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Informativo STJ 768 Comentado

Informativo nº 768 do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.      (Im)Possibilidade de aplicação de multa pelo Ibama quando já aplicada multa pela Capitania dos Portos pelo derramamento de óleo.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

A multa aplicada pela Capitania dos Portos, em decorrência de derramamento de óleo, não exclui a possibilidade de aplicação de multa pelo Ibama.

AgInt no REsp 2.032.619-PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 13/3/2023, DJe 16/3/2023. (Info 768)

1.1.  Situação FÁTICA.

A empresa Shoan foi responsabilizada pela Capitania dos Portos pelo derramamento de óleo ocorrido em um de seus navios. Foi aplicada uma multa, devidamente paga pela empresa.

Algum tempo depois, o Ibama ficou sabendo da situação e aplicou nova multa à empresa em decorrência do mesmo episódio. Inconformada, a empresa ajuizou ação na qual alega a ocorrência de bis in idem.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.     A multa aplicada pela CP impede nova multa pelo Ibama?

R: Nooops!!!!

O STJ adota o entendimento segundo o qual a multa aplicada pela Capitania dos Portos, em decorrência de derramamento de óleo, não exclui a possibilidade de aplicação de multa pelo Ibama. Nessa linha: AgRg no REsp 1.268.832/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 6/12/2012, DJe 11/12/2012.

O tribunal de origem, após minucioso exame dos elementos fáticos contidos nos autos, afastou a ocorrência de bis in idem em relação às multas aplicadas. In casu, rever tal entendimento, com o objetivo de acolher a pretensão recursal de reconhecer a ocorrência de bis in idem, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7 desta Corte, assim enunciada: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

1.2.2.     Resultado final.

A multa aplicada pela Capitania dos Portos, em decorrência de derramamento de óleo, não exclui a possibilidade de aplicação de multa pelo Ibama.

2.      Responsabilidade do BACEN pelos danos que os liquidantes, no exercício desse munus público, causem à massa falida, em decorrência da indevida utilização de valores pagos pelos consorciados para custear despesas concernentes ao procedimento liquidatório de empresa de consórcio.

RECURSO ESPECIAL

O Banco Central do Brasil responde objetivamente pelos danos que os liquidantes, no exercício desse munus público, causem à massa falida, em decorrência da indevida utilização de valores pagos pelos consorciados para custear despesas concernentes ao procedimento liquidatório de empresa de consórcio.

REsp 1.569.427-SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023. (Info 768)

2.1.  Situação FÁTICA.

Consórcio Bandeiras teve sua liquidação extrajudicial determinada. O BACEN nomeou administradores para tanto. Ocorre esses senhores administradores administraram muitooo mal, causando danos à massa falida. Foi apurado ainda que os liquidantes utilizaram indevidamente valores pagos por consorciados para custear despesas do procedimento liquidatário.

Inconformados, os credores da massa falida ajuizaram ação na qual alegam a responsabilidade objetiva do BACEN pelos danos causados, uma vez que a indicação dos liquidantes foi realizada pela autarquia.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 6.024/1974:

Art . 16. A liquidação extrajudicial será executada por liquidante nomeado pelo Banco Central do Brasil, com amplos poderes de administração e liquidação, especialmente os de verificação e classificação dos créditos, podendo nomear e demitir funcionários, fixando-lhes os vencimentos, outorgar e cassar mandatos, propor ações e representar a massa em Juízo ou fora dele.

Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:    

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

2.2.2.     Responsabilidade objetiva?

R: Yeaph!!!!

Conforme a doutrina, “[a] liquidação extrajudicial consiste numa forma excepcional de liquidação e extinção da empresa, por processo administrativo, determinada pelo estado ex officio, ou a requerimento de seus próprios órgãos dirigentes”.

Nos termos do art. 16, caput, da Lei n. 6.024/1974, a execução desse procedimento incumbirá a um liquidante nomeado pelo Banco Central do Brasil, com amplos poderes de administração e liquidação. No entanto, o parágrafo primeiro do aludido normativo prevê que dependerão de prévia e expressa autorização do Bacen os atos do liquidante que, em benefício da massa, visem ultimar os negócios pendentes e, a qualquer tempo, onerar ou alienar seus bens, neste último caso por meio de licitação.

Ao analisar a figura do liquidante, a jurisprudência do Tribunal Superior firmou-se no sentido de que o administrador/liquidante “atua em nome e por conta do Banco Central do Brasil, como verdadeira longa manus dessa autarquia, administrando a empresa em liquidação sob as diretrizes ditadas pelo próprio BACEN, como se pode deduzir do que preconizam diversos dispositivos da Lei n. 6.024/1974″ (AgRg no REsp 1.099.724/RJ, relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 17/9/2009, DJe 5/10/2009).

De outro giro, no âmbito da improbidade administrativa, a Primeira Turma do STJ já assentou que “O liquidante extrajudicial, por deter a competência para a prática de atos vinculados às atribuições fiscalizadoras do BACEN, desempenha função pública e, por isso, é enquadrado no conceito de agente público, sendo irrelevante o fato de a liquidação se referir a pessoa jurídica de direito privado ou não se relacionar à gerência de recursos públicos” (REsp 1.187.947/BA, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator para acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 27/5/2014, DJe 4/8/2014).

Nesse sentido, a doutrina defende que tal compreensão decorre da regra esculpida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, em que o termo “agente” “abrange todas as categorias, de agente políticos, administrativos ou os particulares em colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam o serviço“.

Portanto, o Bacen responde objetivamente pelos danos que os liquidantes, no exercício da função pública, causem à massa falida, em decorrência da indevida utilização dos valores pagos pelos consorciados para a quitação das despesas de manutenção do procedimento liquidatório, já que a orientação dada pela autarquia, para tal mister, repita-se, é o emprego dos próprios bens da empresa, aí incluída a receita obtida com a taxa de administração cobrada dos consorciados.

2.2.3.     Resultado final.

O Banco Central do Brasil responde objetivamente pelos danos que os liquidantes, no exercício desse munus público, causem à massa falida, em decorrência da indevida utilização de valores pagos pelos consorciados para custear despesas concernentes ao procedimento liquidatório de empresa de consórcio.

3.      Prazo prescricional aplicável à ação de ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente, quando comprovada a má-fé do beneficiário.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

Aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, à ação de ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente, quando comprovada a má-fé do beneficiário.

AgInt no REsp 1.998.744-RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 6/3/2023, DJe 10/3/2023. (Info 768)

3.1.  Situação FÁTICA.

Gertrudes obteve benefício previdenciário do INSS mediante fraude. Em procedimento administrativo, foi verificada a situação e cancelado o benefício. Após o ajuizamento da ação de ressarcimento dos valores, a defesa de Gertrudes alega a prescrição da pretensão ressarcitória. Por sua vez, o INSS alega a imprescritibilidade da pretensão, uma vez que houve má fé de Gertrudes.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     Questão JURÍDICA.

