois são partes que compõem a mesma relação jurídico-processual.
AgRg no PExt no HC 773.507-SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023, DJe 17/3/2023. (Info 769)
Nirso requereu a extensão dos efeitos de decisão que concedeu ordem de habeas corpus de ofício a Tadeu, a fim de que fosse desclassificada a falta disciplinar de recusa ao trabalho para falta média. Na ocasião em questão, vários apenados faltaram aos dias de trabalho na mesma penitenciária.
Alegou que poderia ser considerado corréu de Tadeu, uma vez que teve procedimento administrativo e recurso de agravo separado do paciente, mas pela mesma causa e fatos.
Código de Processo Penal:
Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.
R: Nooops, somente os CORRÉUS!!!!
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “o art. 580 do Código de Processo Penal é norma processual penal garantidora de tratamento jurídico isonômico para os corréus que apresentarem idêntica situação jurídica à do réu beneficiado em seu recurso, aplicável ao processo de habeas corpus; não sendo cabível a medida aos feitos nos quais o paciente do habeas corpus não integrou a relação jurídico-processual como corréu do requerente do pedido de extensão” (PExt no HC 137.728/PR, Relator Ministro Dias Toffoli, acórdão proferido em 30/5/2017).
No caso, houve decisão monocrática em habeas corpus concedendo a ordem de ofício para desclassificar falta disciplinar grave imposta a um apenado. A infração consistia na recusa ao trabalho, que, embora seja identificada como infração média em vários julgados do STJ, ainda há precedentes nos quais a referida transgressão é considerada falta grave. Posteriormente, houve um pedido de extensão a outros cinco apenados.
Contudo, não há legitimidade para requerer pedido de extensão da desclassificação da falta grave para média aos corréus. Os outros cinco detentos tiveram processos administrativos disciplinares SEPARADOS (com relatórios disciplinares diversos, inclusive) e examinados em recursos de agravo também SEPARADOS, embora os fatos sejam os mesmos – infração com o mesmo tipo penal, praticada nos mesmos dias, na mesma penitenciária e empresa de trabalho.
Somente têm legitimidade para requerer pedido de extensão os corréus (na hipótese de concurso de agentes), pois são partes que compõem a mesma relação jurídico-processual.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
Por constituir um poder-dever do Ministério Público, o não oferecimento tempestivo do acordo de não persecução penal desacompanhado de motivação idônea constitui nulidade absoluta.
AgRg no HC 762.049-PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 17/3/2023. (Info 769)
Crementino foi denunciado por crime. Embora coubesse o oferecimento do acordo de não persecução penal (ANPP), o Ministério Público estadual prosseguiu com a denúncia, sem declinar as justificativas pelas quais não foi proposto o ajuste.
Inconformada, a defesa de Crementino impetrou HC no qual sustenta a nulidade do recebimento da inicial acusatória, sob o argumento de que era cabível o ANPP.
Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
R: Yeaph!!!!
Inicialmente, frisa-se que o STJ já decidiu que configuradas as demais condições objetivas, a propositura do acordo não pode ser condicionada à confissão extrajudicial, na fase inquisitorial. Precedente: HC 657.165/RJ, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/8/2022.
O acordo de não persecução penal foi instituído com o propósito de resguardar tanto o agente do delito, quanto o aparelho estatal, das desvantagens inerentes à instauração do processo-crime em casos desnecessários à devida reprovação e prevenção do delito. Para isso, o Legislador editou o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, norma despenalizadora que atribui ao Ministério Público o poder-dever de oferecer, segundo sua discricionariedade regrada, condições para o então investigado (e não acusado) não ser denunciado, caso atendidos os requisitos legais.
Ou seja, o benefício a ser eventualmente ofertado ao agente em hipótese na qual há, em tese, justa causa para o oferecimento de denúncia, aplica-se ainda na fase pré-processual e, evidentemente, consubstancia hipótese legal de mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal.
No caso, também como razões de decidir extraídas do voto-vista do Ministro Sebastião Reis Junior, evidencia-se que todas as condições objetivas, salvo a confissão, exigidas para a propositura do ANPP, estavam presentes; que o Ministério Público local reconheceu que o ANPP não foi apresentado no momento oportuno em razão da ausência da confissão; que a confissão, no inquérito, não é condicionante para o ANPP; e que o acordo veio a ser apresentado, após o recebimento da denúncia, mesmo tendo o réu, por meio de sua defesa, afirmado que só confessaria se e quando formalizado o ANPP.