Decreto n. 20.910/1932:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

3.2.2.     A ação de reparação é prescritível?  Em que prazo?

R: SIM!!!! 05 anos!!!!

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 669.069/MG, em sede de repercussão geral, consolidou a orientação de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Eis a ementa do julgado: “CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento (RE 669.069/MG, Rel. Ministro Teori Zavascki, DJe 28/4/2016)”.

Tal precedente é aplicável ao caso dos autos, uma vez que não se trata de improbidade administrativa, tampouco há notícia de sentença criminal transitada em julgado em desfavor do réu, o que enseja o reconhecimento de ato ilícito civil e impõe o afastamento da tese de imprescritibilidade aventada pelo INSS. Acerca do tema, esta Corte entende que (i) configurada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores e (ii) na ausência de prazo prescricional específico definido em lei, é aplicável o prazo disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, em respeito aos princípios da isonomia e simetria. Confira-se: “Conforme entendimento pacificado nesta Corte, a pretensão de ressarcimento de danos ao erário não decorrente de ato de improbidade, como é o caso dos autos, prescreve em cinco anos” (AgInt no REsp 1.835.383/RJ, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 1º/6/2021, DJe 14/6/2021).

3.2.3.     Resultado final.

Aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, à ação de ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente, mesmo quando comprovada a má-fé do beneficiário.

DIREITO CIVIL

4.      Responsabilidade do hospital pelos danos decorrentes da prestação defeituosa dos serviços relacionados ao exercício da sua própria atividade.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

O hospital responde, objetivamente, pelos danos decorrentes da prestação defeituosa dos serviços relacionados ao exercício da sua própria atividade.

AgInt no AgInt no REsp 1.718.427-RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/3/2023, DJe 9/3/2023. (Info 768)

4.1.  Situação FÁTICA.

Crementina, gestante, caminhava pela rua quando entrou em trabalho de parto prematuro. Conseguiu chegar ao Hospital Saúde no qual fazia acompanhamento médico. O hospital informou que em razão do nascimento prematuro da criança, seria necessária a utilização de UTI neonatal, instalação inexistente no local.

A direção do hospital então conseguiu um leito neonatal em outro hospital, mas não havia ambulância para levar Crementina até lá. A médica atendente então optou por realizar o parto normal ali mesmo, mas houve complicações que levaram à necessidade de cesárea. O drama continua ao se constatar não haver salas de cirurgia disponíveis no momento. Somente uma hora depois a cirurgia foi realizada, mas o bebê já estava morto.

Inconformada, Crementina ajuizou ação em face do Hospital Saúde alegando a responsabilidade objetiva deste. Por sua vez, o hospital alega não ter sido configurado o nexo de causalidade entre a conduta do hospital e evento danoso ocorrido.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Questão JURÍDICA.

CDC:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Código Civil:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos

4.2.2.     Há a responsabilidade objetiva do hospital?

R: Yeaph!!!!

Cinge-se a controvérsia à análise acerca da responsabilidade civil do hospital em decorrência da alegada falha de serviço hospitalar – no caso, ausência de disponibilização de sala de cirurgia em tempo adequado -, o que ocasionou o óbito do feto ainda no útero materno.

Sobre o tema, o STJ já decidiu que “(i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (artigo 14, caput, do CDC)”; […] e “(iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (artigos 932 e 933 do Código Civil), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (artigo 6º, inciso VIII, do CDC)” (REsp 1.145.728/MG, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 8/9/2011).

O Tribunal a quo demonstrou tanto o evento danoso, conduta e o nexo de causalidade, além da indenização ter se dado sob a análise da medida de sua própria culpa, qual seja, a falha na prestação dos serviços.

Portanto, o estabelecimento hospitalar não foi responsabilizado por ato de terceiro, mas sim por sua própria culpa, pois configurado o nexo de causalidade entre sua conduta – má prestação de serviço pela demora para disponibilizar a sala de cirurgia – e o dano causado.

4.2.3.     Resultado final.

O hospital responde, objetivamente, pelos danos decorrentes da prestação defeituosa dos serviços relacionados ao exercício da sua própria atividade.

5.      (Im)Possibilidade da completa supressão e substituição total do nome registral, por pessoa autoidentificada como indígena

RECURSO ESPECIAL

Não é possível a completa supressão e substituição total do nome registral, por pessoa autoidentificada como indígena, por ausência de previsão legal, bem como por respeito ao princípio da segurança jurídica e das relações jurídicas a serem afetadas.

REsp 1.927.090-RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 21/3/2023. (Info 768)

5.1.  Situação FÁTICA.

Creide nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Após completar 40 anos, passou a se aproximar de comunidades indígenas no município em que seus pais nasceram, tendo inclusive adotado costumes e tradições indígenas da etnia.

Creide então ajuizou ação intentado alterar seu nome e sobrenomes, com o objetivo de realizar a substituição completa do registro civil para fazer ali constar nome que representasse suas raízes indígenas.  O pedido foi negado, o que levou Creide a interpor sucessivos recursos nos quais alega que, uma vez autoidentificada como indígena, não poderia ser obrigada a manter nome europeizado.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 6.015/73:

Art. 55. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, observado que ao prenome serão acrescidos os sobrenomes dos genitores ou de seus ascendentes, em qualquer ordem e, na hipótese de acréscimo de sobrenome de ascendente que não conste das certidões apresentadas, deverão ser apresentadas as certidões necessárias para comprovar a linha ascendente.   

5.2.2.     Possível a alteração?

R: Nooops!!!!

A legislação pátria adota o princípio da definitividade do registro civil da pessoa natural, consolidada na recente alteração promovida pela Lei 14.382/2022, de modo que o prenome e nome são, em regra, definitivos a fim de garantir a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas.

A doutrina e a jurisprudência, no entanto, têm atribuído interpretação mais flexível e ampla às normas e consentânea com os fins sociais a que se destinam, permitindo o abrandamento da regra geral, para permitir a alteração do nome em casos específicos.

A presente hipótese, no entanto, trata de situação bem diversa das já julgadas por esta Corte. Pretende-se a completa supressão e substituição total do nome registral para adotar outros prenome e sobrenomes completos.

O art 55 da Lei n. 6.015/73, com redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022, estabelece que: “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, observado que ao prenome serão acrescidos os sobrenomes dos genitores ou de seus ascendentes, em qualquer ordem e, na hipótese de acréscimo de sobrenome de ascendente que não conste das certidões apresentadas, deverão ser apresentadas as certidões necessárias para comprovar a linha ascendente”.

Da legislação pertinente, extrai-se: a) a possibilidade de uma única alteração imotivada de prenome; b) a determinação de acréscimo, ao prenome, dos sobrenomes dos genitores ou ascendentes, de modo que a alteração do nome deve preservar os apelidos de família; e c) a obrigatória observância de cautelas formais, relativas à preservação das anotações inerentes às alterações, tanto junto ao próprio registro público, como em relação às demais repartições publicadas incumbidas da emissão de documentos de identificação da pessoa física.

No entanto, na presente hipótese, verifica-se que se pretende não apenas proceder à substituição de seu prenome por outro, como também excluir de seu nome os patronímicos materno e paterno, deixando de referir, e, assim, apagando completamente, qualquer menção a sua estirpe familiar.

As hipóteses que relativizam o princípio da definitividade do nome, elencadas nos artigos transcritos da Lei de Registros Públicos, não contemplam a possibilidade de exclusão total dos patronímicos materno e paterno registrados, com substituição por outros de livre escolha e criação do titular e sem qualquer comprovação ou mínima relação com as linhas ascendentes, com concomitante alteração voluntária também do prenome registrado.

A Resolução Conjunta CNJ/CNMP nº 3/2012, admite a retificação do assento de nascimento de pessoa indígena, para inclusão das informações constantes do art. 2º, caput e § 1º, relativas a nome indígena e à respectiva etnia. Não há previsão, no entanto, de adoção das mesmas medidas para pessoa que, sem mínima comprovação de origem autóctone brasileira, deseja tornar-se indígena, por razões meramente subjetivas e voluntárias, com substituição total do nome e exclusão dos apelidos de família.

A indicada Resolução tutela os direitos de pessoa comprovadamente indígena, integrada ou não, sendo tal condição genética pré-requisito necessário para o alcance da norma, mas não ampara os casos em que existe apenas o forte e sincero desejo de passar a ser tida como indígena, sem que se comprove origem e ascendência de povo pré-colombiano.

5.2.3.     Resultado final.

Não é possível a completa supressão e substituição total do nome registral, por pessoa autoidentificada como indígena, por ausência de previsão legal, bem como por respeito ao princípio da segurança jurídica e das relações jurídicas a serem afetadas.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

6.      Aplicabilidade da hipótese de impedimento de magistrado prevista no art. 144, IX, do CPC no caso de litígio entre o juiz e o membro do Ministério Público baseada em suposta perseguição.

RECURSO ESPECIAL

A hipótese de impedimento de magistrado prevista no art. 144, IX, do CPC é aplicável no caso de litígio entre o juiz e o membro do Ministério Público baseada em suposta perseguição.

REsp 1.881.175-MA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023. (Info 768)

6.1.  Situação FÁTICA.

Tadeu, membro do MP, expediu recomendação encaminhada ao Prefeito Municipal local no qual recomendava a exoneração de servidora ocupante do cargo de direção em hospital municipal, por ser esta namorada do filho do Juiz Dr. Creisson, titular da Vara da Fazenda Pública local, o ensejaria possível configuração de nepotismo cruzado.

Inconformado, Dr. Creisson ajuizou ação declaratória de inexistência de nepotismo, a qual alega ainda sofrer perseguição de Tadeu. Por sua vez, o MP sustenta que diante da existência da ação em questão, Dr. Creisson deveria ser considerado impedido para atuar em diversos casos em trâmite na Vara da Fazenda Pública local.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPC:

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

IX – quando promover ação contra a parte ou seu advogado.

6.2.2.     Aplicável a hipótese de impedimento?

R: Yeaph!!!!

Cinge-se a controvérsia a definir se o impedimento do juiz, “quando promover ação contra a parte ou seu advogado” (art. 144, IX, do CPC), é aplicável a caso em que o magistrado ajuizou ação contra membros do Ministério Público, que tem como causa de pedir suposta perseguição pessoal.

Nesse sentido, embora use as expressões “parte” e “advogado”, o art. 144, IX, do CPC, se destina a impedir a atuação do juiz que esteja em contenda judicial com aqueles que integrem a relação processual ou oficiem em quaisquer dos polos do processo.

Assim, apesar de promotor de justiça não ser “parte” nem “advogado” – ambos no sentido técnico – da ação na qual é arguida a exceção, subscreve a inicial – no sentido subjetivo -, afetando, assim a necessária impessoalidade do magistrado, que se diz particularmente perseguido pelo promotor de justiça.

Por fim, vale considerar que não há impedimento para que o juiz atue em qualquer ação ajuizada pelo Ministério Público do estado, mas apenas naquelas em que, porventura, estejam oficiando os membros do parquet contra os quais contende na demanda judicial já referida.

6.2.3.     Resultado final.

A hipótese de impedimento de magistrado prevista no art. 144, IX, do CPC é aplicável no caso de litígio entre o juiz e o membro do Ministério Público baseada em suposta perseguição.

7.      (Im)Possibilidade de restabelecimento do prazo para apelação, sob alegação de nulidade da intimação, após o decurso de mais de dois anos do trânsito em julgado da sentença

RECURSO ESPECIAL

Não é possível restabelecer prazo para apelação, sob alegação de nulidade da intimação, após o decurso de mais de dois anos do trânsito em julgado da sentença.

REsp 1.833.871-TO, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023. (Info 768)

7.1.  Situação FÁTICA.

Em um processo cível, foi realizada intimação das partes, por meio eletrônico, da decisão que rejeitara os embargos de declaração opostos contra a sentença. Anotou-se o prazo recursal de 10 dias. Decorrido esse prazo sem a apresentação de recurso, foi certificado o trânsito em julgado da sentença.

Dois anos depois, a parte derrotada apresentou petição informando o erro na intimação eletrônica (disse que o prazo correto era de 15 dias) e requerendo o restabelecimento do prazo para apelação, tendo-lhe sido concedido, pelo juízo de primeiro grau, os 5 dias adicionais para o recurso. Seguiu-se, então, a apresentação da apelação.

Inconformada, a parte vencedora interpôs sucessivos recursos alegando a impossibilidade de reestabelecimento do prazo e violação ao trânsito em julgado.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 11.419/2006:

Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.

Código de Processo Civil:

Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.

§ 8º A parte arguirá a nulidade da intimação em capítulo preliminar do próprio ato que lhe caiba praticar, o qual será tido por tempestivo se o vício for reconhecido.

7.2.2.     Possível reestabelecer o prazo para apelação?

R: Nooopps!!!!

A controvérsia está na análise do vício oriundo da certificação errônea do prazo recursal e as suas consequências.

Na hipótese, a intimação das partes no tocante à decisão que rejeitara os embargos de declaração opostos contra a sentença, feita por meio eletrônico, anotou o prazo recursal de 10 dias, quando a lei revela que o prazo correto é de 15 dias. Decorrido esse prazo sem a apresentação de recurso, foi certificado o trânsito em julgado da sentença. Somente dois anos depois seguiu-se, então, a apresentação da apelação, quando a ré apresentou petição informando o erro na intimação eletrônica e requerendo o restabelecimento do prazo recursal.