O evidente prejuízo alegado centra-se no ato de recebimento da inicial acusatória, porquanto o fato criminoso atribuído ao réu teria ocorrido em 31/08/2009, ao passo que a denúncia foi recebida pelo Juízo em 26/07/2021, ou seja, 35 (trinta e cinco) dias antes do escoamento do prazo prescricional pela pena em abstrato.
Assim, presentes as condições para a oferta do ANPP, ele teria de ter sido ofertado antes do oferecimento da denúncia, até porque o Ministério Público reconheceu, quando o ofertou tardiamente, que, se aceita a proposta, deixaria de denunciar o acusado. Silente o Ministério Público antes do oferecimento da denúncia quanto às razões pelas quais não ofertou o ANPP. Reconheceu-se, apenas, ao longo do feito, que o acordo poderia ter sido oferecido antes do oferecimento da denúncia, apesar de ausente a confissão. Há, portanto, uma nulidade que prejudica todo o processo a partir deste momento.
A consequência jurídica do descumprimento ou da não homologação do acordo é exatamente a complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia, nos termos dos §§ 8.º e 10 do art. 28-A do Código de Processo Penal, e não o prosseguimento da instrução. Não há previsão legal de que a oferta do ANPP seja formalizada após a instauração da fase processual. Nesse contexto, para a correta aplicação da regra, há de se considerar o momento processual adequado para sua incidência, sob pena de se desvirtuar o instituto despenalizador.
Portanto, o fato de o acordo tardiamente oferecido não ter chegado a bom termo não supera a nulidade acima apontada, até porque não há como se dizer se o acordo poderia ter outros termos ou se o réu poderia ter eventualmente aceito a proposta ofertada naquele momento.
Por constituir um poder-dever do Ministério Público, o não oferecimento tempestivo do acordo de não persecução penal desacompanhado de motivação idônea constitui nulidade absoluta.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
A postura de abandonar o plenário do Júri, como tática de defesa, configura flagrante desrespeito ao múnus público conferido ao advogado, o que justifica a aplicação da multa prevista no art. 265 do CPP.
AgRg no RMS 63.152-SC, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/3/2023, DJe 14/3/2023. (Info 769)
Em um julgamento pelo Tribunal do Júri, a defesa do autor resolveu abandonar o plenário, como tática de defesa, após a leitura de uma peça pela acusação. Fora então aplicada a multa do art. 265 do CPP aos defensores, que, contrariados, ajuizaram ação com o objetivo de serem desobrigados ao pagamento.
CPP:
Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
R: Mais do que justificada!!!!
É consolidada a jurisprudência do STJ no sentido que “o não comparecimento de advogado a audiência sem apresentar prévia ou posterior justificativa plausível para sua ausência, pode ser qualificado como abandono de causa que autoriza a imposição da multa prevista no art. 265 do CPP” (AgRg no RMS n. 55.414/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 1º/7/2019).
No caso, a defesa abandonou a sessão plenária, inconformada com a leitura de uma peça pela acusação, como tática de defesa. Contudo, como observado pelo acórdão recorrido, “abandonar um processo em curso, por mero inconformismo com o decidido em plenário, é tática processual que afronta a Justiça, notadamente quando se trata de uma sessão do Tribunal do Júri, cuja preparação é consideravelmente dispendiosa, inclusive em termos financeiros para o Estado“.
Além disso, fundamentos invocados pela Corte de origem motivam a manutenção da multa aplicada, pois “segundo o art. 265 do CPP, o defensor não pode abandonar o processo, senão por motivo imperioso, sob pena de multa.
Ora, “não há que se falar em motivo imperioso quando o advogado, ao invés de buscar a reforma da decisão/anulação do julgamento, pela via processual adequada, simplesmente abandona o plenário, obstando a continuidade da Sessão. Assim, nos termos do art. 265 do CPP, aplicam-se aos defensores, solidariamente, multa no valor de 50 (cinquenta) salários-mínimos, considerando, como parâmetro, o custo para realização de uma sessão de julgamento do Tribunal do Júri”. |
A postura de abandonar o plenário do Júri, como tática de defesa, configura flagrante desrespeito ao múnus público conferido ao advogado, o que justifica a aplicação da multa prevista no art. 265 do CPP.
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