A questão posta trata, assim, de anotação de prazo errado em intimação eletrônica, realizada nos termos do art. 5° da Lei n. 11.419/2006.

A parte então recorrente não praticou o ato em nenhum dos prazos possíveis: o errado, anotado na intimação, tampouco o correto, previsto claramente em lei. Ao contrário, permaneceu inerte durante dois longos anos, aproximadamente.

Nesse passo, salta aos olhos a má-fé da apelante, pois guardou a suposta nulidade da intimação para suscitá-la apenas muito tempo depois, no momento em que lhe pareceu mais conveniente.

Essa estratégia de permanecer silente, reservando a nulidade para ser alegada em momento posterior, vem sendo rechaçada há muito tempo pelo STJ, sob a alcunha de “nulidade de algibeira”.

Ademais, mesmo que a intimação pudesse ser considerada nula, seria imperioso reconhecer que se operou o trânsito em julgado.

Deveras, observe-se que, nos termos do art. 272, § 8°, do Código de Processo Civil de 2015, já em vigor à época em que a apelante invocou a nulidade da intimação, “A parte arguirá a nulidade da intimação em capítulo preliminar do próprio ato que lhe caiba praticar, o qual será tido por tempestivo se o vício for reconhecido”.

Trata-se de regra que vai ao encontro da celeridade processual, evitando que a parte, eventualmente, se aproveite de vícios processuais para retardar ainda mais a marcha processual.

Esse novel enunciado normativo deixou de ser observado, pois a parte ora recorrida, em vez de apresentar o recurso de apelação e, preliminarmente, sustentar a tempestividade do recurso em virtude da suposta nulidade da intimação ocorrida cerca de dois anos antes, optou por requerer a devolução do prazo, retardando ainda mais o andamento do processo.

7.2.3.     Resultado final.

Não é possível restabelecer prazo para apelação, sob alegação de nulidade da intimação, após o decurso de mais de dois anos do trânsito em julgado da sentença.

DIREITO EMPRESARIAL

8.      Ingresso de terceiro em grupo controlador de sociedade anônima como motivo para configurar a alienação de controle de que trata o art. 254-A da Lei n. 6.404/1976.

RECURSO ESPECIAL

O simples ingresso de terceiro em grupo controlador de sociedade anônima – especialmente quando não há posição de maioria acionária dentro do grupo de controle e papel de preponderância na companhia; e exista paridade entre ele e os demais integrantes do grupo – é insuficiente para, por si só, configurar a alienação de controle de que trata o art. 254-A da Lei n. 6.404/1976.

REsp 1.837.538-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 7/3/2023, DJe 22/3/2023. (Info 768)

8.1.  Situação FÁTICA.

CSN ajuizou ação em face contra Terno Investimentos na qual argumentou que esta adquiriu ações que resultaram na alienação do controle da Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A. (USIMINAS), mas deixou de promover Oferta Púbica de Aquisição de ações para os minoritários com direito a voto, tal como previsto no art. 254-A da Lei nº 6.406/76 (Lei das Sociedade por ações).

O pedido foi julgado improcedente sob o fundamento que o Grupo Terno não passou a ser detentor da maioria das ações com direito a voto, tendo comprado ações de quem não ostentava, individualmente, o poder de controle e, também, de acionista ainda vinculado ao bloco de controle da USIMINAS.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 6.404/1976:

Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

8.2.2.     Configurada a alienação de controle?

R: Nooops!!!!

A controvérsia diz respeito ao que a doutrina especializada denomina direito de tag along, que foi positivado na legislação pátria pelo artigo 254-A da chamada Lei da S.A. (Lei n. 6.404/1976).

ratio essendi da norma está em oferecer ao acionista minoritário, em virtude da abrupta troca do titular do poder de controle de sociedade aberta pela alienação de parcela significativa de direitos societários, a oportunidade de também alienar suas ações da companhia em conjunto com o então controlador alienante, por um preço justo, haja vista a possibilidade de que a própria relação de confiança com este estabelecida seja rompida com o ingresso de terceiro estranho no comando da sociedade.

A referida norma tem como objetivo principal assegurar maior proteção e isonomia aos acionistas minoritários.

Do disposto na Lei n. 6.404/1976 em seu art. 254-A, pode-se extrair que a alienação de controle estaria condicionada (de forma resolutiva ou suspensiva) à realização de Oferta Pública de Aquisição (OPA) se dela resultasse a modificação da titularidade do controle acionário da sociedade.

Anota-se que, poder de controle é o poder de fato, e não jurídico, de dirigir a companhia. É o poder detido pelo titular de mais da metade das ações que compõe o bloco de controle que, por sua vez, é o objeto de direito.

Com efeito, não seria razoável tratar da alienação “do poder de controle” justamente por ser uma questão factual, mas sim da alienação do objeto, isto é, da alienação dos direitos de participação no bloco de controle.

O novo acordo de acionistas também não deu àquele que passou a integrar grupo controlador de sociedade anônima posição de preponderância com relação aos demais integrantes do grupo de controle.

Apenas quando verificada verdadeira “alienação do controle” da sociedade aberta é que se pode afirmar acionado o gatilho do tag along right (254-A da Lei n. 6.404/1976), sendo completamente irrelevante, para o adequado exame da pretensão deduzida na inicial pelos sócios minoritários, investigar se, ao longo dos anos, através da regular sucessão de atos negociais promovidos pelos integrantes do novo bloco de controle que se formara, o grupo empresarial adquirente de posição dentro do grupo de controle, terminou por assumir papel preponderante, de destaque ou de mera influência, na tomada de decisões relacionadas à condução dos rumos da companhia.

Por fim, conclui-se que, o simples ingresso de terceiro no grupo controlador de sociedade anônima é insuficiente para, por si só, configurar a alienação de controle de que trata o art. 254-A da Lei n. 6.404/1976. Especialmente, quando este terceiro, a partir de seu ingresso, não assume posição de maioria acionária dentro do grupo de controle, não exerce papel de preponderância na companhia, e se submete a acordo de acionistas no qual evidenciada a relação de paridade entre ele e os demais integrantes do grupo.

8.2.3.     Resultado final.

O simples ingresso de terceiro em grupo controlador de sociedade anônima – especialmente quando não há posição de maioria acionária dentro do grupo de controle e papel de preponderância na companhia; e exista paridade entre ele e os demais integrantes do grupo – é insuficiente para, por si só, configurar a alienação de controle de que trata o art. 254-A da Lei n. 6.404/1976.

DIREITO DO CONSUMIDOR

9.      Competência para processar e julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento quando existente interesse de ente federal.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA

Cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital processar e julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento, ainda que exista interesse de ente federal.

CC 193.066-DF, Relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/3/2023. (Info 768)

9.1.  Situação FÁTICA.

Ezequiel ajuizou ação de repactuação de dívidas em razão de superendividamento contra vários bancos, dentre eles, a CEF.  O juízo federal, a quem inicialmente distribuída a demanda, declinou da competência sob o fundamento de falta de interesse da União.

Por sua vez, o juízo estadual suscitou conflito de competência por entender que a presença de empresa pública (CEF) implicaria no interesse da União e consequente competência da Justiça Federal.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código de Defesa do Consumidor:

Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Constituição Federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

9.2.2.     A quem compete julgar?

R: Justiça ESTADUAL!!!!

A discussão que abrange o presente caso consiste na declaração do juízo competente para processar e julgar ação de repactuação de dívidas por superendividamento do consumidor em que é parte, além de outras instituições financeiras privadas, a Caixa Econômica Federal.

A Lei n. 14.181/2021, ao alterar o Código de Defesa do Consumidor, cuidou especificamente do instituto da repactuação de dívidas por superendividamento, a saber: o juiz, a requerimento do devedor, poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, tutelado pelo art. 104-A e seguintes da legislação consumerista, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado, com a presença de todos os credores de dívidas, oportunidade em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Em interpretação do art. 109, I, da Constituição Federal, que trata da competência dos juízes federais, o Supremo Tribunal Federal (STF), na oportunidade do julgamento do RE 678162, relator para acórdão Ministro Edson Fachin, DJe 13/5/2021, firmou tese no sentido de que “a insolvência civil está entre as exceções da parte final do art. 109, I, da Constituição da República, para fins de definição da competência da Justiça Federal“.

Anota-se que, uma vez identificada a existência de concurso de credores, excepciona-se a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, I, da Constituição Federal. Tal circunstância decorre da redação do art. 104-A do CDC, introduzido pela Lei n. 14.181/2021, que estabelece a previsão de que, para instaurar o processo de repactuação de dívidas, impõe-se a presença, perante o juízo, de todos os credores do consumidor superendividado, a fim de que este possa propor àqueles o respectivo plano de pagamentos de seus débitos.

De fato, o procedimento judicial relacionado ao superendividamento, tal como o de recuperação judicial ou falência, possui inegável e nítida natureza concursal, de modo que as empresas públicas federais, excepcionalmente, sujeitam-se à competência da Justiça estadual e/ou distrital, justamente em razão da existência de concursalidade entre credores, impondo-se, dessa forma, a concentração, na Justiça comum estadual, de todos os credores, bem como o próprio consumidor para a definição do plano de pagamento, suas condições, o seu prazo e as formas de adimplemento dos débitos.

Eventual desmembramento ensejará notável prejuízo ao devedor (consumidor vulnerável, reitere-se), porquanto, consoante dispõe a própria legislação de regência (art. 104-A do CDC), todos os credores devem participar do procedimento, inclusive na oportunidade da audiência conciliatória. Caso tramitem separadamente, em jurisdições diversas, federal e estadual, estaria maculado o objetivo primário da Lei do Superendividamento, qual seja, o de conferir a oportunidade do consumidor – perante seus credores – de apresentar plano de pagamentos a fim de quitar suas dívidas/obrigações contratuais. Haverá o risco de decisões conflitantes entre os juízos acerca dos créditos examinados, em violação ao comando do art. 104-A do CDC.

Assim, adota-se a compreensão segundo a qual cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital analisar as demandas cujo fundamento fático e jurídico possuem similitude com a insolvência civil – como é a hipótese do superendividamento -, ainda que exista interesse de ente federal. A exegese do art. 109, I, da Constituição Federal, deve ser teleológica de forma a alcançar, na exceção da competência da Justiça Federal, as hipóteses em que existe o concurso de credores.

9.2.3.     Resultado final.

Cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital processar e julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento, ainda que exista interesse de ente federal.

10.  Aplicabilidade da disposição do Código de Defesa do Consumidor acerca do ônus probatório da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária em demanda envolvendo concorrência desleal.

RECURSO ESPECIAL

A disposição do Código de Defesa do Consumidor acerca do ônus probatório da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária, a princípio, não se aplica em demanda envolvendo concorrência desleal.

REsp 1.866.232-SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023. (Info 768)

10.1.                   Situação FÁTICA.

Burger King Brasil ajuizou ação contra Restaurante Madero com o objetivo de que este se abstenha de utilizar a expressão “The Best Burger in the World” em seu material publicitário e na fachada de seus restaurantes, bem como que a indenize pelos prejuízos oriundos de atos de concorrência desleal e de desvio de clientela.

Foi determinada a produção de prova pericial que impôs ao Madero ônus da prova e pagamento dos honorários periciais. Inconformado, Madero interpôs agravo de instrumento contra a decisão, o qual foi conhecido sob o fundamento da inexistência da relação de consumo que autorizasse a inversão do ônus da prova.

10.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

Código de Defesa do Consumidor:

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

CPC:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

10.2.2. Aplica-se a inversão do ônus da prova em ação envolvendo concorrência desleal?

R: Em princípio, NÃO!!!

A controvérsia diz respeito a verificar se seria possível, em ação visando à cessação da veiculação de publicidade supostamente enganosa, a inversão do ônus da prova a que alude o art. 38 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo quando em demanda envolvendo concorrência desleal.

No caso, sociedade empresária do ramo de lanchonetes busca fazer cessar propaganda supostamente enganosa veiculada por sociedade empresária concorrente consistente no uso da frase “The Best Burger in the World” (o mió bife cum pão desse mundão), traduzida em português por “O melhor hambúrguer do mundo” em todo seu material publicitário e nas fachadas dos restaurantes.

De acordo com a teoria do diálogo das fontes, as fontes normativas, que hoje são plurais e, em muitos casos, convergentes, no lugar de apenas se excluírem mutuamente, devem também, frequentemente, dialogar entre si, cabendo ao aplicador do Direito coordená-las.

Considerando especificamente a relação existente entre o Direito da Concorrência e o Direito do Consumidor, o diálogo se dá, nesse caso específico, sob a forma de COORDENAÇÃO e de ADAPTAÇÃO SISTEMÁTICA. No entanto, esse diálogo de coordenação e de adaptação sistemática entre Direito da Concorrência e Direito do Consumidor apenas ocorre quando, de um lado, as normas consumeristas reforçam a proteção ao mercado concorrencial, ou quando, de outro lado, as normas concorrenciais somam esforços na proteção do consumidor.

Isso, porém, não é o que se verifica no que diz respeito especificamente à norma prevista no art. 38 do CDC. A inversão automática do ônus da prova está fundada no pressuposto de vulnerabilidade do consumidor, especialmente no que diz respeito à publicidade, com o objetivo de garantir a igualdade material e de reforçar a sua proteção, inclusive no acesso à Justiça.

Com efeito, em demanda envolvendo Direito da Concorrência, não se mostra correta a presunção de vulnerabilidade da parte autora, não se justificando a inversão direta e automática determinada pelo art. 38 do CDC.

Note-se que, na eventualidade de se verificar que, em determinada ação envolvendo Direito da Concorrência, seria particularmente impossível ou excessivamente dificultoso ao autor assumir o ônus da prova, é perfeitamente possível ao juízo da causa a distribuição dinâmica desse ônus, conforme autoriza o art. 373, § 1º, do CPC, que ocorreria ope judicis e especificamente para o caso concreto, diferentemente do quanto preconiza o art. 38 do CDC.

Ademais, a aplicação da norma prevista no art. 38 do CDC às relações concorrenciais, além de não se mostrar necessária, diante do quanto previsto no art. 373, § 1º, do CPC, poderia – paradoxalmente – ser utilizada, em determinadas circunstâncias, justamente como instrumento anticoncorrencial. Com efeito, o abuso do direito de ação é uma das formas pelas quais se pode revestir a infração à ordem econômica.

Em conduta que ficou conhecida pelo termo em inglês sham litigation, o agente econômico pode se valer de litígio simulado – cuja solução, a rigor, lhe seria irrelevante – para prejudicar a atividade de um pequeno concorrente, que passa a ter que se defender em processo longo e dispendioso, com resultado incerto.

Nesses casos, o processo é utilizado não com o fim de obter o provimento jurisdicional, mas, sim, como meio de dificultar a atividade do concorrente ou mesmo de barrar a entrada de novos competidores no mercado.

Nesse contexto, a inversão automática do ônus da prova prevista pelo art. 38 do CDC poderia facilitar o abuso do direito de ação, incentivando esse tipo de estratégia anticoncorrencial, uma vez que, a partir do ajuizamento de demanda frívola, o ônus da prova estaria direta e automaticamente imposto ao concorrente com menor porte econômico.

10.2.3. Resultado final.

A disposição do Código de Defesa do Consumidor acerca do ônus probatório da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária, a princípio, não se aplica em demanda envolvendo concorrência desleal.

DIREITO AMBIENTAL

11.  Eficácia retroativa da Lei n. 12.651/2012 e reconhecimento de situações consolidadas e a regularização ambiental de imóveis rurais levando em conta suas novas disposições

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

A eficácia retroativa da Lei n. 12.651/2012 permite o reconhecimento de situações consolidadas e a regularização ambiental de imóveis rurais levando em conta suas novas disposições, e não à luz da legislação vigente na data dos ilícitos ambientais.

AgInt no REsp 1.668.484-SP, Rel. Ministro Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 5/12/2022, DJe 7/12/2022. (Info 768)

11.1.                   Situação FÁTICA.

O MP ajuizou ação civil pública objetivando a observância do disposto no antigo Código Florestal no que diz respeito ao cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo do percentual de Reserva Legal. O juiz competente julgou improcedente os pedidos. Em apelação, o tribunal local negou provimento ao recurso do parquet. Inconformado, o MP interpôs recurso especial no qual sustenta a irretroatividade da Lei 12.651/2012 frente aos ilícitos ambientais cometidos antes de sua vigência.

11.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 12.651/2012:

Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.

Art. 61-B. Aos proprietários e possuidores dos imóveis rurais que, em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente é garantido que a exigência de recomposição, nos termos desta Lei, somadas todas as Áreas de Preservação Permanente do imóvel, não ultrapassará: 

I – 10% (dez por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área de até 2 (dois) módulos fiscais; (

II – 20% (vinte por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) e de até 4 (quatro) módulos fiscais; 

Art. 61-C. Para os assentamentos do Programa de Reforma Agrária, a recomposição de áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo ou no entorno de cursos d’água, lagos e lagoas naturais observará as exigências estabelecidas no art. 61-A, observados os limites de cada área demarcada individualmente, objeto de contrato de concessão de uso, até a titulação por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra

11.2.2. Possível o reconhecimento de situações consolidadas em razão da vigência da nova lei?

R: Yeaph!!!

Trata-se de ação civil pública objetivando a observância do disposto no antigo Código Florestal no que diz respeito ao cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo do percentual de Reserva Legal.

A Primeira Turma acompanhou voto de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho para negar provimento ao agravo regimental de iniciativa dos particulares, reconhecendo que, segundo ambas as Turmas da Primeira Seção deste Tribunal Superior, a regra geral será a incidência da legislação florestal, de direito material, vigente à época dos fatos, na qual se determina a aplicação da Lei n. 4.771/1965 para as degradações ambientais ocorridas em sua vigência.

Entretanto, após o referido acórdão, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a reclamação proposta pelo ente público sucumbente, autuada sob o número 43.703/SP, afirmando que, em reiteradas reclamações, tem considerado que o raciocínio adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, fundado nos princípios do tempus regit actum e da vedação de retrocesso ambiental, acarreta burla às decisões proferidas por seu Plenário na Ação Declaratória de Constitucionalidade 42/DF e nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF, e implica o esvaziamento do conteúdo normativo de dispositivo legal, com fundamento constitucional implícito, constante na Súmula Vinculante n. 10.

Logo, em cumprimento à decisão emanada na Reclamação 43.703/SP, declara-se que o voto ora combatido diverge do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF e da ADC 42/DF quanto à legitimidade constitucional do Poder Legislativo para instituir “regimes de transição entre marcos regulatórios, por imperativos de segurança jurídica (art. 5º, caput, da CF) e de política legislativa (artigos 21, XVII, e 48, VIII, da CF)”.

Assim, a eficácia retroativa da Lei n. 12.651/2012 permitiu, por força geral dos arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67, o reconhecimento de situações consolidadas e a regularização ambiental de imóveis rurais levando em conta suas novas disposições, e não à luz da legislação vigente na data dos ilícitos ambientais.

11.2.3. Resultado final.

A eficácia retroativa da Lei n. 12.651/2012 permite o reconhecimento de situações consolidadas e a regularização ambiental de imóveis rurais levando em conta suas novas disposições, e não à luz da legislação vigente na data dos ilícitos ambientais.

DIREITO PENAL

12.  Cabimento da remição ficta no trabalho de natureza eventual, porquanto não se pode presumir que deixou de ser oferecido e exercido em razão do estado pandêmico

HABEAS CORPUS

Não cabe a remição ficta no trabalho de natureza eventual, porquanto não se pode presumir que deixou de ser oferecido e exercido em razão do estado pandêmico.

HC 684.875-DF, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023. (Info 768)

12.1.                   Situação FÁTICA.

Creiton, apenado, requereu a remissão ficta em razão de trabalho realizado no Projeto Mãos Dadas durante o estado de pandemia. O pedido foi negado, diante das informações de que o trabalho realizado no citado projeto ocorria de forma pontual e não contínua.

Inconformada, a defesa de Creiton impetrou HC no qual sustenta que as tarefas extramuros realizadas no programa governamental não deixam de consistir em subespécie de trabalho externo, merecendo igualmente a remição ficta da pena pelo lapso em que os serviços ficaram paralisados.

12.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Questão JURÍDICA.

LEP:

Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

§ 4o  O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.

12.2.2. Cabe remissão ficta?

R: Nooops!!!!

É cediço que, em regra geral, não se admite a remição ficta, posto que “O benefício da remição da pena pelo trabalho ou pelo estudo, consoante se denota do art. 126 da LEP, pressupõe que os reeducandos demonstrem a efetiva dedicação a trabalho ou estudo, com finalidade, portanto, produtiva ou educativa, dada a sua finalidade ressocializadora” (AgRg no HC 434.636/MG, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 6/6/2018).

Ocorre que, em razão da pandemia da Covid-19, que impôs a adoção de medidas excepcionais, o STJ, no julgamento do REsp 1.953.607/SC (Tema Repetitivo 1120), fixou a tese de que”Nada obstante a interpretação restritiva que deve ser conferida ao art. 126, § 4º, da LEP, os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, ao lado da teoria da derrotabilidade da norma e da situação excepcionalíssima da pandemia de Covid-19, impõem o cômputo do período de restrições sanitárias como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico”.

Assim, em razão da excepcionalíssima pandemia da Covid-19, o período de restrições sanitárias deve ser comutado como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.

No presente caso, as instâncias de origem afirmaram ser incabível a aplicação da remição, porquanto o trabalho exercido no denominado “Projeto Mãos Dadas” tem caráter EVENTUAL, PONTUAL, ocorrendo SOB DEMANDA. Nesse contexto, observa-se que se mostra incabível a contabilização fictícia de dias remidos, dada a própria natureza esporádica do trabalho exercido no Projeto.

Assim, sendo o trabalho de natureza eventual, incabível a aplicação da benesse, não podendo ser presumido que o reeducando ficou impossibilitado de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.

12.2.3. Resultado final.

Não cabe a remição ficta no trabalho de natureza eventual, porquanto não se pode presumir que deixou de ser oferecido e exercido em razão do estado pandêmico.

13.  Lesão a bens das entidades não previstas expressamente no rol do art. 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, em sua redação originária e enquadramento como dano qualificado.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL

Não se enquadra como dano qualificado a lesão a bens das entidades não previstas expressamente no rol do art. 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, em sua redação originária – anterior à alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.531/2017 -, em razão da vedação da analogia in malam partem no sistema penal brasileiro.

EREsp 1.896.620-ES, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 2/3/2023, DJe 6/3/2023. (Info 768)

13.1.                   Situação FÁTICA.

Creosvalda, inconformada com as tarifas bancárias cobradas de sua conta bancária, causou avarias a um imóvel da CEF em 2015. A denúncia foi realizada em 2018 e sobreveio sentença em que foi desclassificada a conduta para o delito de dano simples sob a justificativa de que, à época dos fatos (2015), o inciso III do parágrafo único do art. 163 do CP não previa em seu texto as empresas públicas. O MPF não concordou com a desclassificação e interpôs recurso.

13.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Questão JURÍDICA.

Código Penal:

Dano

Art. 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

 Dano qualificado

Parágrafo único – Se o crime é cometido:

 III – contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos; 

13.2.2. Dano qualificado?

R: Nooops!!!!

A controvérsia consiste em definir se há possibilidade do inciso III do parágrafo único do art. 163 do Código Penal – ao qualificar o crime de dano – ser interpretado extensivamente a fim de incluir as empresas públicas no rol do dispositivo por fatos ocorridos antes da alteração efetuada pela Lei n. 13.531/2017.

No caso, o crime imputado de dano qualificado decorre de avarias a um imóvel pertencente à Caixa Econômica Federal – CEF, empresa pública.

No acórdão embargado, entendeu a Sexta Turma que “Na espécie, nota-se que o Estado quis conferir tratamento mais severo à conservação do patrimônio público. Danificá-lo implica maior reprovabilidade quando em cotejo com os bens particulares. Desse modo, o aclaramento do rol do art. 163, III, do Código Penal mediante a inclusão das empresas públicas não se confunde com a ausência de norma reguladora”.

Por sua vez, a Quinta Turma, no acordão paradigma, decidiu que “o inciso III do parágrafo único do art. 163 do Código Penal, ao qualificar o crime de dano, não faz menção aos bens do Distrito Federal. Dessa forma, o entendimento desta Corte perfilha no sentido de que ausente expressa disposição legal nesse sentido, é vedada a interpretação analógica in malam partem, devendo os prejuízos causados ao patrimônio público distrital configurarem apenas crime de dano simples, previsto no caput do referido artigo”.

Nesse contexto, ressalta-se que, a despeito de o acórdão embargado envolver o patrimônio de empresa pública supostamente danificado pela embargante e o aresto paradigma se relacionar a bens do Distrito Federal, consigna-se que ambos os julgados tratam da mesma ratio decidendi, pois, na ocasião da prática delitiva objeto dos julgados, quanto ao delito disposto no art. 163, parágrafo único, III, do CP, vigorava a redação anterior à alteração operada pela Lei n. 13.531/2017.

O espírito da norma qualificadora do crime de dano é o de proteger o patrimônio público. Com isso, também não se despreza a natureza jurídica dos bens das empresas públicas e nem mesmo a discrepância em se considerar o prejuízo à entidade menos gravoso do que aos demais entes expressamente listados na redação original do inciso III do parágrafo único do art. 163 do CP. Entretanto, mostra-se inadmissível a inclusão das empresas públicas no rol dos entes constantes do dispositivo legal em apreço, haja vista que, no direito penal, não se admite a analogia em prejuízo ao réu, além do dever de se respeitar o princípio da reserva legal quanto às normas incriminadoras.

Não se trata da utilização da técnica da interpretação extensiva para ampliar a vontade do legislador, consoante concluído no aresto embargado, mas ausência de expressa previsão legal a respeito do enquadramento do patrimônio das empresas públicas no rol dos entes dispostos na redação originária do art. 163, parágrafo único, III, do CP. Assim, qualificar o dano praticado em detrimento dos bens da referida entidade seria hipótese de aplicação da analogia in malam partem, não admitida no direito penal.

Desse modo, deve prevalecer o entendimento da Quinta Turma do STJ, no sentido da impossibilidade de se enquadrar como dano qualificado a lesão a bens das entidades não previstas expressamente no rol do art. 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, em sua redação originária, haja vista a vedação da analogia in malam partem no sistema penal brasileiro.

13.2.3. Resultado final.

Não se enquadra como dano qualificado a lesão a bens das entidades não previstas expressamente no rol do art. 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, em sua redação originária – anterior à alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.531/2017 -, em razão da vedação da analogia in malam partem no sistema penal brasileiro.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

14.  (Im)Possibilidade da alienação antecipada de bens que correm o risco de perecimento ou desvalorização, ou quando houver dificuldade para sua manutenção

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA

É possível alienação antecipada de bens que correm o risco de perecimento ou desvalorização, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.

AgRg no RMS 68.895-MS, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/3/2023, DJe 9/3/2023. (Info 768)

14.1.                   Situação FÁTICA.

Craudio foi denunciado por supostamente integrar organização criminosa especializada no transporte aéreo internacional de drogas na região de fronteira. O Justiça determinou o sequestro (medida assecuratória) de uma aeronave em nome de Craudio, assentando-se que esta seria utilizada para a atividade criminosa.

Em razão da dificuldade da guarda e manutenção do bem, bem como das dispendiosas quantias para tanto, o juízo autorizou a alienação antecipada do “teco-teco”. Inconformado, Craudio impetrou MS no qual sustenta a origem lícita do bem, bem como a impossibilidade de alienação antecipada.

14.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

14.2.1. Questão JURÍDICA.

Código de Processo Penal:

Art. 144-A.  O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.   

Lei n. 9.613/1998:

Art. 4o  O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.             

§ 1o  Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção. 

Lei n. 11.343/2006:

Art. 61. A apreensão de veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte e dos maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza utilizados para a prática, habitual ou não, dos crimes definidos nesta Lei será imediatamente comunicada pela autoridade de polícia judiciária responsável pela investigação ao juízo competente.

14.2.2. Possível a alienação antecipada?

R: Yeaph!!!!

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que “O art. 144-A do Código de Processo Penal, acrescido ao diploma pela Lei n. 12.694/2012, permite expressamente a alienação antecipada de bens que correm o risco de perecimento ou desvalorização, ou quando houver dificuldade para sua manutenção” (AgRg no REsp 1.964.491/MT, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 31/3/2022).

Para o deferimento da medida de alienação antecipada, em suma, são necessários indícios suficientes de prática de infração penal, bem como de que os bens constritos são utilizados na prática criminosa ou constituem produto/proveito dos delitos apurados.

No caso, quanto aos indícios da conduta delitiva, investiga-se organização criminosa especializada no transporte aéreo internacional de drogas na região de fronteira de Ponta Porã/Pedro Juan Caballero/MS, realizado por pilotos habilitados.

O acusado não demonstrou a origem lícita da aquisição, além de ser dispendiosa a manutenção desse bem sem que se deteriore, mostrando-se, portanto, válida a venda antecipada do bem. Ressalta-se que o fato da aeronave ter sido parcelada não demonstra a origem lícita dos recursos usados para quitá-la.

Acrescenta-se, ainda, que a venda está autorizada além da hipótese de perecimento, nos casos de desvalorização ou de dificuldade para a sua manutenção que é o que ocorre com uma aeronave, a qual não pode simplesmente ficar guardada em um hangar sem a realização de diversos procedimentos, como o funcionamento do motor e checagem dos sistemas de direção e hidráulica, entre outros, os quais oneram a guarda do bem, além da sua desvalorização a cada ano que se passa.

Portanto, as circunstâncias autorizam a alienação do bem antecipadamente, nos termos do art. 144-A do Código de Processo Penal e art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.613/1998, tratando-se de medida também disciplinada no art. 61 da Lei n. 11.343/2006, que visa a garantir a preservação do valor econômico dos ativos apreendidos.

14.2.3. Resultado final.

É possível alienação antecipada de bens que correm o risco de perecimento ou desvalorização, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.

MENOR RELEVÂNCIA PARA CONCURSO

15.  (I)Legitimidade da pessoa jurídica de direito privado delegatária de serviço público para ingressar com pedido de suspensão de segurança

AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E SENTENÇA

A pessoa jurídica de direito privado delegatária de serviço público somente tem legitimidade ativa para ingressar com pedido de suspensão de segurança na hipótese em que estiver atuando na defesa de interesse público primário relacionado com os termos da própria concessão e prestação do serviço público.

AgInt na SLS 3.169-RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, por maioria, julgado em 15/3/2023. (Info 768)

15.1.                   Situação FÁTICA.

A Associação de Participantes do Plano Previdenciário CEEE ajuizou ação em face da PREVIC a fim de obstar procedimento de retirada de patrocínio das empresas administradas pela Fundação CEEE da Seguridade Social. Foi deferida a antecipação de tutela para determinar à PREVIC que se abstenha de receber e processar o pedido de retirada de patrocínio por parte das empresas CEEE. A CEEE então ajuizou pedido de suspensão, mas a associação alega a ilegitimidade ativa da pessoa jurídica de direito privado delegatária de serviço público para tanto.

15.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

15.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.437/1992:

Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

15.2.2. Verifica-se a legitimidade ativa?

R: Somente na hipótese em que estiver atuando na defesa de interesse público primário relacionado com os termos da própria concessão e prestação do serviço público!!!!

Nos termos do art. 4º da Lei n. 8.437/1992, “compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.

Vê-se, pois, que o pedido de suspensão de segurança constitui incidente processual por meio do qual a pessoa jurídica de direito público ou o Ministério Público busca a proteção do interesse público contra um provimento jurisdicional, cujos efeitos possam causar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública.

No que toca à legitimidade para requerer o incidente processual em foco, admitem-se, excepcionalmente, pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público ou no exercício de função delegada pelo Poder Público, contanto que na defesa do interesse público primário, correspondente aos interesses da coletividade como um todo.

No caso, muito embora se trate de concessionária de serviço público de energia elétrica, a questão posta em discussão não se refere à prestação do serviço público de geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica. Discute-se, em realidade, a proteção de interesse privado da empresa que, na qualidade de patrocinadora de plano de previdência complementar privado, formula pedido contra a entidade fechada de previdência, visando à retirada de patrocínio do plano de benefícios mantido em relação aos empregados vinculados ao Fundo de Pensão.

A matéria debatida diz respeito à faculdade de retirar patrocínio de plano fechado de previdência complementar. Logo, é bem de ver que se trata de relação contratual de natureza privada – entre a empresa e seus empregados, beneficiários de plano de previdência – sem nenhuma relação direta, e até mesmo indireta, com a sua atividade como concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica.

15.2.3. Resultado final.

A pessoa jurídica de direito privado delegatária de serviço público somente tem legitimidade ativa para ingressar com pedido de suspensão de segurança na hipótese em que estiver atuando na defesa de interesse público primário relacionado com os termos da própria concessão e prestação do serviço público.

Jean Vilbert

